O milionário ficou paralisado ao entrar no restaurante de luxo e se deparar com sua ex-mulher, que ele havia abandonado há 23 anos, acompanhada de um jovem que era idêntico a ele. Otávio e Natália se conheceram de um jeito bem casual, como muitas pessoas se conhecem na faculdade; não foi nada planejado e nem daqueles encontros que parecem mágicos, mas sim uma daquelas coincidências da vida que mudam o rumo das coisas sem ninguém perceber. Eles estavam em mundos completamente diferentes, embora estudassem no mesmo lugar. Otávio era o tipo de pessoa que chamava atenção: alto, sempre com
a cabeça cheia de ideias e ambições. Ele tinha planos bem definidos para o futuro; desde cedo, já sabia o que queria da vida: sucesso, dinheiro e uma carreira brilhante. Ele era o cara das metas, dos objetivos traçados; aquele que parecia já ter planejado cada passo que daria nos próximos 5 anos. Natália, por outro lado, era o oposto disso. Não que ela não tivesse sonhos: ela tinha, claro, mas era mais tranquila, não se cobrava tanto e vivia o presente de forma mais leve. Enquanto Otávio já visualizava o dia em que teria uma empresa própria, com seu
nome gravado na porta, Natália pensava em se formar e encontrar um trabalho que a deixasse feliz - sem tanta pressa. Ela era mais centrada nas pequenas coisas, gostava de momentos simples e aproveitava cada dia ao máximo, sem aquela ânsia por controle que Otávio exibia o tempo todo. Eles não pareciam pessoas que se encontrariam em uma festa ou em um grupo de estudos; na verdade, viviam em bolhas bem diferentes na faculdade. Ele, com o pessoal mais engajado em debates acalorados sobre o futuro do mercado de trabalho, enquanto ela preferia ficar com amigos mais calmos, rindo de
assuntos do cotidiano, sem se estressar tanto com o que viria pela frente. O primeiro encontro entre eles aconteceu por pura coincidência. Otávio estava saindo apressado de uma palestra sobre empreendedorismo, com a cabeça cheia de ideias, quando trombou em Natália no corredor. Ela estava distraída, mexendo em seu celular, e o choque foi inevitável: livros caíram no chão, um copo de café quase virou e os dois se olharam com surpresa. Natália, de imediato, sorriu, pedindo desculpas com aquele jeito doce que sempre a acompanhava. Otávio, ainda que meio irritado pela pressa, não conseguiu evitar um sorriso de volta.
Alguma coisa naquela garota o fez parar por um segundo; talvez tenha sido o sorriso sincero ou, quem sabe, o contraste tão grande com seu mundo cheio de pressão e correria. Os dias seguintes foram como um filme clichê de faculdade: eles começaram a se encontrar casualmente nos corredores, depois nas bibliotecas, e, sem perceber, estavam passando mais tempo juntos. O contraste entre eles, que no início parecia uma barreira, acabou se tornando um motivo de aproximação. Otávio, acostumado a falar sempre de metas e desafios, ficou intrigado com a leveza de Natália. Ela não era uma pessoa despreocupada ou
irresponsável, mas sabia viver de forma mais serena, e isso fascinava. Ela o fazia esquecer, nem que fosse por algumas horas, o peso de suas próprias ambições; com ela, ele se permitia ser um pouco mais leve também. Natália, por sua vez, se encantou pelo jeito determinado de Otávio; enquanto ela, muitas vezes, deixava a vida seguir seu curso, ele tinha aquela energia de quem parecia saber exatamente o que fazer em cada situação. Ele a inspirava a ser um pouco mais focada em seus próprios sonhos, e o equilíbrio que eles traziam um ao outro logo virou a base
de um relacionamento. Eles começaram a passar cada vez mais tempo juntos, e o que era uma amizade casual foi se transformando em algo mais profundo. Até que, em uma tarde qualquer, entre risadas e conversas sobre o futuro, o inevitável aconteceu: eles se beijaram. O namoro de Otávio e Natália era, de fato, cheio de contrastes: ele, com sua agenda sempre cheia e suas conversas sobre oportunidades e crescimento; e ela, com a calmaria de quem aprecia uma boa conversa sobre qualquer coisa, sem pressa. Isso, no começo, funcionou bem. Otávio se sentia um pouco mais relaxado perto de
Natália, e ela, por sua vez, gostava de estar com alguém que a incentivava a sonhar mais alto. Eles se completavam de um jeito único, e por um tempo isso foi suficiente para manter o relacionamento estável. No entanto, conforme o tempo foi passando, as diferenças começaram a pesar. Para Otávio, era uma questão de futuro; ele vivia para almejar o sucesso, e cada pequeno passo era uma peça fundamental para que isso se concretizasse. Já Natália não entendia por que ele se cobrava tanto; para ela, as coisas podiam acontecer em seu próprio ritmo, sem tanta pressão. Essa diferença
de visão de mundo começou a criar pequenas frustrações entre eles. Ela sentia que ele nunca estava presente de verdade, sempre pensando no próximo passo, na próxima grande oportunidade. Ele, por sua vez, achava que Natália não tinha a mesma ambição que ele, e isso começou a incomodá-lo. Mesmo assim, eles continuaram juntos, tentando fazer dar certo, acreditando que o amor poderia superar essas diferenças. Mas a verdade é que, no fundo, eles queriam coisas muito diferentes da vida. Enquanto Otávio enxergava o futuro como uma estrada cheia de desafios a serem vencidos, Natália via o presente como algo a
ser apreciado. Ela queria viver o momento; ele queria construir um império. E, por mais que tentassem, essa disparidade começou a criar uma distância entre eles. O momento decisivo, no entanto, veio com a descoberta da gravidez de Natália. Aquela notícia, que para ela foi um misto de surpresa e alegria, para Otávio representou o maior dos obstáculos. Um filho, naquele momento, era tudo que ele não queria; era um peso, uma responsabilidade que ele não estava disposto a assumir, pelo menos não enquanto sua carreira estava só começando. Para ele, a chegada de um filho significava o fim de
seus planos, o abandono de seus sonhos e isso... Era inaceitável. Sem pensar duas vezes, Otávio tomou a decisão que mudaria suas vidas para sempre. Ele foi embora sem grandes explicações, sem conversas longas; simplesmente desapareceu. Pediu transferência para outra faculdade e se mudou para uma cidade distante. Assim, aquela história de amor que começou de maneira tão leve e casual se transformou em uma experiência dolorosa para Natália. Otávio seguiu em frente, focado em sua carreira, deixando para trás o passado, enquanto Natália, agora sozinha, teria que lidar com as consequências daquela relação. Ela tentou se comunicar de todas
