O colégio Mirante é fruto de um amor intenso pela sabedoria e, quando o amor está maduro, ele frutifica. Eu vejo o colégio Mirante como resultado desse amadurecimento na vida da Dani, da Mari, do Vitor Chacon, do Bruno Otávio, do Élder e de todo o corpo docente, do qual, de algum modo, eu faço parte com muita alegria. Então, lançar esse livro aqui, num local que cultiva sabedoria, que cultiva o amor pedagógico pela transmissão de todas as dimensões constitutivas da vida humana — no pilar físico, socioafetivo, volitivo, cognitivo e transcendental — é uma grande honra, porque
o meu livro não teria solo mais fértil para cair como uma semente do que aqui, na mente e no coração de educadores. Então, vou apresentar brevemente para vocês o que é a filosofia, a teologia e a literatura na sua concepção clássica, a partir dos ensaios que eu escrevi neste livro, que é um conjunto de diálogos com grandes autores. Existem dois modos de pensar: existe um modo de pensar espontâneo, amador — não no sentido do amor, que eu vou falar —, quando a gente vai para um bar, para uma mesa de café, para um restaurante, para
um corredor e começa a falar o que a gente acha, o que a gente viu, o que a gente pensa, o que a gente viu numa série, numa rede social. E existe um modo mais rigoroso, mais profissional de pensar; é o modo que a gente aprende na universidade, na escola. É um modo lógico, é um modo argumentativo. Existem várias ciências que compõem o saber humano. Então, sabedoria, num sentido estrito, é o conjunto do saber humano e cada um de nós aqui se formou, muito provavelmente, num curso de ensino superior, a partir de uma ciência particular,
como a pedagogia, as letras, língua portuguesa, direito, engenharia, sociologia, artes, geografia, arquitetura e assim por diante. E existe um campo do saber humano, profissional, acadêmico e universitário, que é considerado abstrato, que é considerado vago, que é considerado relativo, subjetivo, que é o campo da filosofia, da teologia e da literatura. Vocês queriam que os filhos de vocês escolhessem uma dessas disciplinas ou a história como curso superior? Provavelmente, não, por um motivo muito legítimo. Vocês diriam: "Com que o meu filho vai trabalhar se ele fizer, como eu fiz, no mestrado, doutorado e agora pós-doutorado? Acabei de acabar
de filosofia". Eu, claro, enfrentei — eu sou graduado em Direito — também enfrentei esse problema da profissionalização da minha vida intelectual e percebi que, mesmo que eu fosse solitário, eu gostaria de dialogar com certas pessoas que têm muito a dizer. Essas pessoas já morreram, mas deixaram uma carta, deixaram um testamento, e a gente vai chamar essas pessoas de clássicos. O que são os clássicos? Os clássicos são os livros que superam seu tempo, que comunicam para todas as eras e para todas as pessoas alguma verdade. Ao mesmo tempo, eles estão muito no seu tempo, mas, ao
mesmo tempo, eles o transcendem. Eu vou dar um exemplo do clássico dos clássicos, que talvez nem pudesse ser chamado de clássico, mas é o livro mais referido no meu livro: a Bíblia. A Bíblia é um clássico, é mais do que um clássico. A Bíblia é um livro, é um conjunto de 73 livros chaves pela autoridade da Igreja, que comunica uma profundidade que a gente não encontra em nenhum outro lugar. A ciência que estuda a Bíblia é a teologia. Existe um outro campo de clássicos; a teologia não estuda só a Bíblia, mas ela estuda principalmente a
Bíblia. Existe um outro campo, que é o campo da filosofia, que é aquele pensamento especulativo e aberto, amplo, abrangente sobre questões metafísicas que nós não conseguimos responder pela ciência, como o amor, como a morte, como a relação que vocês têm entre si — me refiro aos cônjuges — como a relação que vocês têm com os filhos, que não se reduz, por exemplo, à psicologia, que não se reduz à economia, embora vocês estejam pagando o colégio, que não se reduz à sociologia, embora vocês morem num bairro, tenham um extrato de renda, tenham um nível cultural específico,
que não se reduz à história, que não se reduz à geografia, e que a filosofia abrange a partir de todas as ciências e faz uma grande síntese. Da mesma forma, a literatura e as artes, em geral, as artes do belo, tratam da vida humana sem dar uma fórmula fechada e objetiva. Todas essas disciplinas são, sim, subjetivas, porque ou elas entram pelo coração, ou elas são vividas existencialmente, ou elas não interessam. E, porque elas não são objetivas, você não consegue me dizer: "Bem, eu li a Ilíada de Homero". E agora, se você perguntar isso, é porque
você não entrou na Ilíada. A Ilíada impacta todas as gerações de bons leitores desde que ela foi escrita, cerca de 3.000 anos atrás, e ela é subjetiva porque ela é intersubjetiva; porque Homero, de algum modo, fala conosco. Só que Homero... Imaginem o autor do Livro de Jó, que é um dos livros que eu trato no meu livro. O Livro de Jó é praticamente inalcançável, porque foi escrito numa poesia hebraica antiga que a gente nem sabe direito como é. Mesmo judeus, mesmo alguém que fale hebraico hoje em dia... Imaginem se os "Camões" de "Os Lusíadas", escrita
no século XVI, já é distante para a gente que fala a língua lusitana, que fala a língua portuguesa. Imaginem a língua do autor do Livro de Jó ou o Livro dos Salmos, que precisam, portanto, ser traduzidos primeiro para o hebraico moderno, depois para o português; e esse trânsito normalmente passou pelo latim, ibo, grego, e exige precisar de um tradutor. Em outras palavras, ninguém aqui sabe hebraico — eu, pelo menos, não sei —, ninguém sabe aqui o grego de Homero — eu, pelo menos, não sei. Aliás, só tem um autor brasileiro no meu livro. Foi o
último a entrar, porque senão eu poderia ser processado por falta de política de cota de inclusão regional. Como é que você não põe um autor brasileiro? Aliás, poderia ter colocado um autor amazônida no meu livro; não coloquei, infelizmente, mas para não cair nessa censura da política afirmativa, eu incluí um brasileiro que é muito universal, muito católico, no sentido amplo, que é o grande Gustavo Corção, bem carioca. Aliás, de todo modo, o que eu faço neste livro é ser um tradutor; é tentar mostrar para vocês o diálogo que eu entrei com esses grandes autores. E a
melhor maneira de mostrar um diálogo é performando, dialogando. E, de fato, eu poderia dialogar com o meu livro e com os autores do meu livro, mas nada melhor do que convidar interlocutores tão qualificados como os que nós temos hoje no corpo docente do Mirante, que são esses interlocutores que eu encontro todas as terças-feiras na nossa formação intelectual e cultural aqui do colégio, não só como alunos e audiência das minhas preleções, mas também como interlocutores que eu tanto valorizo, que eu tanto estimo. E por isso, para não ficar nessa consideração abstrata — que até agora está
tudo muito abstrato, né? — valorizar os clássicos, lê-los, encontrar boas traduções, encontrar bons prefácios. A primeira parte do meu livro é formada por prefácios que eu escrevi de obras católicas relevantes, e eu aprendi com o meu mestre, que eu cito na introdução, que é o Benedito Nunes, autor do livro "A Clave do Poético", que foi premiado, como a Mari lembrou na apresentação da minha pessoa. Nunca é uma mera introdução. Eu nunca vou dizer: "Olha, esse aqui é o Adonias." Se você me pedir para apresentar o Adonias e eu tiver que prefaciar, eu vou falar várias
coisas, o que eu penso sobre ele, que marcam a minha relação com ele, os áudios longos que nós trocamos, o ícone de São José Maria Escrivá que ele escreveu para mim; ou seja, é intersubjetivo. Ele não é um clássico ainda, né? Precisa primeiro morrer para ser um clássico, e antes de morrer tem que escrever uma obra imorredoura. Aí que estão faltando os dois, né? O resto já tem. Tem um livro chamado "Três Para Casar" que eu prestei, e tem uma aluna que não está aqui — até porque ela não é aqui do Mirante — que
disse: "Ah, professor, eu li o livro, eu adorei! Eu já estou muito unida a Cristo, só falta o marido agora; só falta o esposo: três para casar: o marido, a esposa e Cristo." Já tem ela e Cristo, só falta o marido. A maioria já tem, né? Então, a gente vai dialogar em três frentes. A sabedoria não é abstrata; a sabedoria de Jó não é abstrata. O Livro de Jó é o livro da minha vida. Há quase um ano, eu só estou vivo por causa do Livro de Jó. Eu só estou vivo porque a minha experiência
concreta de perder o bem mais precioso da minha vida, que é a minha filha, foi refletida e antecipada por dois personagens bíblicos que perderam filhos: Jó, que perdeu todos os filhos, sete, e Maria, que perdeu também o seu filho, Jesus. Ou seja, se o Antigo e o Novo Testamento e as figuras de Jó e Maria fossem abstrações, fossem telas, fossem ursos empalhados numa parede que não metem medo em ninguém, não precisa ler a Bíblia. E as pessoas não leem a Bíblia porque a Bíblia não tem nada para dizer. Eu tenho algum problema com você que
não consegue alcançar a sabedoria da Bíblia. Se você acha que Homero não tem nada a dizer, desculpa, leia o meu livro, porque eu acho que tem, sim, a lhe dizer, e eu posso provar. Então, esse livro é um conjunto de 16 ensaios que demonstram o valor dessas obras de filosofia, teologia e literatura que nos ensinam a viver. Não nos ensinam a fazer, portanto não nos ensinam a ganhar dinheiro. O pilar cognitivo da nossa educação personalizada tem uma dimensão prática, pragmática, profissional e econômica. Nós todos queremos não só que os nossos filhos passem no ENEM, mas
que eles passem em primeiro lugar no ENEM, não é verdade? E que eles escolham o curso que eles quiserem. A Maria já escolheu Filosofia na Universidade de [risadas] Berlim. Ela pode escolher a universidade que ela quiser, desde que seja Filosofia; ela é livre para escolher entre diversos cursos de Filosofia. Para isso, ela vai ter que... né? Eu lembro quando eu queria — isso é verdade — estudar filosofia grega na Alemanha, e a minha avó disse: "Filosofia grega na Alemanha? Sabe o que é isso? Falta de gaveta para arrumar!" De fato, a palavra escola vem do
