Um termo ganha força nos últimos anos no debate político americano: woke Esse termo mobilizou - e polarizou - eleitores na eleição presidencial vencida por Donald Trump. E é parte importante das discussões sociais e políticas nos Estados Unidos – e também no Brasil. Eu sou Mariana Sanches, da BBC News Brasil em Washington e neste vídeo explico o que é woke e por que esse termo gera tanto debate, a ponto de a questão ser apontada como uma das possíveis causas da derrota democrata na eleição de 2024.
Literalmente, woke é o passado do verbo wake, que significa acordar, despertar. O termo surgiu na comunidade afro-americana ainda nos anos 1960 e o seu significado original é: estar atento ou alerta para identificar injustiças raciais. Mas o woke ganhou proeminência mesmo na última década, com o movimento Black Lives Matter, ou Vidas Negras Importam, criado para denunciar a brutalidade policial contra afroamericanos.
E não demorou até a expressão se espalhar pra além da comunidade negra e ganhar um significado mais amplo. Em 2017, o termo foi parar no dicionário inglês Oxford, com a seguinte definição: “Em meados do século 20, o termo woke foi extrapolado para estar ‘consciente’ ou ‘bem informado’ politicamente ou culturalmente”. Ou seja, inclui questões raciais, mas vai além.
Mas o mesmo dicionário agrega que o woke é muitas vezes usado de forma pejorativa. . .
“para descrever esse estado de alerta como doutrinário, fanático ou pernicioso” Ou seja: estar “woke” pode ser considerado positivo ou negativo. Depende de quem está falando. Algumas pessoas se definem “woke” com orgulho.
Veem isso como ter consciência social e racial, combater privilégios injustos e questionar normas e paradigmas opressores, como o racismo estrutural e a violência policial contra minorias. Essas pessoas argumentam que desafiar práticas antiquadas, mesmo que enraizadas, é parte da evolução da humanidade. Mas outros, incluindo Trump e os demais políticos de direita que você viu no início deste vídeo, usam o termo como um insulto.
Na visão desse grupo, ser woke é se achar moralmente superior e querer impor aos demais ideias progressistas – por exemplo, o uso de pronomes neutros ou a liberdade para que pessoas trans usem o banheiro que elas desejarem. É algo que, no Brasil, equivaleria ao que alguns chamam de patrulha do politicamente correto. Críticos do woke também acusam esse movimento de praticar a chamada “cultura do cancelamento” .
. . boicotar ou criticar pessoas ou empresas, geralmente nas redes sociais, por algo que eles fizeram ou disseram.
Os críticos da cultura do cancelamento e, por tabela, da cultura woke dizem que essa prática tolhe a liberdade de expressão. Bom, o que começou como um choque cultural acabou derivando para grandes brigas políticas. Vou dar alguns exemplos: Você talvez se lembre da comoção causada pela morte de George Floyd, um homem negro, durante uma abordagem policial em 2020.
Depois desse episódio dramático, ativistas começaram uma campanha para cortar o financiamento das polícias nos Estados Unidos e investir o dinheiro em campanhas educativas. Desde então o movimento perdeu força, mas passou a ser ligado à cultura woke. Mesmo políticos democratas contrários aos cortes na polícia se queixam de que a ideia ficou associada ao Partido Democrata.
No Exército americano, políticas de integração de soldados mulheres e transgênero também ganharam a pecha de serem woke. E enquanto defensores dessas políticas acham que elas promovem a igualdade, os críticos dizem que elas comprometem a eficiência das Forças Armadas. As universidades também viraram palco de cabos de guerra.
Mas as discussões nas universidades vão além dos pronomes e uso de banheiros. Um caso emblemático é o da Flórida, Estado governado por Ron DeSantis, um forte opositor da cultura woke. Em 2023, ele sancionou uma lei vetando que universidades estaduais invistam em programas de diversidade, igualdade e inclusão, justamente por associar esses programas à cultura woke e à suposta doutrinação de estudantes.
Recentemente, uma universidade pública da cidade de Sarasota ganhou as manchetes na Flórida por jogar no lixo centenas de livros que pertenciam ao Departamento de Gênero e Diversidade – e foi acusada de “expurgo cultural”. De modo geral, o termo woke tem sido usado por políticos, principalmente os de direita radical, pra caracterizar propostas liberais ou de esquerda. Mas durante a pandemia de covid até mesmo as campanhas de vacinação obrigatória chegaram a ser associadas ao movimento woke.
Na eleição de 2020, vencida por Joe Biden, um dos eixos centrais da campanha de Trump foi combater o que ele chamava de “woke lefties” -esquerdistas woke, em tradução literal. Já os democratas dizem que o autoritário é o próprio Trump, que se recusou a aceitar a derrota na eleição de 2020 e afirmam que a direita cria alarmismo e desinformação em torno do termo woke, para causar medo no eleitorado, para preservar práticas preconceituosas e, sobretudo, para angariar votos. Eles citam como exemplo a falsa acusação, feita por Donald Trump durante a campanha eleitoral de 2024, de que crianças americanas estariam sendo submetidas a cirurgias de transição de gênero sem autorização dos pais, por obra de supostas escolas progressistas.
Nenhum caso assim foi jamais documentado. Só que, ao mesmo tempo, muitos democratas moderados fazem uma autocrítica - dizendo que o, entre aspas, “wokeísmo” aliena uma parcela significativa dos eleitores e dá munição para a direita. O ex-presidente democrata Barack Obama é um deles.
De volta à campanha de 2024, Trump e seus aliados exploraram muito os temas ligados ao woke. A campanha dele fez gastos milionários em anúncios publicitários que associavam o Partido Democrata à defesa dos direitos transgênero. Depois da derrota de Kamala Harris na eleição presidencial de 2024, analistas têm discutido se a ênfase de alguns democratas nas chamadas “pautas identitárias” pode ter contribuído para o baixo desempenho do partido perante Donald Trump.
Essa linha de argumento diz que o Partido Democrata se distanciou das demandas dos cidadãos comuns e passou a levantar bandeiras caras apenas ao eleitorado mais urbano e privilegiado. Esse debate ainda está em curso, e parte dos democratas rejeita a acusação. O congressista John Moran, por exemplo, afirmou que atribuir a derrota eleitoral a essa questão enfraquece o direito de minorias já vulneráve is.
Enquanto os democratas fazem sua autoanálise depois da derrota, um fato já consolidado é que a disputa em torno do woke e das pautas associadas a esse termo é mais um exemplo da polarização política nos Estados Unidos, em que cada lado vê o outro como inimigo. Por hoje eu fico por aqui. Mas se você quer mais análises sobre as implicações das eleições americanas, dá uma olhada em bbcbrasil.
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