Colônia japonesa cria 'florestas de comida' no Pará e vira referência contra desmatamento

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BBC News Brasil
A equipe da BBC News Brasil visitou Tomé-Açu, no interior do Pará, para contar a história da comunid...
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Chegamos em 22 de setembro de 29. Eu com 2 anos de idade, bebê ainda. Era mata.
E me criei no  meio da mata praticamente. Quando a gente fala imigração japonesa para o  Brasil muita gente pensa em São Paulo e no bairro da Liberdade, mas a gente veio para Tomé-Açu,  no interior do Pará, contar a história de como um grupo de japoneses veio parar na Amazônia. Esses  japoneses não só vieram pra Amazônia, como criaram um sistema de plantio que recupera solos esgotados  e, ao mesmo tempo, gera alimentos o ano todo.
. . uma técnica capaz de transformar grandes áreas  desmatadas em exuberantes agroflorestas – e que fez de Tomé-Açu um exemplo pra quem busca  alternativas à destruição da Amazônia.
•   • Nos anos 1920, quando as famílias japonesas começaram a chegar aqui, a  ideia era que ficassem alguns anos, juntassem um dinheiro e depois voltassem para o Japão, só que  isso não aconteceu para uma boa parte daquelas pessoas. Elas ficaram aqui até o fim e morreram  no Pará. Essa é a história de uma comunidade que fincou raízes nesse pedaço da Amazônia.
Japão é um país pequeno em relação ao Brasil.  Não tínhamos perspectiva de adquirir coisa futura. Meus pais resolveram vir para o  Brasil porque tinha terra muito grande.
Aos 96 anos de idade, Hajime Yamada é a última pessoa viva a integrar a primeira leva  de japoneses que aportou em Tomé-Açu, em 1929. A gente morava numa barraca, casa de madeira, coberta de cavaco, piso de chão,  só tinha sala, não tinha quarto. Pobre mesmo, sempre foi pobre.
Como foi que essa onça apareceu aqui?   • Porque aqui atrás era mata. Esse senhor é caçador.  
• Como ele pegou ela? O sr tinha medo?   • Não… Tremia (rindo).
• Tremia? Aos poucos, as famílias japonesas que chegavam foram  mudando a cara daquele pedaço da Amazônia. E deixaram em Tomé-Açu várias marcas visíveis até hoje.
. . Os japoneses prosperaram em Tomé-Açu e construíram os principais edifícios do  município, o que incluía este aqui onde funcionava um hospital nos anos 50.
Mas houve percalços  nesse trajeto. Durante a Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil declarou guerra aos países do  Eixo como Japão, os japoneses foram considerados inimigos do estado e passaram a ser vigiados  de perto aqui por autoridades brasileiras. Os mais velhos chegam a dizer que moravam numa  espécie de campo de concentração naquela época.
Japoneses não tinham liberdade de encontrar  3 pessoas. Se polícia encontrava 3 pessoas conversando, preso. Encheram o xadrez. 
Não tinha liberdade. Sofri muito. Espirutualmente.
O fim da guerra teve um sabor  agridoce pro Hajime Yamada. Se por um lado ele ficou aliviado com o fim dos  controles sobre a comunidade, por outro, ele soube que a cidade natal dele tinha sido destruída  por uma bomba atômica dos Estados Unidos. Eu sou de Hiroshima.
, nasci em Hiroshima. Bomba atômica deixou muita  gente doido. Quebrou tudo.
Quando a bomba explodiu, queimava a pele da gente. Acho que se  eu tivesse ficado lá, teria morrido também mesmo. Aí dei graças a Deus por ter vindo para cá pro Brasil.
Se tivesse  ficado no Japão, nem existia mais. Foi horrível mesmo. O Japão arrasado pela Segunda Guerra se  reconstruiu.
. . e em poucas décadas, virou um dos países mais industrializados e ricos do mundo.
Uma situação bem diferente da que  tinha propiciado, décadas antes, a vinda de cerca de 160 mil japoneses pro  Brasil. . .
na maior onda migratória da história do Japão. O Japão passava por uma grande  recessão, então o governador Ele quis entrar em contato com embaixador  do Japão na época, morava no Rio de Janeiro, pleiteando a imigração ao Pará justamente para  virem ajudar principalmente nessa questão de desenvolvimento agrícola ( Cada família recebeu um terreno, ou seja, 25  hectares, para plantio de verduras arroz, feijão, fumo e o cacau Com certeza encontraram uma vegetação  muito densa, árvore de grande porte, e ali eles começaram a fazer o processo  de corte, derrubada dessas árvores e tudo mais. Faziam o processo de limpeza  para enfim poderem construir lá as suas casas.
