Calor tremendo nessa cidade! Nunca vi um calor assim. Rapaz, tá horrível, né? Ah, professor, eu tenho que ver aqui onde eu moro. Meu Jesus Cristo, não quero ver, não. O sonho é do frio também. Então, tá gravando aqui, já tá, tá bom. Pois bem, sejam todos muito bem-vindos, né? Primeiramente, boa noite ao Pablo. Boa noite ao professor, mais uma vez. Estamos iniciando hoje um formato um pouco diferente aqui na sociedade, né? Vai ser algo mais informal aqui com o professor, né? Algo mais em estilo podcast que o professor também já tá um pouco acostumado.
Nós escolhemos um tema, né, bastante profundo, que já foi alvo de muita discussão e ainda o é, de certo modo, na história da igreja, né? Que é justamente a questão da graça, né? O mistério da predestinação. Eu havia inicialmente pensado em falar alguma coisinha, mas, sendo bem sincero, prefiro que o professor exponha do início ao fim toda a temática, né? Mas antes, eu até comentei com o professor em privado, né? Eu acho que seria bastante pertinente esmiuçar a questão da necessidade da graça na vida do homem para que ele possa alcançar a salvação. Porque, infelizmente,
desde os tempos de Agostinho até os dias de hoje, eu diria que hoje também, esse pensamento falso, né, de que o homem pode salvar-se a si mesmo sem a ajuda de Deus, tá muito presente, mesmo no meio, mesmo dentro da igreja, né? Quantos e quantos católicos não dizem por aí que "ah, mas eu não preciso ir à missa", "ah, mas eu não preciso me confessar, Deus conhece o meu coração, então Deus vai me salvar". Então, eu acho que seria interessante, professor, o senhor iniciar falando um pouco do por que esse pensamento é falso, né? Além
de já ter sido condenado pela igreja, mas por que o homem, de fato, depende do auxílio de Deus para alcançar a salvação e por que ele não poderia, sozinho, seja por seus méritos próprios individuais, entrar no reino de Deus. Deixo a palavra toda com o senhor, tá bom? Pablo não quer falar, não quer dizer nada antes? Não? Não? Bom, para entender isto, ou seja, por que o homem depende, em ordem à salvação, da graça de Deus, há que entender antes de tudo como o homem foi criado. O homem foi criado em estado de graça, não
em estado de natureza. Sua natureza já estava em Adão e Eva sobrelevada ao sobrenatural. Esta criação faz e é relativa ao fim que Deus deu ao homem. Deus deu ao homem um fim que é infinitamente, incalculavelmente, superior às suas próprias forças. Este fim é o conhecimento de Deus mesmo por essência. Pois bem, então temos algo que não é tão fácil entender, mas que é assim, e não tem jeito: o homem é um ente, é uma criatura que anseia algo que se ordena, algo que ele não pode alcançar. Diferentemente, por exemplo, de todos e quaisquer animais
ou plantas, etc., que alcançam aquilo a que se ordenam. Claro, em certo sentido, o homem alcança naturalmente um fim, que é a imortalidade, né? Como diz Santo Tomás, o homem, todo homem, anseia a imortalidade, mesmo que não creia nela. Gostaria de ser imortal; só da boca pra fora é que alguém pode dizer que não gostaria de ser imortal. Essa história daquele poeta Rilke, né, dos anjos que querem deixar de ser anjos para serem mortais como homens, isso é uma piada de mau gosto. É até um filme do alemão Wim Wenders, "As Asas do Desejo", é
a história de um anjo que se apaixona por uma mulher e pede a Deus, sei lá o que ele faz, não me lembro mais, é que deixe de ser anjo e passe a ser um homem mortal. A mortalidade tem mais graça que a imortalidade; tudo isso é bobagem. Todo homem anseia a imortalidade e, sem dúvida alguma, de algum modo, o homem é imortal, ou seja, pela alma, tá? Isso, naturalmente, tá? Se assim não fosse, a natureza do homem seria vã. Mas Deus não se contentou com uma imortalidade espiritual para o homem, senão que lhe quis
dar uma imortalidade completa, total: corpo e alma, tá? E a visão beatífica, ou seja, o conhecimento dele mesmo, Deus, por essência, este é o fim do homem. E o homem tende a isto, por quê? Tende a isto porque ele quer isto. Porque, sendo homem intelectual, ele anseia conhecer a causa de tudo e só repousa, só repousará quando conhecer esta causa, senão não repousa. Então, Deus criou um ente que anseia algo que suas forças são incapazes de alcançar por si mesmo. Por isso é que Deus não criou o homem em estado de natureza, senão que o
criou em estado de graça, tá? Alguém pode argumentar: "Ah, mas se tivesse criado só em estado de graça, o que de natureza, o que seria possível?". Então o homem não atingiria este fim que é o conhecimento perfeito da causa de tudo. É verdade, mas Deus o criou com possibilidade de atingir isso, não graças à própria natureza, mas graças à graça, tá? Quando o homem, pelo pecado, perdeu a graça, né, viveu em estado de natureza. Deu no que deu, ou seja, o estado de natureza no paganismo, né, foi incapaz por si não só de alcançar o
sobrenatural, senão que foi incapaz de alcançar o próprio natural. Tome-se a ética de Aristóteles, né? E veja-se se qualquer pagão foi capaz de alcançar perfeitamente aquilo que se propõe na ética nicomáquea. Veja-se se algum foi perfeitamente virtuoso. Não, não foi. Não foi, porque até para cumprir seus fins naturais, né, o homem depende da graça. O homem, sem a graça, não é nada. Foi criado em graça, e por isso é que se diz que o homem, depois do pecado, teve a natureza caída, né? Não no sentido de uma natureza essencialmente corrompida, como queria Lutero, mas no
sentido de que já não consegue atingir sequer os fins naturais intermediários, a vida virtuosa, né? É incapaz de alcançar sem a graça. Deus não fez o homem para dar nenhum auxílio em estado; Deus fez o homem para dar-lhe graça em estado de graça, em ordem a um fim que ele almeja. Mas é incapaz de alcançar por si mesmo. Daí que a graça seja essencial ao homem. Sem a graça, o homem não atinge nada, nem sequer cumpre a lei natural, né? A lei natural põe como primeiro mandamento amar a Deus sobre todas as coisas e, se
se quiser, amar o próximo como a ti mesmo. O mandamento de amar a Deus sobre todas as coisas ninguém o consegue cumprir em estado só de natureza, ou seja, sem a graça. É impossível, nem sequer a lei natural. Então, este princípio primeiro da lei natural, o preceito primeiro da lei natural, amar a Deus sobre todas as coisas, que tem a ver com a vida da justiça, que tem a ver com a virtude de religião, que tem a ver com a virtude de justiça, é o que dá forma aos outros mandamentos da lei natural. Se você
não cumpre aquilo que dá forma ao restante, você não cumpre simplesmente a lei natural. Portanto, como dizia Santo Agostinho, um homem que não tem a graça não é propriamente. Ele pode ser menos ediondo do que outro, tá? Ele pode ter certas virtudes ou qualidades, mas não é propriamente virtuoso. Por quê? Porque nenhum homem, sem a graça, consegue cumprir o mandamento da lei natural que dá forma aos demais mandamentos. É como na vida sobrenatural: sem a caridade, a fé não salva. Pois bem, na vida moral natural, sem o cumprimento do primeiro mandamento, não se é virtuoso.
