Reverendíssimo Padre, queridas irmãs, hoje nós celebramos a festa de São Gabriel da Virgem Dolorosa, um jovem que entregou sua vida a Deus. Ele nasceu em 1838 e, aos 4 anos de idade, perdeu a sua mãe. Era o décimo filho de uma família de 13 filhos; seu pai era um homem de confiança do Santo Padre e governador de uma cidade dos Estados Pontifícios.
Portanto, a família era uma família de posses e o jovem Francisco, exato nome de batismo, já desde a infância se destacou pela sua vivacidade e pelo seu espírito de alegria, por ser alguém que vive a vida de maneira intensa. Foi estudar no colégio dos Jesuítas. Muito inteligente, todos o apreciavam; ele tinha também uma grande beleza e, dentro daquilo que é lícito, uma espécie de playboy, no sentido de que ia às festas, aos bailes, gostava de caçar e, desde muito novinho, aprendeu a atirar.
Ele era muito hábil com as armas, então não era muito devoto, não tinha grande espiritualidade. Ficou doente duas vezes; nas duas vezes, ele pediu a Deus a graça da recuperação e prometeu que iria se consagrar ao serviço divino, mas, nas duas vezes, ele esqueceu da promessa. Um dia, quando ele tinha cerca de 18 anos, estava apaixonado por uma moça.
A paixão era recíproca, essa moça gostava muito dele e também era de uma excelente família; estava mais ou menos tudo certo para os dois casarem, serem felizes nesse mundo, terem uma família etc. Ele adoeceu e, da janela da sua casa, viu uma procissão de Nossa Senhora das Dores. A procissão passou na frente da casa dele e, na hora que a imagem passou pela janela, ele se sentiu olhado por ela e escutou no seu coração uma voz que lhe dizia: "Gabriel, o que fazes no mundo?
Tu não foste feito para o mundo. " E aí ele teve a sua verdadeira conversão, uma conversão com profundas raízes marianas, porque ele passará o resto de sua vida numa intimidade profunda com Nossa Senhora das Dores. Ele dizia que as dores de Maria eram o seu maior tesouro.
Ora, de 18 anos e meio a 24 anos, que foi quando morreu em 1862, são apenas 6 anos, mas, naqueles 6 anos, ele fez um verdadeiro mergulho na espiritualidade passionista, na espiritualidade da Paixão, através de Nossa Senhora. Isso é impressionante, porque há um episódio da vida dele, em 1860, quando uns mercenários invadiram a cidade. Ele pediu autorização superior para defender a cidade, então foi armado pela rua.
Os mercenários acharam engraçado um jovem sozinho, um jovenzinho, enfrentá-los. Um deles estava começando a estuprar uma mulher, então ele sacou a arma e mandou o homem largar a mulher. O homem ficou um pouco atônito, porque ele estava armado; como assim?
Achavam até que não fosse uma arma de verdade. Aí veio um outro mercenário para defender o colega. Enquanto o outro vinha, passou uma lagartixa, e São Gabriel da Virgem Dolorosa se assustou.
Ele pegou o revólver e, em um movimento rapidíssimo, acertou a lagartixa com a pontaria perfeita. Os homens ficaram com medo e disseram: "Bom, se ele consegue matar uma lagartixa, quanto mais um homem crescido. " Isso mostra o quanto São Gabriel da Virgem Dolorosa, humanamente, tinha todas as razões para seguir uma vida de sucesso e felicidade na terra.
Mas, quando ele descobriu a pérola preciosa, ele largou tudo e mergulhou nas dores de Maria Santíssima. Isso é uma coisa grandiosa. Por São Paulo da Cruz, no seu processo de canonização, o postulador diz que ele não apenas passou pela santidade pela porta estreita da santidade, mas ele cavou o túnel da santidade com as suas próprias mãos, para que os seus filhos pudessem passar por meio dele.
Por que o postulador disse isso? Porque o caminho da santidade necessariamente passa por uma assimilação de Jesus Cristo, da humanidade santíssima de Cristo; e, quando a humanidade santíssima de Cristo se manifestou com toda a sua realidade no mistério da cruz, é quando, na sua Paixão, ele sofreu, como exatamente diz o profeta Isaías: "Homem das Dores. " É por isso que os santos sempre se concentraram muito no mistério da cruz.
