[Acorde de violão] [Buzina de carro] Começa agora Inédita Pamonha, por instantes felizes, virginais e irrepetíveis. [Fundo musical] Ei! Você por aí de novo.
Bem-vindo ao Inédita Pamonha. Um oferecimento dos nossos amigos: Eastman Chemical do Brasil, do grande Gerson Mela. Um oferecimento também de BNP Paribas Asset Management.
E, claro, um oferecimento dos amigos da Profuse Aché. Sejam todos bem-vindos! [Fundo musical] Você olha pra mim e pergunta: mas professor, tirando as tristezas mais radicais, momentos de luto, de dor aguda, a vida dá para ir levando, não dá não?
Tem até, aqui e acolá, a chance dela ser bem legal. Vamos combinar, se a gente se ajeita para se encontrar, monta junta a galera, põe uma música, põe um churrasquinho, uma carne para assar. Oh professor, não é tão ruim assim.
Por que é que esse pessoal da filosofia gosta de azedar as coisas? Bom, eu vou dar à palavra a um pensador que eu adoro, que é Schopenhauer, e ele vai tentar nos explicar porque que a vida é difícil, ela é ruim, ela é sofrida em qualquer momento. Para além dos episódios nefastos e eufóricos, a vida é, digamos assim de uma maneira geral, a evitar.
Ela tem problemas de difícil solução E por quê? Que que tem de tão ruim na vida assim? Para Schopenhauer duas coisas atravessam a vida do nascimento à cova, o divertimento e o enfado.
Olhando assim parece que ele tem razão, quando a gente está se divertindo a gente não tá enfadado, porque o divertimento joga o enfado para longe e quando a gente tá enfadado, quase sempre, é porque a gente não tá se divertindo, né? Então, de fato divertimento e enfado resumem, senão tudo, boa parte da vida. Ué, mas não é tão ruim assim vai.
Vamos combinar, o divertimento é bem legal e o enfado, o enfado, saco cheio, não é também de se jogar pela janela. Você deve imaginar que se ele disse que a vida, de uma maneira geral, é ruim a evitar por conta do divertimento e do enfado, você deve imaginar que ele entende por divertimento e enfado alguma coisa diferente do que entendemos no senso comum. Divertimento no senso comum é o que eu falei, é a gente curtir, ouvir uma musiquinha, joguinho na quarta-feira, joguinho no domingo, uma série legal, a galera que vem em casa, a gente que vai na casa do pessoal.
Pois é, então. Schopenhauer entende divertimento de maneira diferente, o significado é outro. Qual é então?
[Fundo musical] Lembra do desejo? Desejo que é, claro, energia para ir atrás, mas que é um imaginário, uma ideia na cabeça sobre o seu objeto. Então eu desejo um emprego, o emprego tá na sua cabeça, a energia tá no seu corpo, por enquanto o emprego não existe, mas você deseja e precisa dessa falta para continuar desejando.
Nossa aí, aí você olha e diz: bom, tudo bem, já sabemos disso. E aí o que acontece? Bom, pode acontecer de você demorar para conseguir um emprego, então você continua desejando.
Pode acontecer de você arrumar um emprego logo. Então, e aí? Que que tem de tão ruim?
É que você passa a desejar outra coisa, às vezes essa outra coisa está relacionada ao emprego, porque você entra lá no G15, né? No fim da fila. Você entra no primeiro degrau e logo você percebe que o legal é estar pelo menos no segundo degrau, porque no segundo degrau já tem vaga no estacionamento.
No segundo degrau, nossa, tem um vale-alimentação que já é mais bacana. No segundo degrau tem um seguro de saúde que já cobre uns hospitais mais legais, no segundo degrau o salário já é melhor. Então você passa desejar o segundo degrau.
Pode demorar, mas pode rolar logo, e só então você percebe que o terceiro degrau vai merecer todo o aplauso de todo mundo. O segundo degrau é bacana, mas tem muita gente no segundo degrau. Assistente de supervisor.
Bacana, né? Vale-refeição, vale-transporte. É, mas você não sai por aí gritando: "Eu sou assistente de supervisor".
Pode até fazer, mas não vai obter cornetas, tapete vermelho, vuvuzela etc. Só no terceiro degrau que vai rolar, então você demora, mas chega no terceiro degrau. E aí começa a ter pouca gente em cima de você.
E aí você começa a pensar: caramba, por que não? Se já cheguei até aqui , não é? Se alguém tem que ser presidente, porque não eu?
E depois se alguém tem que ser presidente dos Estados Unidos, por que não eu? E depois se alguém tem que ser imperador do mundo, por que não eu? Pois é, o divertimento para Schopenhauer é isso.
É você ir atrás, conseguir um rapidíssimo instante de satisfação e novamente ir atrás, só que agora de outra coisa. [Fundo musical] Então o divertimento a gente pode entender como se fosse uma dança, mesmo. Uma dança, um, dois, três, um, dois, três.
Olha que loucura, o dois é rapidinho, é a satisfação, o um e o três são mais longos. Deve ter alguma dança, algum ritmo, com essa balada: um mais longo, dois mais curto, três mais longo, um mais longo, dois mais curto, três mais longo, é o ritmo do bolero. "Eu vou ficar guardado no seu coração".
Que loucura, é uma dança, a dança do divertimento. Deseja, sacia, deseeeja. Deseja, sacia, deseeeja.
