O mundo é um lugar mais violento hoje do que no começo deste século: há pelo menos oito grandes guerras sendo travadas no momento, além de dezenas de conflitos armados em busca de territórios ou governos. Junto à guerra entre Israel e o grupo palestino Hamas na Faixa de Gaza, que desde 7 de outubro acumula milhares de mortos, e a invasão russa da Ucrânia, que completará dois anos em fevereiro de 2024, conflitos em grande escala estão ocorrendo em outros sete países Eu sou Giulia Granchi, da BBC News Brasil em Londres, e neste vídeo vou te contar quais são essas guerras e por que muitos desses conflitos não ganham tanta atenção ao redor do mundo, mesmo com índices altos de mortos e destruição. Para começar, vamos falar sobre o que exatamente pode ser chamado de guerra ou conflito.
Existem diferentes interpretações sobre a definição. Uma das mais adotadas por grupos internacionais de estudo tem o número de mortes como parâmetro, definindo como guerras os confrontos que atingem pelo menos mil mortes no período de um ano. Já conflitos armados são as disputas por territórios ou governos que resultam em pelo menos 25 mortes durante um ano.
Várias organizações têm alertado para um aumento de conflitos armados nos últimos anos, depois de décadas em níveis historicamente abaixo da média. Existem várias razões para isso, como explicou ao meu colega Ricardo Senra o professor Paul B. Stares, do Council of Foreign Relations, um grupo de pesquisa nos Estados Unidos que mapeia conflitos globais Segundo Stares, entre os fatores para o aumento de conflitos estão as crescentes tensões econômicas e sociais sobre Estados mais frágeis, a rivalidade mais exacerbada entre as grandes potências e até mesmo aos efeitos iniciais das mudanças climáticas Um projeto sueco que publica dados verificados sobre conflitos e é usado como referência por órgãos da ONU, pelo Banco Mundial e outras entidades internacionais, estima que o número de mortes relacionadas a combates armados no ano passado foi mais do que cinco vezes o verificado no início deste século A segunda questão é: por que alguns conflitos ganham mais visibilidade internacional do que outros?
Segundo os professores ouvidos pelo repórter Ricardo Senra, há também muitos fatores que influenciam nisso. As duas guerras mais discutidas do momento, Israel e Hamas e Rússia contra Ucrânia, ganham mais destaque pelo risco de acabarem envolvendo outros países, inclusive grandes potências com armas nucleares Entre outros elementos com influência na visibilidade do conflito está a proximidade com grandes centros populacionais, restrições ou não à circulação de jornalistas e ONGs, a disponibilidade de registros como vídeos, fotos e relatos circulando em redes sociais, e a familiaridade geográfica e cultural do grande público consumidor de notícias com os países envolvidos nas crises. A falta de destaque para um determinado conflito, segundo os especialistas, pode afetar diretamente o desenrolar dos combates e a pressão por cessar-fogo e corredores humanitários Na avaliação de Paul B.
Stares, "níveis elevados de preocupação ou indignação" nas populações de grandes potências econômicas e militares influenciam a disposição destes países em "dedicar atenção e recursos" pela paz Ele observa também que, quando uma determinada disputa está longe dos holofotes, as partes envolvidas percebem que podem agir com impunidade, pela sensação de que a comunidade internacional, num certo sentido, não se importa com aquela situação O professor Magnus Öberg, diretor do Upssala Conflict Data Program, lembra que visibilidade pode ser crucial para o envio de ajuda humanitária Mas por outro lado, ele adverte também que há possíveis efeitos colaterais dessa visibilidade Nas palavras dele, "isso pode complicar a busca por soluções ou redução de tensões, porque atores ou subgrupos mais extremistas podem usar ou gerar a atenção dos meios de comunicação para incitar a opinião pública, tornando mais difícil, por vezes quase impossível, que se chegue a acordos ou se evite uma escalada" Chegamos aqui ao nosso terceiro ponto: quais são as outras principais guerras em curso no mundo, além das que opõem Israel e Hamas, e Ucrânia e Rússia O ano passado é considerado o mais mortal por conflitos desde o genocídio de Ruanda, em 1994, com um total de 237 mil mortes, de acordo com informações do Journal of Peace Research, publicado na Noruega O aumento brusco em 2022 foi puxado principalmente por duas guerras particularmente violentas: Rússia e Ucrânia, com mais de 81. 500 mortos, e a da Etiópia contra a Frente de Libertação do Povo Tigraye, com 101 mil vítimas fatais até o fim de 2022 Therese Petterson, coordenadora do Upssala Conflict Data Program, estima que o fim do conflito sangrento na Etiópia deve fazer com que 2023 termine com um número de mortos em conflitos ligeiramente menor do que no ano anterior Ainda assim, as estatísticas devem ser superiores aos da maioria dos anos do século 21, incluindo 2021, com a prolongação de conflitos como os da Ucrânia e a guerra civil no Iêmen, que segundo a ONU já causou mais de 300 mil mortes desde seu início em 2014, além da guerra entre Israel e o Hamas. A seguir eu conto pra você sobre as principais guerras que continuam sem muita atenção do mundo A guerra em Burkina Faso é a parte mais violenta de um conflito armado mais amplo na região do Sahel, que fica no norte da África e inclui regiões de 10 países Desde 2016, Burkina Faso é palco de confrontos violentos entre forças armadas do governo e grupos islâmicos insurgentes como o Ansarul Islam, ligado à Al Qaeda, e ao Estado Islâmico no Sahel A Anistia Internacional estima que pelo menos 46 locais em Burkina Faso estavam sob cerco de grupos armados em julho de 2023 Em 2022, ano mais mortal desde o início dos registros, 1.
