30 de outubro de 1961, arquipélago Novaya Zemlya, norte da Rússia. O dia 30 de outubro de 1961 poderia ser apenas mais um dia normal. Em um mundo ideal, esse vídeo poderia nunca existir.
Mas a 10. 500 metros de altura, um Tupolev Tu-95 estava prestes a marcar o dia 30 de outubro de 1961 na história. E esse dia ficaria para sempre conhecido como o dia em que nós criamos um segundo sol na Terra.
A história da bomba de hidrogênio é bem peculiar e ela acompanha uma época da história da humanidade em que diversos avanços foram feitos na criação de armamentos de destruição em massa. Embora o primeiro design de uma bomba nuclear tenha sido a de fissão nuclear, que foi resultado do projeto Manhattan durante a Segunda Guerra Mundial, a ideia de usar fusão para liberar quantidades nunca vistas antes de energia veio na mesma época. Até onde nós sabemos hoje foram os físicos Enrico Fermi e Edward Teller que propuseram pela primeira vez que uma bomba de fusão nuclear poderia ser criada a partir da ignição de uma bomba de fissão nuclear.
E isso ainda em 1941. Ainda faltavam quatro anos para a primeira explosão nuclear da história. Conforme o cenário da Segunda Guerra Mundial foi piorando, diversos países começaram a dedicar recursos aos seus próprios projetos de pesquisa de armamentos nucleares.
O projeto Manhattan, nos Estados Unidos, foi o mais bem sucedido. Eu não vou entrar em detalhes da história da bomba nuclear de fissão nesse vídeo, até porque eu já fiz um documentário de quase uma hora com a história detalhada para quem quiser assistir. Mas para entender como a bomba de hidrogênio veio tão rápido depois das primeiras bombas nucleares, nós precisamos entender o contexto em que o mundo vivia na época.
O físico Edward Teller, que eu citei agora há pouco, passou boa parte do seu tempo no projeto Manhattan dedicando seus esforços ao conceito de uma bomba de fusão nuclear. Só que o principal problema enfrentado por ele naquela época era a dificuldade de fazer previsões teóricas e os cálculos necessários para entender como a fusão se comportava. Em contrapartida, as bombas de fissão, como as que foram usadas em Hiroshima, eram muito mais testáveis.
Até porque a fissão nuclear estava sendo muito estudada na época. De um lado, cientistas da época tinham a fissão nuclear que podia ser testada com reatores nucleares e isótopos radioativos. Do outro, eles tinham a fusão nuclear, que é responsável por gerar a energia do Sol.
Até agora eu falei bastante de dois termos que vão ser extremamente importantes até o final desse vídeo, fissão e fusão nuclear. E por isso eu preciso garantir que todo mundo esteja na mesma página entendendo o que os dois termos significam e qual é a diferença entre eles. Na fissão nuclear nós geralmente começamos com um átomo pesado, como o urânio-235.
E esse isótopo do urânio é especial porque ele é instável. E como a natureza sempre prefere estabilidade, o átomo de urânio vai tentar recuperar estabilidade E ele recupera esta estabilidade se dividindo em átomos mais leves. Mas o segredo está escondido na massa.
Se a soma das massas desses átomos mais leves que foram gerados quando o urânio 235 decaiu fosse a mesma do urânio, não existiriam bombas nucleares no mundo, muito menos energia nuclear. Se você somar a massa dos átomos gerados pelo decaimento do urânio, ela vai ser sempre menor do que a massa inicial. E é essa massa que aparentemente foi perdida que vira energia, muita energia.
Se na fissão nuclear nós temos a divisão de um átomo em outros, na fusão nuclear nós temos praticamente o contrário. Nós geralmente começamos com um átomo leve, como o hidrogênio, e juntamos dois ou mais deles para formar um átomo mais pesado, como o hélio. E se nós fôssemos medir a massa do hélio e comparar com a do hidrogênio inicial, mais uma vez nós notaríamos que aparentemente um pouco da massa foi perdida.
Ela também foi transformada em energia. A fissão nuclear é o que nós fazemos na Terra com reatores e bombas nucleares. Ela é basicamente quebrar um átomo em outros.
E a fusão nuclear é o que o Sol faz para continuar brilhando, que é juntar átomos. Então agora que nós entendemos o básico de como a fissão e a fusão funcionam, nós podemos começar a entender como uma bomba termonuclear funciona. E aqui um parêntese, sempre que você ouvir falar de bomba termonuclear, bomba H ou bomba de hidrogênio, todos são termos diferentes para a mesma coisa, que é uma bomba nuclear que utiliza fusão nuclear para gerar energia e poder de destruição.
O principal desafio de engenharia e tecnologia na construção de uma bomba de fusão é atingir as condições necessárias para a fusão começar. Conforme a temperatura aumenta, os elétrons são arrancados dos átomos, transformando tudo em núcleos atômicos soltos. A gente chama isso de íons.
Só que os núcleos atômicos têm carga positiva e, como resultado, eles se repelem uns com os outros. Nós precisamos alcançar temperaturas e pressões altas o suficiente para vencer essa repulsão entre os núcleos atômicos. E para vocês terem ideia, o Sol só consegue chegar a essas condições porque ele tem 333 mil vezes a massa da Terra.
Então como que nós podemos criar essas condições aqui no nosso planeta? A resposta encontrada por dois físicos, Edward Teller e Stanislaw Ulam foi a seguinte, é só explodir uma bomba nuclear convencional antes. Ok, eles não falaram exatamente isso, mas essa é a ideia, pelo menos de uma maneira bem simplificada, do design de Teller-Ulam.
Uma curiosidade histórica, a gente não sabe até hoje exatamente o quanto que os dois físicos contribuíram para essa ideia. Algumas fontes dizem que um trabalhou mais do que o outro, mas pela natureza secreta do projeto nós provavelmente nunca vamos saber. Enfim, no design de Teller-Ulam a bomba é dividida em dois ou mais estágios.
O mínimo é dois, e algumas bombas, como a bomba Tsar, provavelmente tiveram três. A ideia é que o primeiro estágio é uma bomba nuclear de fissão, como as desenvolvidas no projeto Manhattan. A função desse estágio é, através da fissão nuclear, gerar energia o suficiente para que o segundo estágio comece a fusão nuclear.
Lembram quando eu falei que nós precisamos de condições parecidas com as encontradas no Sol, que tem 333 mil vezes a massa da Terra? Então, é a explosão do primeiro estágio que permite essas condições. Quando a bomba de fissão explode, as temperaturas chegam até a casa dos 100 milhões de graus.
E nessa escala, eu não preciso nem especificar se é Celsius, Fahrenheit ou Kelvin, porque a diferença entre as três é praticamente insignificante. Toda essa energia faz com que o segundo estágio comece, composto principalmente por combustível de fusão, ou seja, núcleos atômicos leves como nítio. Ou seja, a explosão da primeira bomba nuclear gera as condições necessárias para a fusão nuclear começar, dando início à liberação de energia da segunda parte da bomba.
O design de Teller-Ulam é tão simples e eficiente comparado com as alternativas, que ele virou o design de escolhem praticamente todas as bombas de fusão modernas. E isso nos leva ao primeiro teste nuclear de fusão da história. Só antes, e eu juro que vai ser muito rápido, essa camiseta que eu estou usando faz parte da nova coleção da minha loja, a Loos.
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Agora de volta ao vídeo, deixa eu contar a história do primeiro teste nuclear com bomba de fusão da história. 1º de novembro de 1952, atol de Enewetak, Ilhas Marshall. O caminho natural que o mundo seguiu depois do sucesso das bombas nucleares de fissão foi tentar desenvolver armamentos cada vez mais potentes.
Com o design de Teller-Ulam cada vez mais demonstrando potencial, a única coisa que faltava era um teste real em escala. A primeira bomba de fusão não era muito parecida com uma bomba, pelo menos na nossa ideia popular de como bombas se parece. Com o codinome Ivy Mike, a bomba pesava 74 toneladas.
Ela não era nem um pouco prática para ser usada como armamento na vida real. Até porque o combustível para fusão nuclear, o deutério líquido, precisava ser mantido a temperaturas muito próximas do zero absoluto. Inclusive uma nota histórica, eles tiveram que desenvolver a tecnologia de criogenia, ou seja, devia deixar coisas em baixas temperaturas só para fazer esse teste acontecer.
Mas isso não impediu que o teste fosse em frente. Assim que a bomba explodiu, uma bola de fogo de 5km de diâmetro se formou ao redor do epicentro, o suficiente pra engolir a praia central de Balneário Camboriú. A nuvem de cogumelo chegou aos 41km de altura, o que é mais de 4 vezes a altura do Monte Everest, a maior montanha da Terra, e se espalhou até ficar com um diâmetro de 161km.
quilômetros. A explosão foi tão potente que ela criou dois elementos que ainda não eram nem conhecidos na tabela periódica, o Einstênio e o Férmio. E eu conto a história dessa descoberta nesse vídeo aqui.
E o vídeo de hoje poderia acabar aqui, com a explosão de uma bomba que liberou mil vezes a energia da bomba nuclear detonada sobre Hiroshima, que foi um capítulo trágico na história da humanidade. Mas é aqui que eu preciso lembrar que nem sempre nós tomamos as melhores decisões. O mundo ainda estava imerso na Guerra Fria, e a corrida por armas cada vez mais potentes e destruidoras só estava no começo.
30 de outubro de 1961. Arquipélago Novaya Zemlya, norte da Rússia. O dia 30 de outubro de 1961 poderia ser apenas mais um dia normal.
Em um mundo ideal, esse vídeo poderia nunca existir. Mas a 10. 500 metros de altura, um Tupolev Tu-95 estava prestes a marcar o dia 30 de outubro de 1961 na história.
E esse dia ficaria para sempre conhecido como o dia em que nós criamos um segundo sol na Terra. Usando o mesmo design da bomba de hidrogênio testada pela primeira vez nove anos antes, essa era a vez da então União Soviética de demonstrar o seu potencial bélico. Apelidada de Tsar Bomba e conhecida por muitos apenas como a Bomba das Bombas, ela foi até hoje o dispositivo explosivo com mais energia já detonado por seres humanos na terra.
A bomba de Hiroshima e Nagasaki estavam na escala de quilotoneladas de energia, ou seja, mil toneladas de TNT. A primeira bomba de hidrogênio, a Ivy Mike, estava na escala de megatoneladas, ou seja, um milhão de toneladas de TNT. Já a Tsar Bomba tinha um potencial energético cem vezes maior do que isso, por volta de 100 megatoneladas de TNT ou 100 milhões de toneladas.
No entanto, a bomba que foi usada no teste teve o seu potencial reduzido pela metade. Ela só liberou 50 megatons de energia. A bola de fogo teve 8 quilômetros de diâmetro, alcançando a altura do avião que soltou ela.
Por sorte, o avião já estava a 39 quilômetros de distância no momento da detonação. Mas isso não impediu que eles sentissem os efeitos. O avião foi atingido pela onda de choque quando ele já estava a 205 quilômetros de distância e isso fez com que ele caísse cerca de um quilômetro no ar.
Não à toa, em uma estimativa oficial, a tripulação da aeronave foi dada cerca de 50% de chances de sobreviver a essa missão. Essa fotografia mostra a nuvem de cogumelo formada pela explosão e ela não parece grande coisa, mas a foto foi tirada a 161 quilômetros de distância. E o topo da nuvem de cogumelo atingiu impressionantes 67 quilômetros de altura.
Mais de 7 vezes o tamanho do Monte Everest. A onda de choque tanto na atmosfera quanto no solo rodou o globo terrestre um total de 3 vezes. O clarão foi visto a mil quilômetros de distância, tanto na Alasca quanto na Noruega.
E janelas foram estilhaçadas a 780 quilômetros de distância como resultado direto da explosão. A explosão da bomba Tsar marcou pra sempre um capítulo na história da humanidade. Ela foi até hoje o dispositivo explosivo mais poderoso já usado por seres humanos.
E paradoxalmente, ela também marca o fim da busca por armamentos cada vez mais destrutivos. Uma vez que nós desenvolvemos uma arma que tem um potencial de destruição que antes nós equiparávamos com deuses, o Tratado de Interdição Parcial de Ensaios Nucleares foi assinado. Os países participantes aceitaram não testar mais armamentos nucleares, como as bombas de hidrogênio, na atmosfera.
Mas um fato que eu sempre acho curioso é que a maior parte das coisas que eu estou falando nesse vídeo aconteceram vários e vários anos antes de eu nascer. E para a maior parte das pessoas que me assistem, isso também é verdade. E isso dá pra gente a falsa sensação de que os perigos da corrida nuclear estão muito longe no passado e que essas coisas não moldam mais o nosso presente.
Mas essa visão é errada e bastante ingênua. A era nuclear não está atrás de nós. Nós ainda estamos nela, vivendo um delicado balanço que nós torcemos para que os nossos representantes não tomem decisões erradas no calor do momento.
E eu espero que aprendendo sobre como as bombas de fusão funcionam e o potencial destrutivo delas, todos nós possamos estar mais cientes dos perigos que elas apresentam. E que, se um dia algum de nós estiver numa posição que permita, talvez a gente possa fazer de tudo para que o mundo e a civilização terrestre não voltem para uma era sombria em que o sucesso é medido em megatons. Muito obrigado e até a próxima.