COMENTÁRIO DE SANTO TOMÁS AO PAI NOSSO – 3⁰. Pedido: "SEJA FEITA A VOSSA VONTADE".

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Sidney Silveira
PLATAFORMA C.I. https://cursos.contraimpugnantes.com.br
Video Transcript:
Caros amigos que acompanham o nosso canal do YouTube, continuamos aqui a série de aulas sobre o comentário de Santo Tomás de Aquino ao Pai Nosso. E hoje é a quarta aula, e nela falaremos do terceiro pedido do Pai Nosso. Nós já vimos, lá atrás, que o Pai Nosso tem um prólogo, que são as expressões "Pai nosso que estás nos céus".
Santo Tomás explica o sentido de cada uma dessas palavras: pai, porque ele é nosso, não é só de um, né? O que são os céus, etc. Passamos pelo primeiro e pelo segundo pedidos.
Vimos que os sete pedidos do Pai Nosso são a expressão espiritual da escala de perfeições da vida cristã. Começa tudo na humildade, humildade que faz o homem reconhecer-se pequeno e pedir a Deus que "santificado seja o seu nome" e não o do próprio homem. O soberbo é aquele que quer santificar-se ele próprio, quer a honra para ele próprio.
Nós vimos que há, né, entre o primeiro e o segundo pedido, uma implicação das bem-aventuranças, porque há uma correspondência de Santo Agostinho entre os sete pedidos do Pai Nosso e sete das bem-aventuranças em São Mateus, no Evangelho de Mateus. E olha, vocês me perdoem, que o meu gato Platão está aqui miando, né? Vamos ver se ele vai protagonizar o vídeo, né?
E os sete dons do Espírito Santo têm uma correspondência, correspondência precisa. Então, nós vemos que o primeiro e o segundo pedidos do Pai Nosso fazem referência ao dom do temor de Deus e ao dom da piedade. Esta é uma tese agostiniana que Santo Tomás de Aquino acolhe perfeitamente.
E agora vamos entrar no terceiro pedido do Pai Nosso, que é: "seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu". Nós vimos, a propósito, que o Pai Nosso é a oração perfeita; foi a oração que Cristo nos ensinou, a única. Toda e qualquer oração, se for ordenada, se tiver todas as propriedades da genuína oração, se a atualização de tudo que está pedido no Pai Nosso.
O Pai Nosso está virtualmente presente em toda e qualquer oração digna deste nome. E este pedido de que a vontade de Deus seja feita em nós, ele pressupõe que devamos, antes, explicar o que é a vontade, né? O que é a vontade humana, antes.
É, acima de tudo, e depois o que é a vontade divina. Santo Tomás trata, na Suma Teológica, da vontade divina na primeira parte da Suma Teológica, mas antes convém fazer alguns pequenos esclarecimentos com relação ao que seja a vontade humana. O ser humano é ente composto de matéria e forma, sendo a matéria o seu corpo e a forma a sua alma.
A alma é a forma substancial do corpo que, no caso humano, tem potências que o habilitam, que tornam a pessoa humana e apta a transcender a matéria. A inteligência e a vontade são atos que transcendem aquilo que o homem percebe pelos sentidos. No caso da inteligência, o produto das inteligiências humanas é o verbo mental; o verbo mentis é o conceito, e o produto da vontade é esse ímpeto intencional, direcionado a um bem.
A vontade é, em nós, o apetite intelectivo do bem. Mas, para esmiuçar só o modo de preâmbulo, o que é a vontade humana? Só para esclarecer um pouco acerca da vontade divina, vale dizer que, no caso do homem, a vontade tem vários movimentos.
Na verdade, são 12. Não é o tema desta aula, mas vale dizer que, entre esses movimentos, vamos destacar um que é a intenção e outro que é a escolha. No caso humano, a intenção se volta para um fim; eu tenho a intenção de estudar Santo Tomás de Aquino, e a escolha volta-se para os meios: precisarei fazer tais ou quais cursos, ler tais ou quais autores, travar contato com o texto do próprio Santo Tomás.
