[Música] Murilo chegou em casa com o rosto cansado, depois de um longo dia de trabalho. O terno estava amarrotado e a gravata, que sempre usava com tanto cuidado, estava afrouxada no pescoço. Ele soltou um suspiro enquanto abria a porta e, assim que entrou, viu Roberta na cozinha, sorrindo para ele com uma expressão afetuosa.
— Oi, amor — ela disse, caminhando em sua direção com uma leveza ensaiada. — Como foi seu dia? Murilo sorriu, tentando disfarçar o cansaço.
Aproximou-se dela e a beijou na testa. — Cansativo, mas agora estou bem melhor. E você, como foi o seu dia?
— Nada demais, preparei algo especial para você — disse ela, apontando para a mesa, onde havia uma travessa com comida fumegante. Murilo sentiu o cheiro delicioso e agradeceu mentalmente por ter Roberta ao seu lado; para ele, ela era tudo: a esposa perfeita, sempre atenciosa, sempre disposta a fazê-lo se sentir amado. — Isso parece incrível, Roberta!
Você sabe mesmo como cuidar de mim — disse ele, puxando uma cadeira e se sentando à mesa. Roberta serviu um prato para ele e ele pegou o garfo, ansioso para experimentar o que parecia ser um prato de sua carne favorita. — Obrigado, amor, eu te amo.
— Sabia? — ela sorriu, mas algo em seus olhos parecia distante. Ele não percebeu, ocupado demais apreciando a refeição.
— Eu sei — respondeu ela, com um tom quase frio, mas disfarçado pela doçura habitual. Murilo cortou um pedaço da carne e levou à boca. Estava delicioso.
Enquanto ele mastigava devagar, saboreando cada tempero, cada detalhe que ela havia preparado com tanto cuidado, pegou a taça de vinho que Roberta havia servido e tomou um gole generoso. — Uau, você se superou hoje! — elogiou ele, virando-se para ela com um sorriso satisfeito.
— Esse vinho é perfeito. Roberta continuava a sorrir, observando cada movimento dele de forma calma, quase mecânica. Murilo, após alguns minutos, sentiu o corpo começar a relaxar mais do que o normal.
Uma sensação de torpor tomou conta dele de repente, como se uma onda pesada de sono o invadisse. Ele piscou algumas vezes, confuso. — Nossa, estou tão cansado — murmurou, tentando se manter acordado, mas seus músculos já não respondiam.
O garfo escorregou de sua mão, caindo no chão com um ruído metálico que soou distante. Antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, Murilo caiu da cadeira, seu corpo desabando pesadamente no chão. A visão escureceu e o mundo ao redor pareceu desaparecer.
Quando abriu os olhos novamente, Murilo sentiu uma pressão sufocante ao seu redor. Ele estava em um espaço apertado e a escuridão era total. A única coisa que conseguia perceber era o som abafado de vozes, como se alguém estivesse falando perto, mas a distância suficiente para que as palavras chegassem distorcidas.
Tentou mover os braços, mas estavam presos. Tentou mexer as pernas e nada. O pânico começou a subir lentamente pela sua espinha; ele estava preso.
— O que está acontecendo? Onde eu estou? — O som das vozes ficou mais claro e ele reconheceu uma delas: era Roberta.
— O que está acontecendo? — ele pensou, desesperado. Tentou gritar, mas nenhum som saiu de sua garganta.
De repente, ele começou a entender as palavras que ela dizia. — Finalmente acabou. — A voz de Roberta soava aliviada, como se um grande peso tivesse sido tirado de seus ombros.
— Você fez isso mesmo! — A outra voz, que ele reconheceu como Fábio, o melhor amigo de Roberta, parecia um tanto chocada. — Sim — Roberta respondeu com frieza.
— Eu nunca amei o Murilo. Ele era um bom homem, mas eu nunca senti nada por ele. Ele sempre foi apenas um obstáculo.
Murilo, incapaz de processar a realidade, sentiu seu coração disparar. — Isso não pode estar acontecendo, não pode. Mas por quê?
— perguntou Fábio, ainda atônito. — Se você não o odiava, por que foi tão longe? Murilo prendeu a respiração, aguardando a resposta; cada segundo parecia uma eternidade.
— Não foi sobre ele — Roberta começou, com uma calma perturbadora. — Foi sobre o pai dele, um homem desprezível. Ele roubou o meu pai, enganou a minha família.
