O milionário Cruel obrigou uma garçonete a tocar violino em uma festa de luxo para humilhá-la, mas assim que ela começou a tocar, todos ficaram sem palavras. Eloí cresceu em uma casa simples na cidade histórica de Ouro Preto, cercada pelas montanhas e pelas ruas de pedra que contavam histórias de um passado grandioso. Sua vida, no entanto, era bem diferente do esplendor que a cidade no passado conheceu. Filha de Helena, uma costureira que passava os dias inclinada sobre a máquina de costura, e Joaquim, um carpinteiro que fazia o melhor que podia para manter a família unida,
Eloíse logo entendeu que sua realidade seria cheia de dificuldades. Mesmo assim, ela tinha algo que iluminava seus dias e noites: o som do violino. Desde muito nova, Eloíse era encantada pela música. Não pela música comum que se ouvia no rádio ou na televisão, mas pelos sons que vinham das cordas de um violino delicado e profundo que parecia ecoar pelos corredores do tempo. Esse fascínio tinha uma origem muito especial: seu avô Antônio. Ele era um homem de poucas palavras, mas com um olhar que transmitia sabedoria e uma força que parecia invisível, mas que estava presente em
cada gesto. Antônio havia sido músico em uma pequena orquestra e foi ele quem, anos atrás, havia plantado a semente do amor pela música no coração de Eloí. Quando Eloí tinha apenas 6 anos, Antônio apresentou a ela algo que mudaria o rumo de sua vida para sempre. Naquela tarde, o sol brilhava forte, mas o vento suave que vinha das montanhas tornava o calor suportável. Ela brincava no quintal de casa, distraída, quando viu seu avô se aproximando. Ele carregava nas mãos uma caixa longa feita de madeira escura, polida com esmero. Dentro daquela caixa, havia o violino que
seria o elo entre o presente e o futuro de Eloí. Este violino começou a ser uma paixão para Antônio, enquanto seus olhos brilhavam. "Não é apenas um instrumento. Ele carrega histórias, emoções e, mais importante, ele carrega sonhos. Sonhos que você, Eloíse, vai transformar em realidade." Ela observou o objeto com cuidado: o violino era velho, com marcas do tempo gravadas em sua madeira, mas tinha um brilho especial, como se ainda guardasse em si a essência de todas as melodias já tocadas por ele. Para uma criança, aquilo parecia um pouco misterioso, até mágico. No entanto, Eloíse sentiu
uma conexão imediata com o instrumento; era como se ele tivesse sido feito para ela, como se estivesse esperando por aquele momento. A partir daquele dia, sua vida mudou. Antônio passou a dedicar todo o tempo que podia, ensinando Eloíse a tocar, e ela, por sua vez, absorvia cada ensinamento com uma paixão e uma dedicação que surpreendiam até mesmo seus pais. A casa, antes silenciosa, agora era preenchida pelos sons suaves e, às vezes, hesitantes do violino de Eloíse. Ela errava, tentava de novo, acertava, e com o tempo a música fluía com mais naturalidade. Os ensinamentos de Antônio
não eram apenas sobre técnica; claro, ele ensinava-a como posicionar os dedos, como segurar o arco e como extrair a melhor sonoridade das cordas, mas havia algo mais profundo em suas lições. Ele falava sobre o sentimento que vinha com cada nota, sobre a história por trás de cada composição e sobre o poder que a música tinha de tocar o coração das pessoas. "Música não é só para ser ouvida, Eloíse," ele dizia com frequência. "Ela é para ser sentida, para fazer as pessoas se conectarem com algo que às vezes nem elas mesmas sabem que existe." Eloí levava
essas palavras a sério. Mesmo tão nova, ela compreendia que o violino não era apenas um objeto; era uma extensão de sua alma, uma forma de se expressar de maneira única. Quando tocava, parecia que o mundo ao seu redor desaparecia: as preocupações dos adultos, o cansaço de sua mãe, os calos nas mãos de seu pai, tudo parecia distante. Só existiam ela e o som que emergia do violino, criando uma espécie de bolha onde tudo era paz. Conforme os anos passaram, Eloí melhorou. E, cada vez que ela tocava, sentia que estava um passo mais perto de alcançar
algo maior, algo que ela ainda não sabia exatamente o que era, mas que sentia em seu coração. Seu avô, sempre presente, a incentivava, mas nunca com palavras duras ou cobranças. Ele acreditava que a música precisava fluir naturalmente e que Eloí deveria encontrar seu próprio caminho no meio das notas e melodias. "Você não precisa ser a melhor, Eloí," ele dizia, acariciando o violino que um dia foi seu. "Só precisa ser verdadeira. Toque o que está no seu coração, e as pessoas vão sentir isso. Elas não precisam entender, só precisam sentir." Essas palavras ressoaram com Eloíse. Mais
do que técnica, mais do que perfeição, o que importava para ela era o que seu avô sempre havia dito: tocar com a alma. E era isso que ela fazia cada vez que pegava seu violino. Mas o mundo fora de casa, longe do quintal onde ela tocava para sua família, não era tão simples. Quando Eloíse começou a frequentar a escola, ela percebeu que a vida dos outros era muito diferente da sua. Algumas crianças falavam sobre aulas de música, pianos caros, viagens para a cidade grande para ver concertos. Eloí não tinha nada disso; seu único professor era
o avô e sua única experiência com a música vinha das horas que passava praticando sozinha em seu quarto. Mesmo assim, ela nunca se sentiu inferior; pelo contrário, o violino que seu avô lhe deu a fazia sentir especial. Era como se, de alguma forma, ela soubesse que seu destino estava ligado àquele instrumento. Conforme crescia, o som do violino de Eloíse se tornava mais maduro, mais profundo, e seu avô, mesmo envelhecendo e ficando mais frágil, continuava ao seu lado. Ele a incentivava em cada nota, em cada avanço, mas o tempo era implacável e um dia Antônio já
não pôde mais estar com. Ela, da mesma forma, quando seu avô adoeceu gravemente, Eloíse sentiu como se uma parte dela estivesse se perdendo. A pessoa que mais acreditava em seu talento, em seu sonho, estava partindo. No entanto, mesmo em seu leito de morte, Antônio fez questão de reafirmar sua crença na neta: "Não desista da música, Eloí, acredite em você, assim como eu acredito." Essas foram as últimas palavras que Antônio disse a ela antes de falecer, e, com o coração pesado, Eloí prometeu a si mesma que continuaria, que não deixaria que o legado de seu avô
