[Música] "Eu prefiro continuar vivendo na rua do que morar com você", disse o garoto quando encontrou o seu pai. Milionário, Fabrício olhava para a frente, o coração batendo acelerado enquanto tentava alcançar o garoto que corria alguns metros à frente. As ruas pareciam desfocar ao redor e tudo o que importava naquele momento era entender quem era aquele garoto que fugia tão apressado.
Quanto mais corria, mais a semelhança com Aline se tornava gritante. "Só pode ser ele", pensava, enquanto o eco dos próprios passos ressoava na calçada. Tudo havia começado naquela conversa, há quase 10 anos.
A discussão com Aline ainda estava fresca na memória de Fabrício e ele se lembrava de cada palavra dita, cada expressão que ela fazia enquanto tentava, em vão, convencê-lo de que o bebê era dele. "Esse filho não é meu! " gritou ele naquela tarde, apontando o dedo na direção de Aline, que olhava para ele com os olhos cheios de lágrimas.
"Como você pode falar isso, Fabrício? ", ela rebateu, com a voz tremendo de indignação. "Eu sempre fui honesta com você!
É absurdo que você me acuse disso agora! " Fabrício balançou a cabeça, impaciente. "Você sai toda hora!
Toda semana é uma festa, uma reunião de trabalho ou alguma outra desculpa! Você acha que eu sou bobo? Vai me dizer que não fica com ninguém nessas festas?
" Aline deu um passo para trás, chocada. "Eu sempre te convidei para essas reuniões, mas você sempre preferiu não ir. Sempre escolheu o trabalho, as saídas com os amigos.
Eu não deveria nem precisar me defender disso, Fabrício! Você sabe como eu sou! Eu nunca te dei motivo para desconfiar de mim!
" Ele cruzou os braços, cético. "Ah, claro, você é praticamente uma santa! Só que eu sei muito bem como isso funciona.
Aline, eu sei que você está atrás do meu dinheiro. Queria um filho comigo para garantir um futuro, não é? Sabe que eu ganho bem, que posso sustentar essa criança, então está inventando essa história toda.
" Ela deu uma risada amarga. "Você realmente acredita que eu seria capaz de fazer algo assim? ", perguntou, a voz quase um sussurro.
"Eu nunca me importei com o seu dinheiro, Fabrício! Eu me importava com você! Mas parece que você não consegue enxergar isso.
" "É fácil falar isso agora, mas e depois? Você ia querer pensão, ia pedir casa, escola particular. .
. Já estou vendo tudo! " Aline suspirou, tentando controlar a emoção.
"Eu não estou pedindo nada, Fabrício! Só queria que você acreditasse em mim, que assumisse a responsabilidade por algo que nós dois fizemos juntos. Mas se você realmente acha que estou te usando, então talvez seja melhor a gente parar por aqui.
" Ele ficou em silêncio por um momento, mas logo sua expressão endureceu novamente. "Está vendo? Já está falando em parar por aqui!
Claro, agora que você viu que eu não vou cair na sua história, está dizendo isso para me fazer sentir culpado! Eu conheço bem essa jogada. " Ela secou as lágrimas, irritada.
"Sabe, Fabrício, eu não precisava disso. Eu achava que você era uma pessoa diferente, que a gente tinha algo verdadeiro. Mas agora eu vejo que você é alguém que prefere desconfiar e culpar em vez de ouvir e acreditar.
" Eles continuaram discutindo por quase uma hora; cada tentativa de Aline em explicar era refutada por Fabrício com mais desconfiança. Quando ela tentou se afastar, ele a acusou de estar fugindo da conversa, e quando ela insistiu, ele a chamou de interesseira. A tensão entre eles parecia insuportável, e Fabrício, naquele momento, não conseguia ouvir nada além da própria raiva e insegurança.
Meses depois, quando soube que Aline havia saído da cidade, uma parte dele se sentiu aliviada. Agora ao menos ele não precisaria lidar com a sombra daquela suspeita que o atormentava, mas ao longo dos anos, a ausência dela deixou um vazio incômodo e, de tempos em tempos, ele se pegava pensando no que Como está? Aline.
O garoto, que até então o encarava com olhos desconfiados, endureceu-se; os lábios se apertaram em uma linha, um olhar carregado de raiva para Fabrício. — Ela está morta — disse ele com uma voz fria e ressentida, como se cada palavra fosse uma acusação. — Ela morreu por sua causa.
As palavras caíram sobre Fabrício como uma tonelada de concreto, esmagando qualquer noção de controle que ele pensava ter. Ele deu um passo para trás, incrédulo, com o estômago revirando em dor e choque, tentou falar, mas as palavras ficaram presas em sua garganta. "Mortas".
Essa palavra continuava a ecoar na mente dele como um sinistro mantra. — Minha culpa? — conseguiu perguntar, com a voz quase um sussurro.
O garoto, com a mesma frieza, confirmou com um aceno. Sua expressão era dura e ele mantinha os punhos cerrados ao lado do corpo, como se estivesse se contendo para não explodir em uma explosão de ressentimento. — Sim, ela sofreu por sua causa.
Depois que você a abandonou, ela não conseguiu se sustentar. Nós passamos por muitas dificuldades até que ela adoeceu e morreu. Ele fez uma pausa, como se estivesse lembrando dos detalhes com clareza dolorosa.
— Agora eu moro na rua porque não quero viver em um orfanato. O choque e a culpa atingiram Fabrício com força total, e ele levou a mão à testa, tentando organizar os pensamentos. Como aquilo tudo poderia ter acontecido?
Ele sabia que havia sido duro com Aline, que, em sua arrogância e orgulho, havia se recusado a acreditar que ela poderia estar dizendo a verdade sobre a gravidez. Mas nunca em seus piores pesadelos ele imaginou que a situação dela teria chegado a tal extremo. Ele se recuperou o suficiente para tentar responder, a voz trêmula e ainda em choque: — A culpa não é minha — murmurou, como se dissesse mais para si mesmo do que para o garoto.
— Eu. . .
eu não sou seu pai. Eu me arrependo de ter tratado sua mãe daquela forma, mas isso não faz de mim o culpado por tudo. O garoto o encarou com os olhos brilhando de raiva.