Você sabe o que é viver na pobreza? Fábio ficou em silêncio e Roberta continuou: — Eu nasci no meio da miséria. Meu pai se tornou um homem amargo e minha mãe… bem, ela não aguentou.
Ela nos abandonou, deixou a mim e ao meu pai para trás enquanto ele se consumia no ódio. Anos depois, ele morreu, tudo por causa daquele homem, o pai de Murilo. Ele nos destruiu.
Murilo sentiu uma onda de desespero. Ele nunca soube de nada disso. Seu pai sempre lhe disse que a vida era difícil, que ele precisou fazer escolhas, mas nunca mencionou nada sobre destruir a vida de outra família.
— Então você se casou com Murilo para se vingar? — perguntou Fábio, como se ainda estivesse tentando entender. — Sim!
O pai dele já estava morto quando o conheci, mas isso não importava. Eu queria o que era meu de volta e a única forma de conseguir isso era tirando Murilo do meu caminho. Um silêncio pesado e mortal caiu entre eles.
Fábio, incrédulo, parecia hesitar. — E agora, o que você vai fazer? — perguntou ele, a voz trêmula.
Roberta se virou e, pela fresta do caixão, Murilo pôde ver o reflexo do rosto dela. Por um instante, um sorriso frio e sem vida se formou em seus lábios. — Agora eu vou ter paz.
E nós dois… — ela segurou o rosto de Fábio, inclinando-se para beijá-lo. — Nós vamos ter tudo. Murilo queria gritar, queria se mexer, mas nada funcionava.
Ele estava preso em seu próprio corpo, impotente, enquanto via a verdade de sua vida desmoronar diante de seus olhos. Roberta abriu o caixão com uma calma perturbadora. O rangido das dobradiças soou alto no ambiente silencioso.
Lá dentro, Murilo, mesmo paralisado, conseguiu sentir o ar mudar, como se a morte, que parecia tão certa, estivesse por um momento hesitando. Ele fechou os olhos rapidamente, o medo de ser descoberto quase tão sufocante quanto o próprio caixão. Era impossível para ele se mover ou falar, mas sua mente estava mil.
Ele sabia. "Que algo estava errado com seu corpo, mas o que exatamente Roberta havia feito ainda era um mistério. O que você colocou no vinho?
Afinal, a voz de Fábio soou com uma leve curiosidade. "Segredo", respondeu Roberta com um sorriso enigmático. "Isso é algo que você não precisa saber.
" "Hm. " Fábio olhou para o caixão, examinando-o com uma expressão de desdém. "Esse caixão parece bem ruim.
Você não podia ter escolhido algo melhor? Quer dizer, pelo menos uma despedida digna, né? " Roberta riu, um som seco e sem emoção.
"Gastar meu dinheiro com uma coisa superficial como isso? Por favor, Fábio, ele já está morto. O que importa se o caixão é caro ou não?
Meu objetivo nunca foi dar a ele um final digno. " Fábio assentiu, como se aceitasse aquilo. "Sem problemas.
" Ele observava Roberta com um misto de admiração e cautela, talvez ainda tentando entender a complexidade daquela mulher que ele agora acompanhava. "Acho que já está na hora de irmos", disse Roberta, fechando o caixão com um empurrão rápido. Ela então se virou e chamou o coveiro.
"Antônio! " O coveiro experiente aproximou-se com passos lentos e cansados. Seu rosto mostrava o desgaste de quem já havia visto muitas despedidas ao longo dos anos.
"Já pode enterrar", ordenou Roberta, sem qualquer cerimônia. Antônio, no entanto, hesitou. "Ninguém vai ficar para o enterro dele?
" perguntou, surpreso com a indiferença. "Não", respondeu Roberta com frieza, enquanto já começava a se afastar. "Estar ao lado de Fábio.
" "Vamos indo. " Murilo, por dentro do caixão, ouvia tudo. A impotência era insuportável.
Ele tentou mexer os dedos, algum movimento, qualquer coisa que indicasse que ainda estava ali, vivo, mas nada aconteceu. Tentou gritar, forçar sua voz a sair, mas o silêncio era absoluto. Enquanto o caixão começava a ser descido, ele via o mundo se fechar em uma escuridão cada vez mais densa.