Por que a virtude ou é completa, ou não é. O vício tem graus; a virtude não, em certo sentido. Tá certo? Ou seja, ou está informada por aquilo que é sua forma, ou não se tem vida virtuosa propriamente dita, né? Então, é isto: o homem necessita intrinsecamente da graça. Ele foi criado em graça. As especulações sobre o homem em estado de natureza não passam disso: especulações. Porque só conhecemos o homem em estado de natureza quando está privado da graça com que ele foi criado. Logo, em estado de natureza caída, portanto, nós não temos exemplo de
um homem criado em estado de natureza. Isso não existe; é uma mera hipótese para que se trabalhe, especule. Mas o homem que foi criado em graça, em ordem a um fim que ele anseia, mas que é incapaz de alcançar por si mesmo, já diz tudo: o homem sem a graça é o homem com a natureza caída, é o homem em pecado, é o homem resultante do pecado. Esta é a realidade; qualquer outra coisa que se argumente quanto a isso é falaciosa, tá? Daí que seja falaciosa a heresia que diz que podemos salvar-nos por nossas próprias
forças ou virtudes, né? Vamos hoje ainda discutir a questão complexa do molinismo, mas antes disso, diga que esta heresia, o pelagianismo, que diz que o homem é premiado por Deus pelo que faz, segundo seu livre arbítrio, né? E segundo suas próprias virtudes, é uma falácia. Exatamente porque, como eu disse, o homem, sem a graça, é incapaz de ser virtuoso naturalmente. Por quê? Porque é incapaz de cumprir o primeiro dos mandamentos da lei natural, que é o mandamento que informa o conjunto da lei natural, o conjunto dos mandamentos. Professor, uma pergunta: qual é exatamente o erro
do modernismo ou da novela teologia quanto a isso? Que eu sei que eles erram quanto à questão de natureza e graça, né? É mais ou menos - quer dizer, isso varia de autor para autor, né? Mas, obviamente, está ali ligado ao pelagianismo, né? Como disse São Pio X, o modernismo é a encruzilhada de todas as heresias, e entre as vias que aparecem aí heréticas está o pelagianismo. Eles também creem, né, na bondade inata do homem, que o homem se salva por sua bondade. E, no fundo, se você espremer, por exemplo, o que se disse a
respeito disso no Concílio Vaticano I ou no conciliábulo Vaticano I, e o que se disse depois dele, né? Nós vamos ver que só se condena um Hitler, um Stalin, coisa assim, não? Ou seja, é uma revivescência do pelagianismo. Sem dúvida que é, tá? Só que, diferentemente até de Pelágio, é de um sentimentalismo atroz, né? Porque, na verdade, pro neo-modernismo, ao menos, né, esse que saiu vitorioso no Vaticano I, Cristo veio redimir a humanidade. Cristo não veio redimir os eleitos; ele veio redimir a humanidade, né? Independentemente da graça e da religião, né? Daí o ecumenismo. Então,
na verdade, é um pelagianismo radicalizado, né? É um pelagianismo levado às suas últimas consequências. Na verdade, é um humanismo. Então, quer dar prosseguimento à predestinação, sim, mas pode perguntar, eh? Então o senhor foi muito interessante isso que o senhor falou em relação a essa ideia do humanismo mesmo, né? Infelizmente, também nós vemos com certa frequência, e uma frequência, eu diria até que alta, eh mesmo entre bispos, clérigos, enfim, a ideia de que o inferno está vazio, né? Uma proposição, obviamente, altamente herética, né? Já foi, se eu não estiver enganado, condenada também por algum dos concílios
da Igreja. E eu gostaria também que o senhor falasse em relação à falsidade dessa. Proposição, mesmo, né? Porque se um bispo ou um simples leigo crê, né, se diz católico que crê numa aberração dessas, esvai-se todo o mistério, por exemplo, da Encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo, né? Então, é algo semelhante ao que Agostinho diz, né? Que então Cristo teria morrido em vão. O inferno está cheio e está mais cheio que o céu, se se considerar só os homens. A doutrina católica, não magisterial, mas tradicional, é que a maioria dos homens se condena, né? A
proporção pode discutir-se, mas a maioria dos homens se condena. Santo Tomás diz uma coisa muito interessante: se se juntam homens e anjos, a maioria se salva; se se consideram tão só os homens, a maioria se condena. Além do mais, dizer isso é ir contra a letra claríssima, por exemplo, do Apocalipse de São João, né? Ali está claro que o inferno existe e que muitos vão para lá. Claro, ali não está dito que a maioria se condena, mas isso de que a minoria se condena, antes de se chegar ao inferno, veio da doutrina, teoria de que
a minoria que se condena. Essa doutrina surge pelo século XVI, com o padre Feber e outros. Em 1819, com o padre Feber e outros, até chegar a Garrigou-Lagrange, que calcula que 50% se salva e 50% se condena. Como eu mostro em meu livro sobre a predestinação, em meu texto sobre a predestinação, isso é uma espécie de democratismo, né? Um dos baluartes dessa teoria de que a maioria se salva foi o padre Leonardo Castellani, um argentino tido por tradicionalista, que além de outros erros, era milenarista. Ele dizia: "não, perdoe-me Santo Agostinho, mas como Cristo ou Deus