morresse com ele. Agora, sempre que pegava o violino, ela sentia que seu avô estava com ela; cada nota, cada melodia, carregava um pedaço dele, um pedaço de sua história. Eloíse sabia que, enquanto tocasse, ele nunca seria esquecido. Aquela criança que recebeu um violino velho e marcado pelo tempo agora era uma jovem violinista cheia de sonhos e esperanças, e o presente que um dia seu avô lhe deu continuava sendo a maior fonte de inspiração em sua vida. A vida de Eloíse não era fácil. Desde muito nova, ela entendia que, para seguir em frente e lutar por
seu sonho, precisaria enfrentar dificuldades e sacrifícios. Sua casa era modesta, em uma das ruas mais simples de Ouro Preto. As janelas de madeira, já desgastadas pelo tempo, rangiam quando o vento passava. Dentro, os móveis eram poucos e marcados pelo uso. O pai de Eloí, Joaquim, carpinteiro, consertava o que podia com as próprias mãos, mas o tempo e o trabalho constante deixavam suas marcas nas paredes, nas cadeiras e na mesa onde a família fazia suas refeições. Eloíse sabia que seus pais faziam o melhor que podiam. Helena, sua mãe, passava longas horas costurando para as mulheres da
cidade, sempre inclinada sobre a máquina de costura, os olhos cansados, mas com um sorriso no rosto. Sempre que Eloí entrava no quarto apertado onde ela trabalhava, os dois — tanto Joaquim quanto Helena — acreditavam no sonho da filha, mas não tinham como oferecer mais do que já ofereciam. O presente de seu avô, o violino antigo e cheio de histórias, era tudo que Eloíse tinha para continuar alimentando sua paixão pela música. Mesmo com o apoio da família, Eloí sabia que precisaria se esforçar muito mais se quisesse realmente fazer da música sua vida. Ela cresceu ouvindo as
histórias de seu avô sobre como ele tocava em pequenas orquestras, viajando para cidades próximas, mas nunca conseguindo realmente se destacar. Mesmo assim, ele jamais desistiu da música, e isso foi algo que ficou gravado em Eloí. A ideia de que, apesar de todos os desafios, ela não poderia desistir. Mas a realidade batia à porta. Aos 18 anos, Eloíse sabia que precisava ajudar nas despesas da casa. Seu pai, com os anos de trabalho pesado, começava a sentir dores nas costas e nos joelhos, e Helena já não enxergava tão bem quanto antes, o que dificultava o trabalho na
costura. Eloíse decidiu, então, procurar um emprego. A cidade de Ouro Preto, por mais charmosa que fosse, vivia da história e do turismo. Não havia muitas oportunidades, além dos restaurantes e das pousadas que atendiam os turistas. Assim, ela encontrou um emprego como garçonete em um restaurante de luxo. O restaurante ficava no centro da cidade, em uma construção antiga, mas restaurada, com lustres de cristal pendendo do teto e mesas cobertas com toalhas brancas impecáveis. Eloí, usando o uniforme preto e branco, se misturava entre os outros funcionários, sempre com um sorriso discreto e um olhar atento. Atender os
clientes não era difícil, mas a parte emocional era outra história. Todos os dias, ela servia pessoas que pareciam viver em um mundo completamente diferente do dela: eram empresários, turistas ricos, políticos, pessoas que falavam sobre viagens internacionais como se fossem simples passeios de fim de semana. Ouviu histórias de férias na Europa, de jantares caros em restaurantes famosos, de presentes luxuosos. Para Eloíse, esses momentos serviam apenas para reforçar o quanto sua vida era distante daquela realidade. Quando chegava em casa, cansada do trabalho, Eloíse ainda encontrava energia para praticar. Pegava o violino, sentava em um pequeno banquinho no
seu quarto e começava a tocar. O quarto era pequeno, com uma cama encostada em um canto e uma mesa improvisada onde ela mantinha alguns cadernos de música. Mesmo que fosse apertado, para Eloíse aquele espaço se transformava em um mundo à parte. Quando ela tocava, nada mais importava: as horas no restaurante, as conversas vazias que ouvira, o cansaço acumulado, tudo se dissolvia nas notas que ela extraía do violino. Era como se, ao tocar, Eloí entrasse em um lugar onde a dor e as preocupações não tinham espaço. No entanto, havia momentos em que a exaustão era demais.
Em alguns dias, o cansaço do trabalho se misturava com a frustração de não conseguir avançar com a música como gostaria. Eloí havia tentado inúmeras vezes se inscrever em escolas de música renomadas, enviando gravações de suas apresentações e cartas contando sobre sua trajetória. Mas as respostas que recebia eram sempre as mesmas: "Agradecemos seu interesse, mas, infelizmente, não podemos aceitá-la neste momento." Aquela frase, repetida em diferentes palavras, começou a pesar sobre ela. Mesmo com as cartas de rejeição, Eloí não desistia. No fundo, algo a impulsionava a continuar. Talvez fosse a promessa que fez ao avô em seu
leito de morte ou talvez fosse o amor puro que sentia pela música. Mas, a cada negativa, seu coração se apertava um pouco mais. Às vezes, quando olhava para o violino, se sentia um misto de amor e dor; ele representava seu sonho, mas também trazia à tona todas as dificuldades que enfrentava para mantê-lo vivo. Enquanto os dias passavam, Eloíse começou a perceber que o maior desafio não era tocar violino, mas lidar com a pressão do tempo. Ela via os amigos de infância seguindo caminhos diferentes; alguns iam para a faculdade, outros conseguiam empregos fixos. Sua melhor amiga,
Clara, por exemplo, tinha... Se mudado para Belo Horizonte, onde cursava Direito, sempre que se falavam, Clara contava sobre os novos amigos, as festas, as aulas, a vida na cidade grande. Embora Eloí ficasse feliz pela amiga, não conseguia evitar uma pontada de inveja; ela queria estar em outro lugar, fazendo o que amava, vivendo da música, mas parecia que essa realidade estava sempre fora de seu alcance. No restaurante, as coisas continuavam as mesmas: as conversas sobre fortunas e viagens, os olhares de superioridade de alguns clientes. Eloíse tentava não deixar que isso a afetasse, mas, às vezes, era
impossível. Era como se aquele ambiente a lembrasse constantemente de que ela pertencia a outro mundo, um mundo onde as oportunidades não eram distribuídas igualmente. E mesmo assim, ela permanecia firme. Sempre que tinha uma folga ou um tempo livre, Eloí corria para seu violino, em seu quarto, de madrugada, enquanto a cidade dormia. Ela se permitia sonhar. Os sacrifícios não eram apenas físicos; havia momentos em que Eloí sentia o peso emocional de suas escolhas. Em um aniversário de sua mãe, por exemplo, ela decidiu usar parte de seu salário para comprar um presente especial, mesmo que isso significasse