— Você é pior do que ela — falou, com a voz cheia de amargura. — Pior ainda, porque você ainda prefere fingir que nada disso foi culpa sua. Você se esqueceu dela e me deixou sozinho.
Se você tivesse feito alguma coisa, talvez ela ainda estivesse viva. O garoto virou-se, dando as costas a Fabrício e começando a se afastar, os passos firmes e decididos, como se não quisesse mais olhar para ele. Fabrício sentiu um impulso de detê-lo, de dizer algo que talvez pudesse, de algum modo, compensar tudo o que havia feito.
Ele começou a segui-lo a passos rápidos, e quando finalmente se aproximou, sua voz saiu mais suave do que pretendia. — Você pode morar comigo, se quiser — disse ele em um tom quase suplicante. — Apesar de não ser meu filho, você é filho de uma pessoa que foi muito importante para mim.
E, além disso, você é uma criança; não pode estar andando por aí sozinho, nem morando nas ruas. O garoto parou e se virou, encarando-o com fúria. — Prefiro continuar vivendo na rua do que morar com você!
— gritou, com a voz embargada de mágoa e ódio. — Você matou a minha mãe e foi um covarde durante todos esses anos. Não vou aceitar nada de você!
Sem esperar qualquer resposta, o garoto se abaixou e pegou uma latinha amassada do chão, lançando-a com toda a força que tinha na direção de Fabrício. Ele levantou os braços para se proteger, e o objeto ricocheteou no chão com um som oco. Quando baixou os braços e procurou o garoto, ele já havia desaparecido.
Fabrício olhou ao redor, mas não havia sinal do menino. Ele ficara sozinho no meio da rua, com o peso das palavras do garoto e a sensação de que tudo o que havia dito e feito nos últimos anos não passava de uma mentira para proteger seu orgulho e suas certezas. — Ele não é meu filho — repetia para si mesmo, tentando se convencer de que aquela era a verdade, mas ao mesmo tempo uma dúvida incômoda começava a crescer dentro dele.
Fabrício não conseguia tirar o garoto de sua mente. A cada dia, a lembrança do encontro perturbador com ele e as acusações amargas de que fora o responsável pela morte de Aline martelava em sua consciência. Ele sabia que precisava fazer algo para corrigir ao menos uma parte do que havia deixado de fazer no passado, mas ele nem sequer sabia o nome do garoto, tampouco como encontrá-lo.
Por dias, Fabrício tentou encontrá-lo nas ruas da cidade, caminhando pelos lugares onde vira crianças em situação de rua, mas ele parecia ter desaparecido. Depois de muita procura e perguntas sem resposta, Fabrício começou a ouvir rumores; comentários dispersos indicavam que o garoto, de tempos em tempos, tentava entrar em uma casa abandonada no bairro onde Aline morara, a velha casa em que viveram durante aqueles últimos meses antes de ela desaparecer. Fabrício decidiu ir até lá.
Quando chegou à frente da casa, sentiu um nó na garganta. O lugar estava em ruínas, as janelas quebradas e o jardim completamente tomado pelo mato. Aproximou-se de um vizinho que estava no portão ao lado, um senhor de idade que observava Fabrício com curiosidade.
— Boa tarde — cumprimentou Fabrício com um sorriso sem graça. — Eu estou tentando entender o que aconteceu com essa casa. Ela pertenceu a uma pessoa importante para mim.
O vizinho assentiu, como se já tivesse esperado que ele fizesse essa pergunta. — Sim, essa casa foi da Aline, uma boa moça. Mas ela vendeu há muito tempo.
Um casal comprou, morou por um tempo e depois foi embora. Desde então, está abandonada; ninguém mais cuida dela e os anos passaram. Fabrício assentiu, sentindo o peso de cada palavra.
Mesmo depois de tanto tempo, as lembranças ainda estavam ali, quase visíveis em cada detalhe. — Eu ouvi dizer que um garoto de rua talvez tente entrar aqui de vez em quando. Sabe algo?
Sobre isso, o vizinho balançou a cabeça e franziu o senho. — Sim, eu já vi esse menino. Às vezes, ele aparece por aqui, tenta pular o portão.
Ninguém sabe muito sobre ele; ele vem, fica por um tempo e depois desaparece. — E você teria, por acaso, algum contato do dono atual da casa? — perguntou Fabrício, já pensando em um plano.
— Tenho sim. Acho que ele até gostaria de vender, já que não usa a casa para nada. Fabrício agradeceu e anotou o contato.
Ele sabia exatamente o que iria fazer. Duas semanas depois, o garoto voltou à casa; ele subiu no portão com a destreza de quem já o fizera várias vezes, esgueirou-se pela lateral e parou intrigado ao perceber que a porta não estava trancada. Empurrou-a com cuidado e deu um passo para dentro.
Sentiu um frio estranho ao notar que o lugar estava completamente diferente: as paredes, antes desgastadas e pálidas, estavam pintadas de branco, os móveis eram novos e havia um cheiro agradável de limpeza no ar. A casa estava mobiliada e a sensação era a de um lar pronto para ser habitado. — O que está acontecendo?
— murmurou o garoto para si mesmo, o olhar percorrendo cada detalhe, perplexo. Foi então que Fabrício apareceu, surgindo no corredor com um leve sorriso e os braços cruzados. — Eu esperei duas semanas por você aqui dentro.
Achei que nunca viria — disse ele, com um tom de voz calmo, mas firme. O garoto arregalou os olhos, a presa rapidamente se transformando em desconfiança e raiva. — O que você está fazendo aqui?
— perguntou, a voz carregada de reprovação. Fabrício deu um passo à frente, tentando manter uma postura amigável. — Eu comprei a casa — respondeu ele, como se a explicação fosse suficiente.
O garoto estreitou os olhos, visivelmente incomodado. — E para quê? — disparou ele, cheio de rancor.
Fabrício respirou fundo e respondeu, olhando diretamente para o garoto. — É para você morar — disse Fabrício, deixando as palavras suspensas no ar, esperando a reação dele. O garoto soltou uma risada seca, balançando a cabeça.
— Eu jamais moraria com você — disse, cheio de desprezo. Fabrício levantou uma das mãos em um gesto de calma. — Você não precisa morar comigo.