grego "scholē", que é ócio. Talvez algum de vocês falem disso: um tempo livre para pensar, para ter criatividade, para pintar. O que seria da música se Bach não tivesse tido tempo livre? O que seria da literatura se Homero não tivesse tido tempo livre? Se as nossas crianças não tiverem tempo livre para ler, para escrever, para pensar, para dançar, para imaginar, elas vão ser escravas de uma profissão, técnica, profissionalizante, e elas podem ganhar muito dinheiro e serem infelizes, porque o pilar cognitivo não é só para fazer, não é só prático; é para viver, é para pensar,
para refletir sobre as virtudes. Portanto, a sabedoria é uma virtude que se confunde, inclusive, com o dom do Espírito Santo, porque a sabedoria é o próprio Cristo. A sabedoria é o Filho de Deus, Jesus Cristo, que é o Logos, a Palavra de Deus, que ilumina todas as ciências particulares e toda a nossa vida, e todas as nossas outras virtudes. É a ordem de Deus, é a via pela qual Deus criou o mundo, e por isso Cristo disse: "Eu sou o caminho, a verdade e..." A vida, a verdade moral, é a bondade da qual vai falar
o professor Sami. A verdade estética ou das Artes é a beleza da qual vai falar o professor Adonias. E a verdade é a finalidade de todo conhecimento, seja científico, seja moral. Então, se a gente fala de uma verdade cultural, ou de uma verdade moral, ou de uma verdade espiritual, a nossa época relativista franze os senhos e diz: “Hum, não existe verdade moral.” Bem, mas tem uma pessoa que disse: “Eu sou a verdade.” E se você disser que não há verdade moral, você adota uma postura anticristã, que não é a minha, definitivamente, porque antes de ser
cristã, eu fui platônico, como Santo Agostinho, que está na capa do meu livro. Aliás, eu tenho um antecessor muito célebre; aliás, por um platonista, alguém que defende a filosofia platônica, é contra o relativismo sofístico dos professores de retórica, que acham que tudo pode ser manipulado pela mídia, pelo marketing. E hoje a gente vive uma época hiper-relativista; tudo é narrativa, tudo é fala. Gostei da sua fala. Gostei da sua concepção. Não, você não tem que gostar da minha concepção; você tem que gostar da verdade. E a verdade só se abre pelo amor; por isso, a concepção
clássica de filosofia como amor à verdade, como amor à sabedoria, é o nome do meu livro, porque o amor não é só o conhecimento frio e distante, mas o desejo de união com a sabedoria que é uma pessoa. E esse é o primeiro argumento do meu livro, na introdução: que a sabedoria que me atraiu, na forma de um amor apaixonado, é uma pessoa; é a pessoa de Cristo. Por isso, a identidade atual do meu livro é a tradição católica, que articula fé e razão, porque põe a Bíblia ao lado de Homero, porque põe Santo Agostinho
ao lado de Platão, porque põe Santo Tomás de Aquino ao lado de Aristóteles, porque põe um autor católico como Manzon ao lado de Dostoiévski, que é um autor que foi ateu, que se converteu e que teve um cristianismo muito agônico, agonizante, porque duvidou, porque questionou, porque viveu, porque sofreu, porque amou, porque bebeu, porque foi viciado em jogo, em jogatina, em bebida, porque teria escrito grandes obras, como “O Jogador”, que é um dos seus alter egos bêbado, porque frequentou submundos. Ora, tem um grande... o maior poeta católico também frequentou os submundos da alma: Dante. E Dante
está presente aqui. Então, esses são os temas: vejam, casamento, oração, silêncio, mortificação, morte. Tem um ensaio aqui sobre o livro do Tomás de Câncer, "Preparação para a Morte". Hoje, ou ontem, postaram e eu repostei, me citando, essa ideia de que você deve considerar a morte. Aliás, nós acabamos de rezar a Ave Maria. Rezamos a Ave Maria; rezamos agora e na hora da nossa morte. Mas a gente fala isso da boca para fora, porque a gente não estudou o que significa a saudação angélica e a saudação de Santa Isabel à sua prima Maria. Então, a gente
não entende: “Ah, professor, mas eu não sou da teologia, não estudo teologia.” Tudo bem, mas você reza a Ave Maria, não reza? Deveria. Deveria rezar mais 53 vezes por dia! Se você rezasse o terço... Ah, mas eu não entendo o papel de Maria. Pois bem, um dos ensaios do meu livro fala de Maria e do papel incomparável e insubstituível de Maria na salvação, na estrada da salvação. Então, a gente tem o tema das virtudes ligados à bondade; a gente tem o tema da beleza ligada à contemplação. Por exemplo, eu consigo viver numa voltagem contemplativa. Agora,
eu estou contemplando. Isso quer dizer que eu não só estou olhando para vocês e vendo o que está ao meu redor, mas estou tentando penetrar no sentido do que está acontecendo, o sentido mais profundo. E esse sentido mais profundo é o Logos, por exemplo, a ciência do som. Esse é um sentido mais profundo que a gente... ninguém aqui sabe. O Ericsson sabe? Ninguém! Pode estar atento, mas o Gilberto pode estar atento no andamento retórico da minha fala e na estruturação geométrica do meu argumento. Ninguém pode estar... Então, quando a gente tem uma ciência, seja uma
ciência particular como a do som, que é o que capta o áudio, no microfone, leva para uma caixa, um engenheiro elétrico, um engenheiro mecânico pode estar preocupado com outras coisas, ele está contemplando, mas no nível inicial. Agora, se você tem uma penetração espiritual, isso se confunde com a oração, e nós rezamos... ainda há pouco nós oramos. Nós entramos num sentido maior de tudo que acontece. Isso é filosofia, isso é teologia. Isso é literatura. Por exemplo, uma peste assolou a Itália no século 17, não a peste bubônica do século 14, que quase acaba com a Europa
na Idade Média, mas uma outra peste. E quase metade de Milão, por exemplo, morreu. E houve um homem chamado Alessandro Manzon, que tinha se convertido ao catolicismo, que viu o que ninguém mais viu, ou que ninguém percebeu: ele viu, no meio da peste, o amor. Ele viu os santos, que era a minoria praticamente insignificante. Ele escreveu uma obra-prima chamada “Os Noivos”, que eu comento aqui. Isso é contemplação, isso é amor à sabedoria. Não tem uma fórmula mágica, não dá para comprar o livro e sair, e virar sábio, nem eu sou sábio. Eu que escrevi o
livro sobre a sabedoria, porque o próprio Sócrates, que é o inventor, quem começou esses diálogos que nós estamos tratando aqui, disse que era sábio. Ele era amante da sabedoria. Então, o que eu quero é incendiar o coração de vocês, porque é isso que o mirante faz: incendeia o nosso coração pelo amor que nós temos pelos nossos filhos, pelo amor que nós temos uns pelos outros, porque somos uma comunidade interdependente e solidária de pais e famílias que se ajudam. Educar cada um o seu próprio filho e, por meio dele, os outros. Então, quanto mais virtuosos forem
os pais, tanto mais virtuosos serão os filhos e os outros pais, e assim por diante. Mas tudo isso tem uma dimensão intelectual: o pilar cognitivo, o pilar transcendental e os pilares morais, socioafetivo e volitivo. Tem uma dimensão intelectual, tem uma teoria por trás. Então, esse livro é um livro de teorias, todas de fundo católico. Isso está dito na primeira página, mas não por isso uma teologia dogmática fechada que responde na forma de um catecismo, que tem todo o valor, mas que abre sobre o sentido do amor no Cântico dos Cânticos, que é um livro sapiencial
da Escritura, ou A Divina Comédia de Dante, ou As Confissões de Santo Agostinho. Então, que vocês adquiram, quem sabe, o hábito da leitura, que vocês não se subestimem e não subestimem a inteligência dos filhos de vocês para enfrentar essas grandes obras, que muitas são difíceis, são complexas, porque o mundo é complexo. A culpa não é de Platão; a culpa é de Deus, que nos criou à sua imagem e semelhança como um ser infinitamente profundo, expansivo e complexo. Heráclito de Éfeso dizia: "Procurai os confins da alma e não os encontrareis, porque a alma é limitada." Então,
meu livro é uma grande viagem sapiencial, uma grande incursão por prefácios e introduções em obras que nos fazem pensar. E com isso, nós vamos cultivar esse pilar transcendental cognitivo e alcançar uma linguagem mais elaborada e refinada, quem sabe para ajudarmos os nossos filhos nessa virtude que é a virtude da sabedoria. Vou passar a palavra para o Adonias, que vai começar a falar sobre o amor, a sabedoria na forma da beleza. Depois, ao Sami, depois ao Gilberto. Depois, vou abrir as perguntas e fazer o comentário final, e se vocês também quiserem, obviamente, responder, teremos tempo. Muito
obrigado. Boa noite. Tudo bem? Antes de partilhar com vocês, gostaria de falar algo que tocou muito ao meu coração: perder para ganhar. Essa é a diferença do cristão. Nós perdemos para ganhar, meus amados. Olhem essa produção literária do nosso amado Vór Sales; é uma obra extraordinária. E agora, coloco artigo indefinido, mas sabem que o artigo é definido é a pessoa. Então, toda essa produção fala da pessoa de Cristo e gostaria de fazer aquilo que nós vamos saborear nessa grande obra. Ele transita na Sagrada Escritura em vários momentos. Então, gostaria de trazer para iniciar a nossa
partilha: em Provérbios 9:1, a sabedoria construiu a sua casa, talhando suas sete colunas. Sabedoria é Deus. Vos convido a pesquisar um ícone chamado Divina ou Santa Sabedoria. Você verá que lá está expresso o Logos, a presença sapiencial de Deus no centro, de um lado Nossa Senhora, já grávida do Verbo, e do outro lado nós vamos ver o protomar, o proto profeta São João. Quando nós falamos da sabedoria, a sabedoria é a sabedoria hipostática, é o próprio Deus. Quando a gente vai vendo aqui o artífice divino que constrói a sua casa, nós vamos ver que a
casa de Deus é a Virgem Maria, mas é a Igreja. É o lugar da beleza. O lugar da beleza é a Virgem Maria, mas também é a Igreja. Nosso lugar é o lugar da beleza. E nós vamos vendo também que Deus continua e vai dizendo que ele talhou sete colunas. Essas sete colunas são a relação de união perfeita da Igreja militante com a Igreja triunfante. Que coisa bela! Como é fácil falar de beleza, porque toda vez eu vou falar de Deus, isso muito me lisonjeia. O convite do amado amigo de estar aqui, entre meus amigos.