deixaria que se perdesse a maior parte de sua criação?" Vê como isso é algo... democracia é o reino do número. Para imitar René Guénon, o perennialista, é o reino da quantidade, né? Nesse sentido, ele tem alguma razão, mas é o quantitativo, não por nada. A primeira vez que se fala que a maioria se salva ou que metade se salva, isso foi depois do liberalismo que culminou na Revolução Francesa, né? É concomitante. Claro, o padre Feber não era um herege, isso não é uma heresia. O magistério da Igreja não decretou nada acerca disso, mas isso vai
contra a tradição, incluindo os padres. Todos os padres unanimemente diziam que a maioria se condena, né? São Tomás não hesita; o padre Castellani diz, em sua péssima tradução da Suma Teológica, que Santo Tomás só fala por hipótese. Não é verdade. Eu mostro no referido texto que ele fala com certeza. Ele dá um argumento apodíctico a partir de Mateus, a partir do dito de São Mateus: "muitos são os chamados, mas poucos são os eleitos". E assim vamos. Então, houve uma história, depois de 18 séculos, em que se disse que a maioria se condena. Começou-se, por certo
influxo subterrâneo, larvar, do liberalismo. Começou-se, do reino da quantidade, por dizer que a maioria se salva ou pelo menos metade se salva, para terminar nisso: "o inferno está vazio". Isso de um inferno vazio é hoje a opinião majoritária entre os batizados, amplamente majoritária, e ela foi crescendo juntamente com o crescimento da democracia liberal. Começa a doutrina de um padre Faer com o liberalismo; o padre Faer, anglicano, era um francês muito famoso também, que deu muitas conferências. Algo assim. Esqueci seu nome agora. Era outro. Bom, não me lembro direito. Começa por ali, na França, na Inglaterra,
e vai se chegando até Garrigou-Lagrange, que é tido por ortodoxo, né, por muitos setores tradicionalistas. Não o é, embora tenha coisas ortodoxas. Ele combateu o modernismo, mas com instrumentos muito ineptos. Mas, seja como for, né? Alcança-se, então, como o Vaticano II, essa aberração de que um inferno está vazio ou, no máximo, está ocupado por um Hitler, por um Stalin, por esses monstros da natureza, pelos killers, ou coisa assim, né? No máximo, o resto se salva. O resto é bonzinho, né? É a visão naturalista, humanista, que hoje é a visão da amplíssima maioria dos que se
dizem católicos, dos batizados, dos que frequentam o Rosário do Frei Gilson, coisas assim, né? A maioria pensa assim, e isto, não só leigos, mas padres, bispos, etc. Tal é a amplíssima maioria, o que condiz com a nossa marcha para o fim dos tempos. E, professor, como coadunar a liberdade que nós temos com a necessidade da graça, do ângulo da predestinação de Deus determinar as coisas desde a eternidade? Estamos falando de duas coisas, né? Uma coisa é a necessidade da graça. Quanto a isso, não pode haver a menor dúvida: negá-lo é herético, ponto. Tá certo? Negá-lo
é herético. O problema é que no século X surge... Bom, explique-se que, quando Santo Inácio de Loyola fundou os Jesuítas, a Companhia de Jesus, ele inscreveu nos estatutos que a ordem seria estritamente tomista. Tá certo? Estritamente tomista. Mas como havia o embate dos católicos, e dos Jesuítas em particular, contra os luteranos, dizia ele aos seus confrades que não se devia falar de predestinação publicamente. Por quê? Porque era muito difícil explicar a diferença entre a predestinação no sentido de Santo Tomás e a predestinação no sentido de Lutero. Bom, que seja, na segunda ou terceira geração começou,
dentro da Ordem, da Companhia de Jesus, um afastamento progressivo da doutrina de Santo Tomás. Não só quanto à predestinação, há vários pontos. Isso horroriza até os velhos Jesuítas. Que se mantinham vivos, né? Eu tenho uma série de documentos de jesuítas mais velhos dessa época que se horrorizam com Molina, com quem era fraquíssimo. Aliás, com Francisco Suárez, que não era fraquíssimo. Eh, mas o fato é que este afastamento, né? Eh ganhou destaque no tocante à questão da predestinação, porque Molina, com o apoio de Francisco Suárez e mutantes, mas até de Santos, como, eh, meu Deus, aquele
que era o assessor do Urbano, eh, que era chamado Congrí. Agora não, não me tá... não me tá... Xavier, não, eh... não, não, não é Xavier. Não, esqueci. Não importa, não importa. Eh, veja, o título da obra de Molina já se refere a Santo Tomás, tá certo? Eh, então, é um confronto direto com São Tomás na questão da predestinação. Eh, opôs-se a essa corrente jesuíta muito forte e muito agressiva; era de uma agressividade impressionante, né? Eh, eh, opôs-se a ela, sobretudo um dominicano chamado Domingo Bañes, tá? E os tomistas, em geral, e alguns jesuítas, cerraram
fileiras em torno de Bañes, tá? Ele elaborou toda uma doutrina que resultou na doutrina da premoção física, tá? Pois bem, qual é o xis da questão? O xis da questão é que Santo Tomás dizia que, se nos salvamos, nos salvamos pela graça; e, se nos perdemos, nos perdemos por culpa própria, né? E, ao passo que Molina, num como semipelagianismo, vai dizer que não; Deus dá a graça a todos e prevê os méritos que os homens teriam a partir da graça, tá? É, previa. É como diz Santo Tomás: é como se o rei desse um cavalo
a um cavaleiro e não a outro, o melhor cavalo, porque saberia, já sabia, já previa que ele usaria melhor o cavalo que o outro cavaleiro, tá certo? Ou seja, a discussão se centra entre a... Deus predestina sem ou com previsão dos méritos. É isto. Ponto final. Esta é a questão central: sem ou com previsão final. Sem previsão final, Santo Tomás com previsão de méritos. Molina dizia: Santo Tomás, Deus não predestina alguém porque este alguém seja bom, senão que Ele o faz bom e por isso o predestina. Nós, ao amarmos uma mulher, por exemplo, amamos uma
