Mulher fica desfigurada e é abandonada pelo marido, mas anos depois ele a vê e se impressiona. Melissa é uma confeiteira de sucesso. Trabalhar com bolos, doces e guloseimas sempre foi um sonho de infância que ela conseguiu realizar com muito esforço e dedicação. A moça, aos 25 anos, já possuía um ateliê próprio e fazia encomendas para festas de aniversário, casamentos e outras celebrações importantes da cidade. Clientes sempre a elogiavam pelo sabor e pela apresentação impecável de seus quitutes, e isso a deixava cheia de orgulho. Diariamente, Melissa recebia inúmeras ligações pedindo bolos temáticos, cupcakes decorados ou
doces finos para eventos que aconteciam durante toda a semana. Ela anotava tudo em um caderno grande, repleto de cores, e tentava não se perder em meio a tantas solicitações. Ser confeiteira exigia não apenas criatividade, mas também disciplina e uma ótima gestão de tempo. Seu dia a dia era corrido, e ela se dividia entre buscar ingredientes, atender clientes e colocar a mão na massa para produzir suas delícias. Ela era casada com César, um homem da mesma idade (25 anos), com quem trocara alianças havia apenas 2 anos. Apesar do curto tempo de união, eles viviam um bom
casamento, cheio de cumplicidade e companheirismo. No começo, César se orgulhava muito da profissão de Melissa, chegando a dizer a todos os amigos que a esposa era a melhor confeiteira da região. Mesmo com uma rotina intensa, ela ainda encontrava tempo para preparar refeições caseiras para o marido ou para sentar-se ao lado dele no sofá, conversando sobre qualquer assunto. Os dois se davam bem, e aquele clima agradável preenchia a casa em que moravam, um lugar simples e aconchegante. Certo dia, porém, enquanto os dois conversavam no fim da tarde na cozinha, Melissa manifestou uma grande preocupação. Ela segurava
a lista de compras de ingredientes e respirava fundo, tentando imaginar como organizaria o dia seguinte. "César, está difícil entregar as encomendas no horário certo. O trânsito está um caos e isso me atrasa para comprar os produtos que preciso, e quando volto, não sobra tempo para decorar os bolos com calma. Me sinto exausta." César a olhou com atenção, inclinando o corpo para a frente. "Talvez seja a hora de pensarmos em alguma solução diferente, meu amor. Você já cogitou comprar uma moto? Seria mais rápido do que o carro ou o ônibus," ele sugeriu em tom gentil. Melissa
ficou pensativa por alguns instantes, analisando mentalmente os prós e contras da ideia. Eles conversaram sobre o assunto por quase uma hora, enquanto Melissa lavava alguns utensílios na pia e César preparava o café para os dois. "Eu nunca pensei em ter moto," confessou ela, "mas se for me ajudar a chegar mais rápido nos lugares, talvez valha a pena." César sorriu, apoiando a xícara na bancada. "Eu acho que seria uma ótima opção. Assim você fica menos estressada, ganha tempo para trabalhar nos doces e não corre o risco de atrasar. Além disso, motos são econômicas em combustível." Ela
concordou com a cabeça. "É verdade, vou pensar seriamente nessa possibilidade." Alguns dias depois, animada com a sugestão do marido, Melissa decidiu que compraria uma moto. Ela foi a uma concessionária, conversou com o vendedor e escolheu um modelo pequeno, ideal para o trânsito apertado e para seu estilo de vida. O processo de compra se desenrolou sem grandes problemas, e em pouco tempo, ela já estava com o novo veículo estacionado na garagem de casa. A sensação de liberdade a deixava animada; finalmente poderia agilizar a busca por ingredientes e as entregas de bolos. "César, meu bem, hoje mesmo
vou testar a moto para ir até a loja de confeitaria no centro," anunciou ela, enquanto mostrava o capacete recém-adquirido. Ele sorriu, abraçando-a de leve. "Acho ótimo, querida, mas tome cuidado, por favor." A moto trouxe uma enorme facilidade à vida profissional de Melissa. A partir daquele momento, ela conseguia sair cedo, buscar os materiais que precisava e voltar ao ateliê muito mais depressa do que antes. O trânsito continuava caótico, mas a agilidade do veículo a ajudava a chegar até clientes distantes em menos tempo. Passou a ser comum vê-la vestida com uma jaqueta leve, o capacete sob o
braço e um pequeno compartimento acoplado à moto para levar encomendas menores. Quando alguém perguntava, ela respondia com entusiasmo: "Foi a melhor decisão que tomei nos últimos meses! Agora posso entregar tudo na hora combinada, sem tanto estresse." Em um dia específico, Melissa recebeu uma encomenda importante que precisava ser entregue antes do almoço. O cliente havia feito o pedido de um bolo sofisticado para uma festa de noivado, e qualquer atraso seria uma decepção enorme. Ao terminar de decorar o bolo com chantilly e as frutas vermelhas cuidadosamente dispostas sobre a superfície, ela percebeu que o horário estava apertado;
precisaria sair rapidamente para que o bolo chegasse em perfeitas condições. Revirou a casa em busca do capacete, olhando em todos os cômodos, até que se lembrou de que o capacete tinha ficado no carro de César, que já havia saído para trabalhar. "Que péssimo timing!" murmurou, frustrada. A distância até o local de entrega não era muito grande, apenas algumas ruas adiante. Com cuidado, ela envolveu o bolo em uma caixa protetora e decidiu que não haveria problema em dirigir sem capacete, contanto que fosse devagar. "Eu sei que é errado, mas é bem perto. Não vai acontecer nada
se eu for atenta a cada sinal," pensou contrariada, enquanto acomodava a encomenda na traseira da moto. Respirou fundo e deu a partida. No caminho, manteve-se em baixa velocidade e olhava constantemente pelos retrovisores para ter certeza de que ninguém a ultrapassaria de forma perigosa. Porém, em um cruzamento próximo ao local da entrega, o pior aconteceu: um homem nitidamente bêbado ao volante avançou o sinal e colidiu violentamente contra a lateral da moto de Melissa. O impacto foi tão forte que ela foi lançada ao chão, batendo com a cabeça na calçada. O bolo foi destruído; a moto se
arrastou pelo... Asfalto, mas nada foi tão preocupante quanto à saúde de Melissa naquele instante. Ela perdeu a consciência rapidamente, sem nem saber a gravidade dos ferimentos. Pessoas que passavam por ali correram para ajudá-la, enquanto o motorista bêbado tentava sair do carro, cambaleando. Alguns minutos depois, a sirene de uma ambulância ecoou pelas ruas, e Melissa foi levada às pressas para o hospital mais próximo. Durante o percurso, ela não recobrou os sentidos. Médicos e enfermeiros se mobilizaram para prestar atendimento imediato, examinando sua respiração e checando se havia algum dano mais profundo. O capacete, infelizmente, não estava lá
para protegê-la. No pronto-socorro, realizaram procedimentos de emergência, suturas e limpezas de ferimentos. O estado dela exigia cuidado, mas não parecia letal; mesmo assim, havia diversos cortes pelo rosto, alguns bastante profundos. Após uma cirurgia para suturar o que era possível, ela foi levada para um quarto, onde ficaria em observação. Quando Melissa finalmente voltou a si, sentiu o corpo extremamente dolorido, principalmente na região dos ombros e da cabeça. Os olhos demoraram a se ajustar à luz branca do quarto. Ela tentou falar, mas a garganta estava seca, e tudo que conseguiu foi um murmúrio fraco. Aos poucos, lembrou-se
