[Música] Mãe obriga a filha a morar com catador de lixo como punição, mas não imaginava o segredo que ele guardava. Melissa olhava pela janela, com o olhar fixo na rua, a preocupação estampada em cada linha de seu rosto. O relógio já marcava 3 da manhã e sua filha, Marília, ainda não tinha voltado para casa. Ela disse que voltaria às 23 horas, no máximo, pensou Melissa, repetindo mentalmente as palavras da filha, como se isso pudesse, de alguma forma, trazê-la de volta em segurança. O telefone de Marília ia direto para a caixa postal, a cada tentativa
de ligação aumentando ainda mais a angústia. "Por que ela não atende?" sussurrou para si mesma, caminhando de um lado para o outro, o som suave de seus passos ecoando no silêncio da casa. A mente de Melissa vagava para cenários terríveis, cada um mais sombrio que o anterior, e se algo tivesse acontecido? E se ela estivesse machucada? Finalmente, o celular de Melissa tocou, quebrando o silêncio e fazendo seu coração acelerar. Ela atendeu imediatamente, com a esperança de que seria sua filha do outro lado da linha. Ouviu o som de um choro abafado: "Mãe!" A voz de
Marília soou quebrada e trêmula. "Eu estou na delegacia..." "Na delegacia?" Melissa sentiu o chão se abrir sob seus pés. "O que aconteceu, Marília? Onde você está? Me diz que você está bem!" "Eu... eu causei um acidente," confessou Marília, o choro ficando mais intenso. "Por favor, vem até aqui!" Melissa sentiu o corpo ficar pesado. Sem pensar duas vezes, pegou as chaves e correu até o carro. O caminho até a delegacia parecia um borrão; sua mente corria tão rápido quanto as imagens que passavam pela janela do carro. "Acidente, Marília, o que você fez?" repetia para si mesma,
em um turbilhão de pensamentos. Ao chegar à delegacia, Melissa foi recebida por um ambiente frio e estéril, com policiais em suas rotinas noturnas. Marília estava sentada em um canto, com o rosto vermelho e inchado de chorar. Quando a mãe se aproximou, a jovem olhou para ela com os olhos cheios de arrependimento. "Eu estava dirigindo rápido demais, mãe. Eu não vi o homem atravessar..." Marília mal conseguia terminar a frase sem soluçar. "Ele... ele está mal!" Melissa respirou fundo, tentando manter a calma diante da situação devastadora. Ela se aproximou da filha e a abraçou forte. "Eu estou
aqui. Vamos resolver isso," disse, mesmo sem saber como resolver algo tão grave. O policial responsável explicou a situação. Marília estava dirigindo seu Porsche em alta velocidade quando atropelou um homem que atravessava a rua; ele estava em estado crítico no hospital. Melissa sentiu o peso das palavras como um soco no estômago, mas manteve o controle. Não podia perder a compostura, não agora. Após a conversa com o policial, Melissa foi orientada sobre os procedimentos legais. Precisaria pagar a fiança para que Marília respondesse em liberdade, o que não demorou muito para ser providenciado. Ela também seria responsável pelos
custos médicos do homem atropelado, o que para ela parecia o mínimo a se fazer. Enquanto aguardavam a liberação de Marília, a tensão entre mãe e filha era palpável. Melissa queria gritar, queria sacudir a filha e fazê-la entender a gravidade do que havia acontecido, mas, naquele momento, tudo o que conseguiu fazer foi segurar a mão de Marília e apertar. "Você tem sorte que ele está melhorando," Melissa disse, após um longo silêncio, a voz firme, mas ainda carregada de preocupação. Marília apenas assentiu, os olhos fixos no chão. Ela sabia que tinha feito algo terrível, mas ainda não
conseguia processar completamente o que aquilo significava para o homem que feriu, para sua própria vida e para a relação com sua mãe. Após a liberação da filha, elas voltaram para casa em silêncio. O trajeto, que normalmente seria preenchido por música ou conversas triviais, estava agora pesado, sufocante. Melissa olhava para a estrada, mas sua mente estava a quilômetros de distância, tentando encontrar uma solução para o que parecia ser o fim da linha para sua paciência com a filha. Quando finalmente chegaram em casa, Melissa respirou fundo antes de falar. "Marília, isso não pode continuar assim." Marília, que
já estava emocionalmente exausta, levantou o olhar com dificuldade. "Eu sei, mãe. Eu sei que errei." "Não, você não sabe! Você não tem ideia das consequências dos seus atos. Não estou falando só do que aconteceu hoje, são anos de irresponsabilidade, de achar que o mundo gira ao seu redor, de ignorar tudo o que eu tento te ensinar!" Melissa explodiu, a voz finalmente transmitindo todo o cansaço que sentia. "Eu vou melhorar, eu prometo!" Marília tentou se defender, as lágrimas voltando a escorrer pelo rosto. "Promessas não são suficientes," respondeu Melissa secamente. "Você precisa de uma mudança real, e
