O que você faria se tivesse um dia de folga a mais por semana? Desde o início do século 20, a rotina de 8 horas de trabalho e 5 dias por semana é um padrão em grande parte das legislações trabalhistas do mundo. Mas nos últimos tempos, algumas empresas e países têm testado trabalhar menos horas.
Inclusive aqui no Brasil. E os resultados têm sido promissores, tanto para a vida pessoal dos trabalhadores, quanto em relação à produtividade. Mas será que esse é o futuro do trabalho no mundo?
E aqui no Brasil, será que essa realidade ainda é distante? Meu nome é Camilla Veras Mota, e neste vídeo eu vou falar sobre as recentes experiências de redução de carga horária ao redor do mundo. E te ajudar a entender se essa é uma tendência que pode pegar aqui no país.
A reivindicação pela jornada diária de 8 horas, hoje padrão nas legislações trabalhistas, é atribuída ao galês Robert Owen. No século 19, com o avanço do capitalismo e das reivindicações de trabalhadores, ele criou o slogan: 8 horas de trabalho, 8 horas de lazer e 8 horas de descanso. Como naquela época os turnos de trabalho podiam chegar a 16 horas, essa frase parecia um sonho.
Ao longo dos anos, sindicatos, organizações trabalhistas e movimentos sociais reivindicaram redução na carga horária. Em cada país o processo foi diferente, mas o direito a uma jornada de trabalho menor foi sendo conquistado aos poucos ao redor do mundo. A criação da OIT, a Organização Internacional do Trabalho, parte do Tratado de Versalhes, em 1919, é um passo importante nesse processo.
Em sua primeira convenção, a OIT colocava como meta a adoção de um regime de trabalho de 8 horas por dia ou 48 horas por semana. Aqui no Brasil, as coisas demoraram um pouco mais. Foi só com Constituição de 1934, no governo de Getúlio Vargas, que direitos trabalhistas como salário mínimo, jornada de trabalho de 8 horas e férias foram instituídos.
E em 43, com a promulgação da CLT, essas leis foram consolidadas. O fato é que, desde esses marcos importantes para os direitos trabalhistas no início do século 20, avanços e retrocessos aconteceram ao redor do mundo. O mais recente capítulo nesse processo aqui no Brasil veio com a reforma trabalhista, que promoveu uma série de mudanças polêmicas, inclusive em alguns aspectos da jornada de trabalho.
Mas com todas essas mudanças que ocorreram com o passar dos anos, fica a pergunta: Será que hoje em dia a gente trabalha muito ou pouco? Nos anos 30, após alguns desses avanços trabalhistas que eu mencionei aqui, o famoso economista britânico John Maynard Keynes fez uma previsão. Ele afirmou que, dentro de um século, trabalharíamos menos de 15 horas por semana.
Mas um século depois, é possível dizer que estamos bem distantes desse futuro. A gente tem trabalhado demais. O que pode até matar.
É isso o que mostra um relatório da OMS (Organização Mundial da Saúde) feito em parceria com a OIT divulgado em maio deste ano. O documento aponta que centenas de milhares de pessoas morrem por ano por causa de jornadas excessivas. Em 2016, 745 mil pessoas morreram de derrame e doenças cardíacas relacionadas a longas horas de trabalho.
E a OMS diz que a tendência é a situação piorar com a pandemia do coronavírus. Neste estudo, o Brasil aparece na faixa de países que têm até 4% da população exposta a jornadas de trabalho consideradas longas. No caso, 55 horas ou mais por semana.
Esses números não colocam a gente entre os países mais afetados. Em alguns lugares, esse regime de mais de 55 horas trabalhadas por dia pode chegar a 33% da população. Mas o fato é que trabalhar tanto assim por semana aumenta o risco de sofrer AVC em 35% e de ter uma doença cardíaca em 17%.