Então, são dois movimentos distintos da vontade que têm planos distintos de atualização. Então, algumas coisas a considerar: no homem, a vontade é a expressão de uma carência. Nós temos vontade de algo que, naquele momento, nos falta.
Então, a vontade humana sempre transita entre um apetite e algo que é apetecido, que naquele momento não se possui. Nós não temos vontade de possuir aquilo que já possuímos. Então, em nós, a vontade, em primeiro lugar, é a expressão de uma carência ontológica.
Nós somos entes finitos, que, para vivermos e atualizarmos todos os bens da vida, precisamos de coisas externas a nós, por exemplo, no âmbito físico, a comida. Então, a vontade, que está para além do apetite sensível, expressa uma carência. É claro que essa carência, no homem, dado o caráter finito do seu intelecto, pode ser uma carência até falsa.
Ele acha que carece daquilo porque a inteligência não está bem iluminada e acaba por fazer escolhas à luz desse breu que há na inteligência dele. E pode ser que ele meta os pés pelas mãos. Seja como for, estando certo ou estando errado, o fato é que o homem, quando quer algo, quando tensiona algo, quando escolhe algo, sempre movimenta-se para aquilo que é a expressão de uma carência.
Eu estou repetindo para que isto fique bastante claro. Então, a vontade humana, além de expressar uma carência, ela tem um antes e um depois. Houve um momento em que eu não queria determinada coisa, não tornava determinada coisa, não dava o meu consentimento a determinada coisa.
Consentimento é outro dos 12 movimentos da vontade, e, a partir de um certo dado momento, eu passei a querer, a tensionar, a escolher, etc. Então, a vontade, em nós, é transeunte; ela tem um antes e. .
. Um, depois, né? É assim como a inteligência humana.
É quando eu conheço algo. Eu, como criatura humana, o conhecimento em mim é um acidente da minha potência intelectiva, que significa o seguinte: no homem, inteligir, entender não é um ato contínuo. Nenhum de nós pode dizer "eu sou o conhecimento".
Diz: "conheço aquilo, conheço aquilo outro, desconheço mais aquilo outro", etc. Então, o conhecimento no intelecto finito humano é um desses potenciais intelectivos. A vontade é que é iluminada pela inteligência e adquire critérios, portanto, mais ou menos precários.
Ademais, a vontade, além de, no homem, ser influenciada pelas luzes que o intelecto subministra, também é influenciada pelo influxo que vem debaixo, digamos assim, do aparato sensitivo humano. São as emoções, são as coisas, os apetites. Então, num homem saudável, a vontade será tanto mais forte quanto mais forte for a inteligência das coisas.
A inteligência das coisas, por sua vez, será também uma espécie de métrica do amor, já que nós amamos as coisas que, sob algum aspecto, conhecemos. Ninguém pode dizer que ama o absolutamente desconhecido, porque até mesmo Deus, que é um mistério, nós o conhecemos pela fé. E a fé, que é virtude teologal infusa, ela é para nós um ato de credibilidade, que é uma anuência inteligente aos dados da Sagrada Escritura, no caso católico, pelo viés do magistério da Igreja.
Então, a nossa vontade, ela é como que oscilante entre as luzes que o intelecto lhe subministra, que podem ser mais ou menos corretas, e entre, digamos assim, o fragor da batalha interna dos sentidos, das paixões, etc. Então, a vontade humana — e aqui eu vou dar como pressuposto a doutrina do pecado original — que nos fez perder esta amizade sobrenatural com Deus, a vontade humana, a vontade do homem caído no pecado, é uma vontade mais ou menos débil. Então, recapitulando, é a expressão de uma carência, é um trânsito da potência ao ato de um querer que foi precedido de um não querer.