do acidente e de cada detalhe que a havia levado àquela situação. Ainda atordoada, estendeu a mão para o próprio rosto, tocando com cuidado o local onde sentia a ardência. Foi então que notou a bandagem e os diversos pontos suturados. Em pânico, tateou a bochecha, a testa, a mandíbula; os cortes pareciam extensos. Lágrimas brotaram em seus olhos quando compreendeu que teria cicatrizes visíveis. "Meu Deus", sussurrou, assustada. A enfermeira que estava no quarto aproximou-se: "Calma, Melissa. Você teve um acidente e sofreu alguns ferimentos no rosto. Foram realizados procedimentos para suturar os cortes e, com os cuidados certos,
muita coisa pode melhorar, mas é importante você ficar calma e seguir as orientações médicas." Apesar das palavras de conforto, Melissa não conseguia evitar o sentimento de desespero. O que aconteceria com a sua aparência? Como continuaria trabalhando, recebendo clientes e fazendo entregas? O pensamento mais doloroso, porém, dizia respeito ao julgamento das pessoas, especialmente de seu próprio marido. Será que César a aceitaria assim? Ao longo dos dias seguintes, amigos e parentes apareceram no hospital para visitá-la. A mãe de Melissa trazia flores e cuidava para que a filha comesse corretamente. O pai chegava sempre com um suco natural
e a chamava de "minha pequena guerreira". Tentando animá-la, alguns conhecidos do bairro, que sempre encomendavam bolos, demonstravam carinho, lembrando-a de como ela era talentosa e de que as cicatrizes não diminuíam o valor de seu trabalho ou de sua personalidade. Apesar das boas intenções, Melissa não conseguia enxergar beleza em si mesma. Olhar-se no espelho era uma tortura: via inchaço, pontos roxos, marcas que acreditava serem permanentes. César também visitava a esposa, mas algo em seu comportamento incomodava Melissa profundamente. Ele aparecia por pouco tempo, ficava tenso, evitava contato visual prolongado e parecia pressionado a sair logo dali. Uma
noite, quando ele chegou e se sentou ao lado da cama, ela tentou puxar assunto. "Como foi seu dia, César?" Ele pigarreou, ajeitando-se na cadeira. "Foi normal. Estive trabalhando muito. E o seu? Está melhor?" Ela deu de ombros, sem saber se chorava ou sorria. "Estou com muita dor. Acho que vai demorar para cicatrizar." Ele apenas assentiu, desviando o olhar para o corredor. Esse distanciamento deixava Melissa com um nó no estômago. "Seria ele incapaz de aceitar as mudanças em sua aparência?" Depois de mais alguns dias internada, Melissa enfim recebeu alta. Voltou para casa, onde passou a fazer
os curativos diários e a tratar as cicatrizes com pomadas e remédios indicados pelo dermatologista. Evitava olhar-se no espelho por muito tempo, pois cada relance era um lembrete doloroso do acidente e das marcas que ficariam em seu rosto. Ela mal saía de casa, com medo dos olhares alheios. Amigas tentavam convidá-la para sair ou dar uma volta, mas Melissa recusava, justificando estar cansada ou ainda se recuperando. No fundo, ela temia ser julgada como desfigurada ou estranha, pois acreditava que todos iriam reparar imediatamente em suas cicatrizes. O único consolo que a jovem confeiteira encontrou foi a notícia de
que o motorista bêbado fora preso. Ela sentiu uma mistura de alívio e raiva, pois, ao mesmo tempo em que ficava satisfeita por vê-lo responder criminalmente, não conseguia deixar de pensar em como sua vida havia mudado para pior após aquele impacto. "Pelo menos a justiça está sendo feita," comentou ela com a mãe, uma tarde, em que falavam sobre cuidados com a pele. "Sim, minha filha, esse homem precisa pagar pelo que fez, mas eu quero mesmo é que você se cure logo e que sua vida volte ao normal," respondeu a mãe, pegando a mão com carinho. Melissa
apenas sorriu, sem muita convicção. Meses se passaram e, mesmo com toda a dedicação aos tratamentos, as cicatrizes continuavam visíveis. Algumas haviam clareado, outras mantinham uma textura irregular. Melissa ainda não tinha coragem de retomar a rotina de antes. Os pais, preocupados, convidavam-na a ficar mais tempo com eles para tentar distraí-la e oferecer conforto. Entretanto, o que mais a machucava nesse período era perceber o casamento ruir aos poucos. César passara a ser ausente, cada dia mais frio e distante. Antes, ele costumava acariciar seus cabelos, beijar-lhe a testa e conversar sobre qualquer trivialidade; agora, ele praticamente não a
tocava, quase não a beijava e, quando o fazia, parecia forçado. Certa noite, Melissa decidiu falar diretamente com César sobre o assunto. "César, podemos conversar?" perguntou, apoiando-se na parede do quarto. Ele, que estava sentado na ponta da cama, suspirou e concordou. Ela engoliu em seco: "Você não me beija mais, não me olha nos olhos. Eu sei que as cicatrizes são feias, mas eu continuo sendo a Melissa. Não mudou quem eu sou por dentro." Ele hesitou, coçando a nuca. "Não é isso. Eu só ando cansado, preocupado com o trabalho e também peguei uma gripe." "Dias, não quero
te passar nada," justificou, sem encará-la. Melissa viu que as desculpas não a convenciam. Deu um passo para trás, sentindo o coração apertado. "Sei, tudo bem. Vou deixar você descansar," murmurou, desolada. O distanciamento entre os dois continuou. César passava mais tempo na rua, chegava tarde, bebia além da conta em festas e bares com amigos que Melissa nem conhecia bem. Quando chegava em casa, sempre apresentava alguma razão para não beijá-la: "Acabei de comer algo forte." "Não escovei os dentes." "Estou com dor de cabeça." "Não quero te incomodar." E assim ele a afastava cada vez mais. Melissa compreendia,
ou tentava compreender, mas não deixava de se sentir dilacerada. "Ele não me quer mais," pensava. "Meu rosto arruinou nossa relação." O medo de perdê-lo a consumia, mas ela não sabia mais o que fazer. Qualquer tentativa de aproximação era barrada pela frieza de César. Então, uma noite, tudo desabou de vez. César voltou para casa visivelmente embriagado, tinha o olhar turvo, a fala enrolada e um cheiro forte de álcool que deixava o ar pesado. Melissa estava na sala, terminando de organizar alguns papéis referentes a uma possível reforma no ateliê, quando ele entrou e jogou as chaves em
cima da mesa. Ela se levantou, preocupada. "César, você está bem?" Ele soltou uma risada sarcástica, balançando a cabeça. "Bem? Eu estou ótimo," respondeu, dando alguns passos cambaleantes para perto dela. A jovem tentou segurá-lo, mas ele se desvencilhou, soltando as palavras que há muito pareciam estar entaladas em sua garganta. "Eu não suporto mais olhar para você. Não aguento essas marcas. Não sinto mais atração nenhuma." O choque atravessou o peito de Melissa como uma lâmina. Ela ficou em silêncio por alguns instantes, absorvendo o que acabara de ouvir. O coração acelerou, o rosto corou de raiva e tristeza.