as formas: ligava, mandava mensagens, procurava pelas redes sociais, mas parecia que Otávio havia desaparecido do mapa. O fone dele não chamava mais e suas contas nas redes sociais estavam todas desativadas. Para Natália, era como se ele tivesse decidido apagar completamente qualquer vestígio de que um dia fez parte da vida dela. O que doía mais era que ela não conseguia entender o porquê. Eles tinham problemas, sim, mas nada parecia grande o suficiente para justificar um sumiço tão abrupto, ainda mais depois da descoberta da gravidez. Ela sabia que Otávio não estava preparado para ser pai, mas nunca
imaginou que ele pudesse simplesmente fugir. Os dias passaram e a ficha começou a cair. Ela estava grávida, sozinha, e sem qualquer suporte de Otávio. A tristeza deu lugar ao medo e o medo, à angústia. O que ela faria? Como criaria essa criança sem ele? Como lidaria com tudo isso? As dúvidas martelavam na cabeça de Natália enquanto sua barriga começava a crescer. Ela sabia que, em breve, não conseguiria esconder a gravidez e teria que contar ao seu pai, Carlos, que sempre foi muito rígido com ela. Ele sempre esperou o melhor da filha; que tivesse uma vida
estável, seguisse a faculdade e construísse uma carreira antes de qualquer coisa. A ideia de engravidar tão jovem e fora de um casamento estava completamente fora de questão para ele. Quando finalmente contou ao pai, a reação dele foi pior do que Natália esperava. Carlos ficou furioso; ele gritava, gesticulava, dizendo que ela havia jogado sua vida fora, que não poderia aceitar o que ela havia feito. Ele exigia saber quem era o pai, mas Natália, ainda magoada e envergonhada, não conseguiu contar toda a verdade. Na cabeça de Carlos, ela havia tomado a pior decisão possível, e ele não
queria ver a filha cometer mais erros. Em uma explosão de raiva, ele fez o que Natália jamais esperava: a expulsou de casa, sem mais nem menos. Ela foi forçada a arrumar suas coisas e sair. Não havia lugar para ela ali. Agora, além de estar lidando com o abandono de Otávio, Natália também estava sozinha no mundo, sem o apoio do pai. Foi nesse momento que a realidade a atingiu com toda a força. Ela precisaria ser forte, não por ela, mas pelo filho que estava por vir. Ela não sabia como faria isso, mas uma coisa era certa:
ela não ia desistir. Não importava o quanto o mundo estivesse desmoronando ao redor dela. Natália estava determinada a dar à luz essa criança e criá-la com todo o amor que pudesse oferecer. Ela não tinha mais ninguém, mas já estava decidida a lutar por aquele pequeno ser que crescia dentro dela. Por um tempo, Natália conseguiu a ajuda de uma amiga, Maria, que lhe ofereceu um lugar para ficar. Não era a situação ideal, mas foi um alívio temporário. Maria acolheu-a em um quarto pequeno na casa dela, onde Natália podia respirar um pouco e tentar entender como seria
o próximo passo. As duas conversavam muito sobre o que Natália estava passando, e Maria tentava tranquilizá-la, dizendo que, de alguma forma, tudo daria certo. Mas, aos poucos, a situação foi ficando insustentável. A casa de Maria era pequena e, com o tempo, ela começou a sentir o peso de sustentar a amiga, além das próprias responsabilidades. Natália sabia que não poderia ficar ali para sempre, e, por mais que Maria fosse solidária, chegou o momento em que ela teve que pedir que Natália procurasse outro lugar. Foi aí que o desespero bateu. Sem ter para onde ir e sem
dinheiro, Natália sabia que precisava encontrar um emprego, e rápido. Mas quem iria contratar uma mulher grávida? Ela já estava com a barriga começando a aparecer e, a cada porta que batia, parecia que as coisas ficavam mais difíceis. Foram várias tentativas frustradas até que, finalmente, conseguiu um trabalho como faxineira em uma escola do bairro. Não era o que ela sonhava para si, muito menos o que havia planejado quando entrou na faculdade, mas naquele momento era o que ela tinha, e isso era o suficiente. O emprego era cansativo, especialmente com o peso da gravidez aumentando a cada
dia, mas Natália se agarrava a ele como uma tábua de salvação. Era o único jeito de conseguir dinheiro para se sustentar e, eventualmente, arrumar um lugar para morar. Com o salário que recebia, conseguiu alugar um pequeno apartamento. O lugar era simples, bem longe de qualquer luxo, mas era seu. Pela primeira vez, desde que foi expulsa de casa, Natália sentiu que estava construindo algo por conta própria, e isso lhe deu uma sensação de controle sobre sua própria vida. Com o tempo, a rotina de trabalho começou a fazer parte da vida dela, mas as preocupações nunca deixavam
sua cabeça. O filho estava quase chegando e ela ainda tinha muitas dúvidas sobre como seria o futuro. Cada movimento do bebê dentro de sua barriga lembrava que a vida estava prestes a mudar de forma definitiva. Mas, mesmo assim, Natália mantinha-se firme. Não importava o que tivesse que enfrentar, ela estava pronta para ser mãe. E foi em um dia de muita chuva que as coisas tomaram um rumo inesperado. Estava no trabalho, fazendo o que fazia todos os dias, quando sentiu uma dor estranha. A princípio, ignorou, pensando que era apenas o cansaço, mas as dores começaram a
se intensificar. Então, ela percebeu que algo... Mais sério, estava acontecendo: sua bolsa havia estourado. O pânico tomou conta por um segundo, mas logo colegas de trabalho vieram em seu auxílio e a levaram rapidamente para o hospital. Aquele era o momento que ela esperava há tanto tempo e, ao mesmo tempo, o que mais a assustava. Mas ela não estava mais sozinha; a criança estava prestes a chegar. No hospital, tudo aconteceu de forma rápida. Natália deu à luz a um menino saudável que ela chamou de Paulo. Quando o médico colocou o bebê em seus braços, todas as