Ela não se atualiza instantaneamente; leva um tempo. E o "instantaneamente", aqui, na verdade, é uma palavra "instante" que está situada para além do tempo, né? O instante só para fazer um preâmbulo, porque eu vou referir-me a Deus: Deus é o nunc stans, é o agora perene.
Este agora, que é Deus, está situado para além de todos os agoras que transitam entre um antes e um depois. Deus é um só agora. A eternidade é feita de um só agora, que é o agora divino.
Portanto, quando se diz aqui "instantaneamente", temos que ter só o cuidado de explicar que o instante tem antes e acima de tudo esta noção metafísica de algo posto para fora do tempo, que, ainda quando se manifesta no tempo, não se imiscui nesse antes e depois temporal. Mas podemos dizer, por analogia, que o instante é um momento. Eu não vou me perder em digressões, porque aqui o propósito é falar da vontade divina.
Então, a nossa vontade não se cumpre instantaneamente, nem numa espécie de flash. Como é a vontade de Deus: "Fiat, lux, facta est lux" (faça-se a luz e a luz foi feita instantaneamente). Então, entre o que nós queremos e o que nós obtemos, há uma grande dificuldade.
Eu só saliento aqui três aspectos da vontade humana para fazer o paralelo com a vontade divina. Em primeiro lugar, a vontade divina cumpre-se instantaneamente. Em segundo lugar, a vontade divina não é a expressão de uma carência; Deus possui tudo com seu ser omniabarcante.
Deus não precisa de nada fora de que o complete de alguma maneira que seja. Deus é o único absoluto, o único autossuficiente. Então, o seu querer só poderá ser, de alguma maneira, a expansão do seu ser.
Nós, quando queremos, temos fome de algo de que carecemos. Deus, quando quer, quer apenas doar-se a si mesmo; Ele nada carece que esteja fora dele. Então, a vontade divina é, quando Deus quer, cumpre-se imediatamente.
Ela não é a expressão de uma carência, e ela está posta fora do tempo. Então, como eu costumo lembrar em aulas e palestras, precisamos entender isso para não tomar Deus como se fosse uma espécie de garçom humano, né? Quando uma oração se cumpre, significa que Deus, que está fora do tempo, moveu para uma graça especial aquela alma a querer aquilo que ela quer e a pedir-lhe.
E há uma moção da graça anterior ao próprio pedido. Alguns chamam isto de pré-moção divina. Deus não obriga ninguém a segui-lo; Deus não coage a liberdade humana.
Porém, quando Ele quer, Ele manifesta-se gloriosamente para a criatura e, neste caso, já que a vontade é um apetite intelectivo do bem, é impossível que a criatura não o queira. É impossível que ela não adira a ele. A conversão de São Paulo é um exemplo disso.
São Paulo não tinha nem sequer as precondições psicológicas para uma conversão. Era um perseguidor de cristãos, né? Tem uma visão, Cristo lhe aparece, e ele cai do cavalo e já acorda com aquelas virtudes infusas.
Então, são casos excepcionais que nos dão a baliza e, para análise de muitas coisas ordinárias. Então, nós pedimos, de fato, que seja feita a vontade de Deus na nossa vida. E como foi Cristo quem compôs essa oração, ou seja, ela não depende das nossas lucubrações; ela já nos foi dada.
Os apóstolos pediram: "Senhor, ensina-nos a orar". Ele ensinou, e neste ensinamento está, digamos assim, alinhada toda a perfeição espiritual. Da vida cristã, que passa, entre outras coisas, pelo fato de colocarmos a nossa vontadezinha humana numa espécie de fornalha e entregá-la a Deus ao modo de incenso.
Devemos queimar a nossa vontade. O Padre Antônio Vieira, num famoso sermão, diz: é mais ou menos assim, né? Como sabemos que a nossa vontade está sendo a vontade de Deus?