É nesse contexto que algumas empresas e países têm testado regimes de trabalho menos exaustivos nos últimos anos. Antes de avançar: eu estou falando aqui sobre trabalhar menos horas pelo mesmo valor, e não sobre acordos de redução de jornada e salário. Como a gente viu aqui, as reivindicações por melhores condições de trabalho são constantes no decorrer da história.
Então não é exatamente uma novidade que esse regime reduzido tenha sido colocado em pauta. Nos anos 70, o debate sobre uma semana de trabalho de 4 dias ganhou até certo apelo entre acadêmicos, mas não foi para frente. Fato é que nos últimos anos essa algumas empresas e países começaram a experimentar essa ideia.
Eu destaco alguns casos. Em 2018, na Nova Zelândia, a empresa de serviços financeiros Perpetual Guardian fez um projeto piloto com seus 240 funcionários trabalhando 4 dias por semana, sem redução de salário. No ano seguinte, foi a vez da Microsoft Japão fazer o mesmo.
A empresa adotou a semana de 4 dias de trabalho durante o mês de agosto de 2019 e teve ótimos resultados. A produtividade dos funcionários, por exemplo, aumentou em 40%, em parte porque as reuniões foram cortadas em 30 minutos na média. Eles voltaram a trabalhar da forma antiga, mas planejam promover novos experimentos no futuro.
Motivada por esses dois experimentos que eu citei, e também por uma vontade de modernizar as formas de trabalho, a Unilever tem testado o regime de 4 dias por semana desde dezembro de 2020 na Nova Zelândia. A experiência vai durar um ano, e os resultados vão dizer se o modelo vai ser implementado de forma definitiva. Esses experimentos motivaram a Espanha a buscar empresas voluntárias para um projeto piloto de redução de jornada.
De 40 horas por semana para 32. O objetivo do governo espanhol é melhorar o equilíbrio entre trabalho e vida privada, ter benefícios ambientais e aumentar a produtividade. E o Japão se juntou a esse time neste ano, quando colocou a semana de 4 dias de trabalho como um dos planos de suas diretrizes de política econômica.
Mas o maior teste já feito até o momento aconteceu na Islândia. Em junho deste ano, o país ganhou manchetes mundo afora com os resultados do experimento de redução de carga horária feito no país. Esses resultados foram mostrados em um relatório divulgado pela islandesa Alda e pelo think thank britânico Autonomy.
Eles não participaram ativamente dos estudos, mas traduziram os resultados para divulgar a um público maior. Os testes aconteceram entre 2015 e 19, incluindo mais de 2500 trabalhadores, o que equivale a cerca de 1% da população ativa do país. A redução de carga horária foi de 40 horas por semana para 35 ou 36, dependendo da função.
O experimento foi conduzido pelo governo nacional e pela Câmara Municipal de Reykjavik. E o resultado foi um sucesso. Em países ricos, diz o relatório, há uma correlação forte entre horas de trabalho menores e produtividade maior.
Os trabalhadores tendem a produzir menos quando estão cansados. E isso gera um ciclo vicioso, já que quando você produz menos, mais horas de trabalho são necessárias para cumprir uma tarefa. Sabe aquela sensação quando você trabalha mais do que deveria e começa a demorar muito mais para fazer até as tarefas mais simples?
Pois é O estudo afirma que apesar das políticas de bem-estar social, a Islândia tem menor produtividade comparada aos vizinhos nórdicos, horas de trabalho mais longas e equilíbrio ruim entre vida pessoal e profissional. E os resultados mostraram que a redução de carga horária se refletiu em um ganho em todos esses aspectos. Algumas adaptações tiveram que ser feitas para compensar as horas não trabalhadas.
O número de reuniões foi reduzido e tarefas desnecessárias foram cortadas. Alguns turnos de trabalho tiveram que ser remanejados. O estudo também desafia a ideia de que reduzir a carga horária resulta em queda de produtividade.