dúvidas e medos que ela tinha até aquele momento pareceram desaparecer. Naquele instante, ela soube que, apesar de todas as dificuldades, tudo que ela enfrentou valeu a pena. Paulo era sua razão para continuar lutando e, embora estivesse sozinha em muitos aspectos, naquele momento ela não se sentia mais assim; ela tinha Paulo e isso era tudo que importava. A partir desse dia, a vida de Natália mudou completamente. Ela ainda tinha muito a enfrentar, mas agora tinha um motivo maior para seguir em frente. Cada decisão que ela tomava era para garantir o bem-estar do filho. Criar Paulo sozinha
não seria fácil, mas ela estava preparada para isso. A luta estava longe de acabar, mas com Paulo nos braços, Natália sentia que poderia enfrentar qualquer coisa. Depois de sair do hospital, a rotina de Natália mudou completamente. Os primeiros meses foram difíceis, como qualquer mãe de primeira viagem pode imaginar. Paulo acordava de madrugada, chorando sem parar, e Natália, exausta, mal sabia como lidar com todas as responsabilidades que vinham com o recém-nascido. As noites eram longas e as horas de sono eram curtas. Muitas vezes, ela se pegava olhando para ele no berço, perguntando como seria capaz de
dar conta de tudo, mas, ao mesmo tempo, cada pequeno gesto de Paulo fazia tudo valer a pena: o primeiro sorriso dele, as pequenas mãozinhas agarrando os dedos dela, o som suave da respiração enquanto ele dormia; tudo isso enchia o coração de Natália de esperança. Ela sabia que o caminho à frente seria cheio de desafios, mas cada olhar de Paulo a lembrava de que ela era capaz. E foi assim que, pouco a pouco, ela foi encontrando maneiras de seguir em frente. O trabalho como faxineira na escola foi o que manteve as contas pagas e o teto
sobre a cabeça deles. Não era fácil equilibrar as responsabilidades de ser mãe solteira com o trabalho. Todos os dias, Natália acordava cedo, deixava Paulo com uma vizinha de confiança e ia trabalhar, limpando salas de aula, corredores e banheiros. O cansaço era enorme, mas ela sabia que aquele emprego era sua única chance de dar uma vida digna ao filho. A escola onde ela trabalhava era simples, com alunos de diferentes idades, mas aquele ambiente acabou se tornando um refúgio para Natália. Ali, ela encontrava uma rotina e um propósito, e mesmo em meio à exaustão, ela se sentia
grata por ter uma forma de sustentar a si mesma e ao filho. Com o passar do tempo, Paulo foi crescendo. Cada nova etapa era uma vitória para Natália. Ela lembra até hoje do dia em que ele deu os primeiros passos. Paulo estava no chão da sala, tentando se levantar com as perninhas ainda frágeis. Natália observava, com o coração na boca, como se o tempo tivesse parado. Então, ele se ergueu, cambaleante, e deu três passinhos em direção a ela, com um sorriso enorme no rosto. Ela caiu de joelhos para abraçá-lo, as lágrimas escorrendo pelo rosto de
tanta emoção. Aquele pequeno momento significava muito mais do que apenas o fato de Paulo ter começado a andar. Para Natália, era uma prova de que, apesar de todos os desafios, eles estavam seguindo em frente juntos. Com o tempo, as dificuldades continuaram, mas Natália se acostumou a enfrentar uma barreira por vez. Havia meses em que o dinheiro mal dava para pagar o aluguel e comprar comida, mas ela sempre encontrava uma maneira de fazer o dinheiro esticar. Ela se privava de muita coisa, mas nunca deixava faltar nada para Paulo. Quando pequeno, ele ficava doente; Natália fazia de
tudo para que ele tivesse o melhor cuidado, mesmo que isso significasse abrir mão de algum outro gasto. Ela sabia que seu filho era sua prioridade e estava disposta a fazer qualquer sacrifício para garantir que ele crescesse saudável e feliz. Os anos foram passando e a relação entre Natália e Paulo se fortalecia a cada dia. Eles eram mais do que mãe e filho; eram uma equipe, uma dupla inseparável. Paulo crescia sabendo que a mãe estava sempre ali por ele e, desde pequeno, aprendeu a valorizar o esforço que Natália fazia para que eles tivessem uma vida digna.
Mesmo nas situações mais difíceis, ela sempre encontrou uma forma de manter a calma e passar segurança para o filho. Era como se, para Paulo, Natália fosse uma super-heroína; ele a via como a pessoa mais forte e determinada do mundo, e isso o inspirava todos os dias. Quando Paulo entrou na escola, foi um marco importante para os dois. Natália sentia um misto de orgulho e apreensão; sabia que aquele era o início de uma nova fase para ele, mas também estava nervosa com a possibilidade de que Paulo sentisse a ausência de um pai, algo que temia desde
o nascimento dele. Porém, Paulo pareceu lidar com isso melhor do que ela esperava. Ele nunca foi o tipo de criança que ficava perguntando muito sobre o pai. De vez em quando, ele fazia alguma pergunta, mas Natália, tentando protegê-lo da dor, respondia de forma vaga, desviando o assunto. Com o tempo, Paulo parou de perguntar. A educação sempre foi uma prioridade para Natália. Mesmo com os poucos recursos que tinham, ela fazia questão de que Paulo tivesse os materiais necessários para estudar e que nunca faltasse a uma aula. Paulo, por sua vez, se dedicava desde cedo. Ele demonstrou
ser um garoto inteligente e curioso, sempre. Interessado em aprender mais, Natália sabia que a chave para o futuro dele estava na educação, e ela fazia o possível para garantir que Paulo tivesse todas as oportunidades que ela mesma não teve. Ele era um garoto esforçado, e ela via nele um potencial enorme. Cada vez que ele voltava da escola com uma boa nota ou com uma nova conquista, o coração de Natália se enchia de orgulho. Ao longo dos anos, a vida de Natália continuou cheia de altos e baixos, mas ela nunca perdeu o foco. Sua jornada de
superação era constante, e cada desafio que surgia era enfrentado com a mesma determinação. Paulo crescia, e com ele a certeza de que todo sacrifício valia a pena. Para Natália, ver o filho se desenvolver, se tornar um jovem responsável e estudioso, era a maior recompensa que ela poderia ter. Quando Paulo chegou à adolescência, ele começou a entender melhor os sacrifícios que Natália havia feito por ele. Ele via o quanto ela trabalhava, o quanto ela se dedicava, e começou a sentir uma profunda gratidão. Paulo não queria decepcioná-la; ele sabia que todo o esforço dela tinha um único