Desde aqui, só amigos que nós temos. Então, nós vamos falar brevemente sobre isso. Salomão, quando pede a Deus algo, pede para ser sábio e inteligente. Na verdade, queridos pais e amigos, Salomão pediu para ser santo, porque o sábio que transita na sua inteligência é o santo, é o justo, como é chamado São José. Estava conversando no início da nossa oração e dizendo que, liturgicamente, nós sabemos que hoje já é, por causa da noite, quinta-feira, mas claro, dia de São José, o justo, um dos justos citados na Bíblia. E, para ser ip lit, gostaria de citar
algumas coisas. Quando o nosso amado autor vai falando sobre a vida intelectual, que é esse desejo salomônico de inteligência, que nos leva como um trampolim para a santidade, o professor Vór fala que a vida intelectual convida à contemplação da verdade, que se manifesta também na bondade moral das virtudes e na beleza estética da natureza e da arte, conferindo sentido à vida. Como argumento no ensaio que muito me honrou em dialogar sobre, que é a epifania da beleza, e sobre ela nós vamos falar um pouco mais. Essa vida intelectual, esse desejo de Salomão, esse desejo da
alma humana, como muito bem falou o professor Vítor, nós desejamos a Deus. Nós desejamos o kalos. É muito bela essa expressão grega, porque o kalos, bondade, verdade e beleza, são inseparáveis. Esse verbete é belo; não é o calo do sapato. Não, não é o calo do sapato; é kalos. Esse kalos é caligrafia, caligrafia bela. O kalos, inseparável: não há beleza que não seja boa, não há bondade que não seja verdadeira. Por isso, como muito bem falou o professor agora há pouco quando nós vemos, na Sagrada Escritura, o próprio Jesus dizer: "Eu sou belo Pastor," e
nós vamos falar sobre isso. É porque há um feio pastor, quando ele diz que é a videira verdadeira, é porque é uma falsa videira. Deus deixou, no seu divino desígnio, essa antinomia para que nós possamos viver aquilo que de mais belo, depois do amor e da liberdade, nós temos, que é o livre-arbítrio, a escolha. Então, amados, falar sobre isso... e eu ficava vendo. A beleza, né? Realmente, o professor Vitor é um homem contemplativo. Alimentemos os nossos filhos e nos alimentemos de sermos contemplativos, porque ele vai falando no seu livro que ele contempla a beleza no
sorriso de uma criança, nos primeiros raios da aurora, na música de Mozart, em versos de Drummond. E eu ficava lembrando de uma das frases célebres de Mozart: "a música não reside nas notas, mas no espaço do silêncio entre elas". Ele estava falando de Deus, da inaudibilidade de Deus. Música é beleza, e ele vai colocando e dizendo que nós somos chamados, diante de toda essa beleza que ele vai vendo no coloquial, no dia a dia. Nós devemos emudecer, nos comover. E além da frase de Mozart, lembrava de um livro célebre que por aí dizem que é
um livro bobinho, "O Pequeno Príncipe", de Saint-Exupéry. Diante da beleza que é o grande mistério, que é Deus, e quando esse mistério é impressionante, a gente não ousa desobedecer. Que coisa bela falar sobre isso! E eu lembrava de um trecho que o próprio autor, amigo Vitor Sales, diz: "como o ideal grego da vida intelectual se aperfeiçoa no ideal cristão da vida espiritual". Eu pedi liberdade para, né? E nós poderíamos intuir que o ideal artístico clássico, mimético, que brevemente falarei, ele se aperfeiçoa no ideal artístico sacro, cristão, católico. Queridos, eu ia lembrando, né? Lembrei da frase
do Vitor e de uma autora brasileira, a Adélia Prado. Ela tem uma frase que é muito bela e eu vejo isso na tua vida. Quando ela diz que, diante de um grande intelecto, um intelecto amplo, porque ela foi dita como uma mulher muitíssimo inteligente, ela diz que ela não se abarcou e nunca se abarcou no seu intelecto, porque o intelecto não abarca a totalidade. A totalidade é Deus. E a Adélia Prado continua dizendo: "isso faz sentido e faz-me sentir-me pequena de novo". E isso é muito bom, porque eu posso me inserir dentro de um organismo.
E ela coloca, como é colocado aqui, a pessoa com P maiúsculo. Ela coloca na sua citação o "o" maiúsculo, o organismo. Ela coloca Deus e percebe que Deus é muito maior do que ela. Nós precisamos fazer isso e levar os nossos filhos para Deus, para o belo. Deus, a beleza, é um atributo de Deus. Meus queridos, é um eco da sua missão salvadora. Por isso que Dostoiévski fala aqui que a beleza salvará o mundo. Nós somos imagem e semelhança de Deus, nós somos belos e fomos criados com essa beleza para ser continuadores da obra salvífica
de Deus. Não há outra missão nossa. E vai sendo falado, e eu achei muito belo, porque a beleza é essa expressão de epifania. O primeiro que cita isso é Platão, né? E quando ele fala essa citação, me lembrava muito de outra, que é a imagem da capa, né? Santo Agostinho, quando fala dessa relação epifânica, ele fala do maravilhamento filosófico. Nos maravilhar em tudo no nosso dia a dia, no nosso cotidiano: ver a beleza em tudo. Porque quando nós vemos a beleza, Agostinho entendeu isso: a beleza é antiga e sempre nova. Nós vemos Deus, nós nos
relacionamos com Deus, nós temos esse coração inflamado, como está aqui na imagem e foi dito na fala do Vitor. Então esse é o desejo de Deus para nós, né? Isso vai nos levando, né? Ao sertão. Aí eu lembrei do professor Rafael Sami, que fala muito e cita muito Sertão também. E ele vai falando que essa relação que nós temos que ter entre a nossa vida intelectual e a beleza é contemplativa, filosófica e espiritual. Essa atitude é a nossa atitude com a educação. Essa é a atitude que nós vamos buscando a cada dia, a cada manhã,
aqui no Mirante, sem mérito algum na nossa parte, porque não somos perfeitos, mas nós desejamos o perfeito, que é Deus, o belo, que é Deus. E eu ficava lembrando de outra citação do professor Vitor: "a arte nos devolve a infância, sem a qual nosso espírito envelhece". E, potra-faz, daqui a pouco eu falarei brevemente de algumas expressões, alguns verbetes que vão sendo deturpados, desqualificados e desconectados da verdade. Verbete desconectados da verdade não são belos; comunicam a feiura. Não nos esqueçamos disso. E o Vitor ainda vai citando no seu livro, muito belamente: "além da dor, a beleza
também converte o homem da Terra para o céu". A beleza é um signo divino que transcende o mundo. Nós somos chamados por Deus para a eternidade, para o celestial, para o céu. E nós não conseguiremos mensurar quão grande beleza é o céu, porque o céu é Deus. A presença em Deus, estar em Deus. E eu fui ruminando, vendo algumas coisas, né? Gostaria de parafrasear, como foi pedido pelo professor Vítor. Ele cita e vai dizendo que na pessoa - se eu tiver equivocado, por favor, me corrija - do Dostoiévski, que ele disse que a beleza é
uma coisa terrível e horrível. E é a primeira expressão que eu gostaria de partilhar brevemente: terrível, horrível. Você pode olhar para quem está do seu lado e falar a palavra "terrível". Você não faz uma fisionomia feia. Agora, fala "horrível". A própria expressão já nos leva para isso. Eu ficava lembrando do Mircea Eliade, que é um filósofo, um doutor em religiões. O Mircea Eliade fala algo que eu fiquei me lembrando dessa expressão: o "terrível", o "horrível", "terrificante". Mas o Eliade fala sobre "monstro", "monstruoso". E talvez, para nós que fomos deturpados pelas incoerências da vida, nós achemos
que "monstruoso" é algo ruim, mas quando a gente vê, por exemplo, o jogo de futebol: "Ah, aquele jogador, fulano de tal, aquele esportista é monstruoso". De tão bom, potente, queridos, nós temos na nossa capital o lugar da monstruosidade. Só basta você entrar na igreja, na verdade, pelo menos três: entre na Igreja de Santo Alexandre, entre na nossa Basílica de Nossa Senhora, entre na nossa Catedral. O terrível é a experiência que Meliade diz que é a experiência com Deus. Deus, que é como uma fera, que é temerosa, mas que te atrai. Você vê beleza, por exemplo,
numa tigre, numa pantera, fitando o olhar em ti, que não tem aquilo que Deus tem para fitar o olhar em nós, e nos D, que é a beleza total. Queridos, isso é importante para que a gente, caminhando para o final da nossa partilha, eu tô no tempo, desde a pré-história, queridos, até o meio para o final do século XV. Nós podemos passear nos ismos, mas atenção: a raiz de toda a produção de beleza do homem era mimética, mímese, imitação. Nossos filhos nos imitam, nós imitamos a Deus, nós desejamos imitar a Deus. Nós, homens, desejamos e
devemos imitar São José. As mulheres, que são chamadas a ser e devem, imitar a suprema, a Virgem Maria, imitá-la. Mas a imitação é dita para nós, por aí, como algo ruim. Ah, quer me imitar? Não! Nem na arte da mímica é ruim, e a arte, por todos esses séculos, foi mimética. Do final do século XVII pra frente, aí começou a acontecer algo que eu preciso, como é um momento formativo também para nós, pais, descer brevemente. Há uma citação, dita no livro do Professor Vitor Sales: "a maior beleza é arte pela arte", e é de Aristóteles,
sim. Mas, infelizmente, Gautier, filósofo, pega essa citação e começa a empobrecer quando Aristóteles diz que a arte pela arte é a arte pela fonte, que é Deus. Mas Gautier começa a quebrar essa realidade e vai quebrando no plano das ideias. Essa ação de quebrar chega, infelizmente, e ecoa no coração de um artista que é dito por aí como vanguardista. Muito bom, não é? Bom, Marcel Duchamp diz que tudo é arte. Na verdade, a frase dele é: "será arte tudo que eu disser". Prepotente ou não, tudo aquilo que ele produziu, e nós sabemos que ele nem
seciona uma imagem à semelhança da pessoa com P maiúsculo. Não! Ele pegava objetos prontos. Desconectável a escada deiva continua porque nós vamos vendo na arte conceitual, Henry Flint, que usa essa expressão. O que ele diz que é arte conceitual? É atitude mental. Ah, só penso e pronto, é arte? Não, queridos. Fábio, nós somos chamados a fazer. Lembremos de São Tiago sobre as obras. A relação não é só a relação de obra de arte, mas a nossa vida é uma mão de Deus. Infelizmente, isso foi sendo dito como algo muito belo na academia. Ah, eu sou
um artista conceitual! Não, queridos. Infelizmente, foi depreciado pelo querido, para alguns, Henry Flint. E quando Deus me chamou a estar aqui nessa terra, eu falei sobre algo que a escada decresce mais ainda, que é ar kit. Desejo de ir para a Alemanha. Ainda bem que o teu desejo era cunhado na filosofia boa, bela e verdadeira, porque o Clemente Greenberg cunha essa expressão: arte kit, culto ao feio, culto à desordem, culto à mentira, culto à maldade. E nós vamos vendo isso, e se você fizer uma breve pesquisa, você vai ver que tem um museu, kit, é
a loucura das loucuras, é o frenesi do inferno colocado como algo bom, interessante, belo e verdadeiro. Não! A raiz não é Deus. Queres conhecer se os frutos são bons? Olha a árvore. Não! A árvore, infelizmente, de Greenberg, não é boa. Não é boa, e infelizmente isso tá decrescendo mais ainda. E mais uma vez, brincando com o Vitor, né? Mais um autor brasileiro, Norval Baitelo Júnior, eu pesquiso muito ele. Ele criou um termo para a contemporaneidade. Na verdade, eu vou pegar um termo de um santo que é muito melhor: a Odier. Nós vivemos o hoje de
Deus. Essa expressão é do nosso querido São João Paulo I: a arte do Hoje! Ele chama esse tempo que nós vivemos de escassez, de caos, de iconofagia. É a imagem pobre com a qual nós vamos nos relacionando e, ao invés dela nos trazer conteúdo, ela nos consome. Ela vai consumindo a tua alma, ela vai consumindo a tua vontade e você vai, gradualmente, perdendo a volatividade. Por isso que a sociedade é tão fraca. A arte é uma arma letal positiva, diante da presença e da potência de Deus, apoiada em Deus, é positiva. E, por fim, nós
poderíamos pensar assim: ah, qual é a solução? Como é que a gente resolve essa escada que tá descendo toda aí, e aquilo que era belo está caminhando para a feiura total? O próprio Professor Vitor Sales nos dá a resposta: amor. O amor! E ele, na página 47, fala algo muito belo que nós podemos associar àquilo que Baitelo Júnior quer falar na iconofagia: saturados de imagens ininterruptas e barulhos incessantes, nossos sentidos estão superexcitados e embotados à beleza, entorpecidos com escamas utilitaristas e consumistas, pois perseguimos, perdão, a utilidade prática imediata de tudo e o seu valor econômico.
