Esta é a cidade de Mana querida no Amazonas. E esta é Pires Ferreira, no sertão do Ceará. Assim, de cima, e olhando para alguns dados, elas podem até se parecer.
As duas têm menos de 20 mil habitantes, o mesmo nível de desenvolvimento, medido pelo IDH, e a maior parte da população vive em areas rurais. Mas quando a gente fala de educação, um abismo se abre. Como o senhor vê o futuro desses?
Eles não estão estudando, não estão aprendendo. Estão passando de ano, mas não estão adquirindo conhecimento. Eu vejo os alunos com um futuro brilhante, né, que a educação que eles têm hoje, de qualidade, eles vão aonde eles quiserem.
A BBC News Brasil veio até as cidades que registraram o pior e o melhor índice da educação básica para os anos iniciais do ensino fundamental, para saber o que Manaquiri e Pires Ferreira tem a aprender ou a ensinar ao restante do Brasil. Na cidade amazonense, com Ideb 2,5, a crise climática secou os rios e impede mais uma vez os alunos a chegarem à escola. Já a cidade cearense nota dez no Ideb, aproveita o senso de comunidade e colhe frutos de uma política pública integrada entre Estado e município.
Mas como diminuir esse fosso entre os extremos da educação no Brasil? A 150 quilômetros de Manaus, Manaquiri tem sido fortemente afetada pela maior seca já registrada na Amazônia brasileira. Este é o rio da cidade quando está cheio.
Agora, com a seca, ele está assim. Essa daqui é a vila do Janauacá. Uma das comunidades de Manaquiri onde as aulas já estão totalmente remotas, porque os alunos não conseguem mais chegar à escola.
Para a gente chegar até aqui, a gente teve que pegar uma lancha em um outro município. É pelos rios Solimões e o Paraná-do-Manaquiri que crianças são transportadas diariamente para as escolas. Mas onde havia a água, agora é terra.
Uma situação parecida à já vivida em 2023. Tenho medo deles ficarem viciados em celular, na televisão, né, que tem muito desenho. É triste de a gente ver a situação da criança sem estar na escola.
A prefeitura tem levado lições escolares e alimentos a comunidades isoladas, mas famílias como a de Giselle sentem que podem estar ficando para trás. Três folhas para a semana, né. Ou seje, se eles fazem tudo de uma vez, o resto da semana… O resto da semana estão vagos.
Em vez de ir para a frente, não, eles vêm mais para trás no ensino. Quanto mais dever, mais ensinamento eles vão ter, mais e mais eles vão aprender. A seca se soma a um ensino remoto durante dois anos de pandemia, com os alunos daqui passando pouco tempo dentro da escola.
As famílias têm tentado se virar. Francisca resolveu entrar para educação de jovens e Adultos, o EJA, após perceber que seus netos não conseguiriam avançar se dependessem apenas da escola. Na época que eu estudei, eu só fiz até a quinta série.
Três horas eu me acordo, e vou fazendo as anotações, estudando. Aí quando pela parte da manhã que eles acordam, eu passo para eles e vou explicar para eles tudinho. Vou ajudar e estou procurando ajudar assim, dessa forma.
A maior felicidade para mim é poder ajudar os meus netos. A gente veio aqui nessa escola municipal de manhã, em uma quarta feira, e ela está completamente vazia. Hoje a nossa escola encontra se vazia por conta dos problemas climáticos e geográficos que vem acontecendo em nosso município.
Somente nós, professores, trabalhando para tentar contornar toda essa problemática. Mas sem estar em sala de aula é bem complicado, né? Simplesmente nós não estamos olhando no rosto dos nossos alunos e vendo a realidade deles, o que eles precisam… 60% dos alunos da cidade ficaram sem aula em 2024 desde o início de setembro, quando os rios secaram muito além do normal.
Além do isolamento, muitas famílias também enfrentam a falta de internet ou até de sinal de telefone. Então, os alunos que caminham cinco horas para chegarem aqui na escola, então eles chegam cansados. Eles chegam e fadigados de um sol escaldante, como aqui do nosso estado.
Eu creio que os demais estados não sabem da nossa realidade. O Ideb é o principal indicador de educação no Brasil e consegue ligar alertas e demonstrar resultados objetivos. Mas será que numa cidade como Manaquiri o índice é capaz de captar tudo?