objetivo: garantir que ele tivesse uma vida melhor, e isso o motivava a continuar se esforçando nos estudos e a buscar sempre o melhor para o futuro deles. O momento mais emocionante para Natália aconteceu quando Paulo terminou o ensino médio e foi aceito na faculdade de engenharia. Ela mal podia acreditar: o menino que ela criou sozinha, o bebê que ela trouxe ao mundo em meio a tantas dificuldades, agora estava prestes a se formar em uma área tão prestigiada. Foi uma vitória não apenas para Paulo, mas para os dois. Natália sentia que todo o sacrifício, todo o
esforço, todas as noites sem dormir tinham valido a pena. E assim, enquanto Paulo avançava em sua vida acadêmica, Natália continuava com o mesmo espírito batalhador. Ela nunca deixou de trabalhar, de lutar, de se superar a cada dia. Seu foco sempre foi, claro, dar a Paulo o melhor futuro possível. Cada conquista dele era uma vitória para ela também, e mesmo que o caminho tivesse sido cheio de obstáculos, ela sabia que havia feito tudo o que podia para criar um homem bom, responsável e grato. Para Natália, isso era tudo. Era um dia comum para Otávio Bezerra, empresário
de sucesso com uma agenda lotada de compromissos. Ele havia voltado à sua cidade natal, um lugar que não visitava havia anos, principalmente depois de ter construído sua carreira longe dali. Para ele, voltar a essa cidade trazia lembranças misturadas: parte dele se orgulhava de ter deixado aquele lugar pequeno para trás, mas outra parte preferia não pensar muito no que tinha deixado, principalmente em relação a Natália. Aquela história ficou enterrada há mais de duas décadas, e ele fez questão de seguir sua vida sem olhar para trás. De qualquer forma, ele estava de volta por causa de um
evento de negócios importante. Depois de um longo dia de reuniões, decidiu que merecia um jantar em um dos melhores restaurantes da cidade. Mesmo tendo viajado o mundo e comido nos restaurantes mais finos, havia algo reconfortante em jantar naquele lugar elegante, com uma atmosfera que o fazia sentir-se em casa, mesmo que fosse temporariamente. Ele entrou no restaurante, foi conduzido até uma mesa reservada e, como de costume, pediu o melhor vinho do cardápio, já se preparando para saborear uma refeição tranquila, pensando nos negócios que fechara naquele dia. Enquanto esperava, algo chamou sua atenção no canto do restaurante:
uma mulher de meia-idade conversava animadamente com um jovem que parecia ter pouco mais de 20 anos. Ela estava sorrindo, e o jovem sentado à sua frente parecia estar fazendo piadas, porque ela ria a todo momento. Havia algo naquela mulher que fez Otávio congelar, mesmo à distância; algo no jeito dela era familiar demais para ser ignorado. Ele apertou os olhos, observando-a com mais atenção, tentando ligar os pontos. Então, o choque veio como um soco no estômago: era a Natália. Ele ficou sem reação por alguns segundos, o garfo suspenso no ar antes de pousar de volta no
prato. O tempo parecia parar por um momento, e sua mente começou a correr com memórias que ele tinha enterrado muito fundo. Há mais de 20 anos, ele havia abandonado Natália de uma forma que nunca teve coragem de explicar ou se justificar. Foi covarde. Sabia disso. Quando ela disse que estava grávida, ele fugiu. Simples assim. Ele sumiu da vida dela, sem deixar rastros, trocando de faculdade, de cidade e apagando qualquer possibilidade de contato. Na época, ele só conseguia pensar na própria carreira, no próprio futuro, e a ideia de ser pai parecia uma ameaça direta a tudo
que ele queria conquistar. Mas agora, vendo Natália ali, ele sentiu uma mistura estranha de sentimentos. Ela estava mais velha, claro, mas ainda tinha aquela beleza serena que sempre o cativou. O sorriso dela era o mesmo, talvez um pouco mais suave, menos despreocupado, mas ainda assim encantador. Mas o que mais chamou a atenção de Otávio foi o jovem sentado com ela. Ele se parecia com alguém que Otávio conhecia muito bem: ele mesmo. O sangue de Otávio gelou. O rapaz tinha os mesmos traços que ele, o mesmo queixo, o mesmo formato de rosto. Era como olhar para
uma versão mais jovem de si mesmo, e a ficha caiu de uma vez: aquele só podia ser seu filho. Otávio sentiu o peso da realidade desmoronar sobre ele. O filho que ele abandonou ainda no ventre de Natália estava sentado ali, em frente a ela, como um homem feito, e ele não fazia ideia de como processar aquilo. Do outro lado do salão, Natália ainda não havia notado a presença de Otávio. Ela estava completamente envolvida na conversa com Paulo, seu filho, que havia acabado de levá-la para um jantar especial de aniversário. Eles estavam comemorando seus 43 anos,
e Paulo, como sempre fazia, de... tudo para que a mãe tivesse o melhor dia possível. Ele sempre admirou a força de Natália, o quanto ela lutou sozinha para criá-lo e, por isso, fazia questão de retribuir o amor e esforço: pequenos gestos como aquele jantar. Então, no meio de uma risada, Natália finalmente olhou em volta e seus olhos se encontraram com os de Otávio. O sorriso dela desapareceu instantaneamente e o ar pareceu ser sugado da sala. Paulo, no semblante da mãe, percebeu que havia algo errado. Natália não conseguiu responder de imediato. Depois de mais de duas
décadas, Otávio estava ali, a poucos metros de distância, olhando diretamente para ela. Aquele homem que ela tanto amou e que abandonou sem explicações agora estava de volta como um fantasma do passado. A reação de Natália foi uma mistura de raiva e dor; ela não estava preparada para ver Otávio de novo, não depois de tudo o que passou sozinha, não depois de ter criado Paulo sem o apoio de ninguém, sem nenhuma palavra ou ajuda daquele que deveria ter sido o pai do seu filho. As emoções começaram a transbordar e, Paulo, percebendo que algo sério estava acontecendo,
virou-se para ver o que tanto incomodava sua mãe. Quando Paulo olhou para Otávio, foi como se uma eletricidade invisível passasse pelo ar. Ele não sabia quem era aquele homem, mas de alguma forma sentiu uma conexão estranha, como se já o conhecesse. Claro, ele não tinha como saber de imediato, mas algo dentro dele o deixou inquieto. Natália, ainda lutando contra as lágrimas, se levantou da mesa; não dava para encarar aquela situação de frente, não naquele momento. Ela pediu a Paulo que pagasse a conta rapidamente, mas antes que eles pudessem sair, Otávio se levantou e se aproximou.