Queridos, eu entendi a sua expressão: nós buscamos o preço. Infelizmente, é o preço, queridos. Nós devemos buscar o valor. E não há valor maior do que o amor. Não há valor porque o amor deu a sua vida por ti, por nós, por cada um de nós. E é isso que esse livro fala. Na verdade, é isso aqui: é a tua vida! A nossa vida tem que falar. E é muito belo ver isso, porque eu gostaria de ir caminhando pra partilha final, porque todo esse itinerário de relação de enamoramento com uma pessoa, na verdade, é um
espelho. Por isso que tu finaliza ali com os noivos. É um... Esponsal com o amor é desposar Deus. É desposar Deus como fez a uma esposa, Daniela Garcia, e como nós somos chamados a fazer, independente do nosso estado de vida: desposar Deus, desposar o amor e viver aquilo que são. José Maria Escrivá pede uma vida útil e santa. Sendo assim, finalizo trazendo só uma citação que muito me impactou. Na verdade, todo o livro, né? Eu me senti dentro dos três templos que eu citei para vocês. Essa obra aqui é uma experiência com o monstruoso, é
uma experiência com o monstruoso que dá temor e tremor. Na página 447, Deus inspira este homem a dizer: “Entre o amor puramente espiritual, contemplativo, e o desejo erótico, consumativo, reside o amor humano conjugal, o amor integral entre pessoas corporificadas. Como se amam de corpo e alma, reconhecendo a superioridade desta, meus queridos. O lugar da beleza, o lugar da manifestação e da relação com o belo, bom e verdadeiro é a família, é a igreja, é a escola.” Nessa ordem, não tenhamos medo. E, por fim, gostaria de dizer algo que eu falei em off, olhando nos teus
olhos. Ao olhar nos olhos do Vitor, eu quero olhar em vossos olhos. Se eu pudesse, olharia todos os olhos. Quando estávamos interagindo na terça-feira, ele falou sobre a metáfora da carta e do carteiro. Olhei no fundo dos teus olhos e olho de novo. Ao olhar nos teus olhos, eu queria olhar no olho de todo mundo e dizer aquilo que eu te disse naquele dia: Nós não somos a carta. A carta é só o objeto material. Nós não somos o carteiro, porque o carteiro às vezes não sabe nem qual é a mensagem. Tu és, sem mérito
algum da tua parte. Nós somos, sem mérito algum da nossa parte, a mensagem. Não tenhamos medo de comunicar o Carlos, o belo, o bom, o verdadeiro. [Aplausos] Boa noite, boa noite. Então vamos lá: a beleza sempre convida à bondade. A beleza sempre convida à bondade. Conheçam! Eu acredito, né? Sou professor Rafael Sami, todos aqui somos de casa, e eu queria, antes de mais nada, expressar a minha gratidão. Não é segredo para ninguém, mas para mim é uma grande honra, né, compor esta mesa. O professor Vitor é meu professor desde a época da graduação. Sempre foi
para mim meu grande modelo e referencial, não só de professor, mas até mesmo assistindo às aulas do professor Vitor. Convivendo com ele, eu também ia percebendo as centelhas daquilo que o meu coração desejava acerca da minha vocação, do meu estado de vida. Então, para mim, é um motivo de muita alegria ter sido convidado pelo senhor. Vamos lá! A bondade, essa dimensão da sabedoria, é tão cara para nós, enquanto Colégio Mirante, sobretudo no nosso Pilar volitivo. Claro que não apenas no Pilar volitivo da educação personalizada, mas assume uma afeição muito própria, e é sobre essa afeição
que eu gostaria de conversar aqui hoje, né, nessa mesa com vocês. E claro, inspirado também por aquilo que o professor Vitor escreveu nesta obra magistral. Bom, a educação personalizada, que possui seus cinco pilares, como nós conhecemos: físico, socioafetivo, volitivo, cognitivo e transcendental, busca sempre o desenvolvimento das virtudes. O Colégio Mirante é um colégio que educa em valores e virtudes, e as virtudes nada mais são do que os pontos cardeais que conduzem a nossa vida. Os pontos cardeais que nos orientam no mapa da nossa vida. Só que muitas vezes nós nos percebemos sem esses pontos ou
até mesmo sem mapa, tendo em vista a crise que nós vivemos hoje na nossa sociedade como um todo, que começa no meu e no seu coração. Esses pontos cardeais, é como se eles fossem cada vez mais desaparecendo e, desnorteados, nós entramos em crise. E aí eu recupero o argumento de um dos primeiros livros, senão o primeiro livro do professor Vitor, nesse sentido deste debate filosófico: "A Crise da Cultura e a Ordem do Amor", no qual ele apresenta para nós — claro, ele não fica apenas na crise; ele traz depois a Ordem do Amor, traz a
doença e o remédio —, mas quando ele vai diagnosticando as doenças, sempre ficaram muito latentes no meu coração as seguintes: a cultura do espetáculo, o problema enraizado na nossa alma da vaidade, os superestímulos, a saturação imagética, a cultura do espetáculo, o excesso de informações visuais, rios, rios, shorts, Instagram, história e celular, celular, celular. E nós vamos vivendo a nossa vida dessa maneira, muitas vezes anestesiados, inconscientes. A vida vai escorrendo pelas nossas mãos e é como se nós fôssemos perdendo o controle, perdendo a direção por falta de pontos cardeais, por falta de virtude, por falta de
decisão, porque a virtude é sempre ativa. A virtude é sempre um ato livre da nossa vontade. A inteligência convida à vontade e nós orientamos a nossa vontade para aquilo que é bom. Então, a inteligência sempre convida a nossa vontade. Sempre. E claro, né? Para isso, nós precisamos também ir atrás. E nesse caminho, é muito interessante perceber que no livro "Amor à Sabedoria", recém-lançado, o professor retoma de certa maneira esse debate acerca da crise da cultura dos nossos dias com algo muito atual, com algo muito latente na nossa sociedade e nos nossos corações, que é o
ativismo moderno. E é interessante o quanto que esse ativismo vai à nossa alma, o quanto que esse ativismo vai nos roubando daquilo que é essencial e nos prendendo no que é acidental. Na página 39, o professor Vítor fala sobre o ativismo da seguinte maneira: "O ativismo, o imediatismo e o pragmatismo suplantam a vida contemplativa, alterando a experiência do tempo e do pensamento. Há uma pressa generalizada, uma sensação de urgência dada pelos meios de comunicação de massa e pelas redes sociais, que nos priva da paz." Do silêncio do estudo e da oração reflexiva, capazes de franquear
o autoconhecimento, ora, se uma vida não examinada não é digna de ser vivida, o que nos rouba dessa vida examinada? Hoje é claro: muitas coisas, e uma delas é exatamente esse ativismo que nos acelera, que nos deixa sempre agoniados. Muitas vezes, nem sequer olhamos nos olhos das pessoas, nos olhos dos nossos filhos. Muitas vezes, perdemos a coragem de parar, parar, parar diante de um livro, parar diante de Deus, na oração. Uma vez, escutava um sacerdote num retiro de Semana Santa, e ele falava assim: uma das principais formas do amor esponsal se expressar é por meio
do silêncio. Uma das principais manifestações do amor esponsal é o silêncio. O marido e a mulher, o casal, depois de consumar o ato conjugal, o silêncio não precisa dizer mais nada. "Eu te amo. Não preciso mais dizer nada. Tu sabes que eu te amo." Então, quem para, ama. Quem nunca fez essa experiência de estar diante de uma pessoa? E o Vitor, acredito que todos nós aqui, aqueles que convivem com ele, com certeza já tocaram nessa realidade. O Vitor é um homem que para, que para, para escutar; que para, para olhar nos olhos; que presta atenção,
e isso é próprio de quem ama. O silêncio é uma linguagem esponsal. Só que o silêncio é exigente, e algo que achei interessantíssimo no seu livro é quando o senhor faz o convite à sua solidão e ao silêncio. Eu sempre me refiro ao Vitor como senhor; não se assuste, é porque, uma vez aluno, sempre aluno. E algo que o professor coloca na página 38: “Falei assim: meu Deus, como eu nunca tinha pensado nisso antes!” Sabe quando viram-te meus olhos? Está sempre ali, diante do nosso olhar, mas é como se o véu não tivesse ainda caído.
