Sueli Carneiro: de que barro somos feitos para permitir a situação dos negros deste país?

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TV Senado
A filósofa Sueli Carneiro é uma acadêmica, uma das primeiras a produzirem conhecimento sobre a situa...
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[Música] Eu nunca fui tímida eu fui silenciada quantos silêncio será que me compõe a cor do meu filho é a cor que faz com que as pessoas mudem de Calçada escondam suas bolsas E que blindam seus carros eu me libertei daquela história sabe de ter nariz afilado cabelo liso enfim de embranquecer Nós ainda estamos em tempo de reivindicação Quem me dera tá fazendo uma literatura hoje que fosse uma literatura muito mais de um tempo de afirmação [Música] [Música] na década de 1980 um estudo Pioneiro analisou dados populacionais separou por gênero e raça e apresentou conclusões
contundentes e fundamentais para compreensão do impacto do machismo e do racismo no Brasil a desigualdade entre homens e mulheres brancos e brancas negros e negras ficou escancarada ali A autora desse Estudo estava começando a produzir conhecimento transformador a escritora filósofa e ativista Sueli carneiro é fundadora do instituto da mulher negra dele é 10 e a nossa convidada hoje porque conhecer a luta das mulheres negras no país pode nos ajudar a entender que o Brasil é este com 200 anos de independência a voz de minha bisavó errou criança nos porões do navio e colamentos de uma
infância perdida a voz de minha avó e corram obediência aos brancos donos de tudo a voz de minha mãe ecoa Sueli um prazer poder conversar com você eu queria começar o programa te perguntando sobre o Mito da democracia racial como é que esse mito se construiu Qual que é o impacto dele na sociedade ainda hoje veja eu acho que é uma das ideologias mais perversas e perfeitas né do ponto de vista da sua capacidade de produzir efeitos deletérios sobre um determinado grupo né rigorosamente ponto de vista legal somos todos iguais perante a lei sem distinção
de nenhuma ordem né especialmente de raça gênero etc é uma afirmação muito né forte categórica quanto comparado com outros países em que existiu segregação legal como nos Estados Unidos ou Apartheid né Legal Como na África do Sul e sempre esses países foram usados aqui internamente para demonstrar ausência de segregação legal aqui de qualquer forma de re tão legal a pessoas negras indígenas essa ausência de uma de uma de uma legislação que distinguisse as pessoas sempre foi utilizada como a evidência da ausência de discriminação racial E no entanto ao mesmo tempo ela se constituiu no instrumento
a partir do qual esta assertiva legal ela assegurou que as pessoas fossem a experiência de discriminação racial fosse generalizada na sociedade e sem que se pudesse buscar amparo legal para combatê-la afinal não há legalmente né não há discriminação Então os negros estão reclamando do que a segunda evidência que corroborar essa ideia é da larga miscigenação sempre alardeando que no Brasil o fato de existir uma larga miscigenação indicativo de tolerância racial quando se escamoteia nessa afirmação o fato de que essa larga miscigenação foi construída primeiramente com o estupro Colonial praticado contra mulheres indígenas e depois contra
mulheres africanas O que as pesquisas genéticas confirmam contemporaneamente não é o como essa miscigenação se processou mas ela sempre foi utilizada como uma uma suposta tolerância e boa vontade do colonizador é português em relação aos seus escravizados os estudos sobre desigualdades as desigualdades raciais existentes no Brasil foram corroendo não é essa mitologia essa ideologia e hoje e quer dizer esses esforços de desmascaramento na falácia dessa igualdade de direitos e unidades né na sociedade brasileira eu acho que esse mito ruiu e nós estamos agora diante daquilo que Ele sempre escondeu né com a sua etiqueta social
ele sempre instituiu uma etiqueta segundo a qual não existe racismo no Brasil é uma coisa que os brancos repetem sistematicamente e os negros se tem juízo confirmam mas a gente tá perdendo o juízo cada vez mais cada vez mais denunciando desmascarando e o fato de este fato de desmascarar a farsa da democracia racial tem impulsionado a necessidade de encontrar remédios para redução das desigualdades raciais que são evidentes tanto a luta quantos remédios que estão sendo produzidos promovidos tem também desencadeado o agravamento do conflito racial porque amplitude Tem reagido cada vez de forma mais violenta a