E ele dá o primeiro critério: passe a não querer. Quem quer muitas coisas não consegue enxergar a vontade de Deus. Quanto mais prenhe de vontades eu estou, menos apto eu estou para enxergar a Vontade Divina e mais tendente à infelicidade eu estou, porque quem quer demasiadas coisas aumenta no seu próprio horizonte as quantidades de coisas inviáveis.
Se eu quero muitíssimo as coisas, só posso obter algumas; eu estou me candidatando à infelicidade. Então, nós dizemos no Pai Nosso que nos foi ensinado por Cristo: "seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu. " Alguns disseram que este "assim na terra como no céu" seria no nosso corpo e na nossa alma.
Então vamos aqui à leitura do texto de Santo Tomás, desse seu comentário, e vamos ver com que dom, ele, inspirado por Santo Agostinho, faz o paralelo com o pedido do Pai Nosso e outras coisas mais. Então vamos a Santo Tomás, aqui na tradução do Thiago Gadot: "seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. " O terceiro dom que o Espírito Santo nos dá é chamado dom da ciência.
O Espírito Santo não só causa nos bons o dom do temor e o dom da piedade, que é o afeto doce por Deus. Essa definição é maravilhosa, foi dada na aula anterior: a piedade é o afeto doce por Deus, é uma espécie de ternura metafísica e teológica. Repito a frase: o Espírito Santo não só nos causa nos bons o dom do temor e o dom da piedade, associados aos dois primeiros pedidos.
Piedade, que é o afeto doce por Deus, como já dissemos, mas também faz o homem sábio. E era isso que Davi pedia no Salmo, dizendo: "ensina-me a bondade, a disciplina e a ciência" (Salmo 118, Versículo 66). Lembro aqui, para talvez os desatentos ou os mais escrupulosos, que a numeração dos Salmos que Santo Tomás usa é a da Vulgata; essa numeração posteriormente mudou.
Esta é a ciência que faz o homem viver bem, que o Espírito Santo nos ensinou. Dentre todas as atitudes que contribuem para a ciência e a sabedoria do homem, a principal delas é que o homem não confie no seu próprio senso. Então, ao pedirmos que seja feita a vontade de Deus na nossa vida e não a nossa, estamos pedindo a Deus que resolva em nós essa nossa incapacidade de nos ordenarmos interiormente.
No livro dos Provérbios, citado por Santo Tomás (3:5), abre aspas: "não te estribes na tua prudência. " Então, a prudência humana, mundana, em geral, é a prudência da carne. Continua Santo Tomás: "com efeito, aqueles que se presumem sempre certos, de tal forma que não acreditam nos outros, mas apenas em si mesmos, são considerados tolos e o são, de fato.
" Aí, de novo, abre aspas para o livro dos Provérbios (26:12): "tens visto um homem que se julga sábio? Mais há esperança do ignorante do que dele. " Então, tenhamos todo cuidado com os sabichões, com os charlatães, com aqueles que são obstinados em fazer prevalecer a sua própria opinião, porque, ao fazerem isso, eles nos dão, digamos assim, uma evidência de que não estão no lado certo da história da salvação.
Que o homem não acredite no seu próprio senso procede da humildade, diz Santo Tomás. Por isso, onde há humildade, abre aspas: "há igualmente sabedoria" (Provérbios 11:2). Então, sempre retornamos à humildade como fundamento principal do edifício espiritual.
Portanto, volto a Tomás: o Espírito Santo nos ensina, através do dom da ciência, a não fazer a nossa vontade, mas a de Deus. E, por causa desse dom, pedimos a Deus que seja feita a sua vontade, assim na terra como no céu, e nisso se manifesta o dom da ciência. Continua Tomás: por isso dizemos a Deus: "seja feita a tua vontade.
" É como um doente que espera algo do médico: não espera que o médico obedeça ao tratamento específico que o paciente quer, mas que o médico procure cura segundo o que ele achar melhor. Que bela analogia, né? Nós pedimos a Deus que seja feita a vontade dele em nós, de maneira análoga a como um paciente no hospital pede ao médico que faça o melhor por nós, segundo seus critérios, ele que estudou.