Ele fala sobre algumas virtudes, dentre as quais eu gosto muito, dizendo: “Portanto, virtudes teologais e intelectuais, como, por exemplo, as morais, da ordem, da disciplina, da paciência e da perseverança, que comportam sacrifícios e renúncias, como a solidão e o silêncio.” Meus amigos, muitas vezes, se não sempre, tendo em vista a sociedade em que nós vivemos, a solidão e o silêncio exigem de nós sacrifício, asse ou renúncia. Que loucura, né? De certa forma, o silêncio e a solidão serem apresentados para nós como um sacrifício deveria ser algo natural. Mas o nosso coração perturbado, agitado, ansioso, apressado,
tenta fugir, tenta fugir de toda maneira, tenta fugir de tantas formas desse recolhimento, desse silêncio, desse encontro interior. E esse encontro interior que o professor apresenta como autoconhecimento nada mais é do que o encontro com a verdade, o encontro com Deus e comigo mesmo, de certa maneira, porque todas as vezes que eu encontro nosso Senhor, Ele se revela a si mesmo, mas também me revela a mim mesmo. Mas, o quanto é difícil ter a coragem de parar, parar diante de Deus, parar diante de mim mesmo e parar diante dos outros. Então, a primeira reflexão que
eu gostaria de deixar para nós nessa noite é, na verdade, esse convite. Eu me senti com cuidado lendo o seu livro: a parar, parar, parar com mais amor diante de Deus, diante de mim e diante dos outros. Parar diante de Deus e de mim por meio da oração e do estudo, com cada vez mais assiduidade, com cada vez mais presença, né? Nós, todas as vezes que nos encontramos com uma pessoa, estamos diante da presença dela. O professor Diego Rei, seu amigo, fala muito disso, né? Ah, deu o ar da graça, que a presença é a
graça. Então, que nós tenhamos essa coragem de parar. Pegando um pouco o embalo do que o professor Adonias pontuou sobre a questão da beleza e da contemplação, tem um ensaio no livro "A Crise da Cultura" e "Ordem do Amor", que é um dos meus preferidos, que é "Diversão e Tédio". Gosto muito desse ensaio, e nesse livro, esse debate é retomado por meio da epifania da beleza, prefácio do "Só Quem Ama Canta". E esse livro "Só Quem Ama Canta", do Joseph Pieper, é maravilhoso. É um livro, acho que com menos de 100 páginas, que é assim,
monstruoso. Muito bom, muito bom mesmo! Recomendo a leitura do Joseph Pieper. Na verdade, o livro do professor Vittor foi muito generoso, porque muitas pessoas chegam, com certeza, como o senhor, assim como comigo, perguntando: “Ah, o que eu posso ler? Por onde eu posso começar uma vida de estudos?” Está aqui: leia esse livro e depois procure as referências dos 16 ensaios. Você vai ter matéria intelectual, acho que para uns bons anos aí, e com certeza um repertório sociocultural maravilhoso. Eu me senti também convidado a procurar aquelas obras com as quais ainda não tinha tido contato. E
essa obra do Joseph Pieper é maravilhosa, porque ela nos apresenta também um convite. Ela fala um pouco sobre temas muito relevantes do nosso cotidiano: trabalho, tempo livre, ócio, beleza, contemplação, etc. E, bom, claro, nós temos tanto uma dimensão histórico-geográfica, o advento da Revolução Industrial, a quarta fase da globalização, a revolução técnico-científico-informacional, puxando a sardinha para o meu lado. Mas a gente também tem esse diagnóstico que o professor levantou da crise da cultura, e tudo isso muitas vezes vai nos roubando desse tempo livre. É como se nós vivêssemos com medo de ter tempo livre. Nós temos
medo do ócio porque talvez nós ainda não compreendamos o que ele é de fato. E esse livro é muito esclarecedor nesse sentido. O ócio é o tempo de cultivo da alma, e nós somos, de certa maneira, aquilo que nós fazemos no nosso tempo livre. Vou repetir: o ócio é o tempo de cultivo da alma, e nós somos, de certa maneira, aquilo que nós fazemos no nosso. Tempo livre, quando nós não estamos obrigados, entendam a cumprir as nossas funções e os nossos papéis sociais. Porque, nesse momento, nós temos a liberdade para escolher, e por meio da
escolha, por meio da decisão, é que nós temos a capacidade de amar. Porque no meu tempo livre, que eu escolho rezar, é no meu tempo livre que eu escolho ler, é no meu tempo livre que eu escolho conviver com a minha família, com a minha esposa, com os meus filhos. É no meu tempo livre, é naquele momento em que eu não estou, de certa maneira, fadado a cumprir aquela função social do trabalho. A gente pode pensar numa carga horária, né, de 8 às 17, 8 etc. Então, o que eu faço antes de sair de casa,
no horário do almoço, após o trabalho? É claro que não é apenas isso, é resumo quem eu sou. Tanto é que nós empreendemos todas as nossas forças no trabalho e vamos para nos santificarmos por meio dele. Mas essa obra nos convida, nesse tempo livre, a olhar para aquilo que é essencial, a olhar para aquilo que não passa. É um argumento num tanto interessante, mas é como se fosse mais ou menos assim: nós temos que trabalhar para cumprir a nossa missão, mas também para ter tempo para aquilo que é verdadeiramente essencial. Não que o trabalho não
seja, mas como nós bem sabemos aqui no Mirante, antes do trabalho vem Deus e a família, os cinco dedos da ordem. E, nesse sentido, só quem ama canta. Só quem ama é capaz de cantar. Só quem ama é capaz de olhar a vida com esses olhos de maravilhamento, de entusiasmo, de chegar em casa após uma jornada de trabalho e amar, amar por meio da oração, por meio do estudo, por meio da conversa com a esposa, com o marido, da convivência com os filhos, do auxílio nas tarefas de casa. A presença, o amor, ele exige de
nós o silêncio, como eu falei no início, mas também o amor exige que nós nos demoremos nele. O amor exige de nós que nós nos demoremos nele. Nós precisamos demorar diante das presenças que nós amamos. Muitas vezes, nas preceptoras, não são experiências apenas minhas, mas de professores do colégio também, de certa maneira, claro, né, a depender do caso, mediante liberdade. Mas o que nós identificamos algumas vezes é que, com muita liberdade, nós apontamos para as nossas famílias. Por favor, tenha tempo com seu filho, tenha tempo com a sua filha. Acredite, ela não precisa tanto. Tudo
isso que eu vou falar é bom, tá bom? Não me levem a mal, mas da natação, do inglês, do isso e tudo isso é muito bom. Mas, antes de tudo isso, seu filho precisa de você, da sua presença, do seu amor, da sua atenção, do seu tato, do seu olhar, da sua instrução. Ah, eu quero uma mentora para minha filha, para meu filho. Seja você, em primeiro lugar. Porque virtude, que de certa forma é o tema que estou aqui abordando, pode ser ensinado numa aula. Nós temos aqui aulas de virtudes para as crianças semanalmente; nós
temos aula com o professor Vittor de virtudes mensalmente, semanalmente, constantemente nós estamos falando, ensinando. Mas cá para nós, família Mir, um segredo aqui. Convenhamos, estamos aqui em família, né? Cá para nós, virtude se aprende pela fora do exemplo, em primeiro lugar. Pela fora do exemplo, em primeiro lugar. Pela fora do exemplo. Talvez seja esse o motivo, professor, pelo qual seu livro nos convida tanto a mudar também a nossa vida. Porque o Senhor escreve daquilo que o Senhor luta todos os dias para viver, e eu sou testemunha disso. Recentemente, eu encontrei o professor Vitor na UTI.
Meu pai estava no leito vizinho ao dele e nós estávamos lá. Foi interessante porque eu estava diante do leito do meu pai, rezando um terço. Como a UTI tem uma parede de vidro, uma parede transparente, eu vi o professor com a Bíblia na mão, né? Então, ele com a Bíblia, eu com o terço. E, depois, quando nós saímos, assim, nós nos encontramos e o professor disse: "Olha onde nós viemos nos encontrar." E assim, meus amigos, eu digo para vocês com muita tranquilidade. O pai do professor, graças a Deus, se recuperou. Meu pai permanece em tratamento,
mas aquele dia, no início do tratamento do pai do professor e no início do tratamento do meu pai, o quanto eu me senti abastecido, cheio de uma força espiritual que eu não sei explicar. A presença, a presença de um amigo. Isso nós lutamos para ensinar aos vossos filhos nas aulas, no dia a dia, mas de certa maneira nós precisamos viver isso em primeiro lugar. O amigo ele nada mais é do que aquele que está disposto a ir com você até a cruz. O amigo ele não arreda o pé na hora da cruz; ele vive com
você aquele momento até o fim. E eu me senti muito amparado. O professor não precisou falar nada, só a presença. A presença é a graça. Me senti amparado como amigo, como quem... E não apenas como aluno, mas como amigo e muito amado, né? E foi só um abraço, só um cumprimento. Mas a presença é a graça. Nós precisamos nos demorar naquilo que é essencial. Por fim, na segunda sessão do livro do professor, ele fala sobre o mistério do amor. Mistério do amor e retoma uma citação de Dante na Divina Comédia, presente também na Crise da
Cultura. Salvando engano, no Evasão e Conversão de um Rei de Vir. Mestre, vocês me veem falando nas formações sobre o Mufasa do Rei Leão, crise da cultura e ordem do amor. Eu tenho as minhas fontes. E aí, lá no Evasão e Conversão e também nesse livro, o professor, para falar das virtudes, começa como que preludiando e cita Dante: relembra vossa origem e vossa essência criados. Não fostes como animais, mas donos de vontade e consciência, e é exatamente isso que não apenas nos difere dos animais — porque seria muito pouco — mas é isso que nos
garante a possibilidade de lutarmos pela santidade, pelo céu, por aquilo que não passa, por aquilo que é essencial à nossa vontade. Nós lutamos para educar nossos alunos por meio do desenvolvimento do pilar volitivo. Vejam que maravilha! E, nesse caminho de educação da vontade, nós temos também uma educação para o amor, pautada no ensino das virtudes, que nada mais são do que os pontos cardeais da nossa vida. Uma vida sem virtude é uma vida infeliz. Acredite! Por que vocês falam tanto de virtude no Mirante? Porque esses meninos só vão ser felizes se eles forem virtuosos. Acreditem!