essa mudança começa agora. Eu vou te mandar para estudar fora." "Estudar fora?" Marília perguntou, surpresa. "Mas eu não quero ir! Eu posso mudar aqui! Eu não preciso ir para longe!" "Não é uma questão de escolha, Marília," Melissa continuou firme. "Você vai, vai estudar, vai aprender a se virar sozinha e vai fazer isso com o mínimo de recursos. Nada de luxos, nada de mimos. Ou você aprende a ser responsável ou eu não sei mais o que fazer com você." Marília balançou a cabeça em negação. A ideia de ser enviada para longe, sem o conforto a que
estava acostumada, parecia insuportável. "Mãe, por favor, me escuta! Eu sei que posso mudar aqui! Eu juro!" "Eu já ouvi isso antes," Melissa cortou. "E olha onde estamos agora! Isso não é um pedido, Marília. É uma decisão." Marília chorou mais intensamente, mas as lágrimas já não surtiam efeito em Melissa como antes. A mãe a observava em silêncio, com uma tristeza amarga que vinha se acumulando ao longo dos anos. Vê-la sofrer partia seu coração, mas Melissa sabia que aquilo era necessário. Nos dias seguintes, Melissa começou a fazer todos os arranjos para enviar Marília para uma faculdade. Longe
em uma cidade distante, com um orçamento apertado, ela não cederia. Dessa vez, Marília precisava enfrentar as consequências de suas ações, e essa era a única maneira que Melissa conseguia enxergar para dar à filha a chance de amadurecer. Quando o dia da partida finalmente chegou, Marília não parava de chorar, mesmo ao embarcar no avião. Ela olhava para trás, implorando silenciosamente que sua mãe mudasse de ideia, mas Melissa não cedeu. Ela ficou no aeroporto, vendo o avião partir, na esperança de que, depois de cinco anos, sua filha voltasse transformada. Melissa sentia uma mistura de ansiedade e esperança
enquanto aguardava no aeroporto. Os cinco anos longe de Marília haviam passado lentamente, e agora que sua filha estava voltando, ela só conseguia torcer para que todo esse tempo tivesse provocado a mudança que tanto esperava. As chamadas de vídeo, as mensagens e até mesmo as conversas telefônicas não a haviam convencido completamente. Marília parecia mais tranquila, mais focada, mas Melissa sabia que a verdadeira prova viria agora, quando as duas estivessem novamente sob o mesmo teto. Assim que Marília surgiu no portão de desembarque, carregando uma mala grande, Melissa correu para abraçá-la. A filha, que Melissa a apertou forte,
sentindo o coração se aquecer um pouco, também disse: "Senti sua falta, mãe." Marília parecia mais serena, com um sorriso calmo nos lábios. "Estou feliz de estar de volta." No caminho para casa, Melissa não conseguia parar de olhar para a filha, tentando perceber qualquer sinal de mudança. A conversa foi leve, com Marília contando como os últimos meses haviam sido agitados, mas dizendo que estava ansiosa para começar uma nova fase. Melissa se agarrava a cada palavra, com a esperança de que dessa vez seria diferente. Logo que chegaram, Marília expressou o desejo de procurar um emprego rapidamente. "Não
quero ficar parada, mãe! Quero trabalhar e contribuir em casa." Melissa sorriu com orgulho. "Isso é ótimo, Marília! É o que eu esperava ouvir. Tenho certeza de que você vai encontrar algo em breve." Dias depois, feita a saber que Marília havia conseguido um emprego, sua filha saía de manhã cedo e voltava no final do dia, sempre com uma expressão cansada, mas parecia comprometida. Melissa sentia um certo alívio, como se finalmente pudesse começar a relaxar. A Marília que voltara para casa era mais responsável, mais madura, ou pelo menos era o que parecia. Mas essa sensação de alívio
durou pouco. Uma noite, enquanto estava quase pegando no sono, Melissa foi novamente acordada pelo som do telefone tocando. O relógio na cabeceira marcava 2h45 da manhã. Ela sabia que não podia ser algo bom. Com o coração disparado, atendeu. "Senhora Melissa? Aqui é da delegacia. Sua filha, Marília, ela bateu o carro em uma árvore. Parece que ela estava sob efeito de álcool." Melissa sentiu o chão sumir debaixo de si. "Ela está bem?" "Sim, saiu com um pequeno arranhão no rosto. Ninguém mais se envolveu no acidente, mas ela está detida por dirigir embriagada." Melissa desligou o telefone
com as mãos trêmulas, não podia acreditar que mais uma vez estava passando por isso. Levantou-se, se arrumou rapidamente e dirigiu até a delegacia, com a mesma sensação de desespero que experimentara anos antes. Quando chegou lá, foi recebida por um policial que parecia já estar acostumado a lidar com essas situações. Ele entregou os pertences de Marília, enquanto esperavam pela liberação. Entre eles, o celular da filha, que acidentalmente se iluminou com uma notificação de mensagem. Melissa, sem intenção de invadir a privacidade da filha, viu a primeira linha da mensagem na tela: "Você foi demitida por faltas constantes.