esse avanço da questão racial no Brasil Então eu queria falar exatamente sobre isso agora Sueli você também disse que construir um movimento negro robusto é um temor das elites desde a revolução do Haiti o movimento negro se inicia com o desembarque do primeiro Negro escravizado aqui no Brasil né No primeiro Navio Negreiro trouxe né evidentemente o germe da resistência e da reação Então desde sempre existiu a resistência negra a escravização e o símbolo mais emblemático né dessa Resistência é o Quilombo dos Palmares né que é do século 17 e que resistiu durante 100 anos não
é ao avanço das forças coloniais o primeiro estado livre de todo o continente americano no Brasil e foi criado pelos negros pelos negros que Resistindo Resistindo à escravidão se dirigiram para o sul da capitania de Pernambuco atual estado de Alagoas a fim de criar uma sociedade livre e rivalitária a experiência de resistência quilombola é uma experiência que aconteceu em todo o território nacional e foi uma das formas mais agudas não é de resistência à escravização múltiplas outras formas de resistências foram desenvolvidas e de organização político dos negros para vencer a escravidão agora todo esse conjunto
de situações Foram ocultadas pela historiografia oficial a história oficial história dos vencedores a história oficial a história dos opressores a história oficial a história dos grupos hegemônicos e toda essa tradição de resistência e luta contra o racismo contra a escravidão contra a discriminação é uma história que foi apagada e que cada vez mais também faz parte das estratégias dos movimentos negros contemporâneos o resgate dessas experiências Ou seja todos esses saberes sepultados estão retornando graças a toda a uma estratégia também vigorosas dos movimentos negros contemporâneos essa só fala agora já abre várias outras questões né E
uma delas é a questão de quando você criou o Instituto com a história das mulheres negras você enfrentou a resistência tanto no movimento negro quanto no movimento feminista você pode contar essa história para gente quando o feminismo brasileiro estava no seu auge né um como liderado por mulheres brancas as mulheres negras tinham uma história para contar que elas eram participes desse movimento e no entanto elas estavam elas elas permaneciam ocultas fosse na representação simbólica desse né desse movimento fosse no ideário desse movimento fosse na plataforma de luta desse movimento e mulheres negras sempre constituir o
básico tanto do movimento feminista quanto do movimento negro base social né desses movimentos E no entanto o protagonismo delas nunca aparecia nunca era reconhecido e muito menos a temática que elas carregavam a contribuição que elas que elas traziam para expandir o ideário feminista e Para evidenciar as demandas específicas que esse grupo social trazia a ausência dessa compreensão desse acolhimento fez com que nós percebessemos que teríamos que criar instrumentos próprios e os instrumentos políticos próprios de luta que nos desce capacidade de incidência que nos que nos tornasse potentes o suficiente para sermos ouvidas e respeitadas fosse
pelos movimentos feministas fossem pelos movimentos negros e sobretudo em que nós pudéssemos fazer emergir não é as lideranças femininas negras não é que estão aí hoje presentes né na sociedade brasileira com esse vigoroso feminismo negro infelizmente emergiu e cada vez ganha mais reconhecimento então é uma guela exemplo entre outras de organizações de mulheres negras que nascem com essa vocação de trazer a sua demanda específica porque ter mulher negra significa necessidades muito diferenciadas em termos de políticas públicas porque o racismo potencializando o sexismo Gera fenômenos muito muito deletérios para as mulheres negras que se manifestam de
diferentes dimensões da vida seja no campo da Saúde seja no tema do mercado de trabalho seja no tema da comunicação no que no que diz respeito ao Imaginário não é que as mulheres negras são prisioneiras né das imagens de controle e estereótipos que aprisionam a representação né das mulheres negras então em qualquer dimensão da vida ser mulher e negra nos obriga a construir o projetos e propostas diferenciadas para poder vencer essa essa tripla essa tripla contradição a que as mulheres negras estão submetidas que são as as discriminações de gênero raça e classe que se sobrepõe