"Então é isso que você pensa? Você me culpa pelas cicatrizes? Como se eu tivesse escolhido passar por esse acidente." César, ainda alterado, apontou para ela. "Eu não escolhi uma mulher deformada. Desculpa, isso tudo aqui é sufocante." Ela sentiu a garganta fechar e lágrimas se acumularam em seus olhos. "Você está sendo cruel, César. Eu pensei que você me amasse pelo que eu sou, não pela minha aparência." Ele bufou, desviando o olhar. "Pois eu não tenho mais paciência para isso." Diante de tais palavras, Melissa, ainda em prantos, decidiu que não podia continuar vivendo ao lado de alguém
que a tratava daquela forma. "Eu não vou viver assim," disse ela, a voz embargada. Foi até o quarto, pegou uma mala e começou a colocar roupas e pertences dentro dela, sem se importar com a bagunça. César, encostado na parede do corredor, apenas balançava a cabeça como se quisesse encerrar logo aquela cena. "Faz o que quiser. Eu também não estou ligando," murmurou, antes de sair. Melissa olhou para ele e, mesmo com dor no peito, afirmou: "Eu vou para casa dos meus pais. Não quero mais olhar na sua cara." Ele não retrucou, limitando-se a ficar calado. A
jovem pegou um táxi para a casa dos pais, onde foi recebida com carinho e preocupação. A mãe abriu a porta, aflita. "Melissa, o que aconteceu? Você está chorando?" Ela mal conseguia falar, tentando conter o soluço que insistia em explodir. "O César... ele... ele disse que não me suporta mais, que não consegue olhar para mim por causa das cicatrizes." O pai, que estava sentado na sala, levantou-se e abraçou a filha com força. "Minha menina, venha, sente-se. Respire fundo, você está segura aqui conosco." Ela assentiu, buscando consolo nos braços deles. Nos dias que se seguiram, Melissa procurou
ficar no quarto de sua infância, rodeada de lembranças mais felizes. Evitava qualquer contato com César, não queria ouvir a voz dele, muito menos vê-lo. A mãe trouxe um chá calmante e conversou longamente, tentando acalmar a filha. "Eu sinto muito, minha filha. Nunca pensei que ele fosse agir assim," disse a mãe, acariciando-lhe os cabelos. Melissa, ainda amargurada, falou: "Eu também não achei que o amor dele fosse forte o suficiente para superar minha aparência, mas me enganei." Por mais que doesse, ela sabia que não poderia se submeter àquele tipo de humilhação. O apoio dos pais a ajudava
a suportar a dor. Poucos dias depois, um homem de terno bateu à porta da casa dos pais de Melissa. Era o advogado de César, trazendo os papéis do divórcio. A própria jovem atendeu, já adivinhando o que estava por vir ao ver a expressão formal do visitante. "Boa tarde, Melissa," disse ele em tom profissional. "Estou aqui a pedido do meu cliente, César, para tratar do processo de divórcio. Ele solicitou que eu trouxesse os documentos para que você possa analisá-los e, se estiver de acordo, assine." Ela tremeu por dentro, mas não demonstrou. Pegou o envelope e agradeceu.
"Pode deixar, vou verificar tudo." Ao voltar para a sala, os pais a encaravam, cheios de tristeza. Melissa abriu o envelope e deu uma lida rápida nas cláusulas. Não havia nada muito complexo. César parecia ter decidido encerrar tudo de forma pragmática. Não havia casa para disputar, pois moravam de aluguel; o ateliê era dela, conquistado antes do casamento. Ele não pediu nada; restava apenas formalizar o término legal. Com um semblante fechado, ela assinou as folhas sem pestanejar, embora seu coração estivesse em pedaços. "E pensar que ele não teve sequer a coragem de vir até aqui pessoalmente," comentou,
fechando a caneta com um clique. O pai a observou com pena. "Talvez seja melhor assim. Pelo menos você não precisa encará-lo mais." Naquela noite, Melissa foi para o quarto mais cedo, tentando assimilar o turbilhão de emoções. Ficava lembrando de quando o casamento ainda era novo e cheio de promessas. Pensava nas conversas cheias de carinho, no dia em que recebeu as chaves do ateliê e ele a apoiou. Agora, restava apenas um documento formal pondo fim a tudo: as cicatrizes. Cada uma, com seu formato e relevo, eram símbolos de uma tragédia. Que afetou não só seu rosto,
mas toda a vida conjugal, ela se olhou no espelho, prendeu os cabelos e observou as marcas que se estendiam pela bochecha até à altura do maxilar. A ferida psicológica doía tanto quanto a física. No dia seguinte, após uma conversa com os pais, Melissa decidiu que precisava se proteger do julgamento dos estranhos. Sempre que ela saía na rua, sentia olhares de pena ou curiosidade que a deixavam ainda mais desconfortável. Então, resolveu adotar uma máscara branca para cobrir a parte inferior do rosto, onde as cicatrizes mais se destacavam. Comprou-a em uma loja de artigos médicos simples e
sem detalhes. Quando retornou, testou-a diante do espelho e sentiu uma pontada de tristeza ao perceber como chegara a esse ponto. Mas, pelo menos assim, não vou ver a reação das pessoas quando olharem minhas marcas, murmurou, ajeitando o elástico atrás das orelhas. Seus pais estranharam um pouco a decisão, mas respeitaram a vontade da filha. O pai perguntou com delicadeza: "Você tem certeza de que quer usar isso sempre, Melissa?" Ela assentiu, tentando não se abalar: "Sim, pai, é o que me faz sentir melhor agora. Acho que, com o tempo, talvez eu consiga aceitar meu rosto de novo,
mas por enquanto prefiro os olhares de estranhamento àqueles olhares de pena." A mãe segurou a mão dela: "Você é linda, minha filha, não se esqueça disso." Melissa esboçou um sorriso triste por trás do tecido branco. Depois de organizar suas coisas e avisar alguns clientes mais próximos de que voltaria a atender em breve, Melissa decidiu que, a partir daquele dia, sairia de casa apenas usando a máscara. Queria voltar a confeitar, mesmo que ainda se sentisse insegura quanto à própria imagem. "Talvez eu retome as encomendas aos poucos e, se alguém perguntar, direi que uso a máscara por
questões de saúde", pensou, enquanto guardava algumas formas de bolo em caixas. O pai ofereceu ajuda para levar tudo ao ateliê, mas ela preferiu adiar essa mudança: "Ainda não me sinto pronta para encarar tudo lá. Vou ficar mais alguns dias aqui com vocês, se não se importarem." A mãe a tranquilizou: "Fique o tempo que precisar, querida." Os dias seguintes foram marcados pelo silêncio. Melissa mal falava com os amigos que telefonavam pedindo notícias. Ela limitava-se a responder que estava bem, que precisava descansar. Reassumiu lentamente a rotina de encomendas, porém optou por fazer tudo a partir da cozinha
dos pais, evitando ao máximo circular em público. Quando precisava sair, colocava a máscara branca e mantinha a cabeça baixa. Mesmo assim, percebia olhares curiosos nas ruas ou nos corredores do supermercado; algumas pessoas cochichavam, outras fingiam não vê-la. Ela queria não pensar muito naquilo, apenas seguir em frente sem ter de lidar com a vergonha que sentia de si mesma. Certo dia, a mãe de Melissa recebeu a visita de uma antiga amiga da família, que não resistiu a perguntar por que sua filha estava usando essa máscara. A mãe, sabendo do sofrimento de Melissa, tentou responder com cuidado:
"Ela teve um acidente sério de moto e ficou com marcas no rosto. Ainda não se sente bem para mostrá-las em público." A amiga balançou a cabeça em sinal de compreensão: "Que situação triste, mas espero que ela se recupere logo." A mãe agradeceu a preocupação e mudou de assunto. Melissa ouviu tudo de dentro do quarto, sentindo um aperto no peito. "As pessoas vão sempre me olhar assim, como se eu fosse um bichinho ferido", pensou tristemente. Alguns dias depois, o advogado de César retornou para buscar os documentos assinados. Não demorou muito para que a separação fosse oficializada.