A casa pode ser sua e você pode morar aqui sozinho, se quiser. Quero apenas que você tenha um lugar seguro. O garoto olhou desconfiado, o olhar escaneando Fabrício como se tentasse decifrar suas intenções.
— Isso é estranho. Por que você está fazendo isso? Fabrício abriu um leve sorriso e fez um gesto em direção à cozinha.
— Vou pegar um copo de água para você. Espere aqui um instante. O garoto, confuso, deu de ombros e ficou parado no meio da sala, observando os móveis ao redor.
Fabrício foi até a cozinha, mas enquanto pegava o copo d'água, rapidamente digitou um número em seu celular. Ele retornou à sala e estendeu o copo ao garoto, tentando ser gentil. — Qual é o seu nome?
— perguntou ele, tentando quebrar o gelo. O garoto hesitou antes de responder com um tom frio. — Pedro.
Fabrício assentiu, guardando o nome na memória. — Pedro, quero que você saiba que esta casa será sua quando você completar 18 anos. Está em meu nome, mas no seu aniversário de maioridade, ela será sua.
Pedro encarou Fabrício, uma expressão cética estampada no rosto. — Por que eu deveria acreditar em você? — ele perguntou, os olhos estreitos.
Antes que Fabrício pudesse responder, a porta se abriu e pessoas entraram, vestindo uniformes do juizado de menores. Fabrício, ainda segurando o copo, deu um passo para o lado, deixando-os verem Pedro. — Eles estão aqui para te levar ao orfanato, Pedro — disse Fabrício, tentando parecer gentil.
— Eu sinto muito, mas é para o seu bem. Lá você terá um lugar para dormir, comida, e quando você for maior de idade, essa casa realmente será sua. O rosto de Pedro se contorceu de raiva e incredulidade.
— Você é um mentiroso! — gritou ele, a voz cheia de ódio. — Primeiro, diz que a casa é minha, e agora quer me mandar embora!
Eu nunca mais quero ver você! Antes que os oficiais pudessem pegá-lo, Pedro se virou e correu na direção oposta. Ele era ágil e rápido, e em questão de segundos, driblou os dois e saiu pela porta, desaparecendo na rua.
Fabrício ficou parado, observando a porta aberta com o coração pesado. Tentara fazer o que achava certo, mas sabia que não havia sido suficiente para quebrar a barreira de desconfiança e ressentimento que existia entre ele e o garoto. Fabrício correu mais uma vez atrás do garoto, mas Pedro era rápido e ágil, e logo desapareceu entre as esquinas e vielas da cidade.
Ofegante e frustrado, Fabrício parou, tentando recuperar o fôlego e processar tudo o que havia acontecido. Ele entrou no carro e começou a dirigir pelas ruas, os olhos atentos, buscando o garoto entre os pedestres. Após algum tempo, quando já estava prestes a desistir, avistou Pedro caminhando calmamente por uma rua mais distante.
Com cuidado, Fabrício acelerou o carro e começou a seguir Pedro à distância segura, para que o garoto não percebesse. Pedro caminhava sem pressa, olhando para os lados, até que parou em frente a um hospital. Fabrício franziu a testa, intrigado.
O que ele estaria fazendo ali? Fabrício estacionou e observou enquanto Pedro entrava no hospital, passando direto pela recepção. Esperou alguns segundos e, em seguida, saiu do carro, decidido a descobrir o que o garoto estava fazendo ali.
Entrou no hospital e seguiu os passos de Pedro, que caminhava pelas alas, parecendo muito seguro do caminho que fazia. Fabrício seguiu a distância, sem perder Pedro de vista. Logo, Pedro parou em frente à porta de um quarto da ala médica da enfermaria.
Ele abriu a porta devagar, entrando de maneira quase silenciosa. Intrigado, Fabrício se aproximou e olhou para dentro. O que viu fez seu coração parar: ali, deitada em uma cama de hospital, estava Aline.
Ela estava viva, mas desacordada, o rosto pálido e tranquilo. Fabrício entrou no quarto com passos lentos, o olhar fixo. Nela, tentando processar o que estava vendo, atrás da cama de Aline, uma pequena placa pendurada na parede informava: "Estado de Coma".
Aline murmurou, sem acreditar. Pedro se virou ao ouvir a voz de Fabrício e imediatamente o olhou com raiva. "O que você está fazendo aqui?
" perguntou, em uma voz dura e defensiva. Fabrício olhou de Pedro para Aline, incrédulo. "Você me disse que ela estava morta", disse ele, tentando conter o tom de acusação.
"Por que mentiu? " Pedro cruzou os braços, encarando-o com um olhar frio. "Eu não menti!
Ela está morta para o mundo do jeito que está. Ela nunca mais vai acordar e a culpa é sua! " Fabrício deu um passo para trás, chocado, a incredulidade das palavras de Pedro.
"Minha culpa? " repetiu ele, confuso e, ao mesmo tempo, tentando entender o que aconteceu com ela. Pedro respirou fundo e abaixou o olhar, os punhos cerrados de raiva e dor.
"Minha mãe trabalhava o tempo todo, ela tinha uma rotina pesada, sabe? Precisava sustentar a gente, mas era muito difícil. Eu tentava ajudar, mas não podia fazer muita coisa", começou Pedro, a voz vacilando levemente.
"Ela estava tão cansada que atravessou o sinal sem olhar. Um carro vinha rápido e ela foi atropelada. Fazem seis meses que ela está assim.
" Fabrício sentiu um nó na garganta ao ouvir aquilo, imaginando o sofrimento que Aline devia ter passado. "Pedro, eu. .
. eu sinto muito por isso, mas por que você não procurou ajuda? Por que não falou comigo?
" Fabrício perguntou, tentando entender. Pedro deu uma risada amarga. "Com você?
Eu preferia qualquer pessoa no mundo para ajudar, menos você! " Ele o encarou com o rosto endurecido, os olhos cheios de ressentimento. "Desde que ela está aqui, as assistentes sociais tentam me colocar num orfanato.
Mas eu não quero! Prefiro dormir na rua do que ser jogado num lugar desses. O aluguel do nosso apartamento venceu e ninguém mais se importou.