não ter dinheiro suficiente para pagar as cordas novas do violino, que tanto precisava. Viver entre a necessidade de contribuir com a família e a vontade de investir em sua carreira musical era um dilema constante. Ela sabia que não podia se dar ao luxo de priorizar sua música o tempo todo; havia contas a pagar, necessidades básicas que vinham antes dos seus sonhos. Mas Eloí não reclamava; sabia que seus pais faziam sacrifícios por ela também. Sempre que podia, Joaquim perguntava sobre o violino, interessado em saber se ela tinha feito novos avanços, e sua mãe, mesmo com o
olhar cansado, sempre lhe dizia: "Um dia, Eloíse, as coisas vão mudar. Continue tocando. Nunca desista." E era exatamente isso que Eloíse fazia: mesmo quando tudo parecia estar contra ela, quando as portas se fechavam, quando as cordas do violino se desgastavam e o cansaço tomava conta de seu corpo, ela continuava. O mais difícil era não saber se o esforço daria frutos. Eloí se perguntava, às vezes, se todo aquele trabalho e sacrifício realmente valeriam a pena no fim, mas sempre que segurava o violino em suas mãos, algo dentro dela reacendia: o som das cordas, o peso do
arco, a melodia que nascia a cada toque. Tudo isso a fazia lembrar por que começou a tocar; não era por fama ou reconhecimento, era porque, quando tocava, Eloí sentia que estava exatamente onde deveria estar. E foi assim que ela seguiu, dia após dia, entre o trabalho no restaurante e as horas dedicadas ao violino. Seu sonho era claro, mas o caminho até ele era incerto e cheio de obstáculos. Mesmo assim, Eloíse nunca deixou que a realidade dura apagasse a chama que carregava no coração. Sabia que, um dia, de alguma forma, sua música seria ouvida. Era uma
noite de grande expectativa na cidade de Ouro Preto. Um dos eventos mais luxuosos do ano estava prestes a acontecer na famosa mansão Souza, conhecida por receber as personalidades mais influentes da região. Vítor Souza, o anfitrião e magnata, conhecido por sua fortuna e arrogância, organizava uma festa para impressionar os empresários e políticos que frequentemente cruzavam seu caminho pela cidade. Essa festa era um símbolo de riqueza, algo distante da realidade da maioria das pessoas, especialmente para alguém como Eloíse. Eloíse, naquela noite, estava de uniforme, pronta para servir os convidados da festa. Ela havia sido escalada para trabalhar
no evento como garçonete, junto com outros funcionários do restaurante onde trabalhava. Apesar de não estar envolvida com a riqueza e o glamour que cercavam um evento, ela sabia que precisava daquele emprego; cada turno de trabalho ajudava a manter viva sua paixão pelo violino. Embora a distância entre seu sonho e sua realidade parecesse intransponível, a mansão era deslumbrante. Os lustres de cristal pendiam do teto alto, iluminando o salão com uma luz suave que refletia nos espelhos e nas paredes decoradas com obras de arte caras. As mesas estavam perfeitamente arrumadas, com talheres de prata e taças de
cristal, enquanto o perfume das flores frescas se misturava ao som de risadas e conversas animadas. Eloí, mesmo estando ali para servir, não pôde deixar de notar o contraste gritante entre aquele mundo e o dela. Cada detalhe parecia gritar riqueza, algo que ela jamais experimentara. Enquanto os convidados chegavam, Eloí se mantinha em seu papel, circulando pelo salão com uma bandeja nas mãos, servindo bebidas e petiscos. Ela ouvia, com um misto de curiosidade e indiferença, as conversas sobre negócios milionários, viagens extravagantes e planos ambiciosos. Aquilo tudo parecia tão distante, quase como se fosse de outro universo. Ela,
com sua roupa simples de trabalho e seus sonhos guardados no peito, era apenas uma peça invisível naquele jogo de ostentação. No entanto, tudo começou a mudar quando Vítor, o anfitrião, a notou. Não foi uma notada qualquer, como acontece com quem está apenas cumprindo sua função em um evento. Ele a observou de maneira mais profunda, como se estivesse intrigado. Talvez fosse o jeito discreto como ela se movia ou talvez fosse algo que ele não sabia definir, mas Vítor parecia fixado em Eloí. Pouco tempo depois, quando o jantar já havia sido servido e os convidados começavam a
relaxar com suas taças de vinho, Vítor se aproximou de Eloíse, ainda com aquele olhar frio e imponente que o caracterizava. Sem qualquer aviso, ele fez uma proposta que, à primeira vista, parecia inocente, mas logo se transformaria em uma situação de humilhação. "Você não é apenas uma garçonete, não é?" perguntou, com um tom de uma superioridade que fazia Eloíse sentir o peso das palavras. Surpresa pela abordagem, Eloíse tentou manter a calma. Ela sabia que, em um evento como aquele, um deslize poderia custar-lhe o emprego. Então, ela respondeu com humildade: "Eu sou violinista, mas trabalho aqui para
ajudar a família." Ela não se intimidou pela presença do anfitrião. Homem, Vittor sorriu, mas seu sorriso não tinha calor; era um sorriso de alguém que sabia que tinha o poder nas mãos. Ele olhou para o salão cheio de olhares curiosos e voltou a encarar Eloí com um brilho nos olhos que ela não soube interpretar de imediato. "Violinista, é?" ele disse, agora o suficiente para que as pessoas ao redor começassem a prestar atenção. "Que coincidência! Nós estamos justamente precisando de uma boa música para animar a noite. Que tal você tocar para os nossos convidados?" Eloí sentiu
um frio na espinha; aquilo não parecia uma sugestão. O tom de Vittor deixava claro que era uma ordem disfarçada de convite. Ela olhou ao redor e percebeu que os olhos de todos estavam agora fixos nela. A situação a deixava desconfortável; ela sabia que Vittor não estava genuinamente interessado em sua música; ele queria transformá-la em uma atração, um espetáculo para entreter seus amigos ricos. "Eu não trouxe meu violino," respondeu, tentando escapar da situação. "Não se preocupe," disse Vittor, quase com um prazer visível. "Temos um violino aqui na mansão. Tenho certeza de que você vai nos impressionar."