mulher porque ela é boa, tá? Porque ela tem bondade. Quando gostamos de alguém, de um amigo, é porque ele é bom. Deus não. Deus não ama porque as criaturas são boas; Deus faz bons aqueles a quem ama, tá? Isto é o oposto do que diz Molina, porque para Molina, Deus salva aqueles que usufruem bem da graça dada, tá? Bom, claro que Santo Tomás não elimina o livre-arbítrio. Um exemplo: a... a graça. Nossa Senhora, Nossa Senhora é plena de graças, né? Repleta de graças e, no entanto, o sim dela ao anjo foi o que permitiu a
Encarnação. Então, vejam que o sim dela é de livre-arbítrio, embora esteja movida pela graça, e isto resulta do princípio de que a causa primeira não anula a ação da causa segunda. Ou seja, a graça não anula a ação do livre-arbítrio; as duas coisas são concomitantes. Mas é claro que a graça tem precedência. A causa primeira tem precedência sobre a causa segunda. O livre-arbítrio está sempre... o homem é sempre dotado de livre-arbítrio, mesmo quando movido pela graça. Mesmo quando movido pela graça, tá? O que sucede, porém, é que Bañes e os tomistas de então já não
eram tão tomistas assim quanto eles se julgavam; sem tirar o mérito deles de terem levantado a bandeira do tomismo, eh, e terem defendido a doutrina da predestinação tomista contra o semipelagianismo. Molina, sem tirar-lhes esse mérito, o fato é que a doutrina da premoção física, né, termo que Santo Tomás desconhecia, né, já beirava um pouco o fatalismo, né? Beirava um pouco Lutero, de fato, tá? Eh, veja só que eu não estou dizendo nenhum absurdo. Domingo Bañes simplesmente negava a distinção real entre essência e ser, simplesmente. E este é o eixo, é o gonzo em torno do
qual gira todo o tomismo, né? Eh, ele negava e dizia que era uma distinção de razão e não real. Então, esses eram os tomistas de então, eh, já não eram Santo Tomás. O que é natural, hoje criticamos a Cardeal Caetano, Abanh, porque já passou o tempo, já vimos as consequências e tal. Mas nós, ali, naquela época, provavelmente, erramos como eles. Então, ele pôs um peso demasiado no fatalismo da premoção física. Tá certo? Isso não contribuiu para... para a querela com os jesuítas, né? A coisa desandou numa briga sectária muito feia entre jesuítas e dominicanos, embora
eu insista que os jesuítas eram piores ali; eles tinham um comportamento bastante ruim, bastante disfarçado de partido político, né? Mas o fato é que foi uma confusão tão grande que o Papa Júlio, né? Eh, criou comissões para estabelecer a verdade, para a Igreja definir uma doutrina acerca da predestinação, e não chegou a nenhuma conclusão. E a conclusão dele é que a Igreja toleraria as duas doutrinas: tanto a de Santo Tomás quanto a de Molina, embora fosse um Santo Tomás interpretado por B, eh, como a de Molina, como, eh, com direito de cidadania na Igreja; podiam
debater entre si, eh, menos, eh, salva a acusação de heresia. Porque, de fato, os... os tomistas, né? Eh, os tomistas chamavam os jesuítas de pelagianos e os jesuítas chamavam os tomistas de luteranos. Isso ficou proibido, mas não se proibiu o debate. Tanto que eu estou aqui fazendo esse debate, eh, e dizendo que, essencialmente, tinham razão os tomistas, Bañes, etc. Mas Bañes pôs um peso demasiado na premoção física. O próprio nome não é bom: "premoção física". Não é bom. A ação da causa primeira não anula a ação da causa segunda, assim como a ação da graça
não anula a ação do livre arbítrio. Mas não há possibilidade de salvação, e salvação implica a vida, a visão beatífica, a vida eterna. E não há possibilidade sem a graça. Por quê? Porque isso que o homem almeja conhecer, a causa primeira de tudo, ele não consegue alcançá-la com as próprias forças. Como eu disse, só com a graça. Logo, a predestinação é gratuita, ela é absolutamente gratuita. Mas atenção: várias com Lutero. Primeiro, não é verdade que Deus, de toda a eternidade, predestinou os eleitos e condenou os réprobos. Não é verdade. Deus, de toda a eternidade, predestinou
os eleitos e não predestinou os que seriam réprobos; mas não é que Ele tenha condenado. Ao contrário, os réprobos condenam-se por seus próprios pecados. Ponto. Isso é a primeira coisa. Segundo, Deus, na maioria dos casos, quer o concurso meritório do eleito. Tanto é assim que São Pedro, em sua epístola, diz: “Façam boas obras para que se cumpra vossa predestinação.” Vejam: para que se cumpra vossa predestinação, ele exige o mérito para o eleito. E se alguém diz, como dizia Lutero: “Peque fortemente, mas creia mais fortemente ainda”, isso é sinal de reprovação, porque alguém movido pela graça,
algum eleito, jamais diria isso, a não ser que Lutero seja um eleito daqueles que se salvam no momento final. Então, chegamos na segunda questão. Alguns, para mostrar a liberalidade, a gratuidade da salvação, Deus salva sem méritos nenhum. É o caso, ou quase nenhum, é o caso do bom ladrão. O bom ladrão, movido pela graça, só no fim da vida é que fez uma boa obra: a obra das obras, o reconhecimento do Messias. E o Messias lhe disse: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso.” Agora, o caso mais impressionante da gratuidade é a salvação dos bebês, né?