Ou seja, que não siga os critérios, pseudo critérios, que poderíamos, talvez, aplicar ao nosso caso. Então, um sinal de humildade é o dom da ciência. Depois, nós vamos ver que ele está associado espiritualmente com a bem-aventurança dos que choram.
Isso em linha gerais, né? Esse choro é o choro das lágrimas que lavam os nossos delitos, diz Santo Tomás no comentário a um Salmo. Então, se o paciente quisesse que o médico seguisse a sua opinião, seria um tolo.
Assim, não devemos pedir nada a Deus, a não ser que seja feita a sua vontade em nós. Isto é, que a sua vontade se cumpra em nós. Com efeito, o coração do homem—vão anotando vocês que estão acompanhando essas aulas, as definições de Santo Tomás—algumas frases são como escritas numa lousa: o coração do homem é reto quando concorda com a Vontade Divina.
Cristo fez isso, abre aspas: "eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" (João 6:38). Continua Tomás: Cristo, enquanto Deus, tem a mesma vontade do Pai. Mas, enquanto o homem tem outra vontade distinta da vontade do Pai, sobre este aspecto diz que não faz a sua vontade, mas a do Pai.
Né, sigamos sempre ao Doctor Comunes, né? Não só porque seria de uma clareza meridiana, né, mas porque o seu ensinamento tem quase que um caráter magisterial do ponto de vista espiritual e, por isso, nos ensina a orar e pedir. A petição é uma das propriedades de toda a oração: "Seja feita a tua vontade".
Mas qual o sentido destas palavras? Pergunta Santo Tomás: não se diz no Salmo "Tudo quanto quis, ele o fez" (Salmo 113, versículo 11)? Se já fez tudo o que quer no céu e na terra, qual o sentido de dizer "seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu"?
Então, é uma pergunta de um filósofo teólogo. Né? Se a vontade de Deus se faz instantaneamente, por que eu peço que ela se cumpra em mim, né, se ela vai se cumprir de qualquer maneira?
Para entendermos isto, é necessário saber que Deus quer três coisas de nós, e nós pedimos que elas sejam cumpridas. Então, segundo Santo Tomás, Deus quer três coisas da criatura humana. A primeira coisa que Deus quer de nós é que tenhamos a vida eterna.
Então, assim, no homem, a vontade de um fim — a intenção de um fim — leva consigo a intenção dos meios, né? Se uma pessoa quer determinado fim para si, por tabela ela quer todos os meios que conduzem àquele fim, sem os quais aquele fim não se lograria. Então, se isto é assim na vontade humana, também o é na Vontade Divina.
Há uma hierarquia, né? Deus quer o principal para nós, que seja a vida eterna; que sejamos partícipes dessa vida eterna, que é a vida dele. Quem diz algo por um fim, quem faz algo por um fim, deseja que esse algo alcance o fim pelo qual foi feito.
Deus criou o homem, mas não sem motivo, porque, como diz no Salmo, "porventura criaste em vão todos os filhos dos homens" (Salmo 88, 48). Portanto, Deus criou os homens para um fim, mas não para os prazeres, porque até os animais irracionais os têm, e sim para que tenham a vida eterna. Santo Tomás já está dando um vetor que é o seguinte: o prazer pode ser um bem, mas é um bem parcial, tópico.
Ele não pode ser o fim da nossa vida, e muitas vezes cumprir o excelente em nós requer um grande sacrifício e desprazeres. Quando algo alcança o fim para o qual foi feito, diz-se que foi salvo; e quando não alcança, diz-se que se perdeu. Aqui, salvo por analogia, né?
Ou seja, o bem de cada coisa é alcançar o fim para o qual está projetada. O bem do esôfago, o exemplo que eu vou voltar sempre a repetir, é levar a comida, mas, chegando até o estômago, se ele não leva algo nessa potência intermediária, não se cumpriu a finalidade e não será um bom esôfago. Então, a bondade das coisas é serem o que são, alcançarem a sua finalidade.