Quando os japoneses chegaram aqui, eles enfrentaram várias dificuldades - uma delas,  a malária. Mas teve uma coisa que deixou eles à vontade: a oferta de madeira. Eles já sabiam  lidar com madeira e usaram as árvores daqui para construir casas tradicionais japonesas com as  técnicas que eles trouxeram de lá, na qual não se usa nenhum prego nem parafuso, apenas encaixes.
A partir dos anos 60, a comunidade  viveu seu apogeu graças ao cultivo de pimenta-do-reino. Naquela época o tempero  tava com preços altos no exterior, e várias famílias japonesas se dedicaram à atividade.  Até que na década de 70 uma praga chamada fusariose dizimou as plantações e  encerrou o ciclo de prosperidade.
os produtores aqui ficaram  numa necessidade muito grande, né? Não tinham fonte de renda, e  começaram a procurar alternativas. Um conceito central do budismo é a  impermanência - nada dura pra sempre.
Desde que a era da pimenta-do-reino  acabou, o templo budista de Tomé-Açu quase nunca mais encheu.   O budismo foi perdendo força entre as novas gerações, e a crise fez  muitas pessoas migrarem para o Japão. Várias famílias de Tomé-Açu ficaram  divididas entre os dois países.
Tamó Mineshita foi um dos que  tentaram a sorte na terra dos antepassados. Nascido no Brasil, ele passou mais de dois  anos no Japão trabalhando numa fábrica. Mas a saudade bateu, e Tamó decidiu voltar a Tomé-Açu pra  ajudar o pai com o trabalho na fazenda.
No começo é meio difícil, né? Porque o pai não confia numa pessoa que ainda não tem experiência Então tinha que mostrar serviço, mostrar confiança  para ele poder me entregar esse terreno aqui, no caso. Tamó assumiu a propriedade do pai, mas ainda  não sabe se algum dos filhos vai querer seguir os passos dele.
Sua filha mais velha, Jennifer, se formou em  biomedicina e também pensa em passar um tempo no Japão. Para ver se eu consigo consigo um dinheiro, né?  E aí poder ir atrás dos meus sonhos da faculdade, aprimorar os cursos e quem sabe  morar em outro local também.
Como vai ser a passagem do próximo ciclo, quando você não  tiver mais condições de tocar aqui no dia a dia? Porque uma propriedade, a meu ver, é como se  fosse criar um filho, porque você começa do zero. Você pega uma área sem nada, você mesmo  prepara a muda, você mesmo planta, colhe.
Isso aí a gente quer que tenha uma continuidade.  A gente espera que um dos filhos chegue para assumir. Mas cada qual tem sua vocação,  sua ideia, sua formação, seu sonho.
Mas se nada garante que as novas gerações vão manter a tradição agrícola  da colônia, o tempo de crise nas lavouras ficou pra trás. Uma revolução nas fazendas das famílias japonesas  trouxe um novo ciclo de bonança pra Tomé-Açu- e fez o município recuperar parte do verde que  tinha quando os pioneiros chegaram aqui. Quando os japoneses chegaram em Tomé-Açu,  eles encontraram uma mata como essa mas eles derrubaram as árvores, eles construíram estradas,  e com isso grande parte daquela floresta original foi destruída.
Mas hoje eles estão fazendo o  caminho inverso, eles estão usando técnicas milenares japonesas e práticas que eles aprenderam  observando os ribeirinhos para produzir alimentos enquanto reflorestam aquelas áreas. Nascido no Japão, Michinori Konagano se mudou  com a família pro Brasil quando tinha dois anos. Meu pai construiu com minha mãe uma pequena casa e também um plantio de  pimenta, então a gente já entramos nessa casinha para a gente começar a produzir.
Mas a família de Michinori seria golpeada pela  praga que destruiu os pimentais nos anos 70. Até que um dos dirigentes da cooperativa dos  agricultores japoneses sugeriu uma saída. ele orientou assim: olha a natureza.
Aprenda com a natureza. ele viu o ribeirinho produzindo com  harmonia. Toda fruteira ao redor da casa, consumindo durante 12 meses, vida saudável,  né?
Não tinha tanto recurso financeiro, mas a vida saudável. Observando a natureza e os ribeirinhos, os  japoneses começaram a testar um outro sistema de plantio que se espelhava na floresta e  privilegiava a diversidade de espécies. .