" Pedro deu alguns passos na direção da porta, claramente com a intenção de sair. Fabrício deu um passo à frente, com medo de que ele desaparecesse de novo. "Espere, Pedro, por favor", lhe disse Fabrício, segurando-o pela blusa.
O tecido velho e desgastado rasgou-se em um dos lados, revelando um pedaço das costas de Pedro. "Ah, desculpa, eu não queria", começou Fabrício, soltando o tecido rasgado, mas algo chamou sua atenção. Ali, na pele de Pedro, havia uma marca, um sinal de nascença em forma de meia-lua.
Fabrício estremeceu. "Ele. .
. conhecia aquele sinal? Tinha o mesmo nas costas?
" "Esse sinal. . .
", sussurrou, quase sem ar. Pedro olhou por cima do ombro, percebendo o olhar chocado de Fabrício. "Sim, eu vi que você tem o mesmo sinal", respondeu Pedro, o rosto sombrio.
"Isso me deixa triste, sabia? Prefiro que qualquer outra pessoa no mundo fosse meu pai, menos você. " O garoto olhou para Fabrício uma última vez e, então, sem esperar qualquer resposta, saiu correndo do quarto.
Fabrício ficou parado, incapaz de se mover, sentindo como se cada parte de sua vida estivesse sendo desfeita diante dele. Pedro era seu filho, a certeza pesava em seu peito de forma esmagadora. Ele se aproximou de Aline, ainda em choque.
As lembranças do passado vieram à tona com força total: a discussão, as palavras duras que havia dito, a recusa em acreditar que o filho era dele. Agora, tudo fazia sentido: a dor no olhar de Aline naquela última vez, o tom de súplica em sua voz, a maneira como ela tentou se justificar. Ele vira tudo aquilo como manipulação, uma tentativa de prendê-lo, mas estava terrivelmente errado.
Fabrício observou o rosto sereno de Aline, os aparelhos ao redor emitindo sons leves e rítmicos. Ela estava em coma há seis meses, enquanto o filho deles dormia nas ruas, sozinho, sem ninguém para ampará-lo. Lentamente, ele se sentou ao lado da cama dela, segurando a mão de Aline com cuidado, como se ela pudesse acordar a qualquer momento e tudo aquilo fosse um pesadelo.
"Eu. . .
eu sinto muito, Aline", murmurou, os olhos marejados. "Eu sinto muito mesmo. " Mas Aline continuava imóvel, e Fabrício sabia que suas palavras não mudariam nada.
Ela estava presa naquele estado, e ele, de certa forma, também, um peso de culpa e arrependimento tornando difícil até mesmo respirar. Depois de algum tempo em silêncio, ele se levantou; precisava encontrar Pedro, precisava fazer algo, qualquer coisa para se redimir. Sabia que o garoto carregava um ressentimento profundo, mas não podia desistir.
Ele caminhou rapidamente pelos corredores do hospital, com o coração batendo acelerado, a cabeça cheia de promessas que pretendia cumprir. Havia desaparecido. Pedro correu para as ruas, respirando o ar frio da noite, enquanto sentia o peso da raiva e do ressentimento em cada passo.
Ele encontrou o caminho até o barraco onde dormia com alguns outros garotos de rua, um abrigo improvisado entre paredes de madeira velha e coberturas de lona. Naquela noite, sua raiva por Fabrício parecia maior do que tudo, mas, ao mesmo tempo, a saudade de sua mãe apertava-lhe o peito. Ele deitou-se no chão duro, abraçando-se, e deixou as lágrimas escorrerem silenciosamente, enquanto o cansaço o vencia.
Na manhã seguinte, Pedro se levantou cedo, com a decisão de visitar o hospital antes que as assistentes sociais ou Fabrício aparecessem por lá. Temia ser descoberto, temia até mesmo ser levado para longe de sua mãe. Caminhou até o hospital, a cabeça baixa, os olhos atentos ao redor.
Ao chegar no quarto de sua mãe, ele parou por um instante antes de abrir a porta, mas, ao entrar, Pedro se surpreendeu com a cena que encontrou. Uma senhora idosa, de cabelos grisalhos e olhar gentil, estava sentada ao lado de Aline. Ela segurava a mão de sua mãe, observando-a com um olhar suave e tranquilo.
Ao notar Pedro entrando, a senhora sorriu calorosamente, como se já o conhecesse. "Oi, Pedro", disse a mulher, a voz firme, mas cheia de doçura. "É um prazer conhecer você, meu netinho.
" Pedro parou, confuso, sentindo o coração bater mais rápido. Avó, ele perguntou. Ainda tentando entender o que estava acontecendo, a senhora assentiu e deu um leve sorriso.
— Sim, sou sua avó, querido. Meu nome é Lara, sou mãe do Fabrício. Pedro olhou para ela com um misto de surpresa e desconfiança, os olhos avaliando cada detalhe daquela mulher.
Lara parecia genuinamente contente em vê-lo, mas ele não conseguia deixar de pensar que aquilo talvez fosse mais um truque de Fabrício. — Ontem à noite eu fui dormir sem netos — continuou Lara, com uma expressão carinhosa — e hoje acordei descobrindo que tenho um neto. Foi seu pai quem me contou tudo, e eu entendo a sua raiva, viu?
Você tem todo o direito de sentir o que sente. Pedro estreitou os olhos, ainda se sentindo na defensiva. — Eu não preciso de ninguém, muito menos dele — respondeu, a voz carregada de mágoa.
— Prefiro ficar na rua do que morar com ele. Lara sorriu levemente, sem se abalar com a resposta dura do garoto. — Sabia que você diria isso — disse ela, fazendo uma pausa e ajeitando-se na cadeira ao lado da cama de Aline antes de continuar.
— Sabe, eu moro perto daqui e moro sozinha. Se você quiser, pode morar comigo. Não vou te obrigar a nada, só quero que você tenha um lugar seguro.
Pense bem. Mas se você for hoje, prometo que faço uma torta de chocolate deliciosa. O estômago de Pedro roncou involuntariamente ao ouvir a menção da torta de chocolate.