"A vontade de meu Pai, que me enviou, é que todo o que vê o Filho e crê nele tenha a vida eterna" (João 6:40). Essa vontade já está completa nos anjos de Santo Tomás e nos santos que estão na Pátria Celestial, pois vêm a Deus, conhecem-no e desfrutam dele. Mas desejamos que, assim como a vontade de Deus completou-se nos bem-aventurados que estão no céu, também se cumpra em nós que estamos na terra.
Então aqui é o conceito de Homo Viator: nós somos viajantes rumo à Pátria Celeste. Somos inquilinos deste mundo, né? Não tenhamos para com este mundo um apego demasiado, porque, se o fizermos, vamos nos perder, não apenas espiritual, como psicologicamente, ainda neste mundo.
E é isso que pedimos quando oramos: "Seja feita a tua vontade em nós que estamos na terra, assim como nos santos que estão no céu". Então, uma das interpretações que Santo Tomás dá é que a primeira coisa que Deus quer de nós é que tenhamos a vida eterna. Continua Santo Tomás: outra vontade de Deus a nosso respeito é que cumpramos seus mandamentos.
Quando alguém deseja algo, não só quer o objeto final do desejo, mas tudo o que concorre para alcançá-lo. Foi o que eu acabei de dizer, assim como o médico, para lograr a saúde, quer também a dieta, a medicação e coisas do gênero. Santos é apenas o máximo, né?
Impressionante a clareza expositiva dele. Mas Deus quer que tenhamos a vida eterna. "Ora, se queres entrar na vida, guarda os mandamentos" (Mateus 19:17).
Ou seja, Deus quer a vida eterna e, portanto, quer que, obedecendo aos mandamentos, cheguemos lá. Então, ele quer o máximo e o que é intermédio em relação ao máximo. Repito a frase: portanto, quer que cumpramos os mandamentos.
"Mantende o vosso culto racional” (Romanos 12:1), para que reconheçais qual é a vontade de Deus: boa, agradável e perfeita. E Santo Tomás vai comentar aqui o apóstolo: a vontade de Deus é boa porque é útil. Aí ele vai citar Isaías: "Eu sou o Senhor teu Deus, que te ensino o que é útil" (Isaías 48:17); é agradável porque apraz ao amante, né?
Mesmo que não seja agradável aos outros, ainda assim, é agradável ao amante. "Nasceu a luz para os justos e a alegria para os retos de coração" (Salmo 96:11); é perfeita porque é honesta. "Sede, pois, perfeitos, como também Vosso Pai Celestial é perfeito" (Mateus 5:48).
Então, quando dizemos "seja feita a tua vontade", oramos para que cumpramos os mandamentos de Deus. Essa vontade de. .
. Deus se realiza nos justos, mas ainda não nos pecadores. Os justos são representados pelo céu e os pecadores pela terra.
Pedimos, portanto, que seja feita a vontade de Deus na Terra, isto é, em nós pecadores, assim como no céu, isto é, nos justos. Podemos também, diz Santo Tomás, deduzir o ensinamento a partir do modo como está formulada a expressão, pois não se diz "faz tua vontade", mas "façamos a tua vontade". Perdão, não se diz "faz tua vontade", nem "façamos a tua vontade", mas sim "seja feita a tua vontade", porque para a vida eterna são necessárias duas coisas: a graça de Deus e a vontade do homem.
Para a vida eterna são necessárias duas coisas: a graça divina, que é o sol, e a vontade do homem, que abre a janela de sua casa para que o sol entre. O homem se faz colaborador da graça; e, embora Deus tenha feito o homem, sem um homem não o justifica sem ele. Agostinho, no comentário a São João, Santo Agostinho diz: "Aquele que, sem ti, te fez, sem ti não te salvará".