Eloí não teve escolha; sabia que recusar poderia significar perder seu emprego ou, pior, ser humilhada ainda mais na frente de todos. Relutante, ela aceitou o violino que um dos empregados da mansão trouxe, mas mal conseguia segurar o instrumento; suas mãos tremiam, e o olhar de Vittor, agora fixado nela como um predador que encontrou sua presa, tornava a situação ainda mais sufocante. Ela respirou fundo, tentando acalmar o turbilhão de emoções que ameaçava tomar conta dela. O salão estava silencioso agora; todos os olhares sobre ela, esperando o que viria a seguir. Eloí sabia que não estava ali
como uma violinista convidada; ela era apenas uma garçonete que Vittor havia decidido exibir, talvez esperando que falhasse, que cometesse algum erro para que ele pudesse se divertir às suas custas. Mas havia algo dentro de Eloí que não permitia que ela desistisse; talvez fosse o eco das palavras de seu avô, que sempre dizia que a música deveria vir do coração, ou talvez fosse a necessidade de provar, mesmo para si mesma, que ela era mais do que uma garçonete. Ela fechou os olhos por um momento, tentando bloquear a pressão do ambiente. Quando os abriu novamente, posicionou o
violino no ombro e começou a tocar. A primeira nota soou hesitante, como se estivesse testando o espaço ao seu redor, mas conforme ela avançava, as notas seguintes começaram a fluir com mais naturalidade. Eloí tocava uma melodia que conhecia bem, uma canção que seu avô costumava tocar para ela quando era criança; era simples, mas carregada de emoção. Conforme as notas preenchiam o salão, o silêncio pesado deu lugar a uma atmosfera diferente. Aos poucos, as expressões dos convidados, antes cheias de curiosidade e expectativa, começaram a mudar. As conversas pararam por completo e Eloí sentiu que, de alguma
forma, havia capturado a atenção de todos, mas não da maneira que Vittor havia imaginado. Não era uma atenção crítica, pronta para julgá-la; era algo mais profundo. A melodia suave parecia tocar algo dentro de cada pessoa ali presente, algo que nem eles sabiam que existia. Vittor, que havia se sentado em uma das poltronas próximas, inicialmente com um sorriso presunçoso nos lábios, começou a perder a expressão de superioridade. Algo na música de Eloí o fez mudar; ele que estava pronto para assisti-la falhar agora estava totalmente capturado pela melodia. Cada nota parecia despertar lembranças antigas, sensações que ele
há muito havia esquecido. Havia algo na música de Eloí que o fazia sentir uma nostalgia inexplicável. Conforme ela avançava na música, a tensão que sentia no início se dissipou; agora ela estava completamente imersa na melodia. Não era mais sobre provar algo para Vittor ou para qualquer outra pessoa ali; era sobre a conexão com a música, com as memórias de seu avô, com tudo que a fazia. Quando chegou à última nota, o salão ficou em um silêncio completo por alguns segundos, como se todos estivessem processando o que acabaram de ouvir. E então, os aplausos começaram. Primeiro
tímidos, depois mais intensos. Eloí abriu os olhos e viu que todos estavam de pé, batendo palmas de verdade, não apenas por educação. Mesmo Vittor, que antes parecia tão cheio de si, estava em silêncio, perdido em pensamento. Ela, que havia sido forçada a tocar para entreter, agora era aplaudida por sua arte, não pelo espetáculo que Vittor esperava. Depois daquela noite na mansão Souza, Eloí sentiu como se sua vida tivesse virado de cabeça para baixo. Ser aplaudida daquela maneira, depois de uma humilhação que parecia inevitável, havia dado a ela uma pequena mostra de que seu talento poderia
ser reconhecido. Mas, junto com essa pequena vitória, vieram dúvidas que ela havia sentido com tanta intensidade antes. No dia seguinte, ela foi surpreendida por um convite inesperado. No meio da correria do restaurante, entre bandejas e pratos, o gerente a chamou para o escritório. Ao entrar, viu uma carta sobre a mesa, e o "n" no remetente fez seu coração disparar: Sebastian Nogueira, o maestro lendário que estava entre os convidados na noite anterior, havia deixado um convite para que ela fizesse uma audição para sua orquestra, a Orquestra Sinfônica de São Paulo, uma das maiores do país. Era
uma oportunidade que parecia boa demais para ser verdade, mas ao mesmo tempo assustadora. Durante toda sua vida, Eloíse havia se dedicado ao violino, movida pela paixão que seu avô havia plantado em seu coração. No entanto, ela nunca teve acesso a uma formação musical formal; nunca frequentou escolas de música renomadas, nunca teve professores famosos que pudessem guiá-la pelos caminhos da música clássica. Ela era autodidata, com base nas lições que seu avô, Antônio, havia lhe passado e em seu esforço pessoal. Agora, ao receber esse convite, Eloíse começou a se questionar se estava à altura de algo tão
grandioso. Casa. Eloíse se sentou em sua cama, com o violino ao lado, encarando a carta com o convite. Sua cabeça estava cheia de pensamentos conflitantes. Parte dela queria correr para a audição, agarrar aquela chance com todas as forças e, quem sabe, realizar o sonho que havia nutrido por tantos anos. Mas a outra parte, a mais insegura, a fazia pensar em todas as suas limitações. Como ela, uma jovem que nunca teve aulas formais, poderia competir com músicos treinados desde a infância nas melhores escolas de música? Essas dúvidas começaram a crescer dentro dela e, quanto mais ela
pensava nisso, mais a insegurança tomava conta. A cada dia que passava, o medo de fracassar aumentava. Ela se via ensaiando sozinha, tentando alcançar a perfeição, mas em sua mente o som nunca parecia bom o suficiente. "Não sou boa o bastante," ela repetia para si mesma em momentos de maior desânimo. Foi então que, em uma manhã, quando Eloíse estava ensaiando no pequeno quarto de sua casa, ela recebeu uma visita inesperada: Mateus. O maestro responsável pelos ensaios preliminares da orquestra havia sido enviado por Sebastian para ajudá-la a se preparar para a audição. Ele havia ouvido sobre as
inseguranças de Eloí e sabia que ela precisava de um incentivo. Mateus era um homem calmo, de olhar sereno, e tinha uma habilidade incrível de fazer as pessoas ao seu redor se sentirem à vontade. Ao entrar no quarto de Eloíse, ele logo percebeu a tensão no ar: as partituras estavam espalhadas pelo chão, o violino em cima da cama e Eloíse, sentada em um canto, parecia perdida em seus próprios pensamentos. “Então você é a famosa Eloíse,” disse ele com um sorriso gentil. Ela levantou o olhar, surpresa por ver alguém como Mateus em sua casa. Havia algo reconfortante
na presença dele, mas Eloíse ainda estava tomada pela insegurança. “Eu não sei se sou boa o suficiente,” ela disse, de repente, sem nem saber porque estava se abrindo tão rapidamente. Talvez fosse o jeito acolhedor de Mateus ou, talvez, fosse simplesmente o fato de que ela estava prestes a explodir de tanta pressão acumulada. Mateus se sentou ao lado dela, sem dizer nada por alguns segundos, deixando o silêncio preencher o espaço. Ele olhou ao redor do quarto: as paredes apertadas, os móveis simples, e finalmente voltou a falar. “Sabe, Eloíse, eu já vi muitos músicos brilhantes desistirem antes
de tentarem. Às vezes, o maior obstáculo que enfrentamos está aqui,” ele disse, tocando a própria cabeça. “Não é o violino, não são as partituras, não é a técnica, é o medo de falhar.” Ela permaneceu em silêncio, absorvendo suas palavras. “Eu ouvi você tocar naquela noite,” ele continuou, “e o que vi não foi uma violinista comum. Vi alguém que toca com o coração, e isso é algo que ninguém pode ensinar. É o que diferencia um músico bom de um músico excepcional.” Essas palavras tocaram Eloíse de uma forma profunda. Pela primeira vez em semanas, ela se sentiu
validada, como se talvez pudesse realmente ter algo de especial. Nos dias que se seguiram, Mateus continuou a visitá-la, ajudando-a nos ensaios, ajustando pequenos detalhes em sua técnica, mas, acima de tudo, reforçando a confiança que ela tanto precisava. Cada ensaio parecia um passo a mais para longe das dúvidas que a assombravam e Eloíse começou a perceber que, embora sua jornada tivesse sido diferente da maioria, isso não a tornava menos capaz. Um dia, enquanto ensaiavam, Lídia, uma violoncelista da orquestra, apareceu para assistir. Ela era conhecida por sua habilidade impecável com o instrumento, mas também por seu espírito
generoso. Após ouvir Eloí tocar, Lídia se aproximou com um sorriso acolhedor. “Você tem algo que muitos músicos treinados não têm,” disse ela com sinceridade. “Você toca com alma, com emoção. Não deixe que as formalidades tirem isso de você.” Essas palavras, vindas de alguém tão respeitado como Lídia, foram mais um empurrão na direção certa. Eloíse começou a acreditar mais em si mesma. Não era mais apenas sobre alcançar a perfeição técnica; era sobre se conectar com a música de uma maneira genuína, e isso ela sabia que podia fazer. Os dias passaram rapidamente e a audição se aproximava.