Apostem todas as fichas de vocês nisso. Eu coloco a minha conta em risco. Minha conta? Não, porque não tem nada. Eu coloco minha vida em risco, né? Apostem as fichas de vocês. Vale a pena! Uma vida virtuosa é uma vida feliz. É uma vida feliz! Eu não digo isso porque sou virtuoso e mega feliz, mas porque eu luto. E todos os dias que eu percebo centelhas de virtudes despontando no meu coração, aí eu gozo do sabor da verdadeira felicidade, que nem o tempo, nem a espada, nem a dor, nada pode roubar. E essas virtudes se
apresentam para nós, como claro, né, para favorecer a nossa compreensão. E a tradição católica, há muitos anos, há muitos séculos, nos ensina dessa maneira: virtudes cardeais e virtudes teologais. As virtudes cardeais: temperança, fortaleza, justiça e prudência. Falando da virtude da ordem, que não é necessariamente uma cardeal, mas a ordem na mesa e na cama, temperança; a ordem nos nossos sentidos, nos nossos afetos; fortaleza; a ordem nas relações sociais, justiça; e a ordem nas nossas decisões, a prudência. Por isso que a ordem, muitas vezes, nós a enaltecemos como a rainha de todas as virtudes. E não
é por outro motivo que ela é a virtude desse mês de fevereiro, porque para ensinar as outras para as nossas crianças, nós precisamos passar por ela. E, nesse caminho das virtudes cardeais e teologais, nós temos a principal, que é a virtude da caridade: fé, esperança e caridade. A maior de todas, porém, é a caridade. Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, se eu não tivesse amor, nada eu seria. E partilho com vocês uma última experiência pessoal. Nesse mês, né, lendo a obra do Professor Vitor, como eu disse há pouco, né, meu
pai segue fazendo tratamento, então tenho levado com a minha irmã noites no hospital, e o seu livro foi não só meu grande companheiro, mas consolo, muitas vezes, ali com meu pai. Muitas vezes consegui lê-lo; outras noites, não, porque precisava cuidar lá do meu coroa. Mas algo eu percebi, né, passado esse mês de janeiro: que existe, claro, uma sabedoria que provém da estética, da ética, da leitura investigada, da ciência, mas tudo isso fala de uma coisa — da sabedoria que emana da Cruz. Existe uma sabedoria que só emana da força da Cruz, mas ainda da força
da Ressurreição do ressuscitado, que passou pela cruz e dela traz as suas chagas gloriosas. Algumas noites, né, eu estava sem um travesseiro lá naquela poltrona desconfortável. Aí eu usei o livro como travesseiro para ver se, bora, ver se nessa noite aqui alguma coisa passa, mas não teve jeito; eu tive que ler mesmo. Mas Deus foi tão generoso que aquilo que me faltou da contemplação investigativa, Ele me deu por meio da força necessária para abraçar essa Cruz que tenho vivido. Então, finalizo, né, essa partilha sobre a bondade com uma citação que muito me tocou da página
67: "Depois, vocês podem recorrer. A descristianização do mundo comporta a sua desumanização, porque tirar Cristo da nossa vida não é outra coisa, meus amigos, senão deixarmos de sermos homens, homens de pé, homens felizes, porque a felicidade sempre comportará uma vida virtuosa." Muito [aplausos]. Obrigado! Eu só queria fazer um comentário breve. A Laí deve lembrar: em 200, eu participei de uma mesa na Universidade Federal Fluminense, apresentando a obra do meu grande mestre Benedito Nunes, que fazia 80 anos e cuja obra era celebrada com o prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra. E, escutando o professor
Rafael Sami falar de mim e da minha obra, eu tive quase que uma epifania, uma experiência mística, no sentido próprio do termo, porque transcende a nossa capacidade racional de traduzi-la. Semelhante ao modo como Bené me olhava naquele dia, um senhor muito diferente de mim, agnóstico, inclusive, silencioso, profundamente contemplativo, do alto dos seus 80 anos, com as barbas envelhecidas por muitas literaturas, pelo estudo profundo de religiões comparadas, mas que não se decidiu pela fé cristã, mas cujo grande interlocutor no final da sua vida foi o padre Fabrício Meron, que a Dan conheceu, do Centro de Cultura
e Formação Cristã. E ele me olhava assim, com um olhar de gratidão e admiração. Então, eu agradeço muito as generosas palavras e a admiração por ver que, de algum modo, a minha obra me transcende, né? E o Bené falou uma coisa que eu não sei se a Laí lembra, porque depois ele repetiu isso algumas vezes. Ele falou: "Eu me sinto póstumo." E eu escrevi isso no meu livro "A Crise da Cultura e Ordem do Amor", num ensaio chamado "O Encantado", porque Guimarães Rosa diz que as pessoas não morrem; elas ficam encantadas. E o Bené, no
final da sua vida, parecia um encantado. Por isso, é o nome do meu ensaio sobre ele: "O Encantado", que eu li na Universidade Federal do Pará no primeiro evento público depois da sua morte, onde hoje é o auditório Benedito Nunes, em homenagem a ele. Então, me sinto assim: parece que o Sami leu os meus livros, leu "A Crise da Cultura". E a Ordem do Amor cita a crise da cultura e é ordem do Amor, como eu citava a obra do Bené naquela época. Ele falava assim: "Eu escrevi isso". Eu olhava para mim e falava assim:
"Ah, é lá em Goiânia que tive a mesma sensação." Talvez, com um exemplo muito mais nobre: Santo Afonso Maria de Ligório, que escreveu as grandes Glórias de Maria. Já velho, perdeu a lucidez e não podia mais ler. Um homem que passou a vida inteira lendo! Santo Afonso conta a lenda que não dormia. Era um jurista, um teólogo, um homem que escreveu muito e cuja grande paixão da vida foi Nossa Senhora. E cuja Glória de Maria, que é esse grande livro, é um clássico da mariologia. Ele pedia que lessem esse livro e dizia: "Puxa, esse livro
é muito belo! Quem o terá escrito?", referindo-se ao livro dele. E, no outro dia, pedia: "Leia de novo aquele de ontem que achei muito interessante. Quero o livro dele." Então, fico feliz porque não é a minha obra; é algo que me transcende. É a verdade. Assim, tomei tudo isso que o Sam disse para mim, ou seja, preciso fazer silêncio, eu preciso de mais solidão, eu preciso de mais caridade, porque a verdade nos atravessa e volta na forma de um espelho. Estou muito feliz que isso esteja acontecendo. É como aquela passagem do Simeão: "Já pode partir
em paz, porque viu." Parece que eu já vi, já contemplei, já experimentei o amor profundo de Cristo, que não se encerra em mim, mas que consegui, de algum modo, pelos talentos que Deus me deu, comunicar. E isso volta. Ou seja, o Sam é professor da minha filha. Isso é extraordinário! Isso é extraordinário, porque não é a minha verdade, mas a verdade de todos esses autores. Por exemplo, esse tema aqui da Cruz eu aprendi com Fulton Sheen, que aprendeu dos Evangelhos, que estão aí nas nossas missas diárias, sendo proclamados, que estão na vida dos nossos Santos,
na nossa vida, porque a verdade é Cristo e Cristo é amor. Então, passo agora a palavra para quem vai falar do Logos da Verdade, porque Cristo também é o Logos. Desculpem. Boa noite, queridos pais. Boa noite, professores. É uma alegria estar com vocês e uma honra o convite do meu amigo e irmão Vítor para falar do livro. O livro me lembra aquilo que Virgílio foi para Dante; ele conduziu Dante por todo aquele universo do Inferno, do Paraíso, do Purgatório. E, de uma certa forma, você é, não de modo muito sincero, o nosso Virgílio que nos
conduz a muitas obras clássicas. Então, se a gente pensar um pouquinho, o que é o clássico? É aquilo que é perene, aquilo que é universal e aquilo que é onipresente. E, se você me permite traduzir um pouco aqui a experiência que você teve, eu não vou traduzir porque foi uma experiência sua, mas o Rafael subiu em ombros de gigante, assim como você também subiu em ombros de gigante, com Benedito, com o padre Fabrício e o Benera Basinho. Então, tudo isso, na verdade, tem a ver com uma coisa que é própria do clássico, que é perene,
porque são verdades eternas. Então, estamos falando de livros do século X e de livros de 2000, 3000 anos atrás que traduzem verdades profundamente humanas, e, daqui a talvez 10.000 anos, continuaremos lendo Ilíada, A Odisseia e Dante, buscando as mesmas coisas que hoje nós buscamos e que os nossos antepassados buscavam. Por isso, ele é perene, universal, porque toca a todos nós. Machado dizia que um escritor, antes de tudo, deve ser homem do seu tempo, ainda que fale de tempos remotos no tempo e no espaço. Então, essas são verdades que nos tocam. E o terceiro ponto é
a onipresença. Então, esses livros se encadeiam dentro daquilo que nós tão orgulhosamente chamamos de tradição. Não existem saltos aqui, existe uma tradição, e essa tradição você conseguiu construir muito bem. Eu poderia resumir a minha fala numa ideia bem simples: seu livro é cristocêntrico. Essa é a verdade! Tudo é lido a partir dessa visão, dessa leitura, bem a partir de uma noção de fé e razão. Então, todos os livros são um convite maravilhoso. Dos 16, eu já tinha lido alguns outros, e tenho muitos outros na fila. E uma curiosidade, né? Os noivos, o livro preferido do
Papa Francisco, ele já leu umas 11, 12 vezes. Então, de um modo geral, pelo menos nessa parte, eu queria deixar clara essa impressão que você nos conduz, como um professor, como um Virgílio, para que nós adentremos exatamente na sua seara, que é o amor à filosofia, que é amor à verdade. No fundo, é amor à verdade. Então, no prefácio, há algumas coisas que me chamaram muito a atenção. Uma delas tem a ver com o elemento que você coloca como a vida intelectual e a vida espiritual. Todos os ensaios deste livro encerram uma dimensão edificante e
apontam para Cristo. Essa obra-prima nos convoca a uma autêntica conversão. Então, no fundo, você nos insere numa tradição católica que sempre deu muito, que não separa a dimensão moral da dimensão intelectiva. Aqui no colégio, nós temos os pilares da educação personalizada. Ela trabalha com todos os pilares, e eu sempre digo que sempre há um aspecto de sobrenaturalidade no pilar cognitivo. Eu posso provar isso em uma aula que eu... Dei, semana passada, para a turma do primeiro ano, primeiro aninho, eu estava com 6 anos. Eu estava falando sobre o início da minha disciplina, literalmente científica e