Pelo contrário, em alguns casos a produtividade até aumentou. Os participantes dos estudos também conseguiram passar mais tempo com a família, fazendo tarefas caseiras ou exercícios físicos. Além disso, o nível de estresse diminuiu e o de satisfação com o próprio trabalho aumentou.
Esses e outros resultados positivos mostrados no estudo fizeram com que sindicatos do país renegociassem os padrões de trabalho. Agora, 86% da força de trabalho da Islândia reduziu o número de horas trabalhadas, com a manutenção dos salários. Essa redução foi menor do que a testada nos estudos.
Variou entre uma e meia hora a menos trabalhada por semana, dependendo do setor. Em um artigo publicado no site de notícias científicas The Conversation, o professor australiano Anthony Veal fez algumas ponderações sobre esse estudo. Na sua visão, o sucesso desse experimento na Islândia foi superestimado.
Ele afirma que os resultados dos testes foram de fato significativos. Mas isso não resultou em uma redução generalizada da carga de trabalho no país. Como vimos, a diminuição foi bem menor do que o experimentado nos testes.
Na opinião dele, não há motivo para que a luta por direitos pare no padrão de 8 horas por dia, 40 horas por semana. Mas esse caminho para uma semana de 4 dias não vai acontecer do dia para noite. Assim como as reduções de jornada que aconteceram nos últimos séculos, isso vai mudar aos poucos.
E precisará de empenho e luta dos trabalhadores. Mas e aqui no Brasil, será que existe alguma empresa que já adotou o esquema de 4 dias de trabalho por semana? Sim, e a gente conversou com uma delas.
A Crawly, uma empresa mineira de tecnologia que trabalha com busca e coleta de dados, adotou esse modelo assim que foi criada, em 2018. "Hoje, na Crawly, todo mundo trabalha 4 dias por semana. A gente faz uma jornada de segunda a quinta e a gente formatou isso daqui justamente para dar um pouco mais de espaço para as pessoas.
E a gente não cobra essa sexta-feira. A gente não costuma acionar as pessoas. No início, uma das coisas que provavelmente é dúvida de muita gente é a questão da barreira legal.
E não existe nenhum impedimento. O que gera estranheza para quem tá nesse modelo é que chega a primeira sexta-feira e todo mundo pergunta: Mas a sexta-feira é livre mesmo? Acho que é mais do ponto de vista do funcionário que está aplicando esses quatro dias do que da empresa mesmo.
Os benefícios que a gente observa mais claros eles são quanto a qualidade de vida e disposição das pessoas. Esse dia livre ajuda a organização de rotina. Os benefícios vêm muito por conta da qualidade de vida.
E a gente na empresa verifica isso com uma produtividade muito boa. " Conversamos com o psicólogo Sergio Dias Guimarães Junior, que estuda as relações entre saúde mental e trabalho no país. Ele falou que a redução de carga horária pode sim contribuir para a melhora da qualidade de vida e bem-estar no trabalho.
Mas, por outro lado, pode abrir um caminho para outras formas de trabalho que se dão além do ambiente formal. Demandas por trabalho remoto, horas extras não remuneradas, necessidade de estar disponível 24 horas por dia em aplicativos como whatsapp e por aí vai. E ele levantou outro ponto importante.
No Brasil, esse tipo de iniciativa pode até virar tendência em alguns nichos, mas a realidade do trabalho no país está bem distante dessa. De acordo com o psicólogo, a precarização do trabalho no Brasil tem recrudescido ao longo do anos. Ele cita a Lei da Terceirização, que veio com a reforma trabalhista em 2017, e a extinção do Ministério do Trabalho em 2019, pelo governo Bolsonaro, que acabou de recriar a pasta de novo.
Por causa disso, o desafio dos trabalhadores do Brasil atualmente seria reivindicar direitos potencialmente ameaçados, e não o de vislumbrar uma semana de 4 dias em um futuro próximo. Com isso, eu fico por aqui. Se você gostou desse vídeo, não se esquece de deixar um comentário.