UFSC Explica - Novembrada

7.37k views1199 WordsCopy TextShare
UFSC
Há 40 anos, no dia 30 de novembro de 1979, Florianópolis registrou um dos mais significativos protes...
Video Transcript:
A novembrada foi um movimento liderado pelos estudantes com o apoio da população contra a ditadura militar brasileira, que vinha perdendo força, ao longo do tempo. Eu diria que a novembrada foi o primeiro momento em que se joga cal nessa ditadura. Ela teve, a novembrada, repercussão não apenas local, mas nacional e mundial.
Na minha avaliação, e entendimento, a Novembrada, ela significou dois aspectos muito importantes do momento em que ela aconteceu, que foi no final dos anos 70. Ela foi uma expressão do enfraquecimento da ditadura, do regime ditatorial e, ao mesmo tempo, ela foi um encorajamento da expressão de repúdio que se tinha a ditadura naquele momento. Tinha um arrocho salarial muito grande, um enfraquecimento total das instituições que levavam o estímulo da cultura, da educação e, ao mesmo tempo, tinha o custo de vida, além de ser muito alto, a qualidade de vida era muito rebaixada.
Isso tudo insatisfazia completamente a população, fora aquilo que a ditadura implantou, que foi o verdadeiro terror e repressão àqueles que eram oposição ao próprio regime. E no caso aqui em Florianópolis, o DCE da UFSC, teve bastante influência e quando souberam da vinda do general para cá, por um motivo completamente entendido como farsa montada, eles começaram a se organizar para isso. Houve uma grande movimentação num determinado dia, com faixas, pessoas falando no restaurante universitário, convidando para ir a um ato no centro da cidade, porque estaria ali o general presidente da República.
E eu, de curioso, nunca tinha visto um presidente da República. Me interessei em ir ao evento, mas se percebia que o DCE estava chamando aquela mobilização, e tinha várias pessoas envolvidas, existia um interesse dentro da universidade. E aí eu fui até o centro da cidade ver o que era e me deparei com uma massa de pessoas na frente do Palácio Cruz e Souza.
Aquele dia foi muito, muito importante para mim e para todas as pessoas que estiveram ali, porque o regime desafiava e repito, debochava da população que foi ali protestar, que era um protesto pela democracia, pela liberdade. Nós vínhamos de um governo que queria ser populista. João Figueiredo, mas que na realidade era demagogo.
A inflação era alta, a crise econômica pegava a população, a gasolina tinha subido muito e ele vinha com frases tipo: “vamos para a democracia”, “eu prendo, arrebento”, “custe o que custar, vamos chegar lá. ” Então ele vinha com frases que estimulavam o povo a buscar a democracia, mas dentro de uma visão da ditadura militar. O povo de Florianópolis, liderado pelos estudantes, mostrou que aquela situação tinha que ser vencida.
E a Novembrada é uma resposta a essa demagogia do presidente Figueiredo. O general sobe a sacada do Palácio Cruz e Souza e ele começou a ser recebido por vaias, xingamentos e aquela formas assim bem desqualificadas para dizer: “nós não queremos mais, já basta a ditadura. e nós estamos aqui para dizer isso”, porque era uma farsa.
A farsa era vim para cá de Brasília se deslocar para inaugurar uma placa em homenagem a um outro militar e ele queria dar aquele aspecto de valorização, de popularidade e de amenização daquilo, de toda aquela, aquela opressão que estava sendo feita em cima da população. E depois com a prisão dos estudantes, então o movimento se tornou muito maior, muito mais intenso. Envolveu a cidade, os políticos, a imprensa, e enfim, toda a universidade reagiu intensamente para pedir a liberdade das pessoas.
Então, foi um momento de intensa presença da universidade na cidade, reivindicando liberdades democráticas. E isso repercutiu no Brasil todo. Então não é, não é demais dizer que a Novembrada foi uma gota d'água no esgotamento de um regime absolutamente autoritário.
E isso cresce também no imaginário da população a possibilidade de se insurgir contra a ditadura, ou seja, com esse enfraquecimento do regime, porque nesse período já vem a discussão das diretas, do fim da ditadura não era ainda muito inflamada, mas nós estamos perto dos anos 80, 85, onde cai a ditadura, sai a ditadura, então isso já vai germinando, essa possibilidade, não foi só uma manifestação contra e depois se sai e volta para casa. Esse episódio envergonha o regime, O movimento estudantil daí para frente foi se modificando também em função de uma nova realidade que estava aparecendo para o Brasil. A Novembrada foi influenciada por fatores nacionais e por fatores internacionais, Fatores nacionais, aparecia naquela conjuntura o novo sindicalismo do ABC.
Aparecia a Igreja da Teologia da Libertação, aparecia o sindicalismo de classe média, professores, médicos. Tanto que logo no ano seguinte nós temos a primeira grande greve de professores universitários no Brasil. Temos a criação do sindicato, o Andes.
Temos também empresários que já não querem mais a ditadura militar porque percebem que não acumulam mais tanto como acumularam no passado E no setor internacional, nós temos influência dos Estados Unidos, que criam uma lei que favorece não mais as ditaduras militares, porque algumas delas descambaram para o nacionalismo e querem agora civis no poder, que são muito mais confiáveis. A organização dos partidos políticos da sociedade civil envolveu aquela geração formada naquele ambiente onde a Novembro foi o estopim. Era a saturação.
Era um ponto de saturação do regime autoritário e a sociedade cobrava uma transição para a democracia. Então o movimento estudantil sempre foi muito anticonformista, sempre foi muito arrojado e os estudantes expressaram aquilo naquele movimento e aquilo formou lideranças dos centros acadêmicos, no próprio DCE e dos vários cursos se respirava democracia e exigência pela democracia. Então os estudantes, eles começam a mudar o seu lugar de atuação e não tanto como estudantes, mas como um cidadão que começa a participar, participar dos movimentos sociais e dando a sua marca juvenil.
Antes de ser uma categoria da sociedade como a estudantil, ele é negro, ele discute o seu gênero, vai encorajar o movimento LGBT, que hoje é mais que só LGBT. Na época da Novembrada ainda se reivindicava liberdades democráticas, a participação, o direito ao voto se questionava a violência no Estado, a censura, depois vivemos um período da democracia, que é fruto também desses movimentos sociais, tipo a Novembrada. A população se acostumou com a democracia.
Talvez as pessoas não conheçam essa história porque há um descuido da escola, das instituições, da própria universidade em recontar essa história. E, fundamentalmente, porque a mídia e o papel da comunicação não nos lembra a todo momento a importância que foi a construção democrática da nossa sociedade e o papel que movimentos como esse movimento estudantil tiveram no passado e devem ter no presente. Nós temos que estudar nossa história e estudar a história dentro de uma visão crítica a nossa história é luta de classes permanente.
Se você olhar a Guerra do Contestado, não é a guerra do Contestado, é luta de classes, de camponeses contra uma multinacional. Se você olhar a Novembrada, são estudantes levando o povo a lutar contra uma ditadura militar que estava em decadência. Era abominável e defendia aqui os interesses estadunidenses.
Portanto, é fundamental conhecer em profundidade a história para não repeti-la, porque às vezes ela é repetida sob farsa ou sobre tragédia, e precisamos evitar isso.
Copyright © 2025. Made with ♥ in London by YTScribe.com