Educadores da Amazônia dizem que crianças ribeirinhas têm uma leitura de mundo e vivências que não são vistas em resultados de provas e que há outras formas de aprendizado que são importantes ali. Aqui tem uma população aguerrida, que tem sonhos. Porque a educação se faz até embaixo de uma árvore.
Na região Nordeste, onde a seca também costuma ser preocupação. A pequena Pires Ferreira vive uma realidade totalmente distinta: salas cheias e famílias empolgadas com a educação. Depois a gente andar quase 300 quilômetros desde Fortaleza, a gente tá chegando aqui em Pires Ferreira para descobrir o que essa cidade tem feito para chegar ao topo nacional do ranking da educação.
Quando a gente vem pra cá, a gente olha as placas e percebe o nome de outras cidades que vem se destacando, como Sobral. É quase como um efeito contágio que vem se espalhando por essa região aqui. A minha filha do meio tem 12 anos e ela estuda aqui no município de Pires Ferreira, faz o sexto ano.
Estar no município em que a educação é boa, isso é muito bom, porque a educação, ela leva o que nós, ao filho e a minhas filhas a crescerem a pensar no futuro. Para Elisângela, um dos segredos de Pires Ferreira é a parceria entre famílias e professores na cidade. As crianças moram relativamente perto das escolas, geridas por professores também dali.
Ela valoriza muito o aluno e a família. Ela leva a educação da escola pra casa também. Eu acho que isso é o que faz a diferença.
Uma das escolas nota dez no Ideb fica em frente a casa da família, numa área rural da cidade. Quando eu crescer, quero ser professora. Eu vou fazer pedagogia e eu quero ensinar crianças para mesmo as professoras.
Foram coisas muito importantes. Então eu quero ser uma professora e ser importante na vida de muitas crianças e alunas. Em Pires Ferreira, os alunos não são deixados para trás.
Caso seja percebido que a criança não está aprendendo, ela passa a ter aulas de reforço. E se algum aluno falta, os professores vão em busca das famílias. A gente faz o acompanhamento, como por exemplo, o PRA, que é o programa de recomposição da aprendizagem, que eles tanto acontece nas férias, como também na questão do contraturno.
Que esses são os alunos que têm mais dificuldade, em que a gente observa a dificuldade através de avaliações, de simulados… Os resultados são visíveis. Em Pires Ferreira, praticamente nao ha atraso escolar. Ou seja, quase todo mundo está cursando a serie que deveria cursar, de acordo com sua idade, situação distinta de Manaquiri .
Pires Ferreira também um orçamento para educação proporcionalmente maior do que a cidade no Amazonas. Isso, em parte, é explicado por um sistema desenvolvido no Ceará que distribui recursos com base na educação. O analista de políticas públicas e economista cearense Victor Hugo de Oliveira explica que a base do programa é o repasse do ICMS, o imposto estadual sobre a circulação de mercadorias e a prestação de serviços.
O Estado é obrigado a repassar parte do arrecado às cidades. A ideia foi, olhe, o Estado do Ceará vai incentivar os municípios a melhorar a educação através do aporte de mais recursos para quem tiver melhores resultados. Ao mesmo tempo, o Ceará estabeleceu programas com caminhos aos municípios, como o de Alfabetização na Idade Certa e a formação de professores.
Não era só transferir o recurso para o município, era também observar o que estava acontecendo na gestão das escolas. Hoje ele trabalha a educação exatamente para buscar esse recurso adicional para para realizar suas políticas públicas. As escolas cearenses mais bem avaliadas também precisam ensinar as mal avaliadas para receber prêmios em dinheiro.
Muitos professores, como Patrícia, já viajaram pelo estado ajudando os colegas. E aí, as cidades maiores ficam pensando: Poxa, como assim? Como vocês se destacam?
Como assim? Eles estão na mídia? Não faz sentido… Mas assim, pra gente faz.
Para a gente faz sentido. Todo mundo se conhece, então todo mundo se ajuda. Nos deixa muito orgulhoso, deixa muito felizes, por fazer parte também dessa história.
Claro que a gente não pode dar exatamente como funciona aqui. Porque como funciona? Somos nós, São as pessoas.