O som da madeira rangendo, as cordas sendo puxadas, tudo parecia o prenúncio de um fim que ele não esperava. Quando o caixão finalmente tocou o fundo da cova, o silêncio o envolveu completamente, até que o som abafado de terra caindo sobre a madeira ecoou em seus ouvidos. O coveiro, Antônio, estava jogando a primeira camada de areia sobre ele.
"Por que, Roberta? " Ele pensava. "O que você me deu?
" A terra continuava caindo, camada após camada. O som era como batidas surdas, distantes, mas cada uma mais pesada que a anterior. Murilo sentia o peso da morte se aproximando.
Enquanto sua mente corria em desespero, era seu fim e ele sabia disso. Tentou, por um último esforço, mexer algum músculo, mas seu corpo não respondia. Do lado de fora, Antônio estava entrado em seu trabalho quando uma voz familiar o tirou de sua tarefa.
"Oi, tio", disse a jovem que se aproximava. Antônio levantou a cabeça e sorriu ao ver sua sobrinha, Sofia, com um olhar cansado, mas ainda assim carinhoso. "Olá, minha sobrinha", respondeu ele, tirando o chapéu e passando a mão na testa suada.
"O que te traz aqui? " "Saí do trabalho e da faculdade mais cedo. Quis vir ver como você estava", disse ela, olhando em volta e notando o enterro solitário.
"Quem é esse? E por que não tem ninguém no enterro dele? " "Não sei, querida.
A esposa dele veio, mas foi embora antes de começar. " "Estranho, né? " Sofia franziu a testa.
"Muito estranho um homem ser enterrado sem ninguém para se despedir. " Ela olhou para a cova aberta e então disse: "Deixe eu jogar uma rosa para ele. Ninguém merece ser enterrado assim.
" Antônio parou o que estava fazendo e assentiu com a cabeça. "Acho bonito o gesto da sobrinha. Claro, vai em frente.
" Sofia se abaixou e pegou as flores que havia trazido da floricultura. Ela jogou a flor na cova, observando-a cair até o topo do caixão. Foi então que algo chamou sua atenção.
"Tio, a rosa! Ela está tremendo! " "Isso é normal?
", Antônio estreitou os olhos, franzindo a testa, enquanto se aproximava da borda da cova e olhava para dentro. O coveiro, com mais de 15 anos de experiência, nunca havia visto algo assim. A rosa estava de fato tremendo, como se algo de dentro do caixão estivesse causando o movimento.
"Meu Deus", disse ele, agora com uma expressão de pânico. "Ele pode estar vivo! " Sofia levou as mãos à boca, chocada com a possibilidade.
"O quê? Mas como? " Ela olhou para o tio, esperando uma resposta.
Antônio já estava tirando a terra com as mãos trêmulas, em uma tentativa desesperada de chegar ao caixão o mais rápido possível. "Não sei, mas não podemos deixar isso assim. Preciso abrir o caixão.
" Sofia, ainda atônita, correu para ajudar. Juntos, eles começaram a remover a terra que já cobria o caixão, suas respirações aceleradas pelo nervosismo. Antônio pegou sua pá e começou a cavar mais rápido, enquanto Sofia observava, ainda sem acreditar no que estavam fazendo.
Quando finalmente retiraram a última camada de terra que cobria o caixão, Antônio parou por um segundo para recuperar o fôlego. "Precisamos tirá-lo daqui rápido. " Sofia apenas assentiu, o coração disparado.
O destino de Murilo, que pensava estar selado, agora estava nas mãos deles. Murilo continuava batendo desesperadamente na tampa do caixão. Cada golpe parecia mais fraco que o anterior, mas ele não desistia; era tudo que ele podia fazer.
E por mais que seu corpo estivesse ainda fraco e entorpecido, a vontade de viver era mais forte. Assim que ele conseguiu mover a mão de novo, começou a bater com mais força e insistência. Em pouco, o som abafado de madeira sendo golpeada chamou a atenção do lado de fora.
Finalmente, a tampa do caixão foi levantada, e Murilo, com os olhos entreabertos, viu o coveiro e uma jovem ao seu lado, observando-o com espanto. A mulher, que ele ainda não conhecia, parecia preocupada, enquanto o coveiro, de quem Murilo ainda não sabia o nome, o tirava do caixão com certo esforço. "Meu Deus, ele está vivo!