Aquelas crianças que, batizadas, morrem até os 7 anos, mas batizadas, essas se salvam sem nenhum mérito, absolutamente nenhum mérito. Então, por este lado, Deus prova a liberalidade, mas terras dos eleitos, que eles participem da cruz de Cristo, e é isto que é o mérito. O mérito é participar daquilo que permitiu a graça em ordem à salvação, a saber: a redenção, a cruz redentora de Cristo. Então, participar da cruz redentora de Cristo é o mérito requerido por Deus para que os eleitos cumpram a sua predestinação. Não se tente ir além. Todos os que o tentaram caíram
em heresia ou em semi-heresia. Tentar explicar além do que fez Santo Tomás, este miolo a saber: se nos salvamos, é Deus quem nos salva, e se nos perdemos, somos nós quem nos perdemos. Quem se perde é tentar ir além disso. É certamente acabar por incorrer em heterodoxia, em heresia, em temeridade, em suspeita de erro, em qualquer coisa assim. Monsieur Bossuet, o retórico francês, dizia uma coisa em termos retóricos, mas muito interessante: aceitar a doutrina da predestinação, que ele aceitava atomista, é perfeitamente acalmar-se. Vamos tranquilizar-nos, porque o que podemos fazer nós para nos salvar? Nada. Então,
simplesmente aceitemos. Façamos a nossa parte. Deus quer o mérito da nossa parte. E ponto final. O resto é com Ele. E, como diz São Tomás, rezemos e rezemos pela graça da perseverança final, para nós e para os outros. Santo Tomás é necessário, disse isso antes do anjo de Fátima ensinar a oração: “Ó meu Jesus, perdoai-nos, levai as almas todas, levai as almas todas para o céu.” Já dizia Santo Tomás: Deus quer que rezemos pela salvação de todos, pois não sabemos os que são eleitos. Então, ele quer que rezemos pela salvação de todos. Então, cumpramos a
nossa parte. E tranquilizo-nos. Como disse Bossuet, nós somos incapazes de salvar-nos. Então, por que o estresse? Só há estresse se se quer, como Lutero, pecar. Aí sim, está certo. Se você quer pecar e ainda assim tem a presunção de salvação, você peca mais, e você morre com signo de reprovação se morrer assim. Então, é isso. Estamos diante de um mistério. Ponto final. É um mistério, professor. Matérico, como todos. Eu, no meu curso sobre a aula teológica, estou na altura da Santíssima Trindade, que é uma barra pesada, né? A Santíssima Trindade é o mistério mais complexo
que existe, né? Mais até, no meu entender ao menos, e segundo Santo Agostinho, mais até que o da Encarnação. O da predestinação nos abala um pouco, porque nos diz respeito mais diretamente, mas eu digo aos alunos do curso: não tenhamos de ir além do ponto a que chegou São Tomás. Ele que tinha aquela cabeça, aquela mente imensa, chegou a tal limite. Ponto. Contentemo-nos com o limite. E tranquilizo, no caso da predestinação, que nos diz respeito mais diretamente. Sobretudo, é preciso que nos tranquilizemos e façamos a nossa parte. Dizer que, ah, como já estou eleito ou
não eleito, então eu vou levar uma vida de pecado, isso é signo de reprovação, e jamais Deus quereria de um eleito que ele fizesse alguma coisa assim. Diga-se, então, não somente porque o Senhor chegou a citar Bossuet, né? E há uma citação de fato belíssima de um de seus livros, que o senhor parafraseia no do Papa herético. Se o senhor me permitir, eu gostaria de ler, que de fato é muito bonito no que diz respeito a esse abandono do homem nas mãos de Deus. Ele diz o seguinte, para quem tiver interesse, claro, quem tiver o
livro do professor e também o do Papa. Herético, está na página 339. Ele vai dizer o seguinte: o homem soberbo teme que se faça injunção à sua salvação por não tê-la na mão, mas equivoca-se. Posso estar seguro de mim mesmo, meu Deus, vejo que minha vontade falha a cada momento, e se vós me fizésseis dono e senhor único de minha salvação, não aceitaria poder tão perigoso para minha fraqueza. Que não me digam então que a doutrina da Graça e da livre vontade traz desespero às almas boas como imaginam. Deixai-me mais tranquilo, entregando-me às minhas próprias
forças e à minha inconstância. Então, claro, peguei aqui somente um pedacinho; a citação é mais extensa, mas é uma beleza de citação. Ela tem um caráter retórico, né? Ela não é exatamente teológica, mas é de uma beleza impressionante, ajuda na vida, né? Tá certo, é essa a consideração que devemos ter mesmo: quem somos nós, né? Entendeu que soberba é essa de achar que nós seríamos capazes de nós, cuja vontade é tão estável, tão lábil, tão volúvel, né? Como seríamos capazes nós disso, né? Se mesmo com a graça, temos tentações, temos certa inclinação ao mal pelo
fom pecatí. Eh, que é a tendência ao pecado da concupiscência. Nós temos tudo como que nas nossas mãos, nós seríamos capazes de tal coisa, né? Isso sem entrar no mérito teológico propriamente dito, que foi aquela primeira coisa que eu disse aqui: o homem foi criado em estado de graça, em ordem. Há algo que ele anseia, mas é incapaz de alcançar por si mesmo. Deus criou, então, um homem com um pleno natural e um pleno sobrenatural. Assim, somos híbridos. Perfeito, professor. Perfeito, é confiar, aliás, crer em qualquer coisa oposta a isso é confiar mais em si
mesmo do que em Deus, né? Que nos dá a salvação. Algo, Pablo, uma última pergunta um pouco mais teórica. Não sei se é a última, né? Eh, qual seria a diferença da promoção física para aquele termo do Santiago Ramirez, que é o instinto divino? Não, instinto divino é outra coisa. O instinto divino não tem que ver com predestinação. Instinto divino é assim: vejam só que vamos tomar o caso do intelecto, tá? Nós sabemos que temos duas potências intelectivas: o intelecto agente e o intelecto possível. O intelecto possível é uma potência passiva, e o intelecto agente
é uma potência ativa. Logo, o intelecto possível só pode ser reduzido a ato pelo intelecto agente. Mas o que faz atuar esta potência ativa, que é o intelecto agente, é preciso chegar, como na primeira via de São Tomás, a uma primeira movente. Tá certo? Esta causa primeira movente é Deus. Mas como é que Deus move o intelecto agente? É em cada caso que o intelecto agente tem de atuar o intelecto possível. Vai lá, e Deus faz com que a potência atue. Não, não, ele já cria a potência ativa, como diz o padre Caldeirão, como uma
seta apontada para o alvo. Assim que se dá a oportunidade, move-se a potência ativa, não por si mesma, mas pela moção primeira de Deus, posta na potência ativa. São Tomás faz uma comparação muito interessante entre a arte humana e a arte divina. Qual é a diferença entre a arte humana e a arte divina? Tome-se uma embarcação: a arte humana faz uma embarcação que requer que seja pilotada. Se fosse da arte divina, a embarcação se pilotaria a si mesma, diz Santo Tomás. Isto é, o instinto divino está nas próprias potências ativas das criaturas, já está ali.