Então, aliás, essa frase de Santo Agostinho é famosa, né? No sermão 169, pois o Senhor quer que o homem coopere: "Convertei-vos a mim e eu me voltarei para vós". E continua com citações bíblicas, né?
"Pela graça de Deus, sou o que sou, e a sua graça em mim não foi em vão" (1 Coríntios 15:10). Portanto, não sejas presunçoso, mas confia na graça de Deus, nem sejas negligente, mas aplica-te com empenho. Por isso, não dizemos "façamos" para que não pareça que a graça de Deus não faz nada, nem dizemos "faz tu", né?
Para que não pareça que a nossa vontade e esforço não fazem nada. Mas dizemos: "seja feita", pela graça de Deus, acompanhada do nosso empenho e esforço. Que maravilha!
Santo Tomás estava atento até à expressão do Pai Nosso, à maneira como está expressa essa vontade que não está ali à troco de nada. A palavra de Deus nunca é ociosa. Recapitulando, a primeira coisa que Deus quer de nós é a salvação; quer de nós, conosco e para nós, a vida eterna.
A segunda é que cumpramos seus mandamentos. A terceira das coisas que Deus quer para nós é que o homem seja restaurado ao estado de dignidade em que o primeiro homem foi criado, né? Que é o estado de inocência de justiça original, onde o coração do homem ainda não conhecia nenhuma mácula e, portanto, os seus quereres eram puros.
A pureza de coração é essa pureza de intenção que havia em nossos primeiros pais, né? Neles não há nada desordenado, e Deus quer que nós sejamos restaurados nesse estado para depois fazer com que o transcendam. Mas não pulemos etapas, né?
Vou continuar a leitura. Deus quer que o homem seja restaurado ao estado e dignidade em que o primeiro homem foi criado. Era um estado tão elevado que o espírito e a alma não sentiam nenhuma resistência da carne e da sensualidade.
Enquanto a alma estava sujeita a Deus, a carne estava tão sujeita ao espírito que não sentia a corrupção da morte. Então, a alma, nas suas potências superiores, inteligência e vontade, estava docilmente sujeita a Deus, e as potências internas dessa alma, os sentidos, todas as potências inferiores, estavam subordinadas à vontade pelo império e à inteligência pelo critério. Continuemos, então.
Hierarquia máxima: o homem, com o pecado original, perdeu não só a sua própria hierarquia entre as suas próprias potências internas, como foi perdendo a capacidade de hierarquizar devidamente as coisas fora da sua alma. Enquanto a alma estava sujeita a Deus, diz Santo Tomás, a carne estava tão sujeita ao espírito que não se sentia a corrupção da morte, nem fraqueza, nem outras paixões. Mas, quando o espírito e a alma, que estão entre Deus e a carne, se rebelaram contra Deus pelo pecado, então o corpo se rebelou contra a alma e começou a sentir a morte e as fraquezas e a contínua rebelião da sensualidade contra o espírito.
"São Paulo vejo nos meus membros uma outra lei que se opõe à lei do meu espírito" (Romanos 7:23). Agora, em Gálatas 5:17, menciona-se que a carne tem desejos contrários ao espírito e o espírito, desejos contrários à carne. Assim, diz Santo Tomás, há uma luta contínua entre a carne e o espírito, e o homem se deteriora continuamente pelo pecado.
É, portanto, a vontade de Deus que o homem seja restaurado ao seu estado original, para que nada na carne seja contrário ao espírito. "Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação" (Tiago). No entanto, a vontade de Deus não pode ser cumprida nesta vida, mas será cumprida na ressurreição dos santos, quando os corpos ressuscitados serão glorificados, incorruptíveis e nobilíssimos: "Semeia-se na ignomínia; ressuscitará glorioso" (1 Coríntios 15:1).