Não precisa voltar." Melissa fechou os olhos e soltou um suspiro longo e pesado. Sua filha não havia mudado durante todo esse tempo. Marília estava mentindo, fingindo ter uma vida estruturada, quando na verdade as irresponsabilidades continuavam. O emprego que ela havia conseguido com tanto alarde já havia sido perdido. Pouco tempo depois, Marília foi liberada. Ela tinha um corte pequeno no rosto, como o policial mencionara, e evitava o olhar da mãe enquanto caminhavam juntas até o carro. O silêncio entre as duas era opressor. Melissa queria gritar, confrontar a filha, exigir respostas, mas estava cansada demais, não apenas
fisicamente, mas emocionalmente exausta. Quando finalmente chegaram em casa, Melissa parou na sala e olhou para Marília, que, sem dizer uma palavra, subiu as escadas. Porém, antes de desaparecer no corredor, Melissa quebrou o silêncio: "Você não mudou, não é, Marília? Depois de tudo, você continua a mesma." María parou por um segundo, mas não se virou. "Mãe, eu estou com dor de cabeça. Eu não quero discutir agora." A frieza na resposta de Marília cortou Melissa como uma lâmina. "Dor de cabeça? Isso é tudo que você tem a dizer depois de mais uma vez...?" "Eu já disse, não
quero discutir," Marília rebateu, agora com raiva, sem se dar ao trabalho de esconder o tom defensivo. Melissa apenas balançou a cabeça, desistindo de qualquer tentativa de conversar. Naquele momento, estava claro que mais uma vez sua filha estava se recusando a assumir qualquer responsabilidade. Subiu as escadas lentamente, sentindo o peso da decepção se acumular em seus ombros. Os dias seguintes foram frios e distantes. Marília passava a maior parte do tempo no quarto ou saindo de casa sem dizer para onde ia. Melissa, por sua vez, evitava iniciar qualquer conversa séria, talvez por medo de enfrentar a verdade.