Melissa sentiu um misto de alívio e melancolia. Apesar de saber que aquilo era o melhor a fazer, não conseguiu ignorar o vazio deixado pelo fim do relacionamento. À noite, deitada na cama, lembrava-se das primeiras semanas de casada, dos risos, das partilhas e até das colheres de bolo que oferecia a César. Tudo aquilo parecia pertencer a outra vida, a outra mulher que não existia mais. "Aquele homem agora faz parte do meu passado, assim como o meu rosto de antes", sussurrou sozinha no escuro. Conforme os dias passavam, Melissa não tinha mais notícias diretas de César. Ele não
ligou, não mandou mensagens, nem apareceu na casa dos pais para ver como ela estava. Dentro do coração dela, havia uma mistura de mágoa e ressentimento, mas também uma ponta de saudade do que já viveram. Ainda assim, sabia que era inútil alimentar esperanças sobre uma reconciliação. As cicatrizes tinham se tornado uma barreira intransponível para ele, e Melissa não poderia viver mendigando amor. Precisava, de algum modo, recuperar sua autoestima, retomar sua vida e, quem sabe, voltar a acreditar em si mesma. Certa tarde, ao se olhar no espelho, Melissa experimentou retirar a máscara por alguns minutos. Queria observar
se havia alguma melhora nos ferimentos. O inchaço estava menor e algumas manchas já tinham sido removidas, deixando linhas avermelhadas que marcavam profundamente sua pele. Encostou um dedo em uma das cicatrizes, sentindo a textura levemente elevada. Naquele instante, lembrou-se de como era antes e sentiu saudade de um rosto que não existia mais. Porém, ao mesmo tempo, abriu os olhos para a realidade: era aquilo que ela tinha agora, e seguir em frente significava aprender a conviver com essas marcas. Mas esse processo ainda doía intensamente. No fim, a percepção dos olhares externos a incomodava muito mais que as
próprias cicatrizes. Melissa preferia manter o rosto coberto sob a máscara. Encontrava uma espécie de proteção contra o mundo, um modo de evitar a constante lembrança de que todos notavam suas marcas. Assim, dia após dia, foi consolidando aquele hábito. Passou a andar com a máscara branca a partir de então, evitando situações sociais prolongadas, acreditando que ao esconder metade do rosto, também esconderia parte de sua dor. As pessoas que a conheciam estranhavam, chegando a comentar: "Por que será que ela não tira essa máscara?" ou "Ela não gosta mais?" De mostrar o rosto, Melissa, porém, não se importava.
Para ela, era melhor lidar com esse tipo de estranhamento do que encarar os olhares de espanto ou piedade que sentia quando exibia suas cicatrizes. Com esse novo hábito, as saídas tornaram-se mais curtas, limitadas ao essencial. Ela já não frequentava eventos sociais, aniversários ou mesmo jantares de família. Preferia ficar recolhida, sentindo-se menos exposta e, de certo modo, mais segura. Ainda havia um longo caminho pela frente, caso ela desejasse, algum dia, retomar a vida normal. No fundo, sabia que o futuro guardava incertezas sobre sua carreira, sobre seus relacionamentos e sobre como ela lidaria emocionalmente com tudo o
que aconteceu. Mas, por ora, a máscara e o amparo dos pais eram tudo o que lhe restava. Assim, Melissa tomou a decisão de que não valia a pena se preocupar com a opinião dos outros. A vergonha que sentia ao exibir o rosto marcado superava qualquer constrangimento de ser vista usando aquela máscara branca. De fato, as pessoas olhavam-na de forma curiosa, algumas pensando ser apenas um acessório ou uma proteção contra alguma doença contagiosa. Mas, para Melissa, não importava a confusão dos outros; ela preferia esses olhares do que ter que lidar com o julgamento direto de sua
aparência. Em casa, ela recomeçou a criar novos doces, bolos e tortas, tentando se distrair. Passava horas na cozinha, experimentando receitas de massas folhadas e coberturas diferentes, na esperança de ocupar a mente com algo construtivo. Dia após dia, ela se tornava mais habituada àquela rotina solitária. Falava pouco com quem estivesse à volta, mas não deixava de ser grata à família que a apoiava incondicionalmente. Uma vez, o pai a chamou na sala, apontando para a moto que estava encostada na garagem. "Filha, alguma ideia do que vai fazer com ela? Se quiser, podemos vender." Melissa refletiu com um
olhar distante. "Não sei ainda, pai, talvez eu venda. Só de pensar nela, lembro do acidente." Ele entendeu, sem insistir; aquele capítulo, ao que parecia, estava encerrado. O foco de Melissa agora era simplesmente sobreviver a cada dia, levando consigo as marcas que também carregava na alma. Os meses passaram com uma lentidão angustiante para Melissa. Ela continuava exercendo seu ofício de confeiteira, preparando bolos e doces deliciosos, porém passava a maior parte do tempo reclusa em casa. Desde que as cicatrizes marcaram seu rosto, ela pouco saía, sentindo-se insegura e incomodada com todos os olhares externos. O desejo de
realizar uma cirurgia plástica rondava sua mente frequentemente, mas os custos eram altos demais para seu orçamento. Sem coragem de procurar ajuda financeira, ela simplesmente vivia na espera de um milagre, enquanto escondia as marcas sob a máscara branca que se tornara parte de seu cotidiano silencioso. Certo dia, Melissa acordou com uma terrível gripe, dessas que derrubam qualquer um. Precisava de medicamentos específicos e, mesmo a contragosto, percebeu que teria de sair para ir à farmácia. Vestiu um casaco, pegou a bolsa, colocou a máscara habitual e deixou a casa, desejando não encontrar ninguém conhecido pela rua. Ao chegar
na farmácia, começou a procurar o medicamento, nas prateleiras, de vez em quando. De repente, ouviu uma voz masculina com um tom de surpresa: "Melissa!" Ela se virou devagar, o coração batendo acelerado. Era Roberto, um antigo namorado, alguém que ela não encontrava havia muito tempo. Estremeceu. Roberto parecia incerto se era realmente ela, devido à máscara branca que cobria boa parte de seu rosto. Então, ao ouvir a voz dela ao dizer "oi", teve a confirmação definitiva. Ele sorriu, exibindo certo alívio por encontrá-la ali. Apesar da tosse insistente que a consumia, ela pigarreou, envergonhada. "Você está bem?", perguntou