Mesmo com o apoio de Mateus e Lídia, Eloíse ainda sentia um frio na barriga sempre que pensava na responsabilidade que tinha pela frente. Era uma oportunidade única, algo que poderia mudar sua vida para sempre, e ao mesmo tempo, era uma enorme pressão. Ela sabia que seria julgada ao lado de músicos com currículos impecáveis, com anos de estudo nas melhores academias de música. Mas dessa vez, ela não deixaria o medo ser maior do que sua vontade de tentar. Na noite anterior à audição, Eloíse sentou-se sozinha em seu quarto, com o violino em mãos. O silêncio ao
seu redor era quase palpável e o peso do momento parecia pressioná-la. Foi então que, em meio àquele silêncio, ela fechou os olhos e começou a tocar uma melodia que conhecia de cor, a mesma que seu avô havia ensinado anos atrás. A música fluía naturalmente e, naquele momento, Eloíse se lembrou do porquê havia começado a tocar. Ela tocava porque a música era sua forma de se expressar, de colocar para fora tudo o que sentia. Não era sobre ser a melhor, nem sobre impressionar um grupo de críticos; era sobre tocar com o coração, como seu avô sempre
havia lhe dito. Ei! Com essa lembrança viva, Eloíse se sentiu mais leve. Ela sabia que, independentemente do que acontecesse na audição, daria o melhor de si porque aquela era sua verdade. Ela não sabia o que o futuro reservava, mas pela primeira vez em muito tempo, sentiu que estava exatamente onde deveria estar. Enquanto isso, Vittor Souza não conseguia tirar Eloí da sua mente. Vittor sempre foi conhecido por sua frieza e arrogância na cidade; todos o conheciam, era uma figura que respeitavam, mas poucos gostavam. Rico desde que nasceu, Vítor estava acostumado a conseguir tudo o que queria
com... O mínimo de esforço, ele herdou a fortuna da família, expandiu os negócios e se tornou um magnata poderoso. Mas, por trás de todo luxo e ostentação, havia algo que Vítor nunca mostrava a ninguém: o peso do passado que o assombrava de maneiras que ele não entendia completamente. Naquela noite em que Eloise tocou em sua mansão, algo despertou dentro de Vítor. Enquanto ela tocava o violino, Vítor foi tomado por uma sensação que ele não conseguia explicar; era como se aquela melodia tivesse puxado algo do fundo de sua memória, algo que ele tinha tentado esquecer ou
que nunca tinha realmente compreendido. As notas do violino pareciam conversar com suas lembranças, trazendo à tona imagens vagas de sua infância, momentos que ele tinha quase apagado. E, pela primeira vez em muito tempo, ele não conseguia ignorar aquele sentimento. Depois do evento, Vítor não conseguia tirar Eloí da cabeça, mas não era apenas ela; era a música. Aquela melodia mexia com ele de um jeito inexplicável e isso o irritava, pois ele sempre estava no controle de tudo. Ele se viu desestabilizado por algo que parecia tão insignificante. Por que aquela jovem, uma simples garçonete, e sua música
estavam mexendo tanto com ele? Os dias se passaram, mas Vítor não conseguiu deixar aquilo de lado. Ele começou a investigar Eloí, movido por uma curiosidade que ele mesmo não entendia. Quem era ela? Como ela havia aprendido a tocar daquela forma? Aos poucos, ele descobriu pequenos detalhes sobre sua vida. O violino que ela usava era um presente de seu avô, Antônio, que tinha sido um músico. Antônio... Esse nome ecoou na mente de Vítor. Era um nome que ele já tinha ouvido antes, mas não conseguia se lembrar onde. Determinado a entender o que estava acontecendo, Vítor decidiu
investigar o passado de sua própria família. Ele sempre soube que havia partes da história de sua mãe, Isabel, que não eram claras para ele. Ela sempre foi uma figura misteriosa em sua vida. Isabel tinha sido uma pianista talentosa, mas nunca falava muito sobre sua juventude ou suas relações passadas. Ela era uma mulher reservada que guardava seus segredos com zelo. Vítor sabia que, em algum lugar da mansão, havia um cofre onde sua mãe guardava objetos e documentos importantes. Após sua morte, ele nunca teve interesse em abrir o cofre; achava que aquilo era apenas um baú de
lembranças que ele não queria reviver. Mas agora, algo o impelia a investigar. Talvez houvesse ali alguma pista sobre o que estava perturbando tanto sua mente desde que ouviu a música de Eloise. Em uma tarde silenciosa, Vítor foi até o antigo quarto de sua mãe, onde o cofre estava escondido. O cômodo estava praticamente intocado desde sua morte; as cortinas pesadas deixavam entrar apenas uma pequena fresta de luz e o ar estava carregado com o cheiro de madeira velha e livros antigos. Vítor passou os dedos pela superfície da escrivaninha, como se tentasse, de alguma forma, se conectar
com o passado. Mas ele sabia que aquele passado não era feito de boas lembranças. Ele e sua mãe nunca foram próximos. Isabel sempre parecia distante, envolta em um véu de melancolia que ele, quando mais jovem, nunca tentou entender. O cofre estava escondido em um canto do armário, quase como se Isabel quisesse que ele fosse descoberto. Vítor tentou abrir, mas, como esperado, estava trancado. Ele olhou ao redor, pensando em como poderia abrir aquilo sem chamar um especialista, e foi então que algo chamou sua atenção. Atrás do cofre, quase invisível, havia uma pequena inscrição, como se sua
mãe tivesse deixado um lembrete sutil. Era uma data: a data de nascimento de Vítor. Ele hesitou por um momento, mas logo digitou os números. O cofre se abriu com um clique suave e, dentro dele, havia uma coleção de itens que pareciam simples à primeira vista: um colar de pérolas, uma fotografia em preto e branco e, o que chamou mais sua atenção, um diário de capa de couro gasto pelo tempo. Com as mãos um pouco trêmulas, Vítor pegou o diário. Ele sentiu o peso daquilo; não só o peso físico, mas o peso de tudo que estava
prestes a descobrir. As páginas estavam cheias de uma caligrafia delicada e ele começou a ler. No início, as palavras de sua mãe eram vagas, como se ela estivesse contando a história de outra pessoa. Mas logo, Vítor percebeu que aquilo não era apenas um relato qualquer. Isabel falava de um homem, um amor que ela viveu quando ainda era jovem. Ela descrevia com detalhes como se conheceram, como se apaixonaram e como mantiveram o relacionamento em segredo por anos. E então, ele viu o nome que mudaria tudo: Antônio. Antônio, o avô de Eloí, havia sido o grande amor