“Natália…” ele disse, a voz engasgando um pouco, mas ela o cortou imediatamente. “O que você está fazendo aqui?” A raiva era palpável em sua voz. O rosto dela estava pálido, mas os olhos brilhavam com um misto de ódio e dor reprimida. Paulo olhava de um para o outro, confuso, sem entender exatamente o que estava acontecendo. “Mãe, quem é esse homem?” ele perguntou, a voz mais baixa, quase com medo da resposta. Natália respirou fundo, ainda encarando Otávio. Ela não queria responder, não queria que Paulo soubesse, ali naquele restaurante, em meio a estranhos, quem era Otávio, mas
já era tarde demais. O silêncio que seguiu a pergunta foi revelador e Paulo começou a juntar as peças sozinho. Otávio, por sua vez, não sabia o que dizer. Ele havia passado tanto tempo ignorando aquela parte de sua vida que agora, de repente, confrontado com seu passado, sentia-se completamente perdido. Ele queria dizer algo, pedir desculpas, explicar o inexplicável, mas as palavras não vinham. Paulo, percebendo o constrangimento da situação, se virou para a mãe mais uma vez, agora com um tom mais sério. “Esse é o meu pai, não é?” Natália, incapaz de negar, simplesmente assentiu com a
cabeça, os olhos marejados. O silêncio que se seguiu após a confirmação de Natália foi sufocante. Paulo, que até aquele momento estava incrivelmente confuso, agora se via diante de uma realidade que ele nunca tinha imaginado. Otávio, o homem que estava ali de pé, era seu pai, um homem que ele nunca havia visto, que nunca fez parte da sua vida e que, até então, era um completo desconhecido. A mente de Paulo começou a correr em mil direções. Ele sempre imaginou como seria encontrar seu pai, mas nunca desse jeito, nunca em um momento tão estranho e desconfortável. A
tensão estava no ar e ele não sabia se gritava, chorava ou simplesmente ia embora dali. Natália estava de pé ao lado de Paulo, ainda em choque, sem saber como lidar com a situação. Ela havia passado tanto tempo escondendo aquela verdade, tentando proteger Paulo da dor de saber que seu pai o havia abandonado antes mesmo de nascer, que nunca tinha se preparado para esse momento e agora estava acontecendo, sem aviso, sem escolha. Otávio, parado à sua frente, parecia tão perdido quanto ela. O homem confiante e poderoso que ele costumava ser agora estava com a expressão de
alguém completamente desarmado, sem saber o que dizer ou como justificar suas ações do passado. Paulo quebrou o silêncio primeiro. “Então, você é o meu pai?” ele perguntou, a voz tremendo um pouco. “É isso? Depois de todos esses anos, você só aparece assim como se nada tivesse acontecido?” Otávio deu um passo à frente, mas hesitou antes de responder. Ele sabia que não havia nada que pudesse dizer para consertar o que fez, mas precisava tentar. “Paulo, eu sei que errei. Eu sei que nada do que eu disser vai mudar o que aconteceu, mas por favor, me deixe
explicar.” A raiva começou a tomar conta de Paulo. Ele olhou para Natália, que ainda estava com os olhos cheios de lágrimas, e aquilo só aumentou sua revolta. Ele passou a vida inteira vendo sua mãe lutar, se sacrificar por ele, enquanto esse homem que agora estava ali na sua frente tinha seguido com sua vida, sem olhar para trás, e agora ele queria explicar. Paulo não conseguia entender como alguém poderia simplesmente abandonar um filho daquela maneira. “Explicar? Você quer me explicar o que exatamente?” Paulo disparou, com a voz subindo. “Que você sabia que eu existia e escolheu
me deixar para trás? Que você deixou a minha mãe sozinha para criar um filho sem ajuda? Que você estava por aí vivendo sua vida enquanto ela estava aqui batalhando todos os dias para que eu pudesse ter uma vida digna? O que exatamente você acha que vai mudar com a sua explicação?” Natália ficou imóvel, sem conseguir falar nada. As palavras de Paulo eram como facadas em seu próprio coração, porque ela sabia que ele estava certo em sentir tudo aquilo. Por mais que ela tentasse proteger Paulo dessa dor, sabia que mais cedo ou mais tarde ele teria
que enfrentar a verdade sobre o pai, mas... Nunca imaginou que seria assim. Otávio, por sua vez, sentiu o peso das palavras de Paulo; cada frase dele atingia diretamente sua consciência, trazendo à tona toda a culpa que ele havia enterrado por tantos anos. Ele sempre soube, lá no fundo, que um dia teria que encarar as consequências de suas escolhas, mas agora que estava cara a cara com elas, a realidade era muito mais dolorosa do que ele jamais imaginou. “Eu era um idiota naquela época”, disse Otávio, sua voz baixa e cheia de arrependimento. “Eu tinha medo, Paulo.
Medo de não conseguir ser um bom pai, medo de que a responsabilidade de ter um filho me impedisse de alcançar os meus sonhos. Eu pensei só em mim. Eu fugi porque era mais fácil do que encarar a verdade, e isso foi o pior erro da minha vida.” Paulo cruzou os braços, tentando controlar a raiva que fervia dentro dele. “Medo? Você teve medo? Minha mãe não teve essa escolha! Ela não pôde fugir. Ela teve que enfrentar tudo isso sozinha. Ela trabalhou dia e noite, se sacrificou por mim, e você só sumiu como se a gente não
existisse.” Otávio sabia que Paulo tinha razão. Ele sabia que não havia como justificar o que tinha feito. Durante anos, tentou focar em sua carreira, em seus negócios, mas sempre havia aquela sombra no fundo da mente, aquela lembrança de que ele havia deixado algo para trás, algo que não poderia ser recuperado tão facilmente. E agora, diante de Paulo e Natália, ele sentia a dor de suas escolhas como nunca antes. “Eu sei que não posso mudar o passado”, continuou Otávio, a voz agora quase desesperada. “Mas eu quero uma chance de consertar as coisas, de ser o pai
que eu deveria ter sido desde o início. Eu sei que não vai ser fácil, que vocês têm todo o direito de me odiar, mas eu estou aqui agora e eu quero tentar. Eu quero me redimir.” Paulo balançou a cabeça, incrédulo. “Se redimir? Você acha que pode simplesmente aparecer depois de mais de 20 anos e dizer que quer se redimir? Como se fosse fácil assim, como se fosse só querer e tudo se resolvesse?” Natália, que até então tinha ficado em silêncio, finalmente falou: “Otávio, você não entende. Não é só sobre você querer; é sobre o que
nós passamos enquanto você não estava aqui. É sobre a dor, as dificuldades. Eu precisei ser mãe e pai para o Paulo, e ele cresceu sem nunca saber o que era ter um pai ao lado. Nada do que você disser agora vai apagar isso.” As palavras de Natália ecoaram no silêncio pesado que caiu sobre eles. Otávio olhou para ela, os olhos cheios de arrependimento. “Natália, eu sinto muito, de verdade. Eu sei que você foi forte, que você fez o impossível para criar o Paulo. Eu sei que falei com você, mas por favor, me deixe ao menos
