As ferramentas de tradução mais avançadas do momento, como o Google tradutor, podem dar uma sensação de que no futuro não existirão barreiras de linguagem. Mas se hoje em dia está cada vez mais fácil se comunicar em línguas diferentes, nem sempre foi assim. Muitos desentendimentos linguísticos já ocorreram na história.
E alguns deles quase tiveram consequências graves. Sou Camilla Veras Mota, da BBC News Brasil, e neste vídeo eu vou contar 4 dos piores desentendimentos linguísticos da História. Tem sinal de vida encontrado em Marte, um suposto desejo sexual de um presidente americano por um país inteiro, uma ameaça em plena Guerra Fria e elogios convenientes a um líder chinês.
Tudo errado, é claro. Vamos direto a eles. Vamos começar por essa história da vida em Marte.
A confusão começou com o astrônomo italiano Giovanni Virginio Schiaparelli, que era diretor do Observatório de Brera, em Milão. Em 1877, Schiaparelli começou a mapear Marte. Ele chamou as áreas claras do planeta de mares, e as escuras, de continentes.
E resolveu batizar algumas áreas estreitas do planeta vermelho com a palavra italiana "canali". É aí que mora a confusão. Muitos dos colegas astrônomos de Schiaparelli acharam que ele estava se referindo a supostos canais aquáticos construídos no planeta.
Um dos maiores entusiastas dessa teoria foi o do astrônomo americano Percival Lowell, que mapeou centenas desses "canais", em Marte, entre os anos de 1894 e 1895. Ao longo das duas décadas seguintes, ele publicou três livros sobre o que acreditava serem estruturas artificiais construídas por engenheiros marcianos brilhantes. As teorias de Lowell influenciaram a HG Wells, que escreveu em 1897 o livro "Guerra dos Mundos", descrevendo uma invasão de marcianos assassinos à Terra.
Em outro romance publicado anos depois, chamado "Uma Princesa de Marte", o escritor americano Edgar Rice Burroughs chega a usar os nomes dados por Schiaparelli para descrever lugares em Marte. Mas essa história de canais aquáticos não passou de um problema de tradução do italiano para o inglês. Isso porque a tradução para inglês mais adequada para o "canali", usado pelo italiano Schiaparelli, é "channel".
Que seria um estreito natural na superfície daquele planeta. Mas alguns astrônomos, como Percival Lowell, acharam que "canali" se referia à palavra inglesa "canal", que aí sim denotaria uma estrutura artificial, como um tubo aquático. Hoje em dia a Nasa deixa claro que não existem passagens aquáticas artificiais em Marte.
Segundo a agência espacial, abre aspas, “a rede de linhas cruzadas que cobre a superfície de Marte são apenas um produto da tendência humana a enxergar padrões, mesmo onde eles não existem”. Mas a confusão pelo menos rendeu algumas grandes obras de ficção. A segunda confusão da lista aconteceu com o ex-presidente americano Jimmy Carter, que governou o país de 1977 a 1981.
Carter sabia como atrair a atenção de uma plateia. Só que numa visita à Polônia ele acabou atraindo mais atenção do que gostaria. Começou quando ele falou que desejava os poloneses carnalmente.
Pois é, foi isso o que seu tradutor disse diante de uma plateia de poloneses provavelmente constrangidos. Carter na verdade queria saber o que os poloneses desejavam para o futuro. Depois os poloneses ouviram do tradutor que Carter tinha deixado os Estados Unidos para nunca mais voltar.
Só que, na verdade, o presidente disse apenas “I left the United States this morning”, ou seja, que tinha saído de seu país, viajado, naquela manhã, segundo contou a revista Time. E até mesmo um comentário inocente de Carter, dizendo que estava feliz em visitar a Polônia, também saiu pela culatra. O intérprete traduziu aquilo para algo como "estou feliz por agarrar as partes privadas da Polônia".
É claro que depois dessa palestra acidentalmente picante, Jimmy Carter resolveu trocar de tradutor. Mas seus problemas não acabariam aí. Em uma palestra no dia seguinte, o então presidente estranhou quando disse a primeira frase e a plateia não reagiu.
Então ele disse a segunda frase, mas o público novamente ficou em silêncio. Acontece que o novo intérprete, que não entendia muito bem o inglês do presidente, preferiu ficar em silêncio do que dizer algo impreciso. Não dá pra dizer que ele estava de todo errado.
Fato é que, depois de todos esses mal-entendidos, Jimmy Carter virou motivo de piada na Polônia. Esse erro de tradução de agora é um pouco mais complexo, então talvez nem os apps de hoje conseguissem evitar. Essa confusão piorou ainda mais o clima da Guerra Fria.
Em 1956, uma declaração do então premiê soviético Nikita Khruschev a embaixadores ocidentais, em Moscou, foi traduzida como "Vamos enterrar vocês". A frase estampou jornais e revistas do mundo inteiro. E atrapalhou ainda mais as relações já turbulentas entre Estados Unidos e União Soviética.
Mas Khruschev não tinha sido tão bélico assim. O premiê disse algo que, colocado em contexto, significava: “Queiram ou não queiram, a História está do nosso lado. Vamos engolir vocês” Ele na verdade estava fazendo uma referência ao Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels.
A ideia era dizer que o comunismo sobreviveria ao capitalismo, que iria se autodestruir no futuro. Claro que a frase de Khruschev não era exatamente amigável, mas também não chegava perto da ameaça que inflamou anticomunistas e aumentou o medo de um ataque nuclear nos Estados Unidos. Anos depois, em 1963, Khruschev esclareceu as declarações.
Ele falou o seguinte: “Eu disse certa vez ‘Vamos enterrar vocês’ e fiquei em maus lençóis. É claro que não vamos enterrar vocês com uma pá. A sua própria classe trabalhadora é quem vai enterrar vocês.
” O último erro de tradução da lista não chegou a quase causar um estrago, como o anterior. Foi, digamos, um mal-entendido conveniente. Em 1972, quando o presidente americano Richard Nixon visitou a China, ele ouviu a seguinte frase do premiê chinês Zhou Enlai: "Ainda é cedo para avaliar o impacto da Revolução Francesa" Enlai foi aclamado nos Estados Unidos por proferir palavras tão sábias.
Afinal, a Revolução Francesa aconteceu em 1789. Então aquela afirmação demonstraria a capacidade dos chineses de refletir profundamente antes de agir. Mas Zhou Enlai estava se referindo a um outro levante na França.
Ele falava dos protestos de Maio de 68, que tinham ocorrido 4 anos antes. Charles W. Freeman Jr.
, diplomata americano aposentado que atuou como intérprete de Nixon na visita à China, descreveu a situação como um mal entendido conveniente, daqueles que nunca são corrigidos. Ele disse que a confusão serviu para reforçar um estereótipo de estadistas chineses como indivíduos de visão de longo prazo, que pensam em prazos mais longos que seus colegas ocidentais. Na visão dele, era isso o que as pessoas queriam ouvir e acreditar.
E por isso a frase pegou. Bom, com essa eu fico por aqui. Espero que esse vídeo não tenha causado nenhum mal-entendido.
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