da vida de sua mãe. Eles tiveram um relacionamento intenso, mas Isabel nunca pôde assumir aquele amor publicamente. Ela era de uma família rica e influente, e sua vida já estava destinada a seguir outro caminho. Quando o relacionamento com Antônio começou a se complicar, Isabel tomou uma decisão difícil: ela se casou com outro homem, aquele que Vítor sempre acreditou ser seu pai. Mas o que veio em seguida foi a verdadeira revelação que fez o chão de Vítor desmoronar. Isabel estava grávida quando tomou a decisão de se casar — grávida de Antônio — e nunca contou a
ele. Vítor não era filho do homem que ele passou a vida acreditando ser seu pai; seu verdadeiro pai era Antônio, o avô de Eloí. Vítor sentiu como se o ar tivesse sumido do quarto. Ele fechou o diário, incrédulo. Toda a sua vida, todas as suas certezas, haviam sido construídas sobre uma mentira. Ele era filho de um homem que nunca soube de sua existência. Aquele músico simples, que havia passado sua paixão pela música para Eloíse, era o mesmo homem que tinha sido o amor da vida de sua mãe. E sua mãe, Isabel, havia carregado esse segredo
até a morte. Sem nunca revelá-lo, agora tudo fazia sentido: a conexão que Vittor sentiu com a música de Eloise, o sentimento inexplicável que tomou conta dele quando a ouviu tocar, não era por acaso; era algo muito mais profundo, algo que estava nas suas raízes. Eloí não era apenas uma jovem violinista que ele conheceu em uma festa; ela era sua sobrinha, ligada a ele por um passado que ele nunca soube que existia. Vítor passou os dias seguintes em um estado de choque. Tudo o que ele conhecia, tudo o que ele pensava ser verdade, havia se transformado.
A figura de Antônio, que até então era apenas uma sombra distante na história de Eloíse, agora ocupava um lugar central em sua própria vida. Ele não sabia o que fazer com essa revelação: parte dele queria se afastar, esquecer o que descobriu, mas outra parte sentia que precisava se reconectar com essa nova verdade. Ele começou a ver Eloí de uma forma diferente; ela não era mais uma simples garota que ele tinha humilhado, ela era parte de sua família, ligada a ele por um laço que ele nunca poderia desfazer. Nos dias que seguiram à leitura do diário,
Vittor se trancou em seu escritório, imerso em uma mistura de emoções que ele mal conseguia entender. Por toda sua vida, ele acreditara em uma versão muito clara de sua história: filho de uma mãe distante, mais respeitável, e de um pai que, embora sempre ausente e focado nos negócios, havia lhe dado tudo que ele precisava materialmente. Agora, descobrir que aquele homem não era seu pai biológico, que todo seu passado estava envolto em uma grande mentira, isso desorientava. Mas o que mais mexia com ele não era o fato de ter sido enganado; o que realmente o deixava
sem chão era a descoberta de que seu verdadeiro pai, Antônio, tinha vivido uma vida simples como músico, longe de todo o luxo e poder que Vittor sempre conheceu. E pior ainda: Antônio nunca soube que tinha um filho; ele morreu sem nunca ter tido a chance de conhecer Vítor, e isso pesava como um fardo enorme em seu coração. Vittor começou a vasculhar as memórias que tinha de sua mãe, Isabel. Ele nunca foi muito próximo dela; sua relação sempre foi marcada pela distância. Mesmo quando criança, ele percebia que havia algo em Isabel que a mantinha emocionalmente distante
dele. Ela era uma mulher reservada que raramente falava sobre o passado, sempre elegante, sempre controlada. Isabel parecia viver em uma bolha de silêncio, como se guardasse segredos que nunca poderiam ser compartilhados. Agora, ao entender melhor o que sua mãe tinha vivido, Vittor começou a conectar os pontos. Isabel havia tido um relacionamento secreto com Antônio por muitos anos; ela o amava, mas a pressão de sua família e o status social que carregava impediram-na de seguir seu coração. Quando ela descobriu que estava grávida, tomou a difícil decisão de afastar Antônio de sua vida para proteger o que
acreditava ser a melhor opção para o futuro. Ela se casou com outro homem, aquele que Vittor sempre acreditou ser seu pai, e nunca contou a verdade a ninguém, nem a Vítor. Quanto mais Vítor pensava nisso, mais se sentia traído, não apenas por sua mãe, mas pela própria vida que ele tinha levado. Todo luxo, todo sucesso nos negócios, tudo parecia vazio agora; ele não conseguia mais ver sentido nas coisas que antes pareciam tão importantes. O que adiantava ter tanto dinheiro, tantas posses, se ele havia sido privado de algo tão simples e tão humano como conhecer seu
verdadeiro pai? Antônio não era um homem de posses, mas ele tinha algo que Vítor agora invejava: a simplicidade de uma vida cheia de amor, pela música e pela família. Eloí, que até pouco tempo era apenas uma jovem talentosa que havia tocado em sua mansão, agora assumia um novo papel em sua vida; ela era sua sobrinha, o sangue de Antônio corria tanto nas veias dela quanto nas dele, e essa conexão inesperada o deixava perdido. Vitor nunca soube lidar muito bem com emoções e agora estava diante de uma tempestade emocional que ele não sabia como enfrentar. Essa
descoberta o assombrava. Como ele poderia enfrentar Eloíse agora? Como contar a ela que ele, o homem que havia tentado humilhá-la, era na verdade seu tio? Como ela reagiria a isso? Vitor se sentia preso em um dilema: parte dele queria manter essa verdade enterrada, continuar vivendo sua vida da maneira como sempre fez, sem complicações, mas outra parte, a parte mais humana que ele raramente deixava aparecer, sabia que ele precisava contar a verdade e, de alguma forma, ele também precisava se redimir. Vittor, que sempre foi guiado pelo orgulho e pela frieza nos negócios, agora se via em
uma posição completamente nova. Ele precisava aprender a lidar com emoções, com verdades dolorosas e com o impacto que elas poderiam ter na vida de outras pessoas. Ele sabia que a conversa com Eloise não seria fácil, mas ela era inevitável. O grande dia finalmente havia chegado. Eloí estava prestes a realizar sua audição mais importante: a apresentação para a orquestra sinfônica de São Paulo. A tensão no ar era palpável, e a jovem violinista sabia que aquele momento definia tudo pelo que havia trabalhado durante tantos anos. As incontáveis horas de prática e dedicação culminavam ali, naquele palco imponente,
