Faz mais de 1 ano que Nayib Bukele governa El Salvador num regime de exceção que é repleto de medidas polêmicas - desde encarceramento em massa até o expurgo de juízes críticos ao seu governo. E, ao mesmo tempo, ele conta com enorme popularidade dentro e fora do seu país, a ponto de se tornar o presidente que tem mais seguidores no TikTok no mundo inteiro. Eu sou Vitor Tavares, da BBC News Brasil, e neste vídeo te conto em quatro pontos como o presidente do menor país da américa central se tornou uma figura-chave na geopolítica regional - e como ele está mudando radicalmente a vida dos salvadorenhos.
Vou começar logo pelo ponto mais importante: a guerra de Bukele contra as gangues criminosas que disputavam território, espalhavam terror e faziam el salvador encabeçar os rankings globais de homicídios. Um episódio marcante aconteceu em março de 2022, quando 87 salvadorenhos foram assassinados em um único fim de semana. os crimes foram atribuídos às gangues.
Ao mesmo tempo, reportagens investigativas acusam membros do governo Bukele de manter acordos com essas gangues - e dizem que o massacre de março aconteceu porque esses acordos foram descumpridos. O governo nega. De qualquer modo, o episódio foi o estopim para Bukele aprovar na assembleia legislativa salvadorenha uma política linha-dura na segurança pública: um regime de exceção que facilitou a prisão em massa de salvadorenhos, inclusive sem ordem judicial e com limitações ao direito à defesa.
Quase 70 mil pessoas foram detidas desde então. O resultado é que El Salvador tem hoje o maior índice de pessoas encarceradas em todo o mundo. E construiu um megapresídio, o maior da América Latina, para abrigar essa enorme população carcerária.
Só que crescem também as denúncias de tortura, inclusive de detentos sendo eletrocutados, e de prisões abusivas. Existem relatos de pessoas que foram detidas só por ficarem nervosas durante a abordagem policial. O vice-presidente do país já admitiu que inocentes estão entre os milhares de presos no país.
mas se justificou com esta frase: “o perfeito é inimigo do bom”. Além disso, Bukele conseguiu apoio do Congresso para destituir juízes e promotores não alinhados ao seu regime e mudou a composição da Suprema Corte, removendo cinco magistrados. Em tom de ironia sobre as críticas, Bukele chegou a se autodeclarar nas redes como "o ditador mais cool - ou descolado - do mundo".
Há dúvidas sobre a sustentabilidade desse modelo no longo prazo. e críticos apontam que a política linha-dura desrespeita direitos humanos básicos e não resolve os problemas de fundo que alimentam a exclusão e a violência, como a educação deficitária. Mas o índice de homicídios por 100 mil habitantes caiu, de 100 assassinatos a cada 100 mil habitantes em 2015 para 7,8 em 2022, a taxa mais baixa da história, segundo o governo.
Moradores de alguns bairros violentos dizem que se sentem mais seguros. O que nos leva ao segundo ponto deste vídeo: a popularidade de Bukele. Apesar - ou por causa - das medidas polêmicas, Bukele mantém um alto índice de aprovação, acima de 80%.
Para o pesquisador Oscar Picardo, "Bukele descobriu, como político, que, se melhorasse os índices de segurança, tinha metade da batalha ganha". O estilo de Bukele tem até influenciado a política regional. na vizinha Honduras, a Presidente de esquerda Xiomara Castro também implementou um regime de exceção, desde dezembro de 2022, para combater a violência.
Bukele vem atraindo fãs e seguidores de todo o mundo, principalmente da América Latina, uma região em que a violência é um problema epidêmico. Um levantamento mostra que Bukele é hoje o líder mundial mais seguido no TikTok. Até julho de 2023, ele tinha mais de 6,3 milhões de seguidores, à frente de Lula e do francês Emmanuel Macron, por exemplo.
No instagram, Bukele tem 5 milhões de seguidores e só fica atrás de Lula entre os líderes latinos. Eu conversei com alguns seguidores de Bukele para entender por que eles se interessam tanto pelo líder salvadorenho. O enfermeiro brasileiro Fabio Silva, que não se identifica nem como de esquerda nem de direita, acha que Bukele, abre aspas: “não tem medo de tomar as medidas que tem que tomar e enfrenta o sistema por conta própria.