" exclamou a mulher, sua voz. " Soando ao mesmo tempo aliviada e incrédula, Murilo sentiu o ar fresco bater em seu rosto e respirou profundamente, como se estivesse emergindo das profundezas de um pesadelo. "Água," ele sussurrou com a voz fraca, mal conseguindo formar as palavras.
"Vá pegar água, tio," disse Sofia, agitada, olhando para o homem mais velho, Antônio. Ciro assentiu rapidamente e correu em direção a uma pequena construção próxima, voltando logo em seguida com um cantil de água. Ele entregou a garrafa para Sofia, que a levou para os lábios de Murilo com cuidado, ajudando-o a beber devagar.
"Devagar," murmurou ela enquanto ele tomava pequenos goles. "Você está bem? " Murilo olhou para ela, ainda tonto e desorientado.
"Acho que sim," ele fez uma pausa, engolindo em seco, "mas não chamem a polícia, não agora. " Sofia o encarou, surpresa. "Você precisa de ajuda!
Isso que aconteceu com você é um crime! Precisamos fazer—" "Alice," ele banou aabe lentamente, "foi minha esposa que fez isso. Se vocês chamarem a polícia, ela vai escapar.
" Sofia hesitou, mas seus olhos demonstravam compaixão. "Mas você não pode ficar assim. Precisa de cuidados médicos, se você piorar.
" "Se eu piorar, então vocês podem me levar para um hospital, mas por favor, agora não preciso provar o que ela fez comigo. " Sofia suspirou, claramente dividida entre a urgência de ajudá-lo e a lógica do que Murilo estava pedindo. "Tudo bem, eu vou te ajudar, mas se você piorar, vou te levar ao hospital de qualquer jeito, entendeu?
" Murilo assentiu, aliviado, e então Antônio voltou com a água. "Aqui está, mais um pouco de água," disse o coveiro, oferecendo o cantil novamente. Sofia e Antônio ajudaram Murilo a levantar-se com cuidado, apoiando-o enquanto caminhavam lentamente em direção a uma pequena cabana onde Antônio guardava suas ferramentas e equipamentos de trabalho.
Lá, colocaram Murilo em uma cadeira velha e Sofia continuou cuidando dele, monitorando cada sinal de sua recuperação. "Você tem jeito com isso," comentou Murilo, um leve sorriso se formando em seus lábios, apesar da fraqueza. Sofia deu um sorriso modesto.
"Estou na metade da faculdade de enfermagem. Não sou uma profissional ainda, mas já sei alguma coisa. " "Você é muito boa no que faz," disse Murilo, genuinamente agradecido.
"Obrigada," ela olhou rapidamente para o tio, que organizava os materiais ao redor. "Meu tio Antônio tem sido uma grande ajuda também. Ele trabalha bastante para me ajudar a pagar a faculdade; sempre fez de tudo por mim.
" Murilo observou o vínculo entre os dois. Antônio olhou para Sofia com orgulho, e ela sorriu de volta; era uma relação de respeito mútuo. "Você parece ser uma pessoa que valoriza a família," disse Murilo, refletindo por um momento sobre sua própria situação.
"Eu tento. Minha mãe e meu pai morreram quando eu era muito nova. Tio Antônio é quem esteve ao meu lado e eu sou grata por tudo que ele fez por mim.
" Sofia, leve tristeza na voz, também determinou: " algumas horas se passaram e, sob os cuidados de Sofia, Murilo começou a se sentir melhor. A força voltava lentamente ao seu corpo e ele conseguiu se levantar e dar alguns passos, ainda que com alguma dificuldade. Ele olhou para Sofia e para Antônio com gratidão.
"Não sei como agradecer a vocês dois por isso. Vocês salvaram minha vida. " "Não precisa agradecer," disse Antônio, secando o suor da testa com um lenço.
"Estamos felizes de poder ajudar. " "O que você vai fazer agora? " perguntou Sofia, sua voz baixa, mas cheia de preocupação.
Murilo respirou fundo e olhou para a janela, como se estivesse pensando em tudo que aconteceu. "Vou tentar colocar Roberta na cadeia. Ela me fez isso, mas não sei como.
Ela é esperta e eu preciso de provas. " Sofia pensou por um momento e, subitamente, seus olhos se iluminaram. "Eu tenho uma ideia!
" "Estou curioso. O que você tem em mente? " Sofia se aproximou e explicou seu plano em detalhes.