Ele sentiu o rosto esquentar, mas não pôde evitar; estava com fome. Lara soltou uma risada gentil ao ver a reação do garoto e então perguntou, sorrindo ainda mais: — Acho que já temos um sim, não? Pedro tentou manter a postura firme, mas a fome e o jeito carinhoso de Lara faziam com que ele se sentisse menos defensivo.
Finalmente, depois de pensar por alguns segundos, ele respondeu: — Eu vou, mas se eu não gostar, eu saio de lá. Lara sentiu o olhar compreensivo. — Claro, querido, se não gostar, pode ir embora quando quiser.
Mas espero que goste e também espero que, aos poucos, você se sinta à vontade. O jeito gentil e sincero de Lara baixou um pouco a guarda de Pedro, que a seguia com passos cautelosos pelo corredor, ainda desconfiado, mas com uma fagulha de esperança. Do lado de fora, escondido atrás da porta, Fabrício observava a conversa com o coração apertado.
Ele ouvira cada palavra de Lara e sentia-se profundamente grato. Desde o momento em que contara tudo para sua mãe, ela havia reagido com uma mistura de choque e raiva. — Fabrício — olhou-a, os olhos estreitos de desapontamento —, eu não o criei para ser um homem covarde que foge das responsabilidades.
Você abandonou seu próprio filho. Isso me envergonha. Fabrício abaixou a cabeça, sem palavras para rebater as acusações.
Ele sabia que sua mãe estava certa, e ouvir aquelas palavras, agora ditas por Lara, parecia ainda mais doloroso. Ele passara os últimos anos se escondendo atrás de desculpas, evitando encarar o que fizera, e agora estava diante das consequências de suas ações. — Eu.
. . eu quero ajudar agora, mãe — disse ele, a voz quase inaudível, num último esforço para justificar-se.
Lara suspirou e colocou a mão no ombro dele. — Não faça isso por você, Fabrício. Não faça para tentar se redimir.
Faça por aquele garoto. Ele já passou por mais sofrimento do que deveria. Agora, escondido atrás da porta, Fabrício se sentia aliviado ao ver que Lara conseguira convencer Pedro a aceitar sua ajuda, mesmo que ele mesmo ainda fosse a última pessoa com quem o garoto queria ter contato.
Ao ouvir o estômago roncando de Pedro, um sorriso discreto surgiu nos lábios de Fabrício. Aquela era uma pequena vitória, e com sorte, talvez fosse o início de uma ponte entre eles. Enquanto Lara e Pedro deixavam o quarto, Fabrício permaneceu no hospital por mais alguns minutos, tentando recompor-se antes de sair.
Ele sentia o peso das palavras de sua mãe, mas também uma pontada de esperança. Sabia que teria um longo caminho pela frente e que conquistar a confiança de Pedro seria um desafio, mas agora, ao menos, havia uma chance. Lara levou Pedro para sua casa.
Durante o trajeto, o garoto manteve-se quieto, observando a cidade através da janela. Ao chegarem, Lara mostrou a ele um quarto pequeno, mas acolhedor, com uma cama arrumada e um armário simples. No canto do quarto, havia uma janela que dava para o jardim.
— Espero que você goste daqui — disse Lara, enquanto ajeitava uma das almofadas na cama. — Sei que não vai substituir sua mãe, mas quero que saiba que sempre terá alguém que se preocupa com você. Pedro desviou o olhar, ainda relutante em demonstrar qualquer emoção, mas era evidente que o gesto de Lara tocara algo dentro dele.
— Obrigado — murmurou, com um tom de voz baixo e contido. Lara sorriu, fazendo um carinho leve no cabelo dele. — Vou preparar aquela torta de chocolate como prometido.
Fique à vontade para explorar a casa ou descansar se quiser. Pedro assentiu, e enquanto Lara saía, ele olhou ao redor do quarto. A casa era silenciosa, aconchegante e um lugar onde ele se sentia seguro pela primeira vez em meses.
Enquanto Lara trabalhava na cozinha, o aroma da torta de chocolate começou a preencher a casa, e Pedro, atraído pelo cheiro, foi até a sala. Por um instante, permitiu-se relaxar e quase sorriu. Pedro devorou a torta de chocolate com entusiasmo, cada pedaço desaparecendo rapidamente, enquanto Lara o observava com um sorriso carinhoso.
A alegria dela era evidente; cada garfada que ele dava parecia renovar a esperança em seu olhar. Para Pedro, aquele momento era estranho e confortável ao mesmo tempo, uma sensação que ele quase esquecera. — Está boa?
— perguntou Lara, já sabendo a resposta. Pedro assentiu, com a boca cheia, e um sorriso breve escapou. Uma mordida e outra naquela noite, Lara o ajudou a se acomodar no quarto que arrumara para ele.
As paredes eram de um azul claro e havia uma janela que dava para o pequeno jardim nos fundos da casa. O cobertor macio e a cama confortável fizeram Pedro suspirar, sentindo-se seguro de uma forma que não se permitia há muito tempo. Os dias seguintes passaram rapidamente, e Pedro começou a se acostumar à rotina na casa de Lara.
Ela era uma presença constante e gentil, sempre pronta para ouvir o que ele tinha a dizer, mas também sabia ser rígida quando precisava. Certa manhã, enquanto tomava um café, Lara olhou para ele com um olhar determinado. — Pedro, você vai voltar para a escola — disse ela, firme.
Pedro engasgou com o suco e a encarou surpreso. — Escola? — perguntou, tentando parecer desinteressado.
— Sim, escola — respondeu Lara, sem desviar o olhar. — Você precisa terminar seus estudos. Vou te ajudar com o que precisar, mas quero ver você dedicado.
Pedro sabia que argumentar com Lara seria inútil. A convivência com ela lhe mostrara que, por mais que fosse doce, ela mantinha o pulso firme quando achava necessário. E assim, no começo da semana seguinte, ele retornou às aulas, nervoso e desconfiado, mas pouco a pouco começou a se adaptar.
Os dias iam se tornando menos pesados, e a rotina ao lado de Lara lhe dava uma sensação de segurança e estabilidade que ele não experimentava desde que Aline ficara em coma. Além de o incentivar na escola, Lara fazia questão de visitar Aline com ele todos os dias no hospital. Ela sabia da importância de manter essa conexão entre Pedro e sua mãe, e de certa forma, a própria Lara parecia ter criado um vínculo com Aline, mesmo após anos sem vê-la.