ele, aproximando-se. Melissa assentiu, balançando a cabeça. "É só uma gripe forte, vim comprar algo para melhorar." Roberto a analisou de cima a baixo, notando a postura retraída. "E essa máscara? Está doente?" Além da gripe. Ela suspirou, hesitante, antes de responder: "Não exatamente. Podemos conversar após eu comprar o remédio?" Melissa e Roberto saíram lado a lado da farmácia. Ela sugeriu que fossem conversando até a porta de sua casa, que ficava a poucos quarteirões. Ele aceitou, ansioso por entender melhor aquela situação toda. Ambos caminharam em silêncio, trocando olhares cautelosos e lembrando dos tempos passados. "Você sumiu completamente",
Melissa comentou. Roberto quebrou o silêncio. "Depois que terminamos, nunca mais tive notícias. Como você está de verdade?" Ela respirou fundo. "A vida mudou muito para mim. Prefiro explicar quando chegarmos em casa, não é algo fácil de dizer no meio da rua, mas você vai entender." Ao chegarem à porta, Melissa convidou Roberto a entrar. Ele, curioso, entrou na pequena sala de estar, organizada com poucos móveis. Ela retirou o casaco e apontou para o sofá, pedindo que ele se sentasse. "Quero um copo d'água, café ou alguma coisa?" perguntou, tentando soar amistosa. "Estou bem, obrigado". Então, começou Roberto,
olhando atentamente para o rosto sem máscara de Melissa. "O que está acontecendo? Por que usa essa máscara?" Ela hesitou, as mãos tremendo levemente. "Eu sofri um acidente de moto há alguns meses. Fiquei com várias cicatrizes no rosto. Aconteceram muitas coisas. Prefiro não entrar em detalhes agora." "Sinto muito que tenha passado por isso", disse Roberto, abaixando a cabeça. "Posso ver?" perguntou, em seguida, apontando para a máscara. Melissa hesitou, porém acabou retirando-a, revelando as marcas profundas que cortavam sua pele. Ele não demonstrou repulsa; ao contrário, sorriu com ternura. "Você continua linda." Melissa fitou o chão. Depois de
alguns segundos de silêncio, ela colocou a máscara de volta. "Desculpe, ainda não me sinto à vontade para ficar assim por muito tempo", justificou-se, um pouco constrangida. Roberto assentiu. "Eu entendo, mas saiba que não precisa se envergonhar. Fiquei feliz por te encontrar. Podemos manter contato?" Ela concordou. Trocaram números de telefone e endereços de e-mail, trocando breves sorrisos. Roberto se despediu com um abraço tímido, prometendo que voltaria em breve. Assim que ele saiu, Melissa respirou fundo, lembrando de quando namoraram anos atrás. "Por que fui terminar tudo daquela..." "Vez murmurou, arrependida, sentia uma ponta de nostalgia. Alguns dias
se passaram e Roberto apareceu novamente; bateu na porta com um leve sorriso, carregando uma sacola que parecia conter ingredientes de confeitaria. 'Trouxe algumas coisas para te ajudar nos seus bolos', explicou, estendendo o pacote. 'Você ainda trabalha com isso, certo?' Melissa deu espaço para ele entrar, animada. Sentaram-se na cozinha, entre formas, tigelas e ingredientes espalhados sobre o balcão. Roberto tirou alguns potes de confeitos coloridos, um saco de farinha especial e até uma barra de chocolate importado. 'Você não precisava', disse ela, um pouco emocionada com a gentileza. Ele sorriu. 'Quero te ajudar no que puder.' Conversaram bastante
naquela tarde, lembrando de histórias passadas, de encontros juvenis, planos que não se concretizaram. No passado, Melissa sentiu uma pontada de arrependimento ao pensar em como havia aberto mão daquele relacionamento e logo depois conhecido César, entrando em um casamento infeliz que terminara em desastre. Roberto ouvia atentamente. Quando Roberto foi embora, Melissa ficou um tempo olhando para a porta, perdida em pensamentos. 'Eu realmente estava enganada quando optei por César', murmurou, lembrando das cenas dolorosas do divórcio. Por outro lado, o retorno de Roberto parecia trazer uma centelha de esperança. 'Será que ainda há sentimento entre nós?' Dias depois,
Roberto resolveu convidá-la para jantar em um restaurante. 'Vamos? Prometo que vai ser divertido', insistiu ao telefone. Melissa hesitou, tocando a máscara com os dedos. 'Não sei se estou pronta para encarar lugares públicos', confessou. Ele respondeu: 'Confia em mim, ninguém vai te julgar.' Por favor, com o coração na mão, ela concordou. Na noite marcada, Roberto chegou pontualmente, todo arrumado. 'Você está linda', elogiou, mesmo vendo-a com a máscara. Melissa abaixou a cabeça, ansiosa. 'Vamos tentar', disse ela, pegando a bolsa, 'mas não prometo ficar sem a máscara o tempo todo.' Ele sorriu, 'sem pressões'. Ao chegarem ao restaurante,
Melissa olhou ao redor com apreensão, segurando a mão de Roberto. Ele indicou a mesa reservada num canto discreto, afastado do burburinho. 'Não precisa ter medo', cochichou, sentando-se diante dela. Ela respirou fundo, olhando de soslaio para os demais clientes. 'Vou tentar tirar a máscara agora.' Lentamente, Mel afastou o tecido branco do rosto. Para sua surpresa, ninguém ao redor pareceu notar seu ato. Roberto apontou discretamente para as outras mesas. 'Está vendo? Eles estão ocupados, conversando e comendo. Não há motivos para temer julgamentos.' Ela relaxou um pouco, forçando um sorriso. Conversaram sobre assuntos amenos, riram de piadas casuais
e desfrutaram da comida saborosa. Melissa mal podia acreditar que estava num lugar público sem máscara e ninguém parecia incomodado. 'Obrigada por me fazer vir', disse baixinho. Roberto estendeu a mão sobre a mesa, tocando os dedos dela. 'Foi um prazer enorme.' Ao saírem do restaurante, Melissa sentia um alívio que não experimentava havia muito tempo. Voltou para casa sem recolocar a máscara, percebendo que, na penumbra da rua, sua confiança crescia pouco a pouco. 'Eu consigo', sussurrou para si mesma. Roberto a acompanhou, comentando como ela estava bonita. Ela corou, sorrindo. A partir daquele dia, Melissa decidiu parar de
usar a máscara; percebeu que, afinal, as pessoas tinham sua própria vida e pouco se importavam com suas cicatrizes. Reaprendeu a se olhar no espelho sem tanta dor. Persistiu nessa mudança, apoiada pela gentileza de Roberto. Ela se sentia mais leve agora. Semanas se passaram e a amizade entre eles se fortaleceu. Roberto telefonava com frequência, trazia comidas para ela ou ingredientes novos. Num fim de tarde, enquanto tomava um chá na sala, ele se virou para ela com um olhar sério. 'Eu ainda tenho sentimentos por você.' Melissa paralisou. 'Como assim?' murmurou, quase deixando a xícara cair das mãos.