Ela não sabia mais o que fazer; tentara de todas as formas possíveis em ensinar Marília a ser responsável, a enfrentar as consequências de seus atos, mas parecia que nada surtia efeito. Uma noite, enquanto sentada no sofá com a televisão ligada como mera distração, Melissa refletiu sobre todas as tentativas falhas, todas as segundas chances que dera: o acidente, o processo, os anos de estudo, o emprego perdido. Parecia um ciclo interminável de promessas quebradas e esperanças frustradas. Ela suspirou profundamente, sentindo a solidão de estar presa nessa situação. Sabia que, de alguma forma, teria que tomar uma... Atitude,
mas naquele momento, não fazia ideia de qual seria. Marília, em seu quarto, mexia no celular como se nada estivesse acontecendo, ignorando o fato de que, mais uma vez, havia decepcionado sua mãe. E assim, a tensão entre as duas crescia silenciosa, mas implacável, como uma tempestade prestes a explodir. Melissa estava sentada na varanda, observando a brisa leve balançar as folhas do jardim, enquanto seus pensamentos vagavam. Ela ainda refletia sobre as atitudes de Marília e as preocupações que vinham pesando sobre ela nos últimos dias. A volta de sua filha tinha trazido uma mistura de esperanças e frustrações
que, ao longo do tempo, só pareciam se acumular. O silêncio era interrompido apenas pelos sons esparsos da vizinhança. Foi então que ela notou um movimento na rua: um jovem rapaz passava, indo de um lixo ao outro, catando latinhas e outros materiais recicláveis. Ele caminhava com calma, mas seu rosto expressava cansaço. Quando ele se abaixou perto de uma lata de lixo e tirou de lá uma garrafa de água transparente, Melissa franziu o cenho. O rapaz abriu a garrafa e tomou um gole, mas logo cuspiu a água, fazendo uma careta de nojo. Era óbvio que a água
estava imprópria para consumo. Sentindo um aperto no peito ao ver aquilo, Melissa rapidamente entrou em casa, pegou uma garrafa de água fresca da geladeira e voltou para a varanda. “Ei, rapaz!", chamou, gesticulando para ele se aproximar. Ele olhou para ela surpreso, mas se aproximou com certa hesitação. “Você quer uma garrafa de água? Está um dia bem quente e, pelo jeito, essa aí não estava boa”, disse ela, com um sorriso gentil, estendendo a garrafa. Os olhos do rapaz brilharam com gratidão. “Ah, muito obrigado, senhora! Eu estava morrendo de sede, mas a água que peguei estava suja”,
disse ele, aceitando a garrafa e bebendo grandes goles, aliviado. Melissa o observava, notando a educação com que ele falava. “Você está catando latinhas, não é?”, perguntou, curiosa. Ele assentiu: “Sim, senhora. Estou tentando juntar o máximo que consigo. No bairro de vocês tem bastante coisa boa que as pessoas jogam fora.” Melissa sorriu, um pouco admirada com a sinceridade dele. “Sabe, aqui em casa nós separamos os recicláveis. Se você quiser, pode passar aqui para pegar o que temos. Deixe-me te mostrar onde guardamos.” Os olhos do rapaz se abriram em surpresa. “Sério? Isso me ajudaria muito, senhora! Muito
obrigado!” Ela o convidou a entrar pelo portão e o conduziu até o local onde guardava os recicláveis, um pequeno depósito ao lado da casa. Entregou-lhe uma chave: “Pode pegar o que precisar. E se quiser, pode voltar toda terça e sexta, antes da coleta. Assim, sempre vai ter algo para você.” O rapaz sorriu amplamente, seus olhos brilhando de gratidão. “Muito obrigado, senhora! Isso vai fazer uma grande diferença para mim.” Ele fez uma pausa, parecendo lembrar de algo. “Ah, me chamo Daniel. A propósito, prazer!” “Daniel, eu sou Melissa”, disse ela, apertando sua mão. Daniel pegou alguns sacos
cheios de latinhas e garrafas plásticas e se despediu. Enquanto ele saía, Melissa ficou ali, na entrada de sua casa, observando-o se afastar pelo longo caminho. Pensava em como um rapaz tão simples, em uma situação tão difícil, conseguia ser tão educado e grato. Uma comparação inevitável surgiu em sua mente: sua própria filha, Marília, que, mesmo com todos os privilégios, não demonstrava o mesmo nível de educação ou gratidão. Os dias passaram e, como combinado, Daniel continuou a aparecer em sua casa nas terças e sextas-feiras. Melissa começou a se acostumar com a presença dele, e aos poucos as
interações se tornaram mais do que simples trocas de recicláveis. Eles conversavam e Melissa descobriu que Daniel era um jovem batalhador que havia deixado os estudos para ajudar a sustentar a família, mas que, mesmo assim, mantinha a esperança de um dia voltar a estudar. Em uma dessas visitas, enquanto Daniel recolhia as latinhas, Melissa se aproximou com uma ideia na cabeça. “Daniel, vou dar uma festa em casa amanhã, com muitos convidados. Você gostaria de trabalhar como garçom nesse dia?” Daniel parou por um momento, surpreso pela proposta. “Sério? Senhora, eu adoraria! Qualquer trabalho que apareça, eu aceito.” Melissa