para fazer com que as mulheres sejam as mulheres negras sejam aquilo que eu sempre digo que estejam permanentemente numa situação de asfixia social na medida em que uma dessas dimensões impede impede que as mulheres negras possam progredir quando se vence a barreira do racismo ao sexismo quando se vence a barreira do sexismo a o racismo quando se supostamente se pode vencer ambas ainda tem a contradição de classe ali na frente nos esperando temos apenas corte para trabalhar e para carregar peso mas nós somos o suficiente forte para resistir e resistir E unir e clamar por
Justiça racial Ah que que mudou o que que melhorou nesse processo hoje as mulheres negras são o grupo que experimentou maior grau de escolarização nos últimos anos e isso é uma vitória por exemplo das políticas de cotas é uma vitória do nível de conscientização que as mulheres negras estão adquirindo sobre o papel estratégico por exemplo que a educação sobretudo né Universitária pode abortar pode para potencializar não apenas a mobilidade social mas também a capacidade de incidência de mulheres negras na sociedade de e de aquisição de situações estratégicas né para o avanço individual e coletivo nós
temos a afirmação política que o feminismo negro tem e nós temos hoje estratégias anti-racistas que estão nos conduzindo a buscar formas organizadas de construção de representação política são várias as mandatas no país que tem mulheres negras na direção a representação política na política institucional é alguma coisa que entrou efetivamente na agenda né das mulheres negras e o caso e o caso tráfico que envolveu por exemplo a Mariele é impulsionou ainda mais a disposição de luta das mulheres negras e a certeza de que transformaríamos Marielle em semente [Aplausos] [Música] tem também estratégias de empreendedorismo né Muito
pujantes que estão sendo lideradas por mulheres negras que valeriam a pena não é um reconhecimento maior público né então eu acho que há um sujeito político novo chamado mulheres negras e que traz uma agenda uma agenda nova que democra que faz avançado democracia no Brasil que pede radicalização dessa democracia e radicalizar essa democracia significa o novo pacto racial um novo pacto de gênero que permita que todas todos e todos tenham expressão real tenham um lugar efetivo tem a sua cidadania e dignidade humana respeitadas nesse país é isso a contribu com as mulheres negras trazem porque
para que nós possamos de ser contempladas a que radicalizar a democracia e para radicalizar a democracia é preciso desalojar todas as hierarquias instituídas que oprimem discriminam impede a realização da dignidade humana de todos depois da política de cotas há uma diferença relevante na escolarização da população negra das mulheres negras Sem dúvida eu estou sendo produzidos e em vias de serem lançados vários diagnósticos vários relatórios com avaliação desses 10 anos de políticas de cota né pela lei e os 20 né que é o universo e todos eles atestam que há uma mudança extraordinária o campo o
campus universitário adquiriu não é uma uma diversidade jamais vista e ou imaginada já que a tradicionalmente Parecia um Campus escandináveis né até até antes desses 20 anos o que se tem são uma multiplicidade de corpos mas sobretudo além dessa do colorido não é que as Universidades adquiriram a sobretudo também o impacto que essas esses corpos não brancos produzem sobre o fazer acadêmico a produção dos saberes então a todo a incurso todo mefervescência também todo uma efervescência do quanto esses corpos carregam de novas perspectivas epistemológicas novas perspectivas metodológicas que esses corpos exercem pela pela incorporação pela
Universidade de novas categorias que sejam capazes de compreender a experiência particular que esses corpos carregam então eu creio que nós estamos No Limiar de ver também mudanças epistemológicas muito importantes não é na produção dos saberes da produção de conhecimento né nesse país e essas mudanças devem nos conduzir a nos ver e a termos um conhecimento menos enviesado menos eurocêntrico né menos menos domesticado nos parâmetros né de produção de conhecimento do ocidente e mais incorporando cada cada vez mais é todas essas outras dimensões de possibilidades de ser e conhecer que esses corpos historicamente excluídos trazem a