Murilo ouvia atentamente, e à medida que ela explicava, sua expressão passou de cética a esperançosa. "Isso pode funcionar," disse ele, animado. "Mas você tem certeza de que está disposta a fazer isso?
Pode ser perigoso. " Sofia sorriu com uma confiança que surpreendeu Murilo. "Sem problema!
Além disso, fiz teatro quando era mais nova. Sei como interpretar um papel. " Murilo riu, surpreso com a determinação dela.
"Acho que você vai ser perfeita para isso. " Sofia sorriu de volta, agora mais séria. "Vamos colocar Roberta na cadeia.
Ela não pode escapar do que fez. " E assim, eles começaram a preparar o plano que poderia mudar o curso dos acontecimentos e dar a Murilo a chance de justiça. Enquanto isso, Roberta estava recostada no sofá de couro da luxuosa casa, saboreando uma taça de vinho com Fábio.
O ambiente estava perfeito para a celebração de um plano que até então parecia infalível. "Finalmente, tudo deu certo," disse Roberta com um sorriso de satisfação, girando a taça de vinho nas mãos. "Estamos livres!
" Fábio assentiu, recostando-se ainda mais no sofá, tomando um longo gole de seu vinho, livre e com uma boa vida pela frente. "A casa, o dinheiro, tudo está garantido. " Agora, eles brindaram novamente, mas no momento em que as taças se tocaram, ouviram batidas.
Irritada, Roberta levantou-se devagar, arrumando seu vestido e caminhou para abrir, ainda segurando a taça de vinho. Quando abriu, deu de cara com Sofia, uma jovem que ela nunca tinha visto antes. "Boa noite.
Quem é você? " perguntou Roberta com um tom seco. Sofia sorriu educadamente e se apresentou rapidamente.
"Meu nome é Sofia e eu sou a esposa de Murilo. " Roberta arregalou os olhos, claramente surpresa e confusa. "O quê?
" balbuciou enquanto Sofia entrava rapidamente pela porta, passando por Roberta, sem esperar ser convidada. "Precisamos sair daqui agora," disse Sofia com urgência, olhando ao redor da casa como se procurasse alguma coisa. "Como assim?
" Roberta interrompeu, sua paciência rapidamente se esgotando. "Eu sou a esposa! " De Murilo: Essa é minha casa.
Sofia tirou de sua bolsa uma certidão de casamento que mostrava para Roberta com firmeza. — Acho que você está enganada. Eu me casei com ele muito antes e nunca nos divorciamos.
Mesmo quando começamos a viver em lugares separados, ele não te contou. Roberta pegou o documento com mãos trêmulas, examinando-o rapidamente. — Isso.
. . isso é impossível!
Murilo nunca mencionou nada sobre um casamento anterior. Sua voz agora era de pura incredulidade. Fábio, que estava sentado no sofá observando a situação, se levantou e se aproximou de Sofia.
— Oh, me desculpe por estar na sua casa — disse ele com um sorriso encantador, tentando disfarçar a tensão no ar. — Não tínhamos ideia. Sinta-se à vontade.
Ele foi extremamente cortês, e Roberta imediatamente notou o tom galante em sua voz. Ela sabia o que ele estava fazendo, e a raiva começou a fervilhar dentro dela. Fábio estava tentando seduzir Sofia!
Como ele podia fazer aquilo? Roberta explodiu de raiva, seu rosto ficando vermelho de indignação. — Eu sou a esposa de Murilo!
Eu sou a única com direito a esta casa! Sofia, no entanto, manteve a calma, olhando diretamente para Roberta. — Isso não é verdade.
Quem é casada com Murilo sou eu. E, além disso. .
. — ela fez uma pausa dramática — envenenar alguém com uma substância tóxica faz a pessoa perder qualquer direito a uma casa, por mais que seja casada. A sala, até então cheia de tensão, parecia congelar por completo.
Roberta e Fábio ficaram pálidos, suas expressões se transformando instantaneamente em puro pânico. — O quê? — balbuciou Fábio, olhando para Roberta, claramente abalado.
Sofia continuou, sua voz fria e controlada. — Existe um peixe simples cuja toxina, quando administrada corretamente, faz com que a vítima pareça ter um ataque cardíaco. Mas, se dosada de forma errada, apenas coloca a pessoa em um estado de sono profundo, com batimentos cardíacos quase imperceptíveis.