tentar.” Mas Natália não parecia disposta a ceder. “Você não estava lá, Otávio, você nunca esteve! E agora você não pode simplesmente querer aparecer e achar que tudo vai ser diferente. Eu passei anos tentando seguir em frente sem você, sem sua ajuda. Eu não quero que você apareça agora e desestabilize tudo que eu construí.” Paulo, ainda segurando a raiva dentro de si, olhou para Otávio uma última vez antes de pegar o casaco e se virar para Natália. “Vamos embora, mãe. Não tem mais nada para falar aqui.” E, sem esperar por resposta, ele se dirigiu para a
porta do restaurante. Natália olhou para Otávio uma última vez, os olhos ainda cheios de mágoa. “Paulo é meu filho. Eu o criei sozinha. Você pode ter o sangue dele, mas nunca foi o pai dele, e eu não vou deixar você machucar ele de novo.” Com essas palavras, ela seguiu o filho, deixando Otávio sozinho no restaurante. Enquanto via Natália e Paulo saírem pela porta, Otávio sentiu um vazio enorme no peito. Ele sabia que tentar reconstruir qualquer tipo de relação com eles seria muito mais difícil do que imaginava, e naquele momento, ele se perguntou se teria alguma
chance de corrigir o estrago que causou. Otávio saiu do restaurante naquela noite sentindo o peso do mundo nas costas. Aquele encontro com Natália e Paulo o tinha abalado de um jeito que ele não esperava. Por mais que estivesse preparado para enfrentar as consequências do que fez, nada o havia preparado para a dor de ver o olhar de decepção e mágoa nos olhos de Paulo. Ele sabia que o caminho para reconquistar o filho seria longo e difícil, mas ele estava determinado. Pela primeira vez na vida, sentia que precisava fazer algo que não era por ele, não
era por sua carreira ou seus negócios, mas por Paulo. Nos dias seguintes, Otávio não conseguia parar de pensar no que aconteceu. Ele relembrava cada palavra de Paulo e Natália, cada momento de tensão, cada olhar de dor. Pela primeira vez, a vida que ele construiu com todo o dinheiro e sucesso parecia insignificante. Nada do que ele conquistou preenchia o vazio deixado por ter abandonado o próprio filho. Ele tinha uma fortuna, era respeitado no meio empresarial, mas no fundo, sabia que nada disso importava se não tivesse a chance de consertar o que mais importava: sua família. Otávio
tentou diversas vezes entrar em contato com Natália; mandou mensagens, ligou, até passou em frente ao prédio onde ela morava algumas vezes, mas ela não queria falar com ele, e ele entendia. Depois de tudo que ela passou sozinha, não seria uma simples aparição que mudaria as coisas. Natália tinha feito muito mais do que ele jamais poderia imaginar; ela foi mãe e pai, trabalhou duro e criou Paulo sem nunca pedir ajuda. E agora, ele estava tentando se aproximar como se tudo pudesse ser resolvido com uma conversa. Sabia que não seria assim. Depois de dias de reflexão e
de várias tentativas frustradas de contato, Otávio... Tomou uma decisão. Ele sabia que, se quisesse ter alguma chance de se reconectar com Paulo, precisaria começar do zero. Sem forçar nada, precisava mostrar que estava disposto a mudar e que não estava ali apenas para aliviar a própria culpa. Era hora de dar um passo atrás e fazer as coisas de forma diferente. Ele decidiu começar com Paulo. Sabia que o filho estava ocupado com os estudos e o trabalho, então, em vez de forçar um encontro, enviou uma mensagem simples: "Paulo, sei que você está com raiva de mim e
eu entendo. Eu não espero que me perdoe agora, mas eu gostaria de conversar com você quando estiver pronto. Não para justificar o que fiz, mas para tentar entender o que você sente. Estou aqui quando quiser falar." Foi por meio de um colega de Paulo que ele havia conseguido seu contato. Não houve resposta imediata, e Otávio não esperava que houvesse, mas, naquele momento, ele sentiu que precisava dar espaço ao filho. Não era algo que poderia ser resolvido rapidamente; Paulo precisava de tempo, e Otávio estava disposto a esperar. A espera era dolorosa, mas era o preço que
ele pagaria por tantos anos de ausência. Enquanto esperava por uma resposta, Otávio começou a refletir sobre o que poderia fazer para mostrar a Paulo que estava comprometido com essa mudança. Ele havia passado tanto tempo focado em seus negócios que mal sabia como ser pai. As pessoas ao seu redor sempre o viram como um empresário determinado e focado, mas agora ele precisava ser alguém que pudesse oferecer mais do que isso. Ele começou a fazer pequenas mudanças em sua própria vida: cancelou reuniões desnecessárias, dedicou mais tempo para si mesmo e começou a pensar em maneiras de estar
mais presente, caso Paulo lhe desse uma chance. Os dias se transformaram em semanas, e Otávio seguia esperando. Ele tentava não ficar ansioso, mas era impossível não pensar no que Paulo estaria sentindo. Ele sabia que o filho tinha toda a razão em não querer falar com ele. Paulo cresceu sem um pai, e agora Otávio queria preencher um vazio que, para ele, não poderia ser preenchido tão facilmente. Então, um dia, depois de semanas de silêncio, Otávio recebeu uma mensagem. Era de Paulo. O texto era curto e direto, mas, para Otávio, parecia um sinal de esperança: "Podemos nos
encontrar amanhã à tarde no café perto da faculdade." Só isso, sem explicações, sem promessas, apenas uma oportunidade, e era tudo que Otávio precisava naquele momento. No dia seguinte, Otávio chegou ao café mais cedo do que o combinado. Sentou-se em uma mesa no canto e esperou. As mãos estavam suadas, o coração batia rápido. Ele sabia que aquele momento seria crucial. Não podia estragar tudo, não agora que Paulo havia lhe dado uma chance. Ele ensaiava mentalmente o que diria, mas nada parecia certo. Como se pede perdão por anos de abandono? Como se reconstrói algo que foi quebrado
antes mesmo de começar? Paulo chegou alguns minutos depois e Otávio o viu entrar no café. O filho parecia cansado, mas determinado. Seus olhos expressavam uma mistura de raiva contida e curiosidade. Ele se aproximou da mesa, puxou a cadeira e se sentou em frente ao pai, sem dizer nada. Por alguns segundos, a tensão entre os dois era palpável e Otávio mal conseguia respirar. "Então, o que você quer?" Paulo quebrou o silêncio, sua voz firme, mas controlada. Não havia espaço para rodeios. Otávio respirou fundo, buscando as palavras certas. "Eu, eu só queria uma chance de conversar com
você. Não para me justificar, porque sei que não há justificativa. Só quero entender o que você sente, saber quem você é, tentar, tentar começar de novo de algum jeito." Paulo cruzou os braços, ainda sem dar muita abertura. "Você realmente acha que pode começar de novo depois de 23 anos? Eu cresci sem você e agora, de repente, você quer ser meu pai? Como isso funciona?" Otávio sabia que a pergunta de Paulo era justa. Ele também não sabia exatamente como responder. "Eu sei que não posso voltar atrás, Paulo. Sei que errei e que você tem todos os