E assim você vai enchendo a vida, preenchendo o tempo da vida, se divertindo e indo atrás, dando-se o privilégio de um tiquinho de saciedade e de contentamento, mas logo a mente é povoada por um novo objeto de desejo e lá vai você atrás. Professor, eu juro que eu nunca tinha pensado no divertimento assim, eu sempre pensei no divertimento como um momento que você tá de boa, tá de boa com a galera, tá de boa com o mundo, reconciliado com o real, querendo ficar ali na poltrona, bem bacana, comendo esses ovinhos de amendoim com esse polvilho em volta e tomando Coca-Cola bem gelada e vendendo alguma coisa que não requer muito esforço para ser entendida, ali na televisão. Pois é, para Schopenhauer divertimento é outra coisa.
Lembra sempre: desejo, saciedade, desejo. Um, dois, três. E aí, é claro, você percebeu que se somar o desejo um com o desejo dois, nossa, é muito mais tempo indo atrás do que propriamente satisfeito.
[Fundo musical] Xíí Professor, se o divertimento quer o lado bom da coisa pelo menos aparentemente, já foi solenemente detonado, eu fico imaginando então o enfado. Mas legal aprender o enfado. Ah o enfado foi falado me faz lembrar de Le Rouge e Le Noir, O Vermelho e o Negro de Stendhal.
Stendhal dos três maiores. Stendhal o maior escritor francês, se bobear. Stendhal, autor da mais incrível obra de literatura que eu já li, se bobear.
Tem rival, tem rival, mas Stendhal é dificilmente superável. E num determinado momento o herói da trama, Julian Sorel, vai para Paris trabalhar como secretário de um aristocrata que tinha D no nome. Quando tem D no nome é incrível, né?
O Marquês De la Mole, monsieur De la Mole. Na hora que tem D é porque é nobre, é porque é incrível, né? Aristocrata, gente de altíssimo nível.
E aí Julian Sorel, que veio lá do interior do interior do interior, "provance de la provance" lá da [falando em francês]. Que era filho de ferramenteiro embrutecido. Chega na alta da sociedade parisiense e conhece Matilde, mademoiselle De la Mole Você entendeu filha do marquês, e Julian Sorel era boa pinta, era um latinista de mão cheia, tinha passado a vida, apesar da sua origem, estudando.
Falava doce, falava macio, era sedutor, tinha olhar de peixe morto. Olhar perdido lá no fundo e, vixe, Matilde cai na rede tranquilamente. E qual é o grande argumento?
É que Matilde vivia nos altos salões de Paris e ela só encontrava tédio, enfado, todos diziam a mesma coisa, todos falavam a mesma coisa, todos eram previsíveis, todos eram muito iguais, mas aí ela conheceu Julian Sorel, que apesar de ser erudito, fino e cordato e educado, tinha experiências para contar que ninguém ali jamais teve. Portanto Julian Sorel proporcionava relatos incríveis, Julian Sorel quebrava o enfado da vida nos salões da alta classe parisiense. [Fundo musical] Para Schopenhauer o enfado não é bem isso não.
O enfado, claro, faz lembrar um sentimento que demora, que nos acompanha, que dura para caramba, ninguém tem um pico de enfado. O enfado justamente se caracteriza por ser resistente, resiliente, de longa duração. Você bate a canela na quina da cama tem um pico de dor, mas um pico de enfado é esquisito.
E sabe o que caracteriza o enfado? Justamente o fato de viver uma vida onde tudo é amarrado em tudo pela utilidade de tudo. Numa rede, numa cadeia de utilidades, eu faço isso para aquilo, aquilo para aquele outro, aquele outro por aquele outro, e assim eu vou fazendo uma coisa por causa da outra que supostamente é mais importante do que a primeira.
Põe o colírio para lavar os olhos, porque os olhos lavados valem mais do que o colírio. Faço o fundamental para entrar no ensino médio, porque o ensino médio vale mais do que o fundamental. Faço isso por aquilo, faço aquilo por aquele outro.
Viro CFO pra poder virar CEO, e viro CEO para poder me gabar, me gabo para poder pisar nos outros, piso nos outros para poder, para poder, para poder. . .
Nossa, isso é enfadonho segundo Schopenhauer. E quando é que o enfado se rompe? Quando a utilidade se quebra, quando o valor de cada coisa, de cada gesto e de cada instante se encontra nele mesmo e não precisa de nenhuma utilidade para se realizar.
Talvez seja assim a felicidade, que não precisa de mais nada, porque basta. Talvez seja assim qualquer instante da vida que quando importa mesmo, conta mesmo, não precisa ser útil para nada, porque já tem nele mesmo toda a sua razão de ser. O enfado é a radical inutilidade da vida, como é uma locomotiva em um supermercado.
Nada mais enfadonho do que locomotivas na estação de trem puxando vagões. Você nem repara nelas, mas a locomotiva no supermercado é a ruptura radical da utilidade é a consagração da vitória sobre o enfado. [Fundo musical] Este foi o Inédita Pamonha desta quinta-feira inesquecível.
Que tenha sido assim uma vitória sobre o divertimento e o enfado, que Schopenhauer tenha perdido a razão na excelência do instante vivido, porque só quinta-feira que vem a coisa volta, mas até lá ouça de novo e se gostou compartilhe! Beijo grande, beijo grande! Eastman Chemical do Brasil.
BNP Paribas Asset Management e Profuse Aché. Continuem com a gente, valeu! Você ouviu o Inédita Pamonha, por Clóvis de Barros Filho, trazido até você pela revista INSPIRE-C.
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