Esta é a moção primeira. Tá certo? Não é que Deus a cada passo mova esse, mova aquele. Não, não é isso. Ele já cria as coisas como setas apontadas para certo alvo. Tá certo? É uma distinção muito interessante feita pelo padre Caldeirão. Ainda é a diferença entre os animais neste mundo e os animais na Nova Terra e nos novos céus, né? Neste mundo, os animais se movem por si mesmos, claro que com instinto divino, porque suas potências ativas já estão apontadas para o alvo. Nos novos céus e na Nova Terra, isso é maravilhoso. Eu vou
falar no meu comentário sobre o Apocalipse disso, né? Não, os animais serão incorruptíveis, como seriam os astros, segundo a cosmovisão antiga. Serão incorruptíveis e movidos diretamente por Deus. Tá certo? Como diz Caldeirão, toda a natureza nos novos céus e na Nova Terra serão muito mais claramente que hoje à face de Deus. Mas o fato é que hoje as criaturas se movem por suas potências ativas, e essas potências ativas trazem o instinto divino. Assim que são requeridas, o instinto divino se ativa, tá? Como uma seta pronta para dirigir-se ao alvo. Não sei se eu me fiz
claro. Eh, sim, sim, nesse caso. Então, o instinto divino é natural das operações naturais, e a promoção física do conceito do Banhas é sempre de operações sobrenaturais. Ou coisa assim? Não, não, não é, mas é exagerado. Uhum, é exagerado você insistir na promoção física. Veja o nome. Entendeu que não é adequado, entendeu? E muito mais quando se trata da relação entre graça e livre-arbítrio, tá? É como se você eliminasse o livre-arbítrio. Eu tenho um livro de um tomista do século 20, não, 19, que ele critica exatamente Banhas e diz: Banhas não é São Tomás. Ele
também exagera para outro lado, mas ele não deixa de ter razão. É uma questão de acento. Eh, Banhas acentua demasiadamente a promoção. Vejam, essencialmente ele está correto: a graça é uma promoção, claro que é, tá? Sem dúvida alguma. Mas não há que anular o livre-arbítrio tão, eh, como se diz em espanhol? Não sei como se diz em português. Tão taxativamente, tão, eh, até no termo. Né, pré-emocional, física, eh, de modo que pareça eliminar o livre-arbítrio. Santo Tomás, na Suma inteira, falou do livre-arbítrio porque, se não houvesse o livre-arbítrio, de que serviriam as admoestações dos Padres
a seus fiéis: "não pequem"? Não sei o que de que serviria, né? Ele se dirige ao nosso livre-arbítrio, né? De que serviriam essas palavras retóricas de B? Que Tiago leu. Ele se dirige ao nosso livre-arbítrio. Então, há em Ban um acento demasiado, tá? Na promoção, esquecendo um pouco a graça. Além do mais, Santo Tomás sempre falou de mérito congruo, tá? O mérito congruo é aquele mérito... Ele fala de mérito por uma proporcionalidade de mérito, é devido ao nosso livre-arbítrio também. Isso, claro, não é o mérito de condigno. O mérito de condigno é aquele que salva,
tá? É o devido à graça, mas mesmo o mérito de condigno não anula o livre-arbítrio. Eu disse, eu formulei uma frase meio inseguramente, mas que eu acho que tá certa, e no livro aí do que o Tiago referiu, nação se cumpre necessariamente, eh, mais contingentemente; ou seja, há uma contingência neste necessário. É necessário porque atinge o fim, como diz Santo Tomás. A predestinação é uma seta que pode tomar caminhos errados, mas vai atingir o alvo inevitavelmente, ponto. Além disso, a outra questão que se a de ver, e que veja que é o tratamento que dá
Santo Tomás ao Livro da Vida. Eh, na Suma, é um tratamento complexo. Eh, o Livro da Vida é o livro onde estão inscritos os eleitos. Mas como, então, a Escritura diz que alguém saiu do Livro da Vida, ou entrou no Livro da Vida, ou voltou no Livro da Vida? É porque o Livro da Vida tem dois sentidos, tá? Um é a predestinação mesmo, é o da predestinação. Este é necessário, mas há outro sentido pro Livro da Vida que diz respeito ao livre-arbítrio. E a última coisa que eu gostaria de dizer o seguinte: há uma distinção