São Domingos, por exemplo, nos seus nove modos de orar, sempre rezou diante da cruz; os santos do Carmelo, para dizer São João da Cruz, sempre se concentram e mergulham no Cristo crucificado. E esse é um princípio permanente. Por quê?
Porque, para chegar à alta contemplação, só Deus pode nos conduzir. E, quando o homem se atreve a invadir a intimidade divina sem ter sido chamado, ao invés de avançar na intimidade divina, ele encontra um rechaço profundo da graça. O Salmo diz que a intimidade do Senhor é para os que o temem.
Ora, por isso que, até que Deus nos busque e nos leve para a contemplação dos altos mistérios, a contemplação viva da fé, nós precisamos mergulhar com todas as nossas forças em Cristo. E quem consegue se concentrar no sofrimento do Senhor, digamos, na escuridão da sua Paixão, que mergulha profundamente numa vida de penitência, numa vida de morte, quem realmente vai com tudo nesse abismo será mais rapidamente chamado por Deus, quando estiver purificado. Porém, isso é muito difícil, é muito difícil mergulhar nas dores de Cristo porque nós somos fracos.
Então, existe um caminho que é mais simples. Esse caminho chama-se Maria. Há uma autora espiritual chamada, agora esqueci o nome dela completo, tanto faz, uma religiosa flamenga do século X, que escreveu um livro chamado "A União Mística com Maria", e ela dizia que a humanidade de nosso Senhor é como um sol.
Quem consegue olhar para o sol? Ficar olhando para o Sol é muito difícil porque você queima os seus olhos. É o que A Paixão de Cristo produz em nós, mas ela diz: podemos contemplar a luz do Sol refletida na Lua.
E aí, a contemplação, ao invés de ser amarga, se torna suave e doce. Portanto, quando nós mergulhamos nas dores de Jesus através das Dores de Maria, esse caminho de santidade se torna mais fácil, porque ela é um reflexo perfeito dele. Ela nos conduz a Ele.
É a luz dele que, refletindo nela, aparece um grande sinal no céu: uma mulher como que vestida de Sol. A luz do Sol brilha nela, mas a luz dela é a luz dele. As dores dela são as dores dele, a paixão dela é compaixão com ele.
Então, todos nós podemos mergulhar na devoção. São Gabriel da Virgem Dolorosa dizia que aquele que pretende chegar à santidade sem Maria é como alguém que pretende voar sem ter asas. Ele também diz que Maria Santíssima tem uma especial predileção e misericórdia pelos pecadores, porque ela é o seu refúgio.
Portanto, cheguemos à nossa Senhora e renovemos a nossa dependência de Maria; ela nos levará mais facilmente ao seu Filho. Uma religiosa que estava passando por uma grande Noite Escura já não sabia mais como sair daquilo. Quando, um dia, ela teve a inspiração de se consagrar à nossa Senhora.
E, daí a poucos dias, ela passou por aquela provação espiritual e chegou a uma grande união com Deus. Essa freira, cujo nome não me lembro agora, contou isso ao padre Olivier, que foi o fundador da Congregação de São Sulpício. Os padres cuidam de seminários; essa é a vocação deles.
E justamente o padre Olivier foi aquele em cujo seminário São Luís Maria Grignion de Montfort estudou. Ele aprendeu, por causa da experiência dessa religiosa, os frutos da verdadeira consagração e dependência de Maria Santíssima. Vamos pedir, portanto, a ela, olhando para o exemplo de São Gabriel da Virgem Dolorosa e pedindo-lhe a sua intercessão, que nós não nos afastemos jamais do seu Imaculado e Doloroso Coração, das suas lágrimas.
Como hoje nós estamos tão acostumados por essa devoção especial a Nossa Senhora das Lágrimas, as lágrimas de Maria, as dores de Maria, aquilo que ela sofreu, que nós possamos mergulhar aí e, mais rapidamente, nós chegaremos à perfeita união com seu Filho.