Durante as visitas, Lara segurava a mão de Aline e às vezes até contava histórias para ela, como se tentasse trazer algum conforto a quem estava em coma. Para Pedro, aquelas visitas eram dolorosas, mas também reconfortantes. Ele sabia que Aline estava ali, que ainda existia uma chance, por mínima que fosse, de ela acordar um dia.
Era uma esperança que se agarrava com força, e Lara o apoiava nisso. No entanto, as coisas não estavam completas sem a presença constante de Fabrício. Ele tentava se reaproximar de Pedro, insistindo em se fazer presente na vida do filho.
Aparecia com frequência na casa de Lara, levava livros escolares, jogos e até mesmo roupas novas, numa tentativa desajeitada de mostrar que estava disposto a fazer parte da vida de Pedro. Mas Pedro não cedia. Toda vez que Fabrício se aproximava, Pedro se fechava, lançando-lhe frios e mantendo a distância.
Uma tarde, depois da escola, Pedro estava no jardim, remexendo a terra ao redor das plantas que Lara cultivava com cuidado. Fabrício apareceu na porta de entrada, acenando. — Pedro!
Oi! Pensei em passar para ver como você está e trouxe um livro que achei que você pudesse gostar — disse ele, tentando parecer descontraído. Pedro mal olhou para ele, mantendo-se concentrado no que fazia.
Lara, que observava a cena da janela, hesitou, sem saber se devia intervir. — Não preciso de livros seus — respondeu Pedro, ainda sem encará-lo. Fabrício suspirou, mas tentou manter o tom leve.
— Só achei que você poderia gostar. Sabe, é uma história de aventuras. Eu adorava esse tipo de leitura quando tinha a sua idade.
Pedro largou a pequena ferramenta de jardinagem e se levantou, finalmente olhando para Fabrício com uma expressão dura. — Eu já te disse que não quero nada de você. Vai embora!
Lara deu um passo à frente, mas parou quando Fabrício levantou a mão, sinalizando que estava tudo bem. — Tudo bem, Pedro — respondeu Fabrício, a voz calma, mas com um leve tremor. — Eu só.
. . só queria ajudar.
Se algum dia precisar de algo, estou aqui. Pedro não respondeu e voltou ao trabalho, ignorando Fabrício completamente. Fabrício deu um sorriso forçado e acenou para Lara antes de sair.
Ele sabia que as tentativas de aproximação eram dolorosamente difíceis, mas não queria desistir. Pedro era seu filho e, mesmo que o garoto o rejeitasse agora, Fabrício sentia que precisava provar que estava ali para ele, incondicionalmente. Essa cena se repetiu muitas vezes ao longo das semanas.
Fabrício continuava a oferecendo ajuda com os deveres da escola, convidando-o para passeios, mas Pedro mantinha sua postura firme, rejeitando cada oferta, fechando-se cada vez mais a cada tentativa. Apesar de todo o apoio de Lara, Pedro ainda não conseguia perdoar Fabrício e o ressentimento crescia toda vez que via o pai. Lara percebia a angústia de Pedro, mas sabia que só o tempo poderia desfazer a barreira entre pai e filho.
Então, em uma tarde como outra qualquer, Lara e Pedro estavam no hospital, sentados ao lado de Aline em mais uma visita rotineira. Pedro estava com os olhos fixos na mãe, segurando sua mão, enquanto Lara contava histórias suaves sobre os dias que eles passavam juntos, tentando de algum modo fazer com que a presença deles fosse sentida. O ambiente estava calmo; o som constante dos aparelhos era o único ruído de fundo.
Foi nesse momento que algo inesperado aconteceu. Pedro, distraído, ainda segurando a mão de Aline, sentiu um leve movimento. Ele olhou para a mão dela, o coração disparado, achando que talvez fosse apenas sua imaginação.
Mas então ele percebeu que os dedos de Aline haviam realmente se mexido. — Mãe! — sussurrou ele, sem tirar os olhos da mãe.
Lara parou de falar, virando-se para Pedro, com uma mistura de surpresa e esperança. — Pedro, querido… — acho que… Antes que ela terminasse a frase, os olhos de Aline começaram a abrir lentamente, piscando contra a luz fraca do quarto. Pedro congelou, sem acreditar no que estava vendo.
Aline abriu os olhos, e eles se demoraram por um instante, perdidos, até que focaram em Pedro. Ele segurou a mão dela com mais força, o coração acelerado, enquanto uma sensação indescritível de alívio e felicidade invadia seu peito. — Mãe!
— murmurou ele. Voz embargada, os olhos de Aline, mesmo cansados e confusos, brilharam de reconhecimento. Ela olhou para ele, tentando processar o que estava acontecendo, e uma lágrima escorreu pelo rosto dela.
Lara correu para chamar um médico enquanto Pedro permanecia ao lado da cama, segurando a mão de Aline com força, os olhos marejados de emoção. Fraca, ela tentou apertar a mão dele de volta, mas seu corpo respondia com dificuldade. Ela não conseguia falar, mas o olhar que lançava ao filho dizia tudo o que Pedro precisava saber: ela estava de volta.
O médico entrou no quarto e examinou Aline com cuidado. Depois de um tempo, pediu para que todos saíssem para que pudesse avaliar melhor seu estado. Lara e Pedro esperaram ansiosamente na recepção e, depois de alguns minutos, o médico se aproximou com um semblante calmo.
"Ela acordou, mas está muito fraca", explicou o médico. "Ficou seis meses em coma, então o corpo dela precisa de tempo para se readaptar. Em breve, ela voltará a falar e a andar, mas vai precisar de fisioterapia e acompanhamento constante.
É uma questão de tempo e paciência. " Lara e Pedro suspiraram aliviados. O médico permitiu que eles entrassem novamente no quarto e, ao ver Aline sorrindo, ainda que fraca, Pedro correu até ela e a abraçou com delicadeza, como se temesse machucá-la.