diante de uma plateia exigente. Ela entrou no majestoso Teatro Municipal, onde os músicos já começavam a se preparar. Os sons dos instrumentos sendo afinados enchiam o ambiente, criando uma atmosfera de expectativa. Eloí segurava seu violino com as mãos trêmulas, o coração acelerado. Não era apenas a responsabilidade de tocar diante de figuras importantes da música que a deixava ansiosa; havia algo mais, uma sensação de que aquela noite traria revelações além da música. Sebastian, seu mentor e amigo de longa data, estava ao seu lado, com seu olhar sereno e palavras encorajadoras. Ele lhe deu um... "Sorriso, está
pronta?" perguntou ele, com a confiança de quem sempre acreditou no talento dela. "Acho que sim," respondeu Eloí, tentando sorrir de volta, ainda que a ansiedade lhe pesasse nos ombros. Ela olhou em direção à plateia, que começava a se encher. Foi quando viu Helena e Joaquim sentados juntos na terceira fileira. Helena, sua mãe, com seus cabelos loiros presos em um penteado elegante, olhava para o palco com olhos atentos e emocionados. Joaquim, o marido de Helena, observava com um semblante sério, mas ela sabia que ele sempre torcia por seu sucesso. A presença deles a confortava, mas também
a deixava nervosa; ela queria impressioná-los, mostrar que todos os anos de esforço não foram em vão. O que Eloíse não sabia era que, em algum lugar mais afastado da plateia, Vittor também estava presente. Ele não viera apenas pela música, mas com a intenção de esclarecer um segredo que havia descoberto recentemente, que envolvia tanto Helena quanto Eloíse. O momento da apresentação chegou, e Eloíse subiu ao palco. O teatro estava lotado, e a expectativa do público era palpável. Ela se posicionou no centro, segurou firme o arco, e ao tocar as primeiras notas, todo o nervosismo pareceu se
dissipar. A música fluía de seu violino com uma delicadeza e paixão que encantaram a plateia. Cada nota parecia contar uma história, expressando tudo o que Eloí sentia e havia vivido até ali. Quando a última nota finalmente ressoou pelo teatro, houve um breve silêncio, seguido de um estrondoso aplauso. Eloíse ficou imóvel por um instante, absorvendo a reação do público; seus olhos encontraram os de Helena, que aplaudia com entusiasmo, os olhos marejados de lágrimas. Joaquim também batia palmas, um sorriso discreto em seu rosto. Eloí sabia que havia conseguido. Pouco depois, Sebastian veio até ela, com um sorriso
de satisfação. "Você conseguiu, Eloí! A Orquestra Sinfônica de São Paulo quer você! Parabéns, você brilhou!" Eloí mal podia acreditar; o sonho que parecia tão distante agora era uma realidade. As pessoas a parabenizavam, mas algo a perturbava. Ela notou Vittor se aproximando com um semblante sério, como se carregasse um fardo pesado. "Eloí, posso falar com você?" ele pediu, hesitante. Ela sentiu curiosidade e um pouco apreensiva. Vittor parecia diferente, e ela sabia que algo importante estava a ser revelado. "Antes de mais nada, você tocou maravilhosamente bem. Estou muito orgulhoso de você," disse Vittor, sua voz suave. "Obrigada,"
respondeu Eloíse, surpresa com a gentileza dele. Vittor sempre fora um homem difícil de agradar. Ele olhou para o chão por um momento, claramente lutando para encontrar as palavras certas. "Há algo que eu preciso te contar, e é muito importante, não só para você, mas também para Helena." Eloíse franziu a testa, confusa. "O que você quer dizer?" Vittor respirou fundo. "Descobri recentemente algo sobre nossa família, algo que muda tudo. Helena e eu... bem, acho que somos irmãos." Eloíse ficou em choque, olhando para Vítor, sem conseguir acreditar. "O quê? Como assim?" Sua voz saiu em um sussurro.
"Seu avô, Antônio, teve um relacionamento com minha mãe, Isabel, antes de se casar com a mãe de Helena. Na época, ninguém sabia de nada, e eu também só descobri há pouco tempo. Se isso for verdade, Helena e eu somos irmãos, e isso faz de você minha sobrinha." Eloíse ficou em silêncio, processando a informação. As palavras de Vítor ecoavam em sua mente: "Helena e eu somos irmãos." Ela sempre soube que sua família tinha segredos, mas algo tão grande quanto isso jamais havia passado por sua cabeça. "Isso é inacreditável," disse ela. "Finalmente eu sei," respondeu Vítor, com
um tom mais suave. "Eu também fiquei surpreso quando soube. Mas há uma maneira de confirmar tudo isso. Precisamos fazer um teste de DNA. Se Helena concordar, podemos descobrir de uma vez por todas." Eloí sentiu, lentamente, ainda tentando absorver a novidade. Agora a revelação de que Vitor poderia ser seu tio mudava tudo, mas havia uma coisa que ainda incomodava. "E por que você me tratou daquela maneira horrível quando eu fui à sua casa?" perguntou ela, a dor ainda viva em sua memória. Vittor suspirou, visivelmente arrependido. "Eu estava cheio de ressentimentos. Quando descobri sobre a possibilidade de
Helena ser minha irmã, fiquei confuso e com raiva, e descarreguei tudo em você, o que foi completamente errado. Eu me arrependo profundamente, Eloí. Eu deveria ter lidado com tudo de forma diferente. Por favor, me perdoe." Eloí olhou para Vítor, vendo sinceridade em seus olhos. Pela primeira vez, ainda que fosse difícil esquecer o que ele fizera, ela sentiu que ele realmente estava arrependido. "Eu não sei se posso te perdoar completamente ainda, mas estou disposta a tentar," respondeu ela, com a voz trêmula. Vítor assentiu, aceitando as palavras dela com gratidão. "Isso já é mais do que eu
mereço," disse ele, antes de se virar para Helena, que agora estava perto deles, ainda sem saber o que estava acontecendo. "Helena," chamou Vittor, com a voz baixa. Helena virou-se, e ao ver a expressão séria de Vittor e o olhar perturbado de Eloí, sua curiosidade foi imediatamente despertada. "O que está acontecendo?" perguntou ela, confusa. Vittor suspirou, sabendo que aquele era o momento da verdade. "Precisamos conversar. Acho que somos irmãos." O choque tomou conta do rosto de Helena, que olhou de Vittor para Eloí, como se tentasse encontrar alguma explicação lógica para aquilo. Vittor explicou rapidamente tudo o