” De modo geral, a maior parte dos elogios a Bukele vem de seguidores que criticam a esquerda e se alinham com a direita. E, no debate político, são os políticos de direita que seguem aplaudindo as medidas do presidente salvadorenho. Mas a verdade é que a política de Bukele desafia as noções convencionais de esquerda e direita.
A história política dele começa dentro da esquerda salvadorenha, na tradicional Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional - ou FMLN O grupo surgiu como um movimento de guerrilha nos anos 1980, durante a ditadura civil-militar que governava El Salvador, com apoio dos Estados Unidos. Uma guerra civil durou até 1992. De família palestina, Bukele cresceu próximo à elite salvadorenha.
seu pai era empresário e proeminente líder muçulmano. O primeiro cargo para o qual Bukele foi eleito, pela FMLN, foi para prefeito da pequena Nuevo Cuscatlán, em 2012. Em seguida, se elegeu prefeito da capital San Salvador, e depois foi disputar a presidência.
Mas antes de vencer as eleições de 2019, Bukele deu uma guinada política. Ele rompeu com seus colegas de esquerda, foi expulso da FMLN e decidiu fundar seu próprio partido, o Nuevas Ideas, que acabou sendo barrado pela Justiça Eleitoral. Bukele então partiu para as alianças.
primeiro com Cambio Democrático, de centro-esquerda. por fim, conseguiu se eleger presidente pela conservadora Gran Alianza Por La Unidad Nacional, ou GANA A vitória de Bukele rompeu o bipartidarismo entre a FMLN na esquerda e a Arena na direita - algo que dominava a política de El Salvador desde a redemocratização. Para o pesquisador Oscar Picardo, essa trajetória mostra que, entre aspas, "Bukele não tem uma postura muito bem definida em termos de ideologia política".
Durante o governo Trump, por exemplo, Bukele foi muito próximo do embaixador dos Estados Unidos e participou de eventos de liberais e conservadores. No brasil, chegou a receber elogios públicos de figuras como Eduardo Bolsonaro. Do outro lado do espectro político, Bukele hoje tem na china um de seus maiores aliados econômicos.
Na pandemia, ele apoiou medidas como lockdowns rigorosos, bem diferente de líderes de direita como Trump e Bolsonaro. E não é só no combate à violência que Bukele vem ganhando holofotes. Ele tem adotado medidas que mudam drasticamente o dia a dia da população, como a decisão de usar Bitcoin como moeda legal do país, desde setembro de 2021.
Só que, até agora, o uso da criptomoeda não se popularizou como o desejado, e existem dúvidas quanto a se o governo fez um bom negócio. Segundo cálculos da gência Bloomberg, na época, El Salvador comprou Bitcoins a um custo de 108 milhões de dólares. no início de julho, elas valiam menos de 80 milhões de dólares.
Recentemente, Bukele também anunciou uma grande mudança no mapa administrativo de El Salvador a partir de 2024. os atuais 262 municípios serão agrupados em apenas 44. ou seja, 83% das cidades salvadorenhas vão deixar de existir.
Defensores da medida argumentam que 262 prefeituras é um número muito grande para um país tão pequeno. Também alegam que o projeto vai desburocratizar a administração pública, melhorar o atendimento ao cidadão e a prestação de contas. Mas críticos dizem que falta embasamento técnico pra proposta.
E acusam Bukele e aliados a tentarem acumular ainda mais poder. Até agora, todas essas medidas que eu listei aqui foram amplamente divulgadas e repercutidas nas redes sociais do próprio presidente. Bukele conta com uma estrutura muito sofisticada que lança diariamente vídeos bem produzidos, com imagens aéreas e estilo cinematográfico.
Eu questionei o governo salvadorenho a respeito disso, mas não recebi resposta até a publicação deste vídeo. E até quando vai durar essa devoção à figura de Bukele, dentro e fora de El Salvador? Apesar de a Constituição salvadorenha não prever a reeleição, Bukele conseguiu mudar o entendimento na suprema corte para poder tentar um novo mandato em 2024.
A economia frágil pode ser um calcanhar de aquiles. Mas, sem freios institucionais, Bukele caminha para mais cinco anos no poder. Com isso eu fico por aqui, obrigado pela audiência e acompanhe mais notícias da América Latina em bbc.
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