Aline retribuiu o abraço o melhor que pôde, enquanto Lara olhava a cena com um sorriso emocionado. Lara pegou o celular e ligou para Fabrício. A voz embargada de emoção: "Aline despertou.
" Fabrício estava consciente do outro lado da linha. Fabrício ficou em silêncio por um momento, absorvendo a notícia, e se dirigiu ao hospital. Chegando lá, ele entrou no quarto com uma expressão de alívio ao ver Aline acordada.
Aproximou-se devagar, um leve sorriso no rosto, mas ao notar o olhar dela, percebeu que ela não parecia contente com sua presença. Os dias passaram e, aos poucos, Aline começou a recuperar suas forças. Sua voz, inicialmente fraca, foi ganhando mais firmeza, e a fisioterapia ajudava a preparar seu corpo para voltar a andar.
Lara a acompanhava todos os dias, e Aline demonstrava um profundo sentimento de gratidão pela sogra. Num desses dias, enquanto Pedro estava na escola, Aline e Lara ficaram a sós no quarto. "Eu não sei como agradecer por tudo o que você fez pelo Pedro", disse Aline.
Hesitou, procurando as palavras. "Enquanto eu estive. .
. " Lara segurou a mão de Aline e sorriu. "Ele é meu neto e você, Aline, é uma pessoa especial.
Eu faria tudo o que fosse necessário para mantê-lo seguro e feliz. " Aline se sentiu comovida antes que pudesse responder. Pedro entrou no quarto com uma expressão nervosa, como se soubesse que estava para acontecer algo sério.
Ele mal teve tempo de dizer "oi" antes de Aline lhe lançar um olhar de censura. "Pedro, preciso ter uma conversa com você", começou Aline, o tom sério. "Eu soube que, nesses meses, você fugiu das sociais e esteve morando na rua.
Isso foi muito irresponsável, Pedro. Você tem ideia do quanto isso me preocupa? " Pedro abaixou a cabeça, envergonhado, sentindo o peso das palavras da mãe.
"Eu sei. Desculpa, mãe. Eu só.
. . eu só queria ficar perto de você.
" Aline balançou a cabeça, interrompendo. "Eu entendo que você se preocupava comigo, mas morar na rua foi uma decisão muito perigosa. Assim que eu estiver totalmente recuperada, temos uma longa conversa sobre isso.
Precisamos resolver tudo o que ficou para trás. " Pedro suspirou e assentiu, sentindo o peso da responsabilidade sobre seus ombros. Aline o puxou para um abraço, sua expressão suavizando um pouco.
"Mas acima de tudo, estou feliz que você está bem", disse ela, acariciando o cabelo dele. "Agora podemos reconstruir tudo juntos. " Nesse momento, Fabrício entrou no quarto.
Ele parecia hesitante, com um sorriso tímido, claramente ainda tentando se habituar ao novo ambiente e à presença de Aline. Lara cumprimentou Fabrício com um aceno de cabeça, e ele, por sua vez, retribuiu, mas o leve rubor em seu rosto deixava claro que se sentia desconfortável. "Oi, Aline", disse ele, aproximando-se com cautela.
"Eu. . .
eu estou feliz que você esteja bem. Não podia deixar de vir. " Aline manteve o rosto impassível, mas assentiu.
Lara então agradeceu a Fabrício por todo o suporte que ele vinha dando ao Pedro. "Obrigada por ajudar com as despesas do Pedro e com a escola", disse Lara. "Sei que é difícil, mas é importante que ele saiba que tem o pai ao lado.
" Fabrício deu de ombros, ainda meio constrangido. "É o mínimo que eu posso fazer. Ele é meu filho, mesmo que as coisas tenham sido como foram.
" Pedro, que ouvia tudo, não conseguiu esconder sua frustração. A presença de Fabrício ainda despertava uma profunda irritação dentro dele, e ele não se conteve. "Você deveria sair logo daqui", disse Pedro em um tom cheio de raiva.
"Você sempre foi um babaca com a minha mãe, por que continua fingindo que se importa? " A sala ficou em silêncio após a explosão de Pedro. Fabrício abaixou o olhar, visivelmente desconfortável, e Pedro cruzou os braços, desafiador.
Mas antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, sentiu a mão de Aline segurar a sua com firmeza e o puxá-lo para mais perto, encarando-o com um olhar sério. "Pedro", disse ela, a voz calma, mas firme. "Quero que peça desculpas ao seu pai agora.
" Pedro ficou confuso e olhou para ela como se não acreditasse no que ouvia. "Mas mãe. .
. " "Ele não importa o que aconteceu entre nós, Pedro. Ele continua sendo seu pai, e você não deve tratá-lo com desrespeito.
Ele pode ter cometido erros, mas isso não lhe dá o direito de ser rude. Sinta a sua raiva, expresse seus sentimentos, mas não com esse tipo de atitude. " Pedro respirou fundo, a expressão endurecida, mas Aline não desviou o olhar, mantendo-o firme.
Ele finalmente cedeu, abaixando a cabeça. "Desculpa, pai", murmurou, relutante. Fabrício, ainda visivelmente desconcertado, assentiu, aceitando o pedido de desculpas do filho.
Filho, ele não esperava ser perdoado de imediato, mas a atitude de Aline fez com que ele sentisse que, aos poucos, talvez houvesse espaço para reconstruir sua relação com Pedro. O quarto voltou ao silêncio, até que Aline suavizou a expressão e sorriu levemente, mantendo Pedro ao seu lado. Lara olhava a cena com uma expressão tranquila, sabendo que este era apenas o começo de um longo processo de entendimento e reparação entre eles.
E, enquanto Pedro continuava ao lado da mãe, ainda incomodado, mas resignado, ele sentiu que algo diferente nascia ali: uma pequena fagulha de possibilidade de reconciliação que poderia crescer com o tempo. Após meses de recuperação, Aline finalmente recebeu alta do hospital. Foi um momento emocionante para todos, e Lara, que se tornara uma figura materna em sua vida, prontamente ofereceu sua casa para que Aline e Pedro pudessem se restabelecer, até que ela se adaptasse ao trabalho novamente e conseguisse se reorganizar.