luta não vai parar os exploradores do negro não vão ter descanso enquanto na na área do africano definitivamente livre o Abdias acusou O genocídio da Juventude Negra e você disse no podcast do Mano Brown que se você fosse homem você já tava morto que que ainda tá acontecendo Eu que pergunto como é que a gente consegue coexistir nessa sociedade com esse processo sistemático e permanente de assassinato de jovens negros pela violência institucional com esses indicadores de que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado eu duvido que alguém Encontre no auge do apartheid na
África do Sul que encontre uma cifra dessa ordem eu duvido não existe país nenhum no mundo que isso possa acontecer com absoluta indiferença como é que se pode naturalizar essa Matança como é que essa essa sociedade não reage como é que essa sociedade não se rebela contra este absurdo como é que se pode dormir sabendo que isto acontece diariamente nesse país como é que se pode aceitar que seres humanos sejam tratados dessa maneira Outro dia eu tava conversando com uma professora e ela tava me falando do filho dela que tem 18 anos e que ele
conta para ela o tempo todo porque ela trabalha com Relações raciais né acadêmicamente e o filho dela Dizendo mãe é todo dia eu posso sair com eu e ela é loira um filho loiro e o filho dela diz eu posso sair com o cigarro de maconha na mão fumar na frente de um policial e não me acontece nada porque eu sou loiro de olhos azuis Mas qualquer que tiver do meu lado vai tomar geral a geral tomar a geral é o menor né dos danos agora qualquer moleque tá disposto em qualquer quebrada em qualquer Periferia
a ser assassinado gratuitamente Como é que esta sociedade que sociedade é essa que permite que aceita que coexiste convive com esta monstruosidade de que barro as pessoas desse país são feitas para poderem viver com isso não existe paralelo no mundo para isso temos medo sim temos medo da polícia somos percentagem maldita 77 dos jovens mortos são negros são negros chega não queremos heróis e heroínas nem militância morta chega Qual é a fronteira da luta das mulheres negras agora nós temos que acreditar que outro mundo é possível e nós acreditamos que outro mundo é possível nós
sabemos que o país que nós vivemos com esse nível de violência de desigualdade ele foi produzido por seres humanos com essa qualidade é duvidosa né que a gente sabe E nós vivemos o momento que o que como isso é possível estar retratado no momento atual na conjuntura atual que tipo de ser humano produz um país com esse nível de brutalismo de violência mas se isto foi construído por seres humanos pode deve ser desconstruído por seres humanos e eu acredito que podemos nós negros e negras que tem um outro projeto que tem um projeto de nação
que seja justo igualitário inclusive e eu acredito sinceramente que nem todo branco é signatário desse pacto perverso ainda que seja beneficiário dele Independente da sua vontade e eu acredito que pessoas assim pessoas que desejam um outro projeto de nação pessoas que desejam um outro projeto de país pessoas que acreditam que podemos forjar forjar um país em que a democracia prevaleça que o estado democrático de direito seja para todas todos e todos eu acredito que nós temos nós podemos construir esse país e temos a obrigação de tentar Ok muito obrigado pela entrevista Eu que agradeço a
oportunidade Renato foi um prazer [Música] vozes mulheres Conceição Evaristo a voz de minha bisavó ecou criança nos porões do navio e coamento de uma infância perdida a voz de minha avó e como obediência aos brancos dons de tudo a voz de minha mãe egou baixinho revolta no fundo das cozinhas alheias debaixo das trouxas roupagem sujas dos brancos pelo caminho empoeirado rumo a favela a minha voz ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome a voz de minha filha recorre todas as nossas vozes recolhem-se as vozes mudas caladas engasgadas as gargantas a voz de minha
filha recolhe em si a fala e o ato ontem o hoje e o agora na voz de minha filha se fará ouvir a ressonância o Eco da vida a liberdade [Música]
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