'A gente terminou há tanto tempo, eu mudei.' 'Você também', Roberto respirou fundo. 'Mas meus sentimentos nunca desapareceram por completo. Sempre pensei em você e agora que te reencontrei, sinto mais certeza disso do que nunca.' Ela vacilou. 'Você só pode estar com pena de mim,' respondeu Melissa, engolindo em seco. 'Olha para o meu rosto, veja as cicatrizes. Não sou mais aquela garota bonita que você conheceu.' Roberto balançou a cabeça. 'Não tem nada a ver com pena. Gosto de você pelo que é, não pela aparência.' Ela inspirou profundamente, ainda insegura. 'Preciso acreditar nisso, mas é difícil. Tudo
que aconteceu me fez desacreditar do amor.' Roberto esticou a mão, segurando suavemente os dedos dela. 'Confia em mim, não estou aqui para sentir pena. Estou aqui porque você é importante para mim.' Ela fechou os olhos, emocionada. Depois de uma longa conversa, Melissa se permitiu acreditar nas palavras de Roberto. Recordaram os melhores momentos que viveram juntos: antigamente, passeios no parque, filmes assistidos de mãos dadas, beijos suaves trocados sob a lua. Ela sorriu, lembrando o quanto se sentia bem ao lado dele. Ele retribuiu o sorriso. Ela sentiu que podia confiar em Roberto, pois ele sempre fora carinhoso
e gentil. Embora não soubesse o que o futuro reservava, sentia certa esperança renascer; reviveram afeto e cumplicidade, redescobrindo memórias que permaneceram vivas. Melissa se sentia mais segura ao lado de Roberto, que era muito gentil e carinhoso. Melissa trabalhava normalmente, mas ainda preferia evitar qualquer tipo de entrega de bolos que exigisse sair pelas ruas. Ela até começara a se sentir mais confortável com a própria aparência, sobretudo depois de ter abandonado a máscara, mas ainda assim não se sentia totalmente à vontade para enfrentar certos olhares. Naquele dia específico, ela estava de avental, organizando os confeitos coloridos e
preparando a massa de um bolo de frutas, quando ouviu batidas insistentes na porta. Pensou que fosse apenas algum entregador ou uma vizinha, mas se surpreendeu ao encontrar um homem que não conhecia, segurando um papel amassado nas mãos. 'Meu nome é José. Será que você pode me ajudar? Preciso de um bolo confeitado com urgência para o aniversário do meu filho. Eu esqueci completamente a data e a festa é hoje; minha esposa vai ficar furiosa!'" Se eu aparecer de mãos vazias, Melissa, sem saber o que dizer, convidou-o a entrar para que pudessem conversar melhor. Ele parecia agitado,
lançando olhares nervosos para a cozinha repleta de utensílios e forminhas e para quando você precisa desse bolo exatamente? — perguntou Melissa, secando as mãos no avental e olhando para o relógio pendurado na parede. — Preciso para daqui a poucas horas — respondeu José, com uma expressão de desespero. — Sei que é em cima da hora, mas por favor, me ajude. Eu pago o que for necessário. Não quero brigar com minha esposa; ela tem trabalhado muito para preparar a festa e eu falhei completamente ao esquecer de encomendar o bolo com antecedência. Melissa suspirou, pensativa. As cicatrizes
em seu rosto ainda incomodavam quando alguém a observava de forma curiosa, mas José, naquele instante, estava tão concentrado em obter um bolo que nem reparava nos detalhes da fisionomia dela. — Sendo franca, o tempo é muito curto — começou Melissa, com a voz calma. — Eu teria de fazer o bolo, confeitar, deixar que esfrie devidamente, tudo isso antes da festa, mas vou tentar. Não posso prometer que ficará pronto na perfeição que costumo ter. Farei o possível. Ela olhou bem para ele, que imediatamente se animou. — Obrigado, obrigado mesmo — disse José, quase chorando de gratidão.
Ele abriu a carteira e retirou a quantia necessária para o pagamento, pedindo que Melissa considerasse qualquer valor extra que cobrasse pela urgência. Melissa recusou o valor adicional, dizendo que a pressa dele não justificava explorar o custo. Então, combinaram que ela prepararia um bolo de chocolate com recheio de doce de leite e cobertura de chantilly, decorado com algumas figuras de super-heróis para o filho de José. Assim que o homem saiu, Melissa foi direto colocar a mão na massa. Se, por um lado, ela preferia não se aventurar fora de casa, por outro sabia que não haveria escolha
se José quisesse o bolo ainda naquele dia. Qualquer minuto seria valioso. Bateu ovos, mediu farinha, misturou chocolate em pó enquanto o forno... pra que ela já preparava o creme para o recheio e adiantava a cobertura em tigelas separadas. O relógio pendurado na parede parecia correr mais rápido que o normal, e Melissa tentava manter a calma. Quando finalmente o bolo ficou pronto e confeitado, Melissa sentiu orgulho do resultado. Mesmo numa correria tremenda, conseguira colocar detalhes de super-heróis na cobertura e deixar tudo com um aspecto apetitoso. As cores vibrantes e o aroma fino de chocolate deixavam claro
que seria um sucesso na festa. Porém, surgiu uma questão logística: não haveria tempo para José voltar e buscar o bolo. Ela cogitou ligar e avisá-lo, mas calculou que ele provavelmente ainda estava preso em compras de última hora ou organizando outros detalhes da comemoração. Com um suspiro, ela analisou a moto que ficava na área de serviço. Desde o acidente, Melissa vinha evitando ao máximo pilotar; o trauma de cair e sofrer ferimentos tão graves a fazia congelar só de pensar em percorrer as ruas. Mas, de um tempo para cá, viera recuperando a autoconfiança, especialmente após ter se
livrado da máscara e percebido que não precisava mais se esconder. — Está na hora de perder o medo — murmurou para si mesma. Colocou o capacete, certificou-se de acomodar o bolo com cuidado em um suporte específico para transportes delicados e partiu. Na rua, pegou a moto com firmeza, tomando todos os cuidados possíveis. Apesar de sentir um leve tremor nas mãos, esforçou-se para não se deixar dominar pelos pensamentos ruins que costumavam lhe atormentar. Na verdade, foi com certa satisfação que percebeu ter mais controle do que imaginava. — Eu consigo, sim! — sussurrou, sorrindo por trás da
viseira. Em pouco tempo, chegou ao endereço indicado: uma casa de bairro simples, mas com decoração festiva no jardim. Balões coloridos e faixas de “Feliz Aniversário” anunciavam que ali estava prestes a acontecer um evento animado. Assim que desceu da moto, foi recebida por José, que vinha correndo da garagem em direção ao portão. — Nossa, que alívio te ver por aqui! — disse ele, pegando o bolo e olhando-o maravilhado. — Ficou incrível! Eu não poderia ter pedido nada melhor. Muito obrigado, Melissa! Ela sorriu, aliviada por ter cumprido a missão dentro do prazo. De fato, havia algumas crianças
correndo pelo quintal e a mesa de comes e bebes já estava quase completa; faltava apenas o bolo. No entanto, uma chuva repentina começou a despencar do céu, grossas gotas batendo no telhado com força. — Ah, que azar! — murmurou José, olhando para a água se acumulando no pátio. — Melissa, por favor, não volte agora de moto nessa chuva. Entre, fique aqui até o temporal passar. Enquanto isso, você pode experimentar alguns salgadinhos e se servir de refrigerante ou suco. Você é nossa convidada. Melissa hesitou, pois não conhecia ninguém além de José, mas diante daquela chuva torrencial,