motivos para me odiar, mas, se você me permitir, eu gostaria de tentar pelo menos ser uma parte da sua vida agora. Não estou aqui para te pedir para me perdoar ou para fingir que nada aconteceu. Só quero uma chance de conhecer você e, se for possível, de algum jeito, recuperar o tempo perdido." Paulo ficou em silêncio por alguns instantes, processando o que o pai estava dizendo. Ele estava confuso; parte dele queria gritar, queria dizer que era tarde demais, mas havia outra parte que, talvez por curiosidade ou por uma esperança inconsciente, queria saber mais, queria ver
até onde aquilo iria. "Eu não sei," disse Paulo finalmente. Ele usou o nome do pai sem chamá-lo de pai propriamente. "Eu não sei se estou pronto para isso, mas talvez eu esteja disposto a ver onde isso vai dar. Mas não espere muito de mim." Otávio assentiu, sentindo um alívio misturado com nervosismo. Era o início de uma longa estrada, e ele sabia que não seria fácil, mas, naquele momento, só o fato de Paulo estar ali, ouvindo, já era mais do que ele poderia ter imaginado. Otávio não conseguia parar de pensar naquela última conversa com Paulo. Apesar
de não ter sido uma reconciliação completa, algo havia mudado; havia uma pequena abertura, uma fagulha de esperança. Paulo estava disposto a tentar, mesmo que de forma hesitante. Para Otávio, isso era o suficiente para seguir em frente. Ele sabia que ainda tinha um longo caminho pela frente, mas estava decidido a fazer o que fosse necessário para reconstruir aquela relação. Pela primeira vez na vida, seus negócios, sua fortuna e seu status não importavam tanto quanto a chance de ser, de algum jeito, parte da vida do filho que ele havia abandonado. Mas lidar com essa nova realidade não
era fácil. Otávio estava acostumado a ter tudo sob controle. a ser o homem de negócios que resolvia qualquer problema com uma ligação ou um contrato. A relação com Paulo, porém, não era algo que ele podia consertar com uma transação financeira ou uma estratégia bem elaborada; era emocional, era delicado, e ele sabia que precisaria de tempo e paciência. Isso o deixava ansioso, algo que ele não sentia com frequência. Em meio a essas reflexões, Otávio começou a repensar muitas das decisões que tomou ao longo dos anos. Ele havia deixado tantas coisas importantes de lado em busca de
sucesso que agora começava a questionar se tudo aquilo valia realmente a pena. Seu império empresarial, que um dia fora motivo de orgulho, agora parecia vazio, sem significado. De que adiantava ter tanto dinheiro e poder se, no fim, ele estava sozinho? Nos dias seguintes, Otávio tentou seguir sua rotina: participava de reuniões, fechava contratos, mas seu coração e sua mente estavam sempre em outro lugar. Ele constantemente pensava em Paulo e em como poderia se aproximar mais, como poderia mostrar ao filho que estava verdadeiramente arrependido. Ele até considerou dar um passo radical: vender parte de sua empresa, algo
que ele jamais teria imaginado fazer antes, mas que agora parecia uma forma de mostrar que sua prioridade havia mudado. Certa noite, depois de um longo dia de trabalho, Otávio decidiu sair para beber. Ele estava exausto, física e emocionalmente, e sentia que precisava de uma pausa. Entrou em um bar não muito longe de seu escritório, pediu uma bebida e começou a beber em silêncio. O lugar estava movimentado, com pessoas conversando e rindo, mas ele estava alheio a tudo aquilo. Sua mente estava presa nas memórias recentes, nas palavras de Paulo, nas expressões de Natália. Quanto mais bebia,
mais pesado ele se sentia. Otávio sempre foi um homem que bebia socialmente, mas naquela noite ele deixou que a bebida o dominasse. Uma dose levou a outra, e logo ele estava completamente embriagado. As lembranças do passado, misturadas com a culpa e o desejo de redenção, o consumiam. Ele queria tanto consertar as coisas, mas, ao mesmo tempo, sentia-se impotente. E, quanto mais impotente se sentia, mais ele bebia. Já era tarde quando Otávio decidiu que era hora de ir embora. O bar estava quase fechando, e ele mal conseguia manter os olhos abertos. Pagou a conta sem nem
olhar o valor e saiu quando a chuva começava a cair, aquelas pesadas que anunciavam uma tempestade. O som da água batendo no asfalto e as mãos trêmulas de Otávio. Sabia que não deveria estar dirigindo naquele estado, mas, em sua mente entorpecida pelo álcool, ele não conseguia pensar direito; tudo o que queria era chegar em casa, deitar e esquecer aquela noite. Ele acelerou o carro pelas ruas molhadas, tentando manter os olhos abertos, mas a cidade à sua volta parecia desfocada, como se estivesse se movendo rápido demais. O limpador de para-brisa mal conseguia acompanhar a chuva pesada,
e os faróis dos outros carros ofuscavam sua visão. De repente, tudo aconteceu em um instante: Otávio perdeu o controle do carro, as rodas derraparam no asfalto molhado, e ele tentou, sem sucesso, controlar o veículo. Girou violentamente antes que ele pudesse bater, e ficou fora de controle. Em um poste de metal, o som do impacto foi ensurdecedor. O vidro estilhaçou, e o corpo de Otávio foi lançado contra o volante com brutalidade. O airbag se abriu, mas não foi o suficiente para evitar o estrago. Por alguns segundos, tudo ficou em silêncio. A chuva continuava a cair implacável,
enquanto o carro destruído permanecia imóvel, com fumaça saindo do capô amassado. Otávio estava inconsciente, com a cabeça tombada sobre o volante. Pessoas que passavam por perto, assustadas com o barulho, correram para ver o que havia acontecido e logo chamaram os serviços de emergência. Quando os paramédicos chegaram, a situação era grave; Otávio estava inconsciente e gravemente ferido. Eles o retiraram do carro com todo cuidado, colocando-o em uma maca e levando-o às pressas para a ambulância. O som das sirenes ecoava pela cidade. Dentro da ambulância, o clima era tenso; a vida de Otávio estava por um fio
enquanto ele era levado ao hospital inconsciente. Flashs de sua vida pareciam passar diante dele: as lembranças de sua infância, de seus primeiros anos como empresário, de Natália, da descoberta de que era pai, principalmente do gosto amargo de Paulo tão longe de sua mente. Seus sucessos, o tempo distorcido, e ele sentia que estava sentado e presente entre o que foi e o que nunca pode mais ser. Mas, antes que Otávio pudesse alcançar qualquer conclusão, o coração dele parou. Quando a ambulância chegou ao hospital, os paramédicos tentaram reanimá-lo, mas já era tarde demais. Otávio Bezerra, o homem
de negócios que construiu o império, o pai que tentou tarde demais se redimir, havia partido. A notícia da morte de Otávio se espalhou rápido no hospital; apenas algumas pessoas estavam lá para receber a notícia. Não tinha muitos amigos próximos, e a família, que já era pequena, se resumia a Paulo e Natália. Quando eles receberam a ligação, foi um choque. Paulo, que mal começava a processar a ideia de ter um pai, agora se via diante da morte de alguém que ele mal conhecia, e Natália, que havia tentado tanto manter Otávio longe de sua vida, agora precisava