Vocês sabiam disso, não é? Fábio virou-se para Roberta com a voz elevada e cheia de frustração. — Você foi imprudente!
De alguma forma, você nos expôs. Como ela sabe disso? Ninguém saberia, era impossível alguém saber!
— gritou Roberta, desesperada. — Ninguém além de você sabia o que eu fiz! Nesse momento, Sofia começou a rir, uma risada controlada e cheia de malícia.
Ela deu um passo para trás e apontou para a porta. No mesmo instante, Murilo entrou. Roberta ficou de queixo caído, seus olhos arregalados, completamente atônita ao ver Murilo ali, vivo e bem, parado à sua frente.
— Como? — gritou sua voz cheia de choque e descrença. — Como você está vivo?
Ele não respondeu de imediato; apenas olhou para Roberta com uma expressão fria, enquanto Sofia tirava de sua bolsa um pequeno gravador. — Vocês acabaram de se incriminar — disse Sofia calmamente, revelando que tudo que haviam dito estava sendo gravado e transmitido. O olhar de horror nos rostos de Roberta e Fábio era inconfundível; eles sabiam que estavam derrotados.
Roberta tentou avançar na direção de Sofia, mas Murilo se posicionou entre elas, impedindo qualquer ação brusca. — Roberta, acabou — disse Murilo, sua voz firme e sem espaço para apelos. — Eu sei tudo agora.
Você e Fábio vão pagar pelo que fizeram. Roberta balançou a cabeça freneticamente, como se ainda estivesse tentando processar o que estava acontecendo. — Não!
Isso não pode estar acontecendo! Você deveria estar morto! — gritou, suas palavras carregadas de desespero.
Fábio, pálido e sem fala, recuou alguns passos, claramente ciente de que não havia mais como escapar daquela situação. — Nós temos a confissão de vocês — completou Sofia, desligando o gravador e olhando diretamente para Roberta e Fábio. — Vocês não têm mais para onde correr.
Murilo deu um passo à frente, agora com uma expressão de desgosto no rosto. — Eu confiei em você, Roberta, e você me traiu da pior forma possível. Roberta, com lágrimas nos olhos, caiu de joelhos, sua mente finalmente aceitando a realidade cruel que ela mesma havia criado.
Fábio, sem dizer uma palavra, apenas olhou para Murilo e depois para a porta, como se estivesse pronto para aceitar o destino inevitável. — Agora é hora de vocês enfrentarem as consequências — concluiu Murilo, enquanto o som de sirenes se aproximava. Roberta e Fábio ficaram imóveis, sabendo que o fim havia chegado.
Poucos minutos depois, a porta se abriu, e a polícia entrou. Murilo sabia que era tarde demais; ele havia tomado a decisão de contatar a polícia sem que Sofia soubesse. Quando os oficiais chegaram, Murilo entregou-lhes diretamente a gravação da confissão de Roberta e Fábio.
Aquela prova selaria o destino deles. Os policiais entraram na casa com passos firmes, e Roberta e Fábio foram algemados sem resistência. Roberta, ainda em choque ao ver Murilo vivo, mantinha uma expressão de fúria misturada com desespero.
Ao ser conduzida para fora da casa, ela finalmente rompeu o silêncio com palavras cheias de rancor. — Você não tem direito à vida que tem, Murilo! — gritou ela enquanto os policiais a levavam.
— Tudo o que você conquistou foi com o roubo que seu pai fez! Ele roubou minha família e você vive dessa fortuna suja! Murilo a olhou em silêncio.
Sem revidar, as palavras de Roberta o atingiram profundamente, mas ele não conseguia dizer nada. Ela continuava sendo levada, sua voz ecoando cada vez mais distante, até que desapareceu completamente. Quando a noite caiu, Murilo ficou sozinho, sentado na sala agora silenciosa.
Ele não conseguia esquecer as palavras de Roberta. "Roubo. " Essa palavra ecoava em sua mente.
Ele decidiu que precisava saber mais; algo dentro dele pedia por respostas, por clareza. Na manhã seguinte, Murilo se sentou diante do computador e começou a pesquisar mais sobre os negócios e o passado de seu pai. A cada artigo que lia, a cada documento que revisava, sua tristeza aumentava.