A vontade de Deus se realiza no espírito dos justos pela justiça, pelo conhecimento e pela vida. Portanto, quando dizemos "seja feita a tua vontade", oramos para que também seja feita na carne, pois o céu entendemos como o espírito e a terra como a carne. Então, é "seja feita a tua vontade na terra", isto é, na nossa carne, como é feita no céu, isto é, em nosso espírito, pela justiça.
Através deste pedido, e agora que o vínculo com a bem-aventurança. . .
Eu disse lá atrás, alcançamos a bem-aventurança do luto: "Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados" (Mateus 5:5). Isso de acordo com cada uma das três interpretações, de acordo com a primeira, desejamos a vida eterna; por isso, por amor dela, somos levados ao luto. "Ai de mim, o meu desterro prolongou-se!
" "Salmo 119: esse desejo nos Santos é tão veemente que, por causa dele, desejam a morte, da qual todos naturalmente querem fugir. " "2 Coríntios 5:8: cheios de confiança, temos mais vontade de nos ausentarmos do corpo e estar presentes ao Senhor. " Da mesma forma, continua Tomás: de acordo com a segunda interpretação, aqueles que cumprem os mandamentos estão de luto, pois, embora os mandamentos sejam doces para a alma, são amargos para a carne, que é continuamente castigada.
"Iam e vinham chorando quanto à carne, mas quando voltarem, serão contentes. " (Salmo 126) Quanto à alma, da mesma forma, de acordo com a terceira interpretação, o luto surge do embate contínuo entre a carne e o Espírito; então a bem-aventurança dos que choram é a bem-aventurança da ciência do próprio pecado. O homem vê em si mesmo as nódoas do pecado e se entristece porque ainda não consegue cumprir os mandamentos com a presteza necessária, e esse consolo virá exatamente do céu pelo qual se chora.
É impossível que a carne não fira a alma, nem que seja pelos pecados veniais. Isto no presente estado, né? E para espádua na minha consciência.
E aqueles que assim choram chegam à Pátria, a qual Deus nos conduz, né? Amém. Termina aqui, Santo Tomás; esse é o comentário vinculado a este pedido, com um Amém.
Então, fica aqui feita a perfeita conexão entre uma bem-aventurança e um pedido do Pai Nosso. E por aí vai se vendo que estamos prosseguindo no comentário de Santo Tomás aos sete pedidos do Pai Nosso, como aqui vai se vendo que nada é aleatório e nada em Deus está sem que haja uma finalidade bem definida. Para encerrar, só ao modo de recapitulação, já que a nossa vontade é a expressão de uma carência; já que a nossa vontade, de alguma maneira, é o sendo um trânsito da potência, tendo um antes e um depois, ela, em todo caso, busca para nós, melhor dizendo, algum bem, o bem entendido, compreendido e assimilado pela inteligência.
Este é o fim do ato volitivo, do ato da vontade. Porém, como a nossa inteligência das coisas é proporcional à precariedade do nosso humano intelecto e como a nossa vontade humana não tem critérios precisos para fazer escolhas das melhores, sempre ao pedirmos que seja feita a vontade de Deus em nós, estamos literariamente pedindo socorro a Deus, digamos assim, para que nos alce a um estado contemplativo superior. Agradeço a todos vocês que têm acompanhado essa série que estou disponibilizando aqui no meu canal do YouTube e peço que, se porventura gostaram, partilhem isso para outras pessoas.
Eu estou entregando este trabalho que é uma leitura comentada a Deus, que seja feita a vontade dele, pedindo a Ele que seja um bem espiritual para as pessoas que vêm assistir a esse conteúdo e que, talvez, quem sabe, terão graças para rezar com maior fervor, com maior amor e com maior ordem. Então, fica aqui o pedido: se porventura gostaram, partilhem, canis WhatsApp, nas suas redes sociais, porque, na verdade, não estarão partilhando nada meu, mas sim apenas a palavra do maior Doutor da Igreja a respeito da mais importante oração, que foi a oração que o Senhor nos ensinou: a oração dominical. Tá bom, meus caros?
Até o próximo pedido!
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