era realmente perigoso tentar voltar naquele instante. — Tudo bem, eu aceito — respondeu, um pouco envergonhada. Seguiu-o até a parte interna da casa, onde pôde ver adultos e crianças se divertindo. O ambiente tinha música, bandeirinhas coloridas e uma mesa repleta de quitutes. Vários olhares recaíram sobre Melissa, que ainda conservava discretas marcas no rosto, mas ela tentou não prestar atenção na curiosidade alheia. Enquanto provava um salgado, percebeu um menino de uns 6 anos que a olhava fixamente. — Moça, o que aconteceu com seu rosto? — perguntou, com a inocência típica de uma criança. Melissa engoliu em
seco, sentindo as bochechas corarem de leve. — Eu caí de moto e me machuquei — explicou, sem muitos detalhes. O menino a observou por alguns segundos e, então, abriu um sorriso. — Nossa, parece que você é uma personagem de filme de ação, com cicatrizes e tudo! Ficou legal! O comentário inusitado fez Melissa soltar um riso baixo. Logo em seguida, duas pessoas se aproximaram, possivelmente os pais do garotinho. — Não incomodando os outros — disse a mulher, com um olhar reprovador. O homem ao lado também deu um puxão de... Orelha verbal: peça desculpas por ficar encarando,
mas Melissa rapidamente interveio, balançando a cabeça. “Não, tudo bem. Eu gostei do que ele disse, foi até um elogio”, comentou, sorrindo para a criança. O menino retribuiu o sorriso e voltou correndo para brincar. Os dois se apresentaram. “Meu nome é Maria e este é o Pablo. Somos amigos da família e viemos trazer nosso filho para a festa”, contou a mulher, estendendo a mão a Melissa. “Sou Melissa, a confeiteira que fez o bolo, e agora estou esperando a chuva passar para poder ir embora”, explicou, rindo, sem jeito. Eles conversaram amenidades durante algum tempo, até que Melissa
percebeu alguém conhecido no canto do salão improvisado. Seu coração deu um salto: era César, o ex-marido, acompanhado por outra mulher. Ela sentiu uma onda de nervosismo tomar conta do corpo; seus dedos ficaram tensos e o estômago revirou. Depois de tudo o que passara, não esperava encontrá-lo ali, ainda mais em clima de festa. Maria, notando a mudança na expressão de Melissa, perguntou se estava tudo bem. A confeiteira demorou a responder, lançando olhares incertos na direção de César. “Aquele homem é meu ex-marido”, disse, sem conseguir disfarçar a inquietação. Maria e Pablo se entreolharam com discrição, mas logo
voltaram a encarar Melissa. “Ele te deixou por causa das cicatrizes?”, arriscou Maria, com cautela. Melissa assentiu, sentindo o rosto ficar quente de constrangimento. “Sim, não suportava mais me ver assim”, respondeu, lembrando-se dos momentos dolorosos em que César verbalizou todo o desprezo que sentia. Pablo franziu a testa. “Ele é louco”, comentou, num tom que misturava indignação e reprovação. Enquanto tentavam continuar a conversa, Melissa viu que César também tinha notado sua presença. Ele parecia abalado, pois obviamente não esperava encontrá-la ali. As pessoas próximas começaram a cochichar, e logo se espalhou a informação de que aquele homem havia
abandonado a esposa por conta de cicatrizes no rosto dela. Quando percebeu, Maria e Pablo estavam encarando seu rosto com curiosidade. Tiveram o cuidado de não serem invasivos, mas ela notou. “Desculpem, é que eu sei que isso chama atenção”, disse, baixando o olhar. “Não queríamos encará-la desse jeito. Acontece que, bem, somos cirurgiões plásticos”, afirmou Pablo, apontando para si e para a esposa. “Trabalhamos tanto em consultório particular quanto em mutirões solidários. Vemos pessoas com marcas de dentes todos os dias.” Maria pigarreou, acrescentando: “E se você quiser, podemos ajudar. Sabemos o quanto essas cicatrizes podem afetar a autoestima,
e há várias técnicas avançadas atualmente. Mas entendemos se não quiser falar sobre isso agora.” Melissa gelou; sempre sonhara em refazer algumas áreas do rosto, mas nunca tivera condições de arcar com o custo. “Eu não tenho dinheiro para pagar um procedimento assim”, confessou. Os dois trocaram olhares compreensivos. “Nós temos um projeto de mutirão periódico que atende pessoas sem recursos financeiros. Atendemos vários casos, não só estéticos, mas também reparadores”, explicou Pablo, tirando de dentro da carteira um cartão de visitas. “A gente poderia te colocar na fila. Dependerá da avaliação das datas disponíveis. Mas se você quiser, podemos
ao menos conversar depois e ver como podemos te ajudar.” Melissa quase deixou cair o copo de suco que segurava. “Eu não sei o que dizer. Seria incrível! Mas é mesmo possível?” Ela passou a mão sobre uma das cicatrizes na bochecha, incerta se aquilo seria um sonho. Maria confirmou, sorrindo: “Sim, claro! Queremos ajudar. Você tem tudo para se sentir melhor com seu próprio rosto, sem precisar carregar para sempre as marcas desse trauma.” Com os olhos cheios de emoção, Melissa agradeceu repetidas vezes: “Nossa, eu nem sei como agradecer. Vocês estão me dando uma esperança que eu já
tinha perdido.” Enquanto isso, César, que tentara sair discretamente, notou que todos ali lançavam olhares reprovadores em sua direção, tendo ouvido comentários sobre o motivo do término entre ele e Melissa. Sem suportar a pressão, ele deu as costas e desapareceu na rua, debaixo de chuva, levando consigo a nova parceira, que parecia igualmente constrangida. Melissa respirou fundo ao vê-lo partir, sentindo um misto de alívio e tristeza. A festa continuou e, assim que a tempestade diminuiu, ela se despediu de José e do casal de cirurgiões, levando consigo o cartão e um sopro de esperança. Semanas depois, ela recebeu
a tão esperada chamada de Maria e Pablo: haviam conseguido uma data para o mutirão e gostariam que Melissa fosse avaliada por uma equipe multidisciplinar composta por cirurgiões e outros profissionais voluntários. Animada, ela concordou imediatamente. No dia marcado, vestiu-se com cuidado, colocou alguns documentos necessários na bolsa e seguiu rumo ao local do atendimento solidário, um grande hospital público que cedia salas para o projeto. Lá chegando, Melissa se deparou com uma fila extensa de pessoas, cada qual com uma história diferente para contar. Notou gente que precisava de cirurgias reparadoras por conta de queimaduras, acidentes de carro, problemas
congênitos. O ambiente era tenso, mas também havia esperança pairando no ar. Maria a recebeu com um sorriso, mostrando uma prancheta com os nomes dos pacientes que seriam avaliados naquele dia. “Vamos começar sua triagem. Depois você passará pela equipe especializada e, se estiver tudo certo, agendaremos a primeira cirurgia.” O exame foi minucioso. Melissa contou como sofrera o acidente de moto e relatou as intervenções de emergência que precisou enfrentar. Explicou que, embora tivesse recuperado boa parte das funções, as cicatrizes eram profundas e lhe causavam desconforto. A equipe de médicos e enfermeiros avaliou as marcações no rosto, fotografando
cada ponto que precisaria de intervenção. A conversa foi longa, mas, ao final, Pablo confirmou: “Teremos que planejar algumas cirurgias, talvez duas ou três, mas a previsão é que o resultado seja muito bom.” Aliviada, Melissa confirmou que aceitaria. A felicidade que sentia era tamanha que quase saiu saltitando pelos corredores. Enquanto aguardava a última etapa da triagem, avistou uma menininha sentada numa cadeira, brincando com um bichinho de pelúcia. Tinha marcas de queimadura em parte do braço e no rosto; aquela criança deveria ter no máximo... Sete ou oito anos de idade, o olhar dela era doce, mas ao