matemática, com eles, e eu estava explicando por que eles devem, por que o que o cientista faz. "Alunos de 6 anos, fiquem com essa informação!", eu disse. O que um cientista faz? Ah, eles vão à Lua, eles descobrem fórmulas. Sim, tudo isso, mas eles amam a natureza. Eles amam o mundo, apaixonadamente amam tanto que querem entender o mundo. E por isso que nós estudamos ciências aqui: porque nós amamos o mundo e queremos descobrir como ele é construído, quais as partes dele, como ele se constitui. E aí ele pergunta. Eu falei: "Então, nós vamos estudar a
criação, a ciência como ordem da criação." "Quem criou o mundo?" eu perguntei. Aí a criança falou: "Deus!" Eu falei: "Perdão, Deus." E aí ele parou e falou: "Professor, mas se Deus criou o mundo, quem criou Deus?" 6 anos! 6 anos! "Quem criou Deus?" Aí eu falei: "Esse é um assunto, vamos tratá-lo, mas isso está no campo da metafísica. Mas vamos tratar mais pra frente." Mas eu não disse. Eu falei: "Deus não foi criado. Deus é absoluto." Não ia recomendar as cinco vias de São Tomás para a criança porque não ia ser possível isso. Mas eu
falei: "Deus é absoluto." Tenho só um parêntese rápido: Santo Tomás de Aquino teria feito essa pergunta aos 6 anos, beneditino de Monte Cassino, e teria passado a sua vida inteira respondendo essa pergunta. Então, ele levou a sério essa pergunta; ela é real e surge aos 6 anos exatos. A gente só não pode abafar, exatamente castrar a criança e disse: "Você certamente vai entender. Nós vamos fazer uma aproximação, e mais pra frente isso vai ficar mais claro." Então, isso é muito importante, porque esse assunto do pilar cognitivo não está separado daquilo que é a ciência mestra,
que é a filosofia. Que capta tudo que nós entendemos do ponto de vista científico; nós tiramos de algum lugar. Isso é da filosofia. Então, esse amor à verdade, esse amor à sabedoria, que é a definição da filosofia, é um amor, no fundo, à figura de Cristo. Então, esse é um ponto importante da não separação da vida intelectual e da vida espiritual. Há uma tendência de uma certa festivização da vida intelectual, como se fosse. A vida intelectual não é um beletrismo, não é saber meia dúzia de livros para poder falar a respeito, mas é um processo
de interiorização mesmo. É um processo de buscar, no mais íntimo de si, como toda a tradição fez. E aí, o seu grande modelo é Santo Agostinho: modelo literário, modelo filosófico e modelo teológico. Então, a vida intelectual é algo muito grave. E tudo que o livro traz, e que me encantou, é que, quando ele vai buscar na literatura, tem um, no início do prefácio, um trecho chamado "A Literatura e o Reencantamento do Mundo". Eu poderia traduzir. E aí me veio à cabeça, né, os meus tempos, e não diria sombrios, de Ciências Sociais da Universidade de São
Paulo, mas o desencantamento do mundo que o Weber traz. O desencantamento do mundo é aquilo que instaura a modernidade, e a modernidade é um processo de retirar Deus do centro. Então, esse processo de reencantamento do mundo é, sim, um processo de recristianização da cultura, e a gente tem que falar isso com todas as letras, sem pudores, sem respeitos humanos: é Cristo no centro. Então, isso é algo muito importante e que perpassa todo o livro. Essa integração, na página 22 da Verdade, essa integração de verdade, bondade e beleza se perde gradualmente na modernidade pela secularização e
fragmentação das ciências, dos valores e das artes. Nós vivemos num mundo em que... E aí, o primeiro ensaio sobre... Cange a vida intelectual, você faz uma pergunta: se a época dele, se nós padecemos dos mesmos males da época. Eu acho que talvez seja um pouco até pior. A pergunta que você faz é a seguinte: "seria o nosso século XX acossado por crises sociais tão diferentes do nebuloso século de Serange?" É um artigo que fala sobre a vocação e a contemplação. Hoje cedo eu mandei uma mensagem pro Vitor pedindo se ele podia me enviar o livro
em PDF. Eu tenho o livro que foi comprado por PIX, não foi por comprado, porque eu queria fazer uma pesquisa. Ele ficou curioso, né. E o que eu ia fazer? O que eu vou pesquisar sobre o livro? Você tem o livro em mãos e aí eu tenho muita curiosidade. Foi uma pesquisa matemática, digamos assim, estatística. Eu queria ter uma noção da quantidade de verbetes em que ele tratava alguns temas. Então, por exemplo, sobre a bondade, foi citada 45 vezes, a beleza e o belo foram citados 134 vezes, e a verdade foi citada 404 vezes. Então,
este é um livro sobre a verdade, sobre alguém que se debruça profundamente sobre a verdade, e essa verdade se dá, se manifesta de muitas formas na natureza, mas ela é uma pessoa, e disso é inescapável. Então, esse primeiro... Essa foi a curiosidade. Ele falou: "Estou lendo atentamente o livro do Apocalipse, que é a Revelação. Espero essa revelação." Hoje à noite era para essa. A revelação, 404 vezes a palavra verdade se repete no livro, e se repete de modos muito distintos. Ela se repete na literatura homérica, na Ilíada, na Odisseia; ela se repete em Sófocles, nos
gregos; ela se reflete em Dante; ela se reflete em todos. Os ensaios, todos eles, de modo incessante, é isso que me chamou muita atenção para pensar exatamente essa questão da Verdade. Certo, então caminhando sobre o livro, tem um ponto que eu acho que isso é bem importante na nossa tradição católica, que esse livro do Cange é um livro magnífico. A vida intelectual é um livro magnífico porque ele está dentro de uma tradição que vem de São Tomás, que toma com muita seriedade aquilo que uma encíclica chamada *Eterne* acabou por retomar, o tomismo como uma corrente
filosófica e uma tradição da Igreja. Então, só para sintetizar essa parte do Serte, ano que eu acho muito importante sobre a verdade, ele diz o seguinte: se o mundo saiu das mãos de Deus, se ele criou o homem à sua imagem e semelhança, ele deu uma chispa da sua luz. O trabalho da inteligência, mesmo que seja um trabalho duro, deve ser desentranhar o sentido divino que já naturalmente tem todas as coisas. À luz da fé, recebemos também o seu sentido sobrenatural, que precede da nossa elevação à ordem da Graça. Não podemos admitir o medo à
ciência; a qualquer trabalho, se for verdadeiramente científico, conduz à verdade. Então, muitas vezes, nós temos, inclusive, receios de algumas leituras, sobre o pretexto de que elas sejam, em alguma medida, contrárias à fé, e a gente pode cair numa certa postura inadequada. Por exemplo, quem é o grande profeta pagão de Cristo? Platão. Então, há na filosofia, há nos clássicos, aquilo que nós chamamos de sementes do Verbo. E, para elaborar isso, tem uma filósofa muito importante que eu, inclusive, torço para que um dia ela apareça aqui, que virou santa: Santa Teresa Benedita da Cruz, Edite Stein, e
que ela diz algo que, para mim, é a síntese do seu livro. Ela diz que aquele que procura a verdade, consciente ou inconsciente, procura a Deus. Por isso, mesmo na tradição pagã, mesmo em qualquer tradição, a busca sincera da verdade é inevitavelmente uma busca a Deus. Cristo não é apenas o caminho, a verdade e a vida. Então, toda busca pela verdade é uma busca a Cristo; isso é inseparável. Logo, na epígrafe deste ensaio, você coloca uma citação de São José Maria Escrivá, que é muito cara ali, do autor dessa citação: "Para um apóstolo moderno, uma
hora de estudo é uma hora de oração." Isso significa que a vida intelectual, o pilar cognitivo, não está separado da vida contemplativa e da vida espiritual. Então, nós temos a tendência, na modernidade, a separar as coisas em caixas, de modo que perdemos o sentido do todo. A vida intelectual é, sim, uma vida de contemplação da verdade na forma mais legítima. Uma autora chamada Charlotte Mason, pensando sobre a sala de aula, falava o seguinte: o que é mais importante na sala de aula? O aluno, o professor, as instalações, o livro? Ela disse: “Nem uma coisa e
nem outra. O mais importante numa sala de aula é a verdade.” E o que é o papel do professor? É conduzir o aluno a uma relação pessoal com aquela verdade, seja ela científica, histórica, geográfica ou teológica. Então, não dá para falar de vocação sem falar de verdade, por uma razão simples: vocação é um chamado. E aí eu passo rapidamente para um ponto. Eu ia passar para o ensaio do Victor Frankl, que é um trecho do seu livro chamado *Um Subtópico: Ativismo Moderno*. Acho que você colocou que a chave do que é ser um filósofo, o
objetivo do mundo, comporta uma transformação subjetiva do filósofo que acolhe amorosamente a verdade em seu espírito, sem querer dominá-la ou transformá-la. Toda vez que nós... E aqui tem várias coisas; esse trechinho dá para escrever um outro livro. Você diz: acolhe amorosamente. Esse acolhimento, no fundo, é um gesto de obediência. Você é obediente à verdade, que é inegociável em seu espírito, sem querer dominá-la ou transformá-la. Toda a tentativa de dominar a verdade ou transformá-la é a ideologia. Então, isso aqui é um antídoto contra toda e qualquer ideologia. Porque isso passa, assim, por um processo de acolhimento
amoroso das verdades, e nem sempre, pelas nossas desordens, elas nos satisfazem. Então, esse é um ponto importante. E um outro alerta que você faz, que eu até coloquei como alerta: aos poucos, perdemos a dimensão moral e espiritual da leitura e da meditação, instrumentalizamos o conhecimento para uma profissão rentável, funcional às demandas sociais exteriores. Para isso, precisamos nos especializar cada vez mais, com o risco da fragmentação e da alienação da unidade das ciências. Por que eu achei esse ponto tão importante? Também como uma espécie de antídoto contra um certo aburguesamento que nós podemos correr, de perder