encarar o fato de que ele se foi para sempre. No fundo, Natália sabia que Otávio estava tentando mudar; ela viu no olhar, na pulseira que ele lhe deu, que não dava a chance de uma segunda chance. O funeral de Otávio foi um momento estranho e doloroso para todos os envolvidos. Não era um grande evento, cheio de pessoas e homenagens, como se esperaria de um empresário de sucesso; na verdade, foi bem o oposto. Algumas poucas pessoas compareceram: colegas de trabalho, gente que o conhecia mais pelos negócios do que por qualquer relação pessoal verdadeira. Otávio tinha construído
um império ao longo dos anos, mas, no fim, era um homem solitário, e ali, em frente ao caixão fechado… Estavam apenas Natália e Paulo, os únicos que, de fato, poderiam chamar Otávio de família. Paulo estava parado, com as mãos nos bolsos, olhando para o caixão sem saber direito o que sentir; ele havia conhecido seu pai por pouquíssimo tempo e, agora, antes que qualquer coisa pudesse ser resolvida ou entendida, Otávio estava morto. Era um vazio difícil de explicar: como alguém poderia sentir falta de uma pessoa que nunca esteve presente? Mas, ao mesmo tempo, Paulo sentia uma
tristeza profunda, não só pela morte em si, mas pela oportunidade perdida. Ele nunca teria a chance de descobrir quem Otávio realmente era. Tudo o que poderia fazer agora era lidar com o que restou. Natália, por sua vez, estava ao lado de Paulo, com os olhos fixos no chão. O peso do passado e do presente parecia esmagá-la naquele momento. Havia tanta coisa que ela queria dizer, tantas emoções que ainda lutava para processar: a raiva que guardou por anos, a dor do abandono e, agora, a tristeza de ver aquele homem com quem ela havia compartilhado uma parte
importante da vida ser enterrado sem nem ao menos a chance de redenção completa. Era um fim trágico para uma história que nunca teve a chance de ser resolvida. Os dois ficaram lá até o fim da cerimônia, quando a última pá de terra foi jogada sobre o túmulo. Natália e Paulo se afastaram em silêncio, cada um preso em seus próprios pensamentos. Nenhuma palavra foi dita durante o trajeto de volta para casa; o peso da ausência de Otávio parecia estar mais presente do que sua vida jamais esteve. Alguns dias depois, enquanto ainda tentavam se ajustar à nova
realidade, a campainha do pequeno apartamento de Natália tocou. Era um homem bem vestido, de expressão séria, segurando uma pasta de couro. Ele se apresentou como o advogado de Otávio e explicou que estava ali para ler o testamento. Natália não sabia exatamente o que esperar; ela nunca quis nada de Otávio, além do reconhecimento de Paulo. Dinheiro, herança, nada disso importava para ela. Tudo que havia construído na vida foi sem ele, e continuar sem qualquer vínculo com sua fortuna parecia a coisa mais lógica a se fazer. Mas o advogado insistiu: era importante que eles ouvissem. Relutante, Natália
deixou o homem entrar e ele se sentou à mesa da pequena sala de estar. Paulo, ainda confuso com a presença do advogado, se aproximou e sentou-se ao lado da mãe. Ele também não estava interessado no dinheiro de Otávio, mas algo na seriedade do advogado fez com que ele ficasse em silêncio, esperando para ouvir o que viria a seguir. O advogado abriu a pasta, retirou alguns documentos e ajustou os óculos. "Otávio Bezerra deixou tudo para Paulo", começou ele de maneira objetiva. "O patrimônio inteiro, incluindo as empresas, investimentos e propriedades; todo o valor que ele acumulou ao
longo da vida está agora em nome do filho." Natália arregalou os olhos, completamente surpresa. Ela sabia que Otávio era um homem rico, mas nunca imaginou que ele deixaria tudo para Paulo. Para ela, aquilo parecia uma tentativa tardia de compensar os anos de ausência. Paulo, por sua vez, ficou atônito. Ele nunca esperou nada do pai e agora, de repente, era herdeiro de uma fortuna que mal conseguia imaginar. Era como se Otávio tivesse tentado consertar o que quebrou da única forma que sabia: com dinheiro. O advogado, porém, não havia terminado. Ele retirou um envelope branco da pasta
e o colocou delicadamente sobre a mesa. "Antes de falecer, Otávio escreveu uma carta para você, Paulo. Ele pediu que fosse entregue junto com o testamento." Paulo olhou para o envelope como se aquilo fosse uma coisa estranha, um objeto carregado de algo que ele não sabia se estava pronto para lidar. Lentamente, ele pegou a carta, abriu o envelope e puxou o papel lá de dentro. A carta era curta, mas cada palavra parecia pesada como uma pedra. "Filho, se você está lendo isso, eu já me fui. Sei que as palavras que deixei aqui não podem apagar o
que fiz, nem compensar o tempo que perdi com você. Eu errei, Paulo. Errei de uma maneira que me perseguiu por toda a vida e, agora, mais do que nunca, eu vejo o quanto isso me custou. Você não precisa aceitar nada que eu deixei para você, não precisa sentir que tem qualquer obrigação comigo, mas, ainda assim, deixo tudo o que tenho em suas mãos, não como uma forma de pedir perdão, mas como o único jeito que conheço de te oferecer algo significativo. Sei que fui ausente, sei que fui um covarde, mas se há algo que você
possa aprender com os meus erros, é que o dinheiro, o poder, tudo isso, no fim das contas, não significa nada se você não tiver a sua família. Eu não tive coragem de ficar ao seu lado quando mais precisava, e esse é o maior arrependimento da minha vida. Seja um bom homem, Paulo. Seja melhor do que eu fui e, se puder, me perdoe. Eu te amo. Seu pai, Otávio." Paulo leu a carta em silêncio. Cada palavra parecia cravar mais fundo no peito dele. Aquelas palavras, que ele esperava ouvir do pai em vida, agora estavam escritas em
um pedaço de papel como uma última tentativa de reconexão. Paulo não sabia o que sentir; ele queria odiar Otávio, queria continuar alimentando a raiva pelo abandono, mas, ao mesmo tempo, a carta mexia com ele de um jeito inesperado. A dor de nunca ter tido um pai presente estava ali, misturada com o reconhecimento tardio que ele tanto buscou. Natália, que estava ao lado de Paulo, percebeu o peso daquela carta sobre o filho. Ela sabia que Paulo carregava a ausência do pai como uma ferida invisível, que ele nunca falou muito sobre, mas que estava ali, pulsando. Agora,
com a carta em mãos, parecia que tudo o que Paulo guardou por anos estava começando a transbordar. Paulo dobrou... O papel, cuidadosamente, ele o colocou de volta no envelope. Ele olhou para a mãe, buscando algum tipo de conforto, algo que pudesse ajudar a entender o que deveria fazer a seguir, mas, naquele momento, ele sabia que não havia resposta fácil. Otávio se foi, deixando para trás uma herança que não era apenas de dinheiro e bens, mas de dor, arrependimento e uma última tentativa de pedir perdão. O que Paulo faria com isso, ele ainda não sabia. Tudo
o que restava era o tempo para tentar curar o que ainda estava aberto.