Entre 1904 e 1908, a região onde hoje fica a Namíbia, no Sudoeste da África, foi palco de um genocídio. O então Império Alemão exterminou os povos Herero e Nama naquela região. Motivados por uma ideologia racial, os alemães chegaram a utilizar campos de concentração.
Uma tecnologia de extermínio que ficaria famosa década depois, durante o Holocausto. Em maio de 2021, após mais de 100 anos, a Alemanha reconheceu finalmente as atrocidades que cometeu na ocupação colonial da Namíbia. Mas será que isso é suficiente?
Meu nome é Camila Veras Mota, e neste vídeo eu vou te falar sobre o que é considerado por historiadores como a semente do Holocausto: O genocídio esquecido perpetrado pelos alemães na Namíbia no início do século 20. Mas antes, um pouco de contexto histórico. A ocupação colonial da Namíbia foi oficializada em 1884.
Foi o ano em que aconteceu a Conferência de Berlim, em que foi instituída a partilha da África entre países Europeus. Um dos territórios que ficou sob domínio alemão foi o Sudoeste Africano, hoje a Namíbia. Segundo a historiadora Naiara Krachenski, essas ocupações coloniais do final do século 19 são marcadas por dois aspectos principais.
O primeiro deles é político-econômico. Na Europa Ocidental, ocorria o acirramento do nacionalismo como política de Estado. E, ao lado disso, a ascensão de medidas protecionistas no comércio internacional.
Dois cenários que se alimentavam mutuamente e deram origem às políticas imperialistas. A África, neste contexto, era o principal palco de disputa. Mas além da motivação político-econômica, há também o aspecto ideológico.
Me refiro à ideia de superioridade da cultura europeia em relação às outras. Essa ideia não era exatamente nova. Já vinha sendo construída havia pelo menos três séculos.
Mas naquela segunda metade do século 19, ela ganhava contornos raciais. Essa ideologia racista era respaldada, por exemplo, por teorias científicas como o darwinismo social e a teoria das raças de Arthur de Gobineau. Com isso, o ideal de superioridade cultural se torna um ideal de superioridade racial.
E, na Namíbia, essa ideologia chegou a patamares extremos de brutalidade. No início da ocupação, os alemães mantiveram relações com as diversas populações locais. Entre elas, os Herero, que eram maioria, e os Namas.
Como é de se imaginar, a ocupação não foi tranquila, já que a interferência estrangeira afetou o estilo de vida tradicional daquelas populações. Isso fez alguns grupos reagirem militarmente. Em 1903, por causa de questões relacionadas à terra, uma revolta eclodiu.
Primeiro, entre os povos Namas, conduzidos por Henrik Withbooi. Depois, a revolta se espalhou entre os Hereros, que tinham a liderança de Samuel Maherero. Centenas de fazendeiros alemães foram mortos e algumas comunidades povoadas por colonizadores foram cercadas e atacadas.
Mas o levante não ficou sem resposta do Império Alemão. O então kaiser Guilherme 2º designou Lothar Von Trotha para organizar a repressão na Namíbia. Representante do alto comando militar, ele deu outra dimensão ao conflito: Em 11 de agosto de 1904, na Batalha de Hamakari, em Waterberg, os Herero foram bombardeados e derrotados pela tropa de Von Trotha.
Neste período, eclodiam outros conflitos sangrentos na África, em lugares como a Guiné Francesa, Senegal e Etiópia. Mas na Namíbia o grau de violência impressionou. Em uma carta à imprensa, na época, Von Trotha afirmou o seguinte: “Qualquer Herero encontrado dentro das fronteiras alemãs, com ou sem armas ou gado, será executado.
Não aceitarei mais nem mesmo mulheres nem crianças” As estimativas dão conta de que cerca de 65 mil hereros, entre os 80 mil que faziam parte desse grupo étnico, foram exterminados pelos alemães durante o período de ocupação colonial. O mesmo aconteceu com cerca de 10 mil das 20 mil pessoas do grupo Nama. O caso mais emblemático ocorreu no grande deserto de Omaheke, e ficou conhecido como o “Massacre de Omaheke”.
Após a vitória na batalha de Waterberg, Von Trotha levou os Hereros para este deserto, onde eles ficaram isolados. Lá, eles foram mortos ao consumir água envenenada nos poços. Ou abatidos quando tentavam furar o cerco que lhes era imposto.
Mas o terror na Namíbia não parou por aí. Grupos Herero e Nama foram mantidos sob constante vigilância até 1908. Sua capacidade de circulação em territórios administrados por alemães era pequena.
Além disso, mulheres, idosos e crianças acabaram seus dias em campos de trabalho forçado, denominados “campos de concentração”. Estima-se que 14 mil pessoas foram mantidas nessa condição e acabaram morrendo. Esse período da ocupação colonial da Alemanha na Namíbia é considerado o primeiro genocídio do século 20.