que havia descoberto, mencionando o relacionamento entre Antônio e Isabel e como essa revelação havia chegado até ele. "Isso parece impossível," disse Helena, sua voz baixa e hesitante. "Meu pai nunca mencionou nada sobre isso." "Mas se for verdade, podemos fazer o teste de DNA para ter certeza," sugeriu Vitor. "Sei que é difícil de acreditar, mas precisamos de respostas." Helena ficou em silêncio por um momento, processando tudo. Ela olhou para Vítor e depois para Eloí, sentindo o peso daquela revelação. "Sim, vamos fazer o teste," concordou finalmente. "Precisamos saber a verdade." Eloí observou a cena em silêncio. Sabendo
que, independentemente do resultado, a dinâmica de sua família nunca mais seria a mesma após a revelação chocante e a decisão de realizar o teste de DNA, os dias que se seguiram foram cheios de ansiedade para todos. A vida de Eloise, Helena e Vítor estava prestes a mudar de uma forma que ninguém esperava, e a espera pelos resultados trouxe um misto de esperança, dúvida e até medo do que a verdade traria. Quando, finalmente, o envelope com os resultados foi o primeiro a ser aberto, Vítor leu em silêncio, examinando à sua frente. O momento parecia durar uma
eternidade e tanto Eloí quanto Helena guardavam com os corações acelerados. Finalmente, ele levantou o olhar e havia uma emoção contida em sua expressão. "É verdade", disse Vítor, com a voz baixa. "Helena, somos irmãos." O choque passou rapidamente e foi substituído por uma mistura de alívio e tristeza. Helena cobriu a boca com as mãos, tentando segurar as lágrimas. Eloí, sentada ao lado da mãe, segurou sua mão, oferecendo o apoio silencioso de quem também está processando a magnitude da revelação. Vítor, que sempre foi um homem de poucas palavras e ações reservadas, dessa vez parecia mais vulnerável, como
se o peso de anos de segredos e ressentimentos finalmente estivesse saindo de seus ombros. "Eu sei que demorei a aceitar isso, mas quero que vocês saibam que nada disso é culpa de vocês", continuou Vítor. "Nem você, Helena, nem você, Eloí, têm qualquer responsabilidade pelo que aconteceu no passado. Os erros foram de nossos pais, e nós não devemos carregar esse peso." Helena, com lágrimas nos olhos, concordou com um aceno. A dor e o ressentimento estavam ali, mas havia também a oportunidade de algo novo, de cura, de uma família que poderia finalmente se unir. "Vítor, começou", Helena,
a voz embargada. "Eu nunca imaginei que tínhamos essa ligação, mas agradeço por me contar a verdade. Eu só quero... eu só quero seguir em frente, sem mágoas." Vítor, que há tempo se mostrava uma figura fria e até hostil, deu um passo em direção à irmã. Ele estendeu a mão, e Helena segurou, ambos entendendo que, apesar de tudo, agora tinham a chance de construir uma nova relação. "Quero estar presente na sua vida e na de Eloise," disse ele, olhando de Helena para a sobrinha. "Quero que vocês saibam que podem contar comigo para o que precisarem." E,
para a surpresa de todos, ele acrescentou algo que ninguém esperava: "Além disso, eu tomei uma decisão. Quero dar a você, Helena, uma boa parte da minha fortuna. Sei que você nunca pediu nada, mas considero justo que você tenha uma parte da herança do nosso pai. Não só isso, mas também porque quero garantir que você e sua família tenham o que merecem." Helena ficou em choque com a generosidade do irmão recém-descoberto. Ela sabia que Vítor era um homem extremamente rico, mas nunca esperava algo tão grandioso. "Vítor, eu não sei o que dizer," murmurou ela, ainda atordoada.
"Não precisa dizer nada," respondeu ele com um sorriso gentil. "Isso é o mínimo que posso fazer. O que realmente importa é que estamos nos conectando de verdade como família." Com o tempo, as feridas do passado começaram a cicatrizar. Vítor manteve sua palavra, tornando-se uma figura presente na vida de Helena e Eloí. Ele estava sempre disponível para qualquer coisa que elas precisassem, desde questões familiares até simplesmente ser um apoio emocional. Eloí, por sua vez, viu sua carreira florescer de maneiras que nunca havia imaginado. Depois de ser aceita na Orquestra Sinfônica de São Paulo, ela começou a
viajar pelo mundo, realizando apresentações em grandes palcos internacionais. Sua música encantava plateias na Europa, nos Estados Unidos e em todos os lugares que visitava. Sua paixão pelo violino, que havia sido seu refúgio por tanto tempo, agora a levava a uma carreira de sucesso e reconhecimento global. Vítor, que no passado havia tratado com frieza e desdém, agora era um grande apoiador de sua carreira. Ele comparecia a seus concertos sempre que podia e muitas vezes se emocionava ao ver como a sobrinha se tornara uma artista talentosa e respeitada no mundo da música. O relacionamento deles evoluiu para
algo caloroso e afetuoso, com Vítor orgulhoso de sua sobrinha e feliz por fazer parte de sua vida. Com o tempo, Eloise tornou-se uma das violinistas mais conhecidas e respeitadas do mundo. Suas performances eram aclamadas pela crítica e ela frequentemente era convidada para tocar com as melhores orquestras e maestros internacionais. Sua mãe, Helena, estava sempre ao seu lado, acompanhando-a em suas viagens e se emocionando a cada nova conquista da filha. Vítor também se tornou uma presença constante, não apenas como o irmão de Helena, mas como o tio amoroso e protetor de Eloí. Ele cumpriu a promessa
de ajudar sua família, tanto emocional quanto financeiramente, e se dedicou a construir uma relação verdadeira com elas. No final das contas, o que começou como uma revelação dolorosa de segredos de família tornou-se uma oportunidade para todos encontrarem redenção, perdão e, acima de tudo, amor. O passado que os separara por tantos anos agora estava para trás, e o futuro brilhava, cheio de novas possibilidades. Eloí, Helena e Vítor enfim formavam uma família unida, não apenas pelo sangue, mas pelo desejo de estarem juntos e pela força de um amor que superava qualquer obstáculo. Enquanto Eloise tocava em um
dos maiores concertos de sua carreira, em uma sala de concertos lotada em Nova York, Vítor, Joaquim e Helena estavam na primeira fila, aplaudindo com lágrimas nos olhos. Ali, naquele momento, eles sabiam que, apesar de tudo, o final havia sido feliz. A música de Eloise não era apenas uma celebração de sua carreira brilhante, mas também o símbolo de uma família que, apesar de tudo, havia encontrado seu caminho para a paz e a felicidade.