418 civis foram mortos A guerra civil da Somália se intensificou na primeira década dos anos 2000 com a ascensão do grupo islâmico Al Shabaab, aliado da Al Qaeda O Al Shabaab tenta derrubar o governo local, que é apoiado por países do ocidente. O objetivo do grupo é estabelecer seu próprio governo baseado numa interpretação radical da lei islâmica Segundo a ONG Human Rights Watch, "o grupo armado islâmico Al Shabaab conduz ataques indiscriminados e direcionados contra civis e recruta crianças à força" O nível de violência aumentou em 2022, atingindo o número mais alto de vítimas mortais desde o início da década de 1990, segundo o Upssala Conflict Data Program A agência da ONU para os refugiados diz que uma crise humanitária “inimaginável” está se desenrolando no Sudão Quase seis milhões de pessoas foram forçadas a abandonar as suas casas desde o início da guerra, em abril deste ano Em seis meses, a guerra entre os militares do Sudão e um grupo paramilitar que tenta tomar o governo deixou até 9 mil pessoas mortas, segundo as Nações Unidas, e criou “um dos piores pesadelos humanitários da história recente” Segundo a agência de migração da ONU, os combates deixaram 25 milhões de pessoas dependendo de ajuda humanitária, o que significa mais de metade da população Um golpe militar em 2021 e a consequente repressão a manifestantes contrários ao novo regime foram o ponto de partida para a escalada da violência no país do sudeste asiático Segundo pesquisadores independentes citados pela ONU, mais de 13 mil crianças morreram no país e 1 milhão e 300 mil pessoas foram deslocadas de suas casas Diversos grupos insurgentes atuam no país desde os anos 1950. Muitos deles são armados e radicalizaram sua atuação tentando tomar o poder e derrubar o novo regime militar No dia 8 de novembro, o governo dos EUA afirmou que um de seus drones militares foi derrubado na costa do Iêmen por rebeldes do grupo Houthi O grupo é apoiado pelo Irã e segue uma corrente do islamismo xiita conhecida como zaidismo A queda do drone americano foi a lembrança de um conflito que vem assolando o Iêmen desde 2014 — e que opõe principalmente os Houthi contra o governo iemenita, que é apoiado pela Arábia Saudita, rival do Irã Em setembro daquele ano, os Houthi tomaram a capital iemenita, Sanaa, e expulsaram o governo oficial.
Uma coalizão liderada pela Arábia Saudita e apoiada por Reino Unido e EUA reagiu, mas, oito anos e milhares de ataques aéreos depois, os rebeldes ainda controlam a capital Uma diminuição da violência pode ser atribuída em parte a uma trégua de seis meses mediada pela ONU em 2022 Mas há informações de que as negociações entre sauditas e os Houthi pararam e que as facções envolvidas no conflito não têm participado das conversas O país está cada vez mais fragmentado — e não apenas dividido pelos Houthi e pelo governo iemenita. Há, por exemplo, um movimento separatista apoiado pelos Emirados Árabes Unidos que luta pela independência do sul Uma das facetas mais cruéis desse longo e confuso conflito é a morte e mutilação de crianças — vítimas dos Houthi, dos ataques aéreos da coalizão liderada pela Arábia Saudita e das forças do governo oficial Conflitos internos distintos na Nigéria e na Síria estão próximos de atingir a marca de mil mortos em combates cada um, alçando os dois à classificação de guerra A Nigéria é palco de violência por grupos organizados desde sua independência, em 1960. O principal foco atualmente são batalhas entre forças do governo e grupos radicais islâmicos em diferentes estados que buscam controle de territórios Já a guerra civil na Síria, que tem origem em protestos contra o governo do presidente Bashar al-Assad em março de 2011, envolve grupos rebeldes e grandes potências estrangeiras como a Rússia, a Turquia, o Catar, a Arábia Saudita e os Estados Unidos Por hoje é isso, continue acompanhando nossa cobertura por aqui, nas nossas redes sociais e no nosso site bbcbrasil.
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