a dimensão última da nossa vida, a finalidade última da nossa vida. Por que eu estou falando isso? Novamente, recuperando Weber, num ensaio que você gosta muito, que é *Ciência como Vocação*. No final, ele diz: "Especialistas sem espíritos, sensualistas e sem coração, esta nulidade imaginava haver atingido um nível de civilização nunca dantes alcançado." E nós corremos esse risco. Daí a importância, a valorização e a compreensão de que a vida intelectual não é um beletrismo; ela é um caminho de salvação. Basicamente, se eu fosse resumir, é um caminho de salvação. Não é para poucos, não é para
alguns, é para todos. É para todos, assim como a santidade é uma vocação universal; a vida intelectual também o é. Indo para o segundo ensaio, eu vou... Vou para o segundo ensaio. Vou encerrando a minha primeira parte dos comentários para o ensaio, que tem um elemento muito pessoal. Só farei um comentário rápido: esta mesa comprova na prática que um professor de geografia que fez uma faculdade de geografia, um professor de artes que fez a faculdade de artes, um professor de ciências que ao mesmo tempo estuda sociologia, neurologia, todos são intelectuais. A gente não está falando
de uma disciplina especializada, de quem fez letras ou de quem fez filosofia ou de quem fez teologia, mas de quem está aberto. Muitos de vocês podem ter participado da feira de ciências que o professor Gilberto coordenou no ano passado, que falava de cientistas da física. Nós temos um outro professor aqui, que por acaso não veio hoje, que é o Professor Newton, que é um físico e que poderia estar aqui debatendo esses mesmos temas. Então, a gente quer ter professores humanistas para que os nossos alunos também sejam humanistas, sensíveis a todos esses temas, mesmo que sejam
médicos, engenheiros, políticos, economistas, investidores, ou o que quer que eles sejam, o que quer que eles queiram. Esses temas não são especialidade. Eu vou ter um curso que começa sábado e domingo, de introdução católica à Bíblia, e eu estava com a minha equipe hoje, vendo os inscritos; a lista tem muitos seminaristas, tem religiosos, tem catequistas, mas tem advogados, médicos, engenheiros, fiéis, leigos que querem conhecer a palavra de Deus no nível profundo e intenso. Claro, não tiveram a fortuna de fazer teologia, como eu também não tive, por 5 anos ou 6 anos, mas por que a
gente não vai estudar teologia? É proibido? A teologia não é importante? Por que a gente não vai estudar filosofia, que é uma disciplina que busca a verdade? Então, um dos meus objetivos é desmistificar que isso é a minha área. Não, isso não é a minha área, isso é uma área humana. As questões humanas... O Max Weber, que o professor Gilberto acabou de mencionar, olha a leitura obrigatória 'Economia e Sociedade', porque ele fala da reforma agrária. Eu lembro disso: a reforma agrária no Império Romano. Ah, isso é uma coisa de historiador? Não, isso mostra como funciona
a sociedade, como ela se estrutura com base na economia agrária, que gera a possibilidade da independência da cidade em relação ao campo, e por isso a necessidade de uma classe urbana. Coisas assim, que parecem bobas, mas que fazem todo sentido, que não é especialidade. Esse é o ponto. Só alguns comentários sobre Viktor Frankl de ordem pessoal e também um agradecimento público: eu tenho sido ultimamente um tanto quanto injusto com Viktor Frankl. Vou me explicar. Para quem não conhece, Viktor Frankl é um neurologista, psicólogo, criador da logoterapia, uma vida extraordinária de origem judaica, ele é austríaco
e passou por quatro campos de concentração; inclusive, o mais terrível deles foi Auschwitz. Ele viu boa parte da família morrer nos campos de concentração e foi ao campo de concentração já com uma clareza de que o grande problema da sua época, do século XX, não era, como muitos pensavam, a depressão ou a falta de ou a vontade de poder ou a vontade de prazer, como talvez diria Freud e Adler, mas sim a vontade de sentido. Ele passou por esses campos de concentração e se formulou uma pergunta, que era bem importante, e que você constrói de
modo bem interessante da seguinte forma: como pode que os homens passem por situações tão terríveis, tão degradantes, tão inimagináveis e, mesmo assim, vejam sentido na vida, não vão para o fio? Como ele bem descreve, não em busca de sentido; ir para o fio era ir para a cerca elétrica. E tinha um ponto interessante na busca desse sentido: existia toda uma economia de cigarros, né? Então, eles trocavam cigarros por sopa. E aí, quando ele via alguém no campo de concentração fumando, percebia que a pessoa já tinha desistido; ela iria para o fio. Então, uma coisa de
Viktor Frankl que eu acho que é bem importante, e o título que você coloca é surpreendente, que é a vocação de um santo secular. Por que um santo secular? Da mesma forma que Platão foi um profeta, um profeta pagão de Cristo, Viktor Frankl é um santo secular. A minha... não vou dizer, eu voltei da psicologia; eu comecei a fazer psicologia na FPA e, muito desgostoso com o curso, com a concepção de homem que tinha, que não havia, na verdade, né? Era uma matéria, achei que não iria continuar até ler 'Busca de Sentido'. Na pandemia, eu
voltei, e aí voltei para a psicologia, inclusive me formei; é em m que vem a minha colação. E voltei por causa do Viktor Frankl, mas ao mesmo tempo, de usar toda a psicologia, o único autor que falava sobre algo que não fosse estritamente material era ele; mas ele chamava de sentido noético. Era um suprassentido, um tanto quanto vago, em que ele não... Ele dava, era focinho de porco, tinha forma de porco, tinha rabo de porco, mas não era porco. Ele falava do sentido amplo, da finalidade, da capacidade de sentir-se em casa no mundo, como bem
diria Hannah Arendt, que é uma outra filósofa judia importantíssima, em que, erradamente, ela esqueceu de colocar no livro 'Homens em Tempos Sombrios'. Certamente, ela devia, ele deveria estar nesse livro. Ele falava do sentido, ele falava de tudo, mas ele não conseguia nomear aquilo e não era porque ele era por ser judeu, mas porque havia uma certa dificuldade de dizer que, na verdade, esse sentido completo era Deus. Tanto era que a tese de doutorado dele, de 1948, ele se doutorou em filosofia em 48. O título é "O Deus Inconsciente". Ele sai de Auschwitz em '45; com
o fim da guerra, em '48, esse sujeito já está se dedicando à filosofia. Era um sujeito que buscava, como bem disse Edith Stein, a verdade até as últimas consequências. E por que a minha? Porque esse texto foi muito importante para mim, especialmente porque eu mudei um pouco da minha visão. Eu tinha um certo, não preconceito, mas uma certa decepção por essa atitude pouco corajosa deles chamar essa dimensão noética de Deus. Dar nome às coisas; nós damos nomes às coisas e não falamos de modo difuso ou tergiversando sobre elas. E aí, numa aula que o Vitor
me convidou para assistir, numa pós-graduação em logoterapia, eu estava dando uma introdução à filosofia. E aí eu fiz uma pergunta: "O Vitor Frank não fez a mesma coisa com a logoterapia daquilo que ele acusa o Freud com a psicanálise e o Adler com a psicologia dele?" Tanto que, nesse dia, o Luiz Henrique, grande logoterapeuta, disse que eu estava um pouco injusto com o Vitor Frank, né? Era um pouco injustiça da minha parte; talvez não fosse injustiça, fosse um desejo profundo que ele tivesse dito a verdade. Olha, este sentido, esse sentido ético é Cristo. Ele não
diria que é Cristo por não ser cristão, mas é Deus. Então, para não me alongar, a gente pode trocar ideias. Eu fiquei de falar ainda sobre um grande... mas eu fico com o convite. Todos esses autores são espetaculares, são incríveis, transformam profundamente a sua leitura porque eles abrem uma dimensão do silêncio, da necessidade da interioridade. Um que não tem tempo de falar, lamentavelmente, é o nosso, e Chesterton, que é um gigante... Não só do ponto de vista literário, mas também de estatura, né? Parecido com São Tomás, nesse sentido; até isso ele se parece. Mas fica
o convite, fica o convite de percorrer o livro, e fica um convite que o Vitor já fez, que eu acho importantíssimo. Ele é o nosso Virgílio, mas nós precisamos ir às fontes, porque o que ele traz aqui é algo muito importante. Nós precisamos ir às fontes. Por quê? Para não acreditar no Vitor, no Professor Adonias, no Professor Rafael ou em mim, mas para aderir à verdade. E a verdade está nas fontes. Por que nós vamos a Cristo? Porque ele é a fonte da Verdade. E só para encerrar, esse livro me trouxe também um lema de
Santo Tomás, que é muito caro para mim: "Contemplata aliis tradere", levar aos outros aquilo que foi contemplado, aquilo que foi lido, meditado e contemplado. Esse é o papel de todo professor, e é um papel de todo intelectual. E com isso eu encerro e agradeço, em nome do convite e da atenção de todos. Muito obrigado. [Applausos] Só para encerrar, eu pensei que tu fosses lembrar de onde a gente se conheceu. A gente se conheceu na faculdade. Estava cheíssimo... Um pouquinho mais, numa palestra do Vitor Fran. Tu eras acompanhado pela tua esposa, e é muito interessante isso
porque tu viste... estava começando, estava estudando. Depois a gente fez amizade. Isso que é a verdadeira amizade intelectual! Te convidei para aula, depois a gente se aproximou, e a nossa amizade foi dando passos, e agora a gente é interlocutor. E tu encontraste o sentido profundo da tua vida: tu casar e ter uma filha. Isso é maravilhoso, porque não é abstração, não é teoria, é vida. É vida que se espelha nesses autores que nos permitem... D dessa própria vida. A gente não vai ter tempo para as perguntas pelo adiantado da hora. Quero agradecer profundamente a todos
os que tiveram a generosidade de ler o meu livro e convidá-los a ler o meu livro. Eu só vou ficar aqui para assinar para os que quiserem. Muito obrigado! [Applausos]