. Um sistema que também incorporava técnicas e conceitos herdados dos ancestrais japoneses. Existe assim palavra chamada motanai,  o que que é motanai?
É desperdício, que nunca desperdiçamos Então esse aí já veio herdando lá do Japão para cá. Esses aprendizados são milenares  Eu tô vendo que você tá abrindo aqui o cacau e já jogando as cascas aqui. Por quê?        
-  A gente deixa a casca aqui no campo mesmo que vira novamente adubo.  • Então em vez disso virar lixo lá embaixo, vocês aproveitam aqui no sistema? • Sim.
Nesse método agrícola não existe o conceito de  plantas daninhas – todas as espécies desempenham algum papel no sistema. Agrotóxicos e fertilizantes químicos jamais são  usados, e até mesmo insetos são bem-vindos. Tem um monte de formiga neste pé de pitaya.
Como que vocês encaram os insetos no sistema de vocês?  • Todo inseto, que o pessoal chama praga, né, tem uma função. Esse inseto vai e vem.
Ele tá  controlando insetos também, e também tem a questão da polinização também. Tem uma funcionalidade  para fazer a polinização de várias espécies Então vocês não eliminam essas formigas? Não, não. 
Essas deixa aí naturalmente aqui dentro, então a própria natureza dá um equilíbrio aqui dentro. A propriedade de Michinori tem  230 hectares de área cultivada. É uma das várias fazendas geridas por famílias japonesas em Tomé-Açu  que aderiram aos sistemas agroflorestais.
Com a mudança na paisagem, muitos bichos voltaram a aparecer. nós temos Cacau açaí pimenta do reino e também  várias espécie florestais tá produzindo 12 meses do ano Tá riquíssimo de animais aqui  dentro, tem preguiça, tem raposa, tem preguiças-reais que tá até extinção, né?  Nós temos aqui na floresta, ninguém caça, aqui só preservam.
Tem tatu, paca, gambá, tem muito  assim, né, gaviões durante o dia, à noite coruja. A linha separa a agrofloresta de Michinori  da fazenda vizinha. 15 anos atrás, toda essa área era uma grande pastagem degragada.
Quando você começou a trabalhar nessa área, como ela era?  • Bom, essa área aqui que nós nós estamos já cultivando há mais de 15 anos essa área,  ela tipo assim era uma área degradada, que nós estamos aqui ao lado esquerdo  da gente, enxergando aqui a propriedade, totalmente aberta. Era cultivo de pimenta no  passado e era uma área assim já abandonada.
E só em 15 anos vocês conseguiram  fazer com que ela ficasse desse jeito assim com aspecto de floresta fechada?   • Sim, sim. Tudo foi escolha de variedade de espécies.
Hoje o cacau é o carro-chefe da produção  de Michinori e de várias outras famílias vizinhas. . .
Um cacau de alta qualidade, que passa alguns dias  em processo de fermentação e secagem antes de ser exportado. PODEMOS CORTAR ESTE BLOCO (((((1’14’’ -ureza Eu imagino o privilégio que deve ser sentir esse cheiro, né, da fermentação do  cacau. Bem forte, bem gostoso.
Deve dar pra saber a qualidade só pelo cheiro, né? Boa parte dessa amêndoa, de qualidade primeira,  de qualidade 1, é exportado via cooperativa para o Japão, para empresa chocolateira. nat É difícil imaginar que os mesmos agricultores  que criaram esses canteiros abundantes ajudaram a destruir a floresta no passado.
Hoje eu me sinto culpado por  ter derrubado, queimado, né, com um palito de fósforo incendiamos toda  a floresta. Então queimamos, virou cinza aquela matéria orgânica, virou toda cinza, e  a degradação foi muito grande naquela época. Agora, Michinori se dedica a dividir com outros agricultores do  Brasil e de outros países o que ele aprendeu.
Eu vejo assim essa imensidão de gente necessitando, né?  Precisamos alimentar essa população. Então por que não passar esse conhecimento para todo mundo? 
Independente de colônia japonesa. Esse é o meu pensamento particular. Eu tenho esse olho puxado, mas eu  sinto mais brasileiro do que japonês Mais do que o olho, o que distingue Michinori é  seu olhar.
. . um olhar para a floresta que absorve saberes ancestrais japoneses e ribeirinhos.
. . e  que vislumbra um futuro pra Amazônia ancorado no passado.
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