de planos que devemos levar em consideração. Deus faz tudo desde toda a eternidade da melhor maneira de dizer. Nós, no tempo... Por isso é que Ele quer o mérito. Nós, no tempo, e na mesma Suma, como eu digo, no mesmo sobre predestinação, certo, sentido e subordinado. Ver, é, pode-se dizer em certo sentido que a salvação é dada graças ao mérito, só que esse mérito decorre da predestinação. Ele decorre da graça, perdão, porque só a graça dá mérito de condigno, que é o único em ordem à salvação. Mas em certo sentido pode-se dizer que sim, a
salvação vem pelo mérito em certo sentido, só que esse sentido é subordinado ao outro sentido maior. Veja, não é um assunto que se resolve com simplicidade; como se trata de mistério, você pega um aspecto, pega outro, que na realidade não estão separados. Todos sabemos que Deus é justiça e misericórdia, e sabemos que mesmo em sua justiça predomina a misericórdia, de modo que os condenados ao inferno não padecem tanto quanto deveriam padecer, e de modo que os próprios eleitos só são salvos pela misericórdia, porque eles mereceriam condenação igual aos outros. Mas sabemos, então, que Deus é
misericórdia e justiça, mas, na verdade, essa distinção é de razão, porque em Deus tudo é uma coisa só, é simples. E como é que se combina na simplicidade simples de Deus misericórdia e justiça? Não sabemos. Temos de esperar a vida eterna para saber. Não sabemos. Nós só conseguimos pensar o simples de maneira composta, eh, não que essa distinção de razão seja falsa, seja uma falsidade, não é isso. Há em Deus, mas de modo que nós não conseguimos compreender de um modo uno, né? De um modo uno, há essa distinção, assim como em Deus, por exemplo,
embora vontade e inteligência sejam a mesma coisa em Deus, nós as distinguimos. Eh, no entanto, a inteligência tem primazia sobre a vontade, mesmo em Deus. É uma situação, é uma realidade de alta complexidade, porque nossa inteligência não é feita para conhecer o simples. Só podemos conhecer o simples de modo composto. Então, eh, só na vida eterna que vamos entender perfeitamente como se conjugam numa unidade simples em Deus justiça e misericórdia. Hoje, podemos fazer aproximações, como faz Santo Tomás, né? E ponto. Não podemos ir além disso. Ir além disso é incorrer em erro. Uma última palavra,
se eu posso dar ainda, eh, é que, pelo que parece, pelo que parece, né? Eh, em alguns concílios, etc., faz pender a balança para o lado da predestinação tomista, certo? E o molinismo, tanto o molinismo como o congruísmo, que é um pouco diferente do molinismo, mas tem muitos pontos de contato, escapam, né, à doutrina de sempre da Igreja. Eu, no livro, cito o Concílio de Kers, que foi um Concílio regional, não foi um Concílio ecumênico, mas que foi aprovado pelo Papa, pelo Papa de então, né? Foi um concílio assumido pela Igreja, e ali o Concílio
de Kers enuncia claramente a doutrina de Santo Tomás. Isso muito tempo antes de Santo Tomás. Eu tomei essa citação de Garg R, né, que, quanto à predestinação, vai bem, né? Eh, ele exagera apenas na questão da quantidade de reprovados ou de eleitos, mas ele vai bem, e ele é quem cita o Concílio de Per. No outro dia, lendo não sei o que, já não lembro, vi outra citação de outro Concílio regional no mesmo sentido. Concílio regional também, eh, assumido pela Igreja, embora não seja um Concílio ecumênico, né? Não tenha o dote da infalibilidade, etc. Perfeito.
Professor, eh, bem, eu não sei se isso ainda terá muito tempo, mas eu gostaria somente de considerar. Alo, o que o senhor falou é em dois momentos, né? Primeiro, quando o senhor pegou a analogia do cavalo, né? E, de fato, isso é interessante. O senhor trata também do Papa herético, né? Porque aqui tá um erro, e o senhor, por favor, me corrija se eu estiver errado. Justamente na tese molinista, né? Porque, na realidade, o mérito que se tem é com a cooperação da Graça. Por mais que ele não seja anulado, mas como o senhor disse,
Deus não predestina em virtude dele, mas ele só acontece justamente porque a graçã o moveu para acontecer. Ou seja, o homem sozinho não é que Deus desde toda a eternidade viu que o homem cooperaria e, portanto, predestinou. Mas a lógica é justamente inversa, né? Me corrige se eu estiver errado. A fórmula é aquela que eu dei e é de Santo Tomás. Deus não ama. Ele tá falando do amor de direção, né? Que leva à predestinação. Deus não ama alguém porque esse alguém é bom, senão que Deus faz bom aquele que ele ama. E é isso.
O mistério é aquele: às duas pontas, uma ponta se nós salvamos, é Deus quem nos salva; a outra ponta, se nós perdemos, somos nós que nos perdemos. Ponto. Isso deve ser suficiente para, como diz você, descansar na mão de Deus e cumprir a nossa parte, que, como exige São Pedro, é fazer boas obras para que se cumpra a predestinação. Porque, enquanto não nos salvamos, nós não temos certeza se estamos no livro da vida em sentido absoluto ou no livro da vida em sentido relativo. Tá certo? Nós temos de cumprir a nossa predestinação. Veja, Deus age
desde toda a eternidade; nós, no tempo. Nós somos seres temporais, somos entes temporis. E, em certo sentido, sim, a salvação se deve a mérito; em certo sentido. Há apenas que acrescentar que isto está inserido no contexto da Graça, tá? Não há mérito com digno sem a graça, tá? Então, merecemos a salvação, sim, mas graças à Graça. Perfeito. Professor, o Pablo quer falar alguma coisa? Não? Não. OK, professor, se o senhor me permitir, eu gostaria que o senhor encerrasse somente com mais uma questão, e aí eu deixo a bola com o senhor. Eu gostaria, acho que
seria bastante interessante se o senhor falasse somente em relação às duas vontades, né? Que o senhor também trata no Papa herético em relação ao querer de Deus, à salvação, o querer, Deus querer a salvação de todos os homens, né? Aquela questão da vontade antecedente e da vontade consequente. Acho que daria para encerrar com chave de ouro esse tema. Assim como um juiz pode querer que todos os homens vivam, mas, em defesa da sociedade, queira tirar a vida deste criminoso, assim também Deus quer que todos se salvem com vontade antecedente, mas quer, com vontade consequente, punir
alguns por seu pecado. A vontade antecedente é, segundo um quid, enquanto a vontade consequente, aquela que se cumpre realmente, é a vontade simples. Então, Deus pune alguns assim como o juiz pune algum criminoso. Esta distinção é, em parte, não é de São Tomás, tá? Veio, salvo engano, de São João Crisóstomo ou de São João Damasceno, já não lembro, mas ele a completa, tá? Ele concorda com a afirmação de que, com a vontade antecedente, Deus quer a salvação de todos e, com a vontade consequente, quer punir alguns, mas ele acrescenta que a vontade antecedente e a
vontade secundum quid são, só por certo aspecto, ao passo que a vontade consequente é a vontade simples, absoluta, tá? Essa é a distinção entre Santo Tomás e quem propôs a doutrina. Realmente, esqueci se foi João Crisóstomo ou São João Damasceno, mas é isso. Não sei se respondia ao que você quer. Não? Perfeito, professor. Perfeito. Porque, de fato, quando se fala de predestinação, né, sempre vem a dúvida em relação a este versículo, né, específico de São Paulo. Mas essa distinção entre as duas vontades elucida muito bem a questão e, por fim, já ficou completamente esclarecido. Não
sei se o Pablo quer acrescentar ou perguntar alguma coisa. Não? Perfeito. Então, professor, se o senhor quiser dar algumas palavras finais, somente pra gente encerrar, fique à vontade. É, São Tomás diz uma coisa muito interessante: que quando os fiéis estão tranquilos, nós não devemos levar-lhes, nós, digo, os teólogos, né? Bom, e o próprio fato de eu ser teólogo já é um anacronismo, já é algo meio estranho, já demonstra que estamos em época de crise. Mas não se devem levar altas questões teológicas ao povo, se o povo tá tranquilo. Se, no entanto, a heresia se instala
entre o povo, então é necessário levar, da melhor maneira possível, essas questões complexas para combater a heresia. Ora, hoje, uma das principais heresias no meio católico é exatamente esta: a de que não necessitamos da graça para a salvação, tá certo? Se salvam menos um punhadinho de tiranos ou "killers", e por isso é que é importante levar. Eu digo isso porque um sacerdote me criticou por lançar este livro, né, falando da predestinação, como se o católico médio não falasse o tempo inteiro contra a predestinação, porque aprendeu de heréticos que o inferno está vazio ou quase isso.
Então, exatamente porque se alastrou essa heresia no meio católico, é que é necessário tratar destas coisas. O ideal é que fosse um padre quem o fizesse, mas, de fato, eu nunca vi nenhum padre atual, mesmo os melhores, tratar este assunto. Daí que eu o tenha feito. Muito bom, professor, muito bom. E não tenho dúvidas de que, de fato, foi uma aula magnífica, como já era de se esperar. No mais, agradeço muito ao senhor. A aula será publicada amanhã, né? No caso, quem tá assistindo agora talvez já esteja assistindo na quinta-feira ou em algum outro dia.
Enfim, depois, mande-me o link, né? Ah, com certeza, com certeza! Pode deixar. Bem, para quem ainda não conhecia a sociedade, porque acredito que o professor N não divulgará o... Então, a gente vai receber muita gente de fora. Eu e o Pablo, né, que está aqui também, nós somos professores da sociedade São Gregório Magno. Não é a primeira vez que o professor N aparece por aqui, inclusive já nos deu outras duas aulas sensacionais. E, professor, sinta-se sempre convidado, né? O senhor sabe que o senhor é muito admirado, não só pelos alunos, mas particularmente por mim e
pelo Pablo, né? Nós que somos os seus discípulos. O Pablo, bem mais do que eu, né? Eu sou o caçula aqui, na verdade, mas aprendemos muito com o senhor. Ah, o Pablo já escreveu um texto espetacular de mariologia, coisa que eu nem sabia que existia. Ele que me ensinou que existe mariologia. Tá no livro do professor. O senhor sabia que, inclusive, o senhor vai gostar? Aqui na sociedade de São Gregório Magno, a gente vai começar, a partir da primeira semana do mês que vem, a fazer leituras ao vivo com os alunos dos umbrais da filosofia.
Maravilha, isso é maravilhoso! Uhum, já tá traduzido ao português? Não? Já, já traduziram a castelã. Lançou? Ah, que bom! Que bom, que bom mesmo! Isso é maravilhoso! É maravilhoso mesmo! Grande iniciativa! Quem tá assistindo agora e já foi aluno da Escola Tomista ou é aluno da Escola Tomista sabe muito bem que uma das melhores experiências que tem é assistir às primeiras aulas de introdução à lógica com um brales. Do lado também facilita bastante. A introdução na Escola Tomista funda-se nos umbrais, né? Depois, não, depois eu vou tomando caminhos meio próprios, mas a introdução funda-se grandemente
nos umbrais. Mas lembrem-se que, quanto a uma coisa, eu discrepo dos umbrais, né? Que é quanto assim: a primeira operação tem uma obra ou duas. Eu, na Escola Atomista, ou não foi no outro curso, por uma filosofia atomista, eu comecei defendendo a posição dos umbrais e depois mudei. Há um ponto ali em que... Dividi. E depois, um outro ponto que é quanto à... O que todo e a filosofia, se a metafísica é um todo ou se é a filosofia que é um todo. Uma confusão, mas é o livro, né? É a referência para a introdução
às principais C, né? Ou seja, a lógica, a física e a metafísica, né? E claro que requer complementos, etc., mas sem ele não chegamos em lugar nenhum. Perfeito, professor. Então, no mais, muito obrigado mais uma vez! Ainda sempre convidado a aparecer por aqui, e Pablo pode encerrar. Que Deus nos abençoe! É isso aí, pessoal! Procure a ação agora. O Magno, nós estamos começando agora o curso de grego. Vamos começar a leitura dos umbrais. Tem curso de apologética, mariologia, então divirta-se aí na sociedade. É isso, pessoal. Boa noite! Aí, eu acho, eu acho que ainda tá
gravando. Pablo, ah!