Não se tem uma regra de bolso para isso. Você realmente tem que meio customizar a educação para essas situações especiais, está entendendo? Então, não é somente a questão pedagógica que influencia, também tem o contexto social desses municípios que influenciam, os municípios da Amazônia são totalmente diferentes dos municípios do estado Nordeste.
Em Manaquiri, a resolução vai ter que partir das melhorias na locomoção dos alunos nesse período de seca. Neste ano, 90% das escolas daqui da cidade de Manaquiri estão em aulas remotas. Mesmo aquelas que têm aula presencial, muitos alunos não conseguem chegar porque só sobrou isso aqui do Rio.
A gente tá indo visitar agora uma das famílias que está nessa situação. Filho, lá na escola, temos seis, e essa daqui acorda dizendo: Pai, e o barqueiro? Não, meu filho, não vai ter aula mais, o barqueiro não vem pegar mais.
Mas aí não tem condições, nem da agente levar e nem do barqueiro pegar . Os do interior, eles ficam atrasados, porque quem tá lá na cidade, eles estão estudando direitinho. Eu os do interior?
Ai fica difícil. Eu falo para meu filho, vocês tem de estudar. Tá certo que é dificultoso, mas vocês tem que prestar atenção no estudo para vocês não estarem passando como o pai, como a mãe de vocês.
Aí, como é que a pessoa faz no vestibular? Como é que vai fazer uma faculdade? Cadê o saber?
Mas os problemas na cidade amazonense vão além do transporte. As escolas que a gente encontrou aqui na Kiri estão com a estrutura boa e, de certa forma, em boas condições para uso das crianças. Mas isso também quer dizer que o prédio em si não é suficiente para mudar a realidade da educação por aqui.
O professor Júnior Amorim trabalha em uma das escolas avaliadas no Ideb e que deixaram a nota de Manari como a pior do Brasil. Entre as cidades avaliadas, com muitos alunos desinteressados. Falta de materiais para as escolas, material pedagógico a mais e faz com que o aluno tenha interesse em aprender porque só cresceu e quadro não faz com que o aluno aprenda.
Alunos de Manaquiri estão ficando pra trás nessa questão. É porque eles também tem que ter o interesse em aprender e aí pai, vai passando de ano e quando chega no oitavo ano ainda não sabe ler, sabe interpretar nada e não sabe matemática. Até para encontrar professores graduados e mantê los em Manaquiri é difícil.
O número de profissionais formados atuando nas escolas é bem menor que a média nacional e alguns começam a ensinar sem ter sequer o ensino médio. Jair Souto está pela quarta vez a frente da Prefeitura de Manaquiri. Nestas eleições, ele elegeu o sucessor do mesmo partido.
Nós não, não, não queremos justificar. Nós queremos entender. E que caminho nós vamos tomar para poder realmente sair dessa condição do pior para o melhor.
O Senhor está à frente da prefeitura há oito anos. O senhor entende que esses oito anos não foram suficientes para voltar aqui nessa curva ascendente. Absolutamente não.
Além da pandemia um ,pandemia dois, nós tivemos também secas e cheias caóticas. Então, fazer educação remota nas condições que nós temos aqui é impossível, porque a primeira qualidade é a capacidade das famílias de ter sinais de internet, de ter acompanhamento. O mundo todo fala da Amazônia.
Precisamos entender os homens e mulheres que moram nessa região. A migração de rede de homens e mulheres na exploração da borracha. Esses homens e mulheres, em partes, foram abandonados nessas regiões e hoje nós pagamos um preço muito caro.
Nós estamos implementando de fato a educação agora, nesses últimos 20 anos, dez anos nessa região. Isso é um déficit terrível. O prefeito diz que tem sido difícil atrair professores, especialmente para as zonas mais afastadas de Manaquiri, que ele não vai para uma zona rural, podendo ter oferta de empregos nas grandes cidades que nós temos agora é que aprofundar.
Além também do MEC, do governo do Estado, olhar para as adversidades e nós construímos políticas voltado à qualidade do professor. Não é só ter escolas, não é só ter alimentação escolar, não é só ter transporte escolar. O Brasil precisa entender a complexidade que é a região Norte e fazer políticas específicas para a região Norte.