Aline aceitou a oferta com gratidão, sentindo-se acolhida pela família de Lara como nunca antes. O tempo passou, e Pedro se apegou profundamente à rotina na casa da avó. Ele adorava o ambiente aconchegante, os conselhos e as risadas de Lara, e, principalmente, as tortas de chocolate dos fins de semana.
Mesmo quando Aline já estava completamente recuperada e decidiu alugar um apartamento para eles, Pedro insistia em ficar por perto. "Eu vou ter que alugar um lugar próximo de você, Lara, se não quiser perder meu filho para suas tortas de chocolate", brincou Aline em um dia ensolarado, enquanto empacotavam os pertences. Lara riu, colocando uma mão sobre o ombro de Pedro.
"Ele sempre pede, mas eu só faço nos finais de semana, justamente para ter uma desculpa para vê-lo", disse ela, piscando para Pedro. Com a mudança para o apartamento novo, Aline e Pedro continuaram próximos de Lara, mesmo que agora morassem sozinhos; as visitas à casa dela eram frequentes. Aline, que perdera contato com o restante da família ao longo dos anos, encontrou na ex-sogra uma figura que considerava como mãe.
Sempre que havia tempo, passavam juntos os finais de semana, celebrando aniversários e criando novas memórias. Ao mesmo tempo, Fabrício continuava tentando se aproximar de Pedro. Ele percebia o quanto seu filho era importante para ele, especialmente agora que Pedro começava a sorrir mais e mostrar um lado mais aberto e caloroso, algo que Fabrício ansiava em compartilhar.
Toda vez que ele se aproximava, no entanto, Pedro mantinha uma barreira, falando pouco e raramente relaxando. Aline, por mais que ainda mantivesse seus sentimentos os quais em relação a Fabrício, nunca impediu que Pedro passasse algum tempo com ele. Mas Pedro sempre recusava os convites do pai e, quando acabava indo, parecia desinteressado e distante.
Fabrício tentava de tudo, mas com o tempo percebeu que precisaria de uma nova abordagem se quisesse conquistar o carinho e a confiança do filho. Frustrado e sem saber o que mais fazer, Fabrício pediu conselhos a Lara, que o recebeu em casa com um chá quente e um olhar compreensivo. "Ele não quer saber de mim, mãe.
Toda vez que tento me aproximar, ele se fecha. O que posso fazer para que ele. .
. eu não sei. .
. para que ele me aceite? ", disse Fabrício, exasperado.
Lara pousou a mão sobre a dele e respondeu com um tom calmo: "Seja você mesmo, Fabrício. Vocês devem ter algo em comum. Às vezes, uma pequena conexão pode abrir portas que estão fechadas há muito tempo.
" Alguns dias depois, Fabrício estava em casa, assistindo a um jogo de futebol na televisão, quando Pedro chegou para uma visita breve. Fabrício estava absorto na partida, mas notou que Pedro, ainda que estivesse com o semblante sério de sempre, dava rápidas espiadas na tela. "Você gosta de futebol?
", perguntou Fabrício, esperançoso. Pedro olhou para ele sem esboçar um sorriso, mas respondeu com um tom de curiosidade: "Sim, gosto! Jogava com uns amigos quando estava na rua.
" Fabrício viu ali uma oportunidade, e sua expressão se iluminou. "Quer assistir ao jogo comigo? Posso preparar uns lanches e a gente pode torcer junto?
", sugeriu. Pedro hesitou por um momento, mas finalmente assentiu e se sentou no sofá ao lado de Fabrício. A tensão inicial foi, aos poucos, substituída por um clima mais leve e, à medida que o jogo esquentava, eles começaram a se envolver na partida, gritando e vibrando com os lances.
Foi o primeiro momento genuíno entre os dois. E, daquele dia em diante, Fabrício e Pedro descobriram uma paixão compartilhada pelo futebol. Aos poucos, eles começaram a ir a estádios juntos, assistindo a jogos e torcendo lado a lado.
Nos fins de semana, passaram a se reunir para jogar no parque, com Fabrício ensinando algumas jogadas e Pedro demonstrando seu talento com a bola. Foi como se, através do futebol, outras portas começassem a se abrir entre eles, e a relação antes tensa e distante começou a se transformar em algo mais próximo e significativo. Enquanto isso, Aline seguiu com sua vida e, após alguns meses, começou a namorar um homem chamado Otávio.
Ele era um homem doce e gentil, alguém que tratava Pedro com respeito e carinho, conquistando tanto a confiança de Aline quanto o afeto de Pedro. Pela primeira vez em muito tempo, Aline sentia-se plena e feliz, e Pedro, por sua vez, gostava da presença de Otávio, encontrando nele um amigo e, talvez, uma figura paterna. Para Fabrício, a felicidade de Aline e Pedro com Otávio era algo que ele observava com um misto de emoções.
Ele via o quanto havia perdido ao longo dos anos e, por mais que soubesse que as decisões do passado haviam sido fruto de sua imaturidade, não podia deixar de sentir uma profunda tristeza. A imagem de uma vida que ele mais queria: uma família completa ao lado de Aline e Pedro, atormentava sua mente. Um dia, durante uma visita à casa de sua mãe, Fabrício desabafou: "Mãe, eu me sinto feliz que Pedro e eu finalmente nos demos bem, mas ao mesmo.
. . Tempo, vejo que ele está feliz com o Otávio e Aline.
Também eu sinto que perdi algo incrível: uma família. Lara o ouviu com atenção e, após um breve silêncio, segurou a mão do filho. — Sabe, Fabrício — começou ela com uma expressão pensativa —, um copo quebrado nunca volta a ser perfeito como antes.
As rachaduras sempre vão ser visíveis, mesmo que você tente colá-las. Fabrício assentiu, reconhecendo a verdade nas palavras da mãe. — Eu sei, mas eu queria tanto, queria tanto poder voltar atrás.
Lara apertou sua mão e deu um leve sorriso. — Eu espero que você possa ser feliz, meu filho, e espero que encontre alguém que o ame como Aline amou um dia. Mas, dessa vez, espero que você não seja um covarde.
As palavras de Lara penetraram fundo no coração de Fabrício. Ele percebeu que, embora não pudesse mudar o passado, talvez ainda houvesse uma chance de construir um futuro diferente, baseado nas lições que [Música] aprendera.