mesmo tempo carregado de uma tristeza profunda. De repente, seus olhares se cruzaram e a garota deu um breve aceno. Melissa se aproximou e disse, "Oi," sorrindo. "Você veio para a cirurgia também?" perguntou, tentando puxar assunto. A menininha, meio envergonhada, respondeu afirmativamente: "Sim, eu me queimei num incêndio onde eu morava, perdi minha família e agora vivo num abrigo. Maria e Pablo disseram que vão me ajudar," explicou, abraçando com força o bichinho que tinha nos braços. Melissa sentiu um nó na garganta. "Sinto muito pelo que aconteceu," murmurou, tocando de leve o ombro da menina. "Vai ficar tudo
bem, eles são ótimos." A garota deu um sorriso tímido e Melissa percebeu que ela tinha um brilho especial nos olhos. "Você também vai fazer cirurgia?" perguntou a menina. "Sim, eu sofri um acidente e fiquei com cicatrizes aqui no rosto," respondeu a confeiteira, indicando onde eram as marcas. "E estou muito feliz porque vou poder melhorar." A criança parecia genuinamente contente pela nova amiga. "Tomara que a gente se recupere logo, né?" disse ela, segurando um pouco a mão de Melissa. Aquilo fez Melissa lembrar de como era preciso ter coragem em momentos assim. No dia marcado para a
cirurgia, Melissa chegou cedo ao centro médico. Sentia um frio na barriga, mas também uma alegria indescritível. Vestiu a roupa hospitalar, prendeu os cabelos e aguardou. Reconheceu a pequena menina, a mesma que encontrara na triagem, também pronta para entrar no bloco cirúrgico. Parecia ansiosa, mas Maria se aproximou das duas, tentando deixá-las calmas. "Hoje faremos as intervenções iniciais no seu caso, Melissa. Calculamos no máximo três cirurgias ao longo de alguns meses e garanto que no fim você se sentirá como uma mulher nova." Melissa não aguentou e começou a chorar, mas eram lágrimas de felicidade. "Obrigada, vocês não
fazem ideia do quanto isso significa para mim," disse, secando os olhos. A menininha também sorriu, embora demonstrasse certo nervosismo, balançando as perninhas na ponta da maca. "Então, depois eu vou poder ficar com o rosto quase normal?" perguntou a criança, esperançosa. "Vai sim," respondeu Maria com ternura. "E isso é só o começo de uma vida nova." A última imagem que Melissa teve antes de apagar devido à anestesia foi dos rostos gentis de Maria e Pablo, assegurando que tudo correria bem. Acordou horas depois, sentindo o efeito de analgésicos, mas sem dores insuportáveis. Mesmo que não pudesse ver
os resultados imediatos, sentia uma confiança serena de que estava dando passos importantes para recuperar a autoestima. Soube de uma enfermeira que a menininha também corria bem, sem complicações. Ao longo de mais duas cirurgias, separadas por intervalos de recuperação, Melissa notava diferenças significativas em seu espelho diário: as cicatrizes começaram a atenuar, algumas linhas praticamente sumiram e a pele assumiu um aspecto renovado. O mesmo ocorria com a pequena, que surgia sorridente nos corredores, feliz por ver suas marcas de queimadura diminuírem visivelmente. A afinidade entre elas se fortaleceu tanto que, sempre que Melissa podia, sentava-se ao lado da
menina para contar histórias ou fazer bolos em miniatura. Com o passar do tempo, surgiu a possibilidade de adoção. Melissa sentiu o coração dar um salto ao saber que a menina era órfã e que não havia parentes próximos dispostos a cuidar dela. A criança já nutria um carinho enorme por Melissa, enxergando nela uma figura protetora, quase maternal. E Melissa, sentindo o vazio que César lhe deixara e a vontade de constituir uma família de verdade, tomou a mais surpreendente decisão de sua vida: entrou com o processo de adoção. Três anos se passaram desde aquele primeiro encontro na
festa em que Melissa conhecera Maria e Pablo. Ao longo desse período, a confeiteira passara por transformações profundas. As cirurgias tiveram resultados extraordinários, embora ainda houvesse algumas marcas quase imperceptíveis. O rosto de Melissa retomara um brilho natural que lhe devolveu a confiança. Ela também cuidou com dedicação da filha adotiva, aquela mesma menininha que sofrera queimaduras, cujo semblante agora irradiava alegria. Juntas, elas reconstruíram uma vida serena e cheia de cumplicidade. Nesse intervalo, Roberto mostrou-se um companheiro incansável, oferecendo apoio emocional, cuidado e uma afeição genuína pela pequena. Em uma tarde ensolarada, cerca de três anos após as cirurgias,
César caminhava pelo parque aparentemente solitário. A expressão no rosto dele era amarga; não tinha mais amigos próximos e sua última namorada o traíra, deixando-lhe um gosto amargo de abandono. Ele se sentia arrependido e frustrado com o rumo que sua vida tomara, reflexo das escolhas que fizera. Enquanto andava, viu casais felizes, famílias brincando com crianças, e isso só aumentava seu sentimento de solidão. Foi quando, de repente, seus olhos captaram algo que o deixou atordoado: ele reconheceu aquela silhueta feminina mais à frente, sentada num banco do parque, olhando as árvores balançando ao vento. César apertou o passo
para verificar se era mesmo quem ele pensava. Ao se aproximar, sentiu um misto de choque e nostalgia: era Melissa, com o rosto tão radiante que as cicatrizes quase não se notavam. Ele mal podia acreditar. Parecia que ela tinha recuperado algo que ele julgara impossível. Sem saber como reagir, César avançou alguns passos, hesitando em se decidir se deveria falar com ela. Foi nesse instante que uma garotinha apareceu correndo em direção a Melissa. "Mamãe!" chamou a menina, agarrando-se à garota. César ficou ainda mais confuso. "Mamãe?" A criança tinha marcas leves de queimadura no braço, mas eram tão
discretas que quase passavam despercebidas. Ele não sabia de quem se tratava, mas teve a intuição de que aquela pequena provavelmente era uma filha adotiva de Melissa. Sentindo o peso do passado, César virou-se para ver o que aconteceria a seguir. Ao lado de Melissa, um homem alto, com sorriso afetuoso, que se abaixou para beijá-la suavemente, era Roberto. Ele também passou a mão de leve sobre a barriga de Melissa, que estava levemente saliente, denunciando uma gravidez de poucos meses. Diante daquela cena, César compreendeu que Melissa seguira em frente, construindo uma vida. Nova família, algo muito além do
que ele algum dia oferecera. Por um instante, César pensou em encaminhar-se até eles, tentar reatar algum tipo de conversa ou pedir perdão, mas percebeu como Melissa sorria para Roberto, como a menininha parecia plenamente feliz. Qualquer súplica de reconciliação soaria vazia e egoísta. Sentindo o peso de sua covardia e as consequências de seu desprezo, ele abaixou o rosto, envergonhado. Não havia mais espaço para ele ali; era tarde demais para se redimir. Afastou-se cabisbaixo, com a visão turva de arrependimento. Aquela imagem, Melissa sem quase nenhuma cicatriz, prestes a ter um filho já com outra filha adotiva e
muito amada por um homem bom, ficaria marcada em sua mente. Nesse instante, César teve certeza de que perdera algo valioso por pura superficialidade e esse arrependimento se enraizou em seu coração de forma irremediável. Assim, ele se virou para sair definitivamente de cena, sentindo a solidão pesar mais do que nunca. César abaixou o rosto, envergonhado, se afastou e sentiu o arrependimento lhe corroer. [Música]