sorriu, satisfeita com a resposta entusiasmada dele. “Ótimo, estarei esperando por você. Esteja aqui por volta das 6 da tarde, vou providenciar uma roupa adequada para o trabalho.” “Pode deixar, estarei aqui! Muito obrigado pela oportunidade”, ele disse, claramente animado. No dia seguinte, conforme o combinado, Daniel chegou pontualmente. Ele vestia roupas simples, mas estava limpo e bem arrumado, pronto para o trabalho. Melissa o conduziu até os fundos da casa, onde lhe entregou o uniforme de garçom. Ele colocou a roupa, com um sorriso de gratidão no rosto, e assim que a festa começou, Daniel mostrou-se incrivelmente eficiente, circulando
entre os convidados com naturalidade. Melissa o observava de longe, orgulhosa da escolha que fizera ao convidá-lo. Ele trabalhava com agilidade, sempre com um sorriso educado, tratando todos os convidados com respeito. Ela reparou nas reações dos presentes, muitos comentando sobre como ele era simpático e atencioso. Perto do final da noite, enquanto Daniel recolhia os últimos pratos e copos, ele se aproximou de Melissa para agradecê-la. “Foi uma honra trabalhar aqui, senhora! Muito obrigado pela oportunidade, isso me ajudou muito.” “Você fez um excelente trabalho, Daniel. Tenho certeza de que vai conseguir ainda mais oportunidades no futuro. Tenha esse
bom comportamento e continue batalhando como está fazendo.” Daniel sorriu, visivelmente tocado pelas palavras de Melissa. “Vou fazer o meu melhor, senhora. E obrigado novamente! Eu nunca vou esquecer o que está fazendo por mim.” Depois que a festa terminou, Melissa recolheu-se em sua casa, sentindo uma leveza inesperada ao comparar a atitude dedicada e grata de Daniel com a irresponsabilidade recorrente de Marília. Melissa se perguntava onde havia errado com sua filha, mas, naquele momento, deixou esses pensamentos de lado, satisfeita com o pequeno impacto positivo que estava proporcionando na vida de Daniel. Sabia que a relação deles ainda
tinha muito a evoluir, mas já era evidente que algo importante estava se desenvolvendo. Melissa passou a ajudar Daniel como podia; ela lhe dava os recicláveis, pagava para ele cortar a grama e até por pequenos serviços na casa, como arrumar um cano que estava vazando. Com o tempo, Daniel começou a aparecer regularmente, sempre educado e agradecido. Entretanto, Marília, ao observar a interação entre Daniel e sua mãe, não demorou a expressar seu incômodo. Em um final de tarde, enquanto Melissa preparava o jantar, Marília entrou na cozinha com uma expressão que misturava curiosidade e desdém. — Mãe, posso
te perguntar uma coisa? — Marília começou, cruzando os braços e encostando-se no balcão. Melissa, que estava mexendo uma panela no fogão, olhou para a filha com uma sobrancelha erguida. — Claro, o que foi? — Por que a senhora ajuda tanto esse rapaz? Ele é um catador de latinhas; se ele faz isso, com certeza é por escolhas erradas que já fez na vida. O tom de Marília era carregado de preconceito, algo que fez Melissa parar o que estava fazendo, imediatamente virando-se para a filha. Melissa olhou para ela com um ar de reprovação. — Nem todos têm
a sorte de nascer com uma mãe rica igual você, Marília. Sua voz era firme, mas controlada. O comentário claramente tocou em uma ferida de Marília, que franziu o rosto, irritada. — Isso não é justo, mãe! — Marília rebateu, defensiva. — Só acho que ele é muito novo; deve ter a minha idade. É estranho a senhora ficar ajudando tanto ele; você deveria parar com isso. Melissa ficou furiosa com o comentário e largou a colher de pau que estava usando. — Eu não tenho nenhuma intenção com Daniel, se é isso que você está insinuando! — Como você
pode falar isso da sua própria mãe? — sua voz estava carregada de indignação. — Você deveria parar de ser egoísta e começar a pensar um pouco mais nos outros, Marília! Marília, não disposta a recuar, cruzou os braços de forma ainda mais desafiadora. — A senhora que deveria pensar duas vezes antes de deixar qualquer emprestável entrar aqui! Sabe lá o que ele já fez; se ele cata latinhas, deve ter feito coisas erradas; provavelmente vive se metendo em problemas, Marília. Melissa gritou, sentindo o sangue ferver, mas antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, Marília girou nos
calcanhares e subiu as escadas em direção ao quarto, claramente querendo encerrar a discussão. Melissa ficou parada por um momento, sentindo a frustração subir. Como ela havia criado uma filha tão insensível e sem empatia? Mesmo depois da discussão, as palavras de Marília continuavam a ecoar na mente de Melissa. Ela sempre confiou em Daniel; o rapaz parecia sincero, gentil e educado, e não demonstrava nenhum comportamento que a fizesse duvidar de suas intