Caríssimos irmãos e irmãs, na oração de entrada da Santa Missa de hoje, nós rezamos com toda a Igreja: "Concedei-nos, ó Pai, iniciar com este dia de jejum, este tempo de conversão. " A Quaresma é o tempo favorável, como nos diz a Segunda Leitura; é um tempo em que Deus nos outorga muitas graças, para que nós possamos nos voltar para Ele com todo o nosso ser, num retorno que tem algo de penoso, porque é como alguém que precisa desencardir-se do pecado para voltar-se com mais força na direção de Deus. É por isso que o Evangelho nos apresenta essas três práticas satisfatórias: a oração, a esmola e o jejum.
Por que são práticas satisfatórias e reparadoras? Porque nós podemos ofender a Deus com os nossos bens, com o nosso corpo, pela busca do prazer, e com a nossa alma, pela busca da nossa própria excelência. Sendo assim, pela esmola nós reparamos os nossos pecados de ganância; pelo jejum, os nossos pecados de busca do prazer e do conforto; e pela oração, renovamos a nossa dependência de Deus, nós, a nossa vaidade.
Hoje, quarta-feira de cinzas, dia de jejum, é o dia em que nós iniciamos a Quaresma. Eu queria ler algumas sentenças dos Santos Padres acerca do jejum. São Bernardo diz: "O jejum não é apenas o lavatório dos pecados, mas também a extirpação dos vícios; não só alcança o perdão das culpas, mas também obtém a graça; não só tira os pecados que já cometemos, mas também preserva de muitos outros que poderíamos cometer.
" E isso é assim porque, quando nós negamos ao nosso estômago o alimento e sofremos um pouco com a privação, nós abatemos a força da carne sobre os nossos apetites, e, desse modo, o nosso espírito pode, de maneira mais leve e desimpedida, voltar-se para o Criador. São Pedro Crisólogo afirma: "O jejum é o Palácio de Deus, o arraial de Cristo, o muro do Espírito Santo, a bandeira da fé, o sinal da castidade e o estandarte da santidade. " São palavras fortes que se entendem, sobretudo, porque nos primeiros séculos da Igreja, os cristãos se dedicavam com muito afinco ao jejum.
Os dias de jejum, nos primeiros séculos, chegavam a ser quase 200, porque os cristãos costumavam jejuar nas quartas, nas sextas, nos sábados, e, além disso, nas vésperas das festas, nas têmporas e em diversas outras ocasiões do ano, com um jejum que era muito forte. Na Quaresma, comiam apenas depois do pôr do sol durante os 40 dias, e nos demais dias de jejum, apenas depois das 3 da tarde, que era o espírito de penitência que reinava entre os nossos predecessores da fé. Santo Agostinho diz: "O jejum purifica a alma, eleva os sentidos, sujeita a carne ao espírito, gera um coração contrito e humilhado, dissipa as trevas da concupiscência, apaga os ardores da luxúria e fortalece a luz da castidade.
" Todos nós temos um certo medo da penitência, e muitas pessoas até aceitam fazer algum sacrifício, desde que seja visando o seu bem pessoal, não a glória de Deus. Hoje, por exemplo, fala-se do jejum como meio para emagrecer; os médicos falam do jejum intermitente, ou seja, para o benefício do corpo. O homem até é capaz de jejuar, mas aqui Santo Agostinho fala do benefício da alma, ou seja, o jejum nos ensina a perder o medo do sacrifício, nos ensina a perder o medo da penitência.
Quantos de nós somos como que cercados pelo gosto do conforto, do prazer, do melhor e mais relaxado estado, estão cercados, por assim dizer, de pagos, e a penitência corporal para nós é difícil. O bom modo de começar a praticar a penitência é inserindo alguns momentos de jejum na nossa semana, especialmente durante o tempo da Quaresma, para que nós possamos aprender a dizer não a nós mesmos e assim estarmos mais prontos para cumprir a vontade de Deus. Frei Ludovico de Granada diz: "O jejum é o freio dos nossos apetites, a mortificação das nossas paixões, o irmão da pobreza, o filho da penitência, a mãe da castidade, o companheiro da oração, o zelo do amor próprio e a guarda da saúde.
" O jejum é, de fato, para aplacar a Deus e alcançar d'Ele grandes mercês. Que coisa maravilhosa entendermos que o jejum é irmão da oração! Ou seja, quando nós jejuamos, o nosso espírito, como que se levanta sobre a nossa carne, e nós podemos, de maneira mais direta, entrar em comunhão com o Senhor, para assim desfrutarmos de um nível superior de contentamento, que é a alegria do Espírito, esta que muitas vezes só acontece quando a nossa carne chora.
Queridos irmãos, se esses textos dos Santos Padres não nos animam a abraçarmos com fervor o jejum e a penitência quaresmal, lembremo-nos das Sagradas Escrituras: Deus queria destruir Nínive, mas foi graças ao jejum dos ninivitas que a ira de Deus foi aplacada. Os três jovens que foram lançados à fornalha ardente também estavam em jejum, e por isso saíram de lá vivos. O profeta Santo Elias foi arrebatado ao paraíso depois de um longo tempo de jejum e penitência.
Moisés recebeu a lei de Deus no alto do Monte Sinai depois de 40 dias de jejum, e o próprio Senhor Jesus Cristo, antes do seu ministério público, não começou a pregar senão após 40 dias de jejum e oração. Nesses 40 dias da Quaresma, peçamos ao Senhor que sigamos o exemplo do nosso Mestre, como que escutando a sua voz que nos diz: "Dei-vos o exemplo para que façais como eu fiz. " Que nós possamos abraçar a penitência quaresmal.
E então, queridos irmãos, ao chegarmos ao fim da Santa Quaresma, nossa alma estará mais purificada e poderá, com muito mais intensidade, renovando as promessas do batismo, chegar às alegrias pascais.