Nós não somos iguais. O Brasil não é igual. O extremo sul do extremo norte não tem absolutamente nada a ver.
E eu vejo no Ceará realmente um espelho para que nós possamos olhar, enxergar e até aprender realmente o que que eles estão fazendo que nós não estamos fazendo o que precisamos fazer. Na política de Pires Ferreira. A prefeita reeleita ressalta que a boa relação entre municípios e Estado é essencial quando a política educacional do Ceará passou a mostrar resultados, os municípios se engajaram e as diferenças políticas ficaram de lado.
Isso não é à toa, o estado do Ceará, ele vem de um projeto na educação de longos anos. A gente dá uma educação de qualidade e o município também recebe em troca, podendo usar esse valor para investir mais na educação, na saúde, no meio ambiente. E eu acho que por a gente ter bons exemplos aqui do lado, secretários municipais, prefeitos se conversam sim para trocar boas experiências.
Aqui nos pés da Serra da Ibiapaba, Pires Ferreira colhe os resultados de políticas públicas que vêm de quase duas décadas e que tem colocado o Ceará nas manchetes dos jornais quando o assunto é educação. Mas essa cidade também é uma das mais pobres do Estado e do país quando o assunto é renda e PIB. O que nos deixa uma pergunta seria educação por si só capaz de mudar essa realidade?
Filha de uma merendeira com um agricultor, a professora Milena viu a vida da família mudar nos últimos anos. A educação significa para mim tudo. Eu lembro família, porque.
Eu, graças a Deus, lá em casa somos cinco mulher e um homem. Todos eles são professores. Então eu cresci vendo essa questão do estudo, o quanto é importante a questão da minha mãe, que ela era merendeira.
Então desde criança ela já levava assim, incentivava a gente para a creche. Nós estamos tendo a oportunidade de melhorar de vida, tanto financeiramente como em outras áreas, através da educação. A economia de Pires Ferreira é baseada na agricultura, na pesca e em olarias.
A gente ainda não tem grandes indústrias, grandes investimentos aqui na cidade, e a gente acredita que essa melhoria vai vir porque a gente tendo uma melhor educação, a gente vai ter melhores empregos, vai ter pessoas investindo aqui. A educação, ela é uma semente. Então o que foi plantado, ela vai sendo aguado, vai saindo, cultivado e eu tenho certeza de que novas administrações virão e que isso vai continuar.
Os anos de bons resultados na educação já reduziram deficiências históricas do Ceará, como o tempo médio de anos de estudo da população. Mas há uma expectativa que o melhor esteja por vir. De alguma maneira, esses estudantes, eles vão ter a oportunidade fora, vão alçar voos em outras ou outras regiões do país.
E isso é o importante. É o legado que a educação vai deixar, que é dar oportunidade para para todos. Mas para os apaixonados pires-ferreirenses, a expectativa é que os filhos da terra possam ter oportunidades ali mesmo.
Então é só esse sonho, essa esperança, que isso vai virar realidade. Ela não vai precisar sair daqui para ir em busca de emprego fora. Eu tenho é privilégio de morar nesse lugar, tanto pelo lugar quanto pelas pessoas que tem nele.
Em Manaquiri, os maus resultados em índices como o Ideb também não tiram dos moradores a vontade de melhorar de vida ali. O meu gosto é estar aqui, entendeu? Assim no, porque aqui é o seguinte, tem o Ingá para o filho meu comer, tem o Tucumã, tem o cupu.
O destino nosso, é a gente achar a venda para este terreno aqui e comprar um terreno mais para for a, né. Mas o certo pra gente, que é agricultor, o certo da gente, é tá aqui. Daqui você tira o cheiro verde, tira seu pimentão, tira seu cacho de banana, que nem desse ai eu tirei cinco cachos dai.
Você vai dizer que lugar desse é ruim, não é? Eu sigo otimista porque nós somos incentivadores. Eles olham pra gente, eles dizem: eu consigo!
E nós olhamos para eles e dizemos: você consegue! A região Norte, onde está Manaquiri, e a região nordeste, onde está Pires Ferreira, são as duas regiões com a maior proporção de jovens do Brasil. Isso quer dizer que a forma como eles vão chegar ao mercado de trabalho vai influenciar o futuro do país.