Mas o que configura esse episódio como genocídio não é apenas o número de mortes, mas como elas aconteceram. Para entender por que isso aconteceu, é importante lembrar que, a partir do século 20, os alemães começam a entender o processo colonial como uma luta de raças. Isso quer dizer que o elemento racial estava na estrutura da política colonial alemã, como explica a professora Naira Krachenski.
Naiara: "Tanto hereros quanto namas foram perseguidos independentemente de estarem ou não vinculados às rebeliões contrárias ao governo colonial que fizeram eclodir a guerra, mas se transformaram em alvos por pertencerem à raça herero ou à raça nama. Não só o assassinato, mas também a privação de quaisquer meios de sobrevivência desse grupo. No caso dos hereros, tem o aprisionamento deles no deserto de Omaheke, com privação de alimentos e água.
Muitos são mortos dessa forma. A gente tem que lembrar Entre outras ações, ganhou destaque o uso de namibianos, vivos ou mortos, em estudos científicos. Cadáveres de Hereros e Namas, por exemplo, foram utilizados como objeto de análise em estudos de craniometria e eugenia.
Só muito recentemente esses crânios foram devolvidos pela Alemanha. A Namíbia também virou um espaço de pesquisas de campo de cientistas que acreditavam na superioridade racial branca. O mais famoso deles foi Eugen Fischer, que chegou a escreveu um livro com observações feitas em um povoado ao norte da Namíbia.
Anos mais tarde, Fischer se tornaria membro do Partido Nazista alemão, e foi responsável por políticas eugenistas desenvolvidas no país. Mais um sintoma de que o que aconteceu na Namíbia é um germe do que tomaria proporções maiores três décadas mais tarde, com o aniquilamento em massa de judeus no Holocausto. Aimé Césaire, um dos mais importantes teóricos anticoloniais, chegou a afirmar que o que o nazismo fez foi levar para a Europa o que já se praticava há muito tempo na África.
Mas por que levou tanto tempo para que esse genocídio fosse finalmente reconhecido? Depois que a Alemanha perdeu sua colônia na Primeira Guerra Mundial, novos colonos chegaram na Namíbia. A África do Sul teve o controle desse território oficialmente de 1918 até 1990.
Foi quando a Namíbia obteve sua independência após anos de lutas. Nesse momento de reconstrução da nação após a independência foi necessário olhar para a história colonial do país. Isso porque as atrocidades que aconteceram na Namíbia foram alvo de um esquecimento deliberado pela historiografia ocidental.
Um processo de silenciamento histórico, como afirmam especialistas. Por isso, esse debate sobre o reconhecimento do genocídio foi longo e árduo. Além de reconhecer as atrocidades cometidas contra esses povos, no dia 28 de maio de 2021, a Alemanha se comprometeu a apoiar o desenvolvimento da nação africana através de um programa que vai custar 1,3 bilhão de euros.
A quantia será paga em 30 anos e investida em infraestrutura, assistência médica e programas de treinamento que beneficiam comunidades afetadas. Mas alguns líderes namibianos criticam o acordo. A questão agrária é uma das mais importantes para eles.
Isso porque tanto Hereros quanto Namas foram desapropriados de suas terras durante o processo colonial, como já falamos aqui. Esse, aliás, foi um dos motivos do início da revolta desses grupos no início do século 20, que acabou desembocando no genocídio. Depois da guerra colonial, a maior parte das terras do país foi dividida em fazendas particulares e dadas a colonos alemães.
Hoje, os namibianos alemães possuem cerca de 70% das terras agrícolas do país. Esse processo de desapropriação continuou a ocorrer durante os 70 anos em que o país foi governado pela África do Sul. Enquanto isso, a maioria dos Hereros e Namas vivem em áreas pequenas e superlotadas de terras comunais que mais tarde lhes foram atribuídas.
Ou em aldeias, assentamentos informais e favelas, que abrigam 40% da população da Namíbia. Por isso, figuras como Vekuii Rukoro, chefe dos Herero, dizem que a Alemanha não deveria negociar apenas com o governo, mas diretamente com os líderes Herero e Nama. Há também um temor de que esse dinheiro seja administrado pelo governo para seus próprios projetos, e não para reestruturar comunidades afetadas.
Outra crítica é que apesar do reconhecimento do genocídio, o episódio não está sendo reconhecido como um crime. Isso faz com que não haja obrigação legal de reparar diretamente as vítimas dos massacres. A gente segue acompanhando esse processo por aqui.
Se você gostou deste vídeo, dá uma olhada no nosso canal no YouTube, que tem muito mais. Obrigado e até mais.