Santo Agostinho - Deus e o Homem

“Peçam, e será dado; busquem, e encontrarão;  batam, e a porta será aberta. Pois todo o que pede recebe; o que busca  encontra; e àquele que bate, a porta será aberta”. - Mateus 7:7-8.

Com o coração se pede. Com o coração  se procura. Com o coração se bate e é com o coração que a porta se abre.

Na minha mais profunda ferida eu vi a Tua glória, e isso me deslumbrou. Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis que estavas dentro e eu fora.

Estavas comigo e não eu contigo. Exalaste perfume e respirei. Agora anelo por ti.

Provei-te, e tenho fome e sede.  Tocaste-me e ardi por tua paz. E como invocarei meu Deus, meu Deus  e meu Senhor, se ao invocá-lo o faria certamente dentro de mim?

Eu nada seria, meu Deus, nada seria em absoluto se não estivesses em mim; talvez seria melhor dizer que eu não  existiria de modo algum se não estivesse em ti, de quem, por quem e em  quem existem todas as coisas? Deus e o Homem. Santo Agostinho.

Observa primeiramente se sabes amar-te  a ti mesmo; depois, te recomendo que ames o próximo como te amas a ti. Se  ainda não sabes amar-te a ti mesmo, enganarás ao próximo como te enganas-te a ti. Um Sábio da Antiguidade vos disse: “Conhece-te a ti mesmo”.

Quem está longe de Deus, também está longe de si mesmo, alienado de si mesmo. Só pode encontrar a si se se encontra com Deus. Deste modo, consegue chegar a seu verdadeiro eu, sua verdadeira identidade.

Senhor, conheça-me eu a mim, e conhecer-te-ei a Ti. Torna-me teu escravo, ó Deus, e então serei livre! Quem quiser salvar sua vida,  perdê-la-á, quem a perder continuamente, encontrará a liberdade.

Só alcança o fundo de si mesmo, só conhece as profundezas da existência quem deixa tudo, aquele para quem tudo desapareceu e se viu a sós com a verdade. Mas devemos procurar Deus e suplicar-lhe, no mais íntimo recesso da alma racional, que se denomina o homem interior; quis Ele que fosse este o seu templo. As pessoas viajam para admirar a altura das montanhas, as imensas ondas dos mares, o longo percurso dos rios, o vasto domínio do oceano, o movimento circular das estrelas, e, no entanto, elas passam por si mesmas sem se admirarem.

Não procure fora, mas dentro de você, é no interior do homem que habita a verdade. A oração é o encontro da sede  de Deus e da sede do homem. Ouve, Senhor, minha oração, para que  não desfaleça minha alma sob a tua lei, nem me canse em confessar tuas  misericórdias, com as quais me arrancaste de meus perversos caminhos; que tua doçura  sobrepuje todas as doçuras que segui, e assim te ame fortissimamente, e  abrace tua mão com toda minha alma, e me livres de toda a tentação até o fim dos meus dias.

Só a ti quero, justiça e inocência, tão bela e graciosa aos olhos puros, e com insaciável saciedade. Só em ti se acha o descanso supremo e a vida imperturbável. Quem entra em ti, entra no gozo do seu Senhor, e não temerá, e estará perfeitamente bem no sumo bem.

Eu me afastei de ti e andei errante, meu  Deus, mui longe de teu esteio em minha adolescência, e cheguei a ser para mim  mesmo uma região de esterilidade. De fato, sem ti, que sou eu para mim mesmo  senão um guia que conduz ao abismo? Ou que sou eu, quando tudo me corre bem,  senão uma criança que suga o leite, e que se alimenta de ti, alimento incorruptível?

E que é o homem, seja ele quem for, se é homem? Por que, perversa, segues o apelo de tua carne? Seja esta, convertida a te seguir.

Tudo o que por ela sentes é parte, mas ignoras o todo de que é parte, ainda que te dê  prazer. Mas, se os sentidos de tua carne fossem idôneos para compreender o todo, e se, para teu castigo, não tivessem sido justamente limitados a compreender apenas partes do universo, certamente desejarias que passasse tudo o que presentemente existe, para melhor desfrutar do conjunto. O que falamos também ouves com os ouvidos da carne, e com certeza não queres que as sílabas se detenham, mas que voem, para que outras lhes sucedam, e assim ouvires o conjunto.

O mesmo acontece com todas as coisas  que compõem um todo, quando essas partes constituintes não existem  simultaneamente; há mais encanto no todo do que nas partes percebidas separadamente.  Mas melhor do que todas elas, é o que as fez, que é nosso Deus, que não  passa, porque nada vem depois dele. Fixa nele tua morada, confia a ele tudo  o que dele recebeste, alma minha, já cansada de tantos enganos.

Confia à  Verdade quanto da Verdade recebeste, e nada perderás; antes, tua podridão  reflorescerá e serão curadas todas as tuas fraquezas, e serão retomadas e renovadas,  estreitamente unidas a ti, tuas partes inconscientes; já não te arrastarão  para a ladeira por onde descem, mas permanecerão contigo para sempre  onde está Deus, eterno e imutável. E onde estava eu quando te buscava? Certamente, estavas diante de mim, mas eu me havia afastado de mim mesmo, e não me encontrava, e muito menos encontrava a ti!

Na procura de Deus é Ele quem se  adianta e vem ao nosso encontro. Contemplei depois as outras coisas, e  vi que deviam a ti sua existência, e que todas estão contidas em ti, não como  em um lugar material, mas de modo diferente: conservas todas elas em tua  verdade, sustentadas na tua mão; todas as coisas são verdadeiras enquanto existem,  e só é falso o que julgamos existir, mas não existe. Também vi que cada coisa  adapta-se não só a seus lugares, mas também a seus tempos, e que tu, que és  o único eterno, não começaste a agir depois de infinitos espaços de tempos, porque todos os espaços de tempo – passados ou futuros – não teriam passado nem viriam se tu não agistes e não fosses permanente.

O tempo, é um vestígio de eternidade. Compreender para crer, crer para compreender. Se não podes entender, crê para que  entendas.

A fé precede, o intelecto segue. A fé e a razão caminham juntas,  mas a fé vai mais longe.