Finalmente, ele encontrou o que procurava: o terreno de onde sua família havia tirado grande parte da fortuna era originalmente da família de Roberta. Era um terreno valioso, com petróleo subterrâneo que valia milhões. O pai de Murilo havia utilizado manobras legais e ilegítimas para roubar esse terreno do pai de Roberta.
Condenando sua família à pobreza, sentindo o peso da descoberta, Murilo contou tudo a Sofia. Eles estavam sentados à mesa da cozinha quando ele terminou de relatar a verdade sobre o passado de sua família. — Isso é horrível — disse Sofia, visivelmente chocada.
— Mas isso não justifica o que Roberta fez com você. Não é culpa sua o que seu pai fez. Você não tem que carregar esse peso.
Murilo assentiu, mas a tristeza em seu olhar não desapareceu. — Eu sei, Sofia, mas, de algum jeito, eu sinto que preciso corrigir isso. Sei que não posso mudar o passado, mas se houver alguma forma de compensar pelo que ele fez, eu preciso tentar.
Sofia segurou a mão de Murilo, oferecendo-lhe apoio silencioso. — Você é uma boa — disse ela. — Eu estarei com você.
O importante é que você não se deixe consumir. Por isso, os dias seguintes passaram rapidamente, e o caso de Roberta progrediu na justiça. Ela foi condenada a longos anos na prisão por tentativa de assassinato e conspiração.
Murilo, mesmo sentindo-se aliviado por ter sobrevivido, não conseguia se libertar do sentimento de indignidade que a fortuna herdada lhe trazia. Durante o julgamento de Roberta, algo inesperado chamou sua atenção: havia um garoto de aproximadamente 12 anos sentado no fundo do tribunal, visivelmente abalado. Seus olhos estavam vermelhos de tanto chorar, e ele parecia perdido, sem saber para onde olhar.
Ao perguntar discretamente a um dos seguranças, Murilo descobriu que o garoto era o irmão mais novo de Roberta. Era algo que ela nunca havia mencionado a ele durante o caso. Curioso e tocado pelo estado do garoto, Murilo decidiu investigar mais sobre sua vida.
Descobriu que o menino havia sido criado por tios sem muita assistência ou apoio emocional. Sentindo-se responsável, de alguma forma, pelo sofrimento que sua família havia causado, Murilo tomou uma decisão importante: ele iria garantir que o garoto tivesse o melhor futuro possível. Secretamente, Murilo se aproximou dos tios do menino e ofereceu ajuda financeira.
Ele se comprometeu a bancar os estudos, a faculdade e tudo o que fosse necessário para que o garoto tivesse oportunidades na vida. Era a única forma que ele conseguia encontrar para tentar reparar, ao menos um pouco, o que seu pai havia feito. Mas, ao mesmo tempo, Murilo sabia que também precisava agradecer a Sofia por tudo que ela havia feito por ele.
Sem sua coragem e astúcia, ele não teria conseguido. Em um certo dia, ele a chamou para um jantar especial e ofereceu-se para ajudá-la financeiramente, pagando por sua faculdade ou qualquer outra coisa que ela precisasse. Mas Sofia, com um sorriso gentil, recusou: — Eu não fiz isso por recompensa, Murilo — disse ela, olhando nos olhos dele.
— Eu fiz isso porque era isso que eu queria fazer, e eu me importo com você. Não preciso de nada em troca, além de ver você bem. A recusa de Sofia em aceitar qualquer ajuda aumentou ainda mais a admiração de Murilo por ela.
Ele já nutria um carinho especial por Sofia, mas naquele momento percebeu que seus sentimentos iam além da gratidão. Eles se tornaram grandes amigos e, com o tempo, essa amizade naturalmente evoluiu para algo mais. Poucos meses depois, estavam namorando, unidos não apenas pela experiência traumática que viveram juntos, mas também pela afinidade e pelo desejo de fazer o bem ao próximo.
Juntos, decidiram que queriam usar a fortuna de Murilo para algo significativo. Foi então que surgiu a ideia de abrir uma associação para ajudar pessoas carentes. Com o apoio de Sofia, Murilo transformou a culpa e o peso de sua herança em uma força para o bem.
Eles fundaram uma instituição que ajudava famílias em situações de pobreza, proporcionando acesso à educação, cuidados médicos e moradia. Essa se tornou a missão de suas vidas, e juntos eles encontraram uma maneira de transformar dor e injustiça em uma fonte de esperança para os outros.