Olá pessoal. Eu gravo este vídeo exatamente em frente ao Tribunal Penal Internacional aqui na cidade da Haia nos Países Baixos. Eu coletei inúmeras informações aqui no Tribunal Penal Internacional na qualidade de aluno de um curso especialmente destinado a ensinar ao público externo as regras de funcionamento do tribunal, o histórico de criação e especialmente os casos que já foram julgados por esta Corte.
O Tribunal Penal Internacional entrou em funcionamento no ano de 2002, justamente quando pelo menos 60 países ratificaram a adesão ao Estatuto de Roma, um tratado internacional que cria esta corte internacional com jurisdição permanente para julgar crimes de altíssima gravidade contra os direitos humanos. Hoje em dia, no momento que gravo este vídeo, já são mais de 120 países os signatários e aqueles que aderiram ao Estatuto de Roma e, justamente por isso, são mais de 120 países, 120 nações, mais de 120 soberanias que aceitam a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Uma jurisdição complementar, uma jurisdição altamente diferenciada que, entre diversas características, talvez a que mais nos impacte, já que somos de matriz civil law, é o fato de a jurisdição aqui no TPI ser um híbrido, que mistura tanto civil law como common law.
O Tribunal Penal Internacional é um tribunal absolutamente sui generis. Isso porque ele é composto por juízas e juízes de várias nacionalidades. Então se tem primeiro a diversidade cultural em termos jurídicos especificamente.
Em segundo tem-se evidentemente pessoas que julgam que são oriundas de sistemas de common law: um sistema de precedentes e, acima de tudo, um sistema baseado na escolha de evidências e que tem um sistema de processamento muito diferente do nosso da civil law, com juízes lastreados na livre apreciação da prova. Outra característica muito interessante do do Tribunal Penal Internacional é que ele serve, ele se justifica, ele foi criado para julgar crimes de altíssima gravidade contra a humanidade, contra os direitos humanos. O Estatuto de Roma prevê que os crimes que são da competência do TPI são justamente os crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e também o chamado crime de agressão.
O Tribunal Penal Internacional, pelo menos um momento em que nós gravamos este vídeo, no momento em que eu fiz esse curso aqui no TPI, já julgou 27 casos envolvendo 44 pessoas. Muito se discute a respeito da eficiência do TPI. Por outro lado, também muito discute a respeito dos benefícios da tão só existência de uma jurisdição penal internacional.
Outra característica absolutamente importante em relação ao Tribunal Penal Internacional: ele é um tribunal permanente; ele é um tribunal pré-existente e só tem competência para julgar os atos, as condutas criminosas que sejam praticadas posteriormente à sua existência, à existência do TPI. O Tribunal Penal Internacional, ainda que seja destinado o julgamento de crimes de altíssima gravidade contra os direitos humanos como o genocídio, como os crimes de guerra, como o crime de agressão e como os crimes contra a humanidade, o TPI exerce aquilo que nós podemos chamar de jurisdição complementar. Mas o que significa uma jurisdição complementar?
Significa que o sistema de processo e julgamento do Tribunal Penal Internacional só entra em funcionamento nas hipóteses em que se verifica que as jurisdições nos Estados-partes não funcionaram, não foram acionados ou até mesmo não funcionaram satisfatoriamente na persecução, no processamento e julgamento de crimes de altíssima lesividade aos direitos humanos. Um dos princípios basilares de funcionamento do Tribunal Penal Internacional é o Princípio da Complementaridade. O TPI, em resumo, só entra em ação, só é acionado caso os sistemas nacionais não funcionem no adequado processamento e julgamento dos crimes praticados contra direitos humanos, exatamente os crimes genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crime de agressão.
Outra questão interessantíssima a respeito dos julgamentos no Tribunal Penal Internacional, interessantíssima especialmente para nós brasileiros que trabalhamos na perspectiva do civil law. O civil law tem uma influência muito interessante quando nós falamos em prova. Nós partimos do pressuposto tanto no processo civil, mas especialmente no processo penal, da livre apreciação da prova desde que motivada.
E essa motivação para nós é precisamente exigida em termos verticais, de verticalidade do uso da prova e de valoração dessa prova na sentença. O sistema de common law é muito diferente e nos causa muita estranheza num primeiro momento, já que somos de matriz civil law. O que existe no Estatuto de Roma, que é o estatuto de criação e de funcionamento do Tribunal Penal Internacional, são regras que dizem muito mais respeito, são muito mais próximas do sistema de common law.
É aquilo que se diz em inglês, aquilo que se chama rules of procedure and evidence. O que isso significa em poucas palavras? Significa que existe um momento de pre-trial, ou seja, um momento antes do julgamento em que os juízes e juízas se reúnem, escolhem as provas com relevância para o caso, que serão utilizadas para o provável julgamento do caso e divulgam essas provas para as partes.
Prestigia-se muito mais a atuação das partes - acusação e defesa - em audiência, numa espécie de júri. É uma aproximação muito grande do que nós temos nos processos de júri no Brasil, em que a atuação das partes na audiência é que faz toda a diferença. Os juízes do Tribunal Penal Internacional, os juízes e as juízas do TPI são eleitos e exercem mandato.
A eleição é feita pelos Estados-partes na Assembléia Geral das Nações Unidas e o mandato de cada juiz do TPI é de 9 anos. Portanto, não são juízes vitalícios, não são juízes e juízas para a vida toda pelo menos aqui no âmbito do Tribunal Penal Internacional. No que diz respeito especificamente à jurisdição do Tribunal Penal Internacional em relação ao Brasil, a cidadãs ou cidadãos brasileiros, é importantes destacar o seguinte: o tratado foi devidamente incorporado o nosso sistema jurídico, foi assinado pela nossa Chefia de Estado ou por representantes plenipotenciários; esse tratado foi aprovado pelo Congresso Nacional e depois ratificado com o específico depósito na Secretaria Geral das Nações Unidas.
Então, em temos internacionais é um tratado perfeitamente válido e vigente no que diz respeito a brasileiros e brasileiras. Além disso, a Emenda Constitucional 45 incluiu no artigo 5º da Constituição Federal o § 4º. Ele diz precisamente o seguinte: o Brasil se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional.
Isso significa que o tratado é plenamente aplicável a brasileiros e brasileiras que eventualmente pratiquem crimes da competência do TPI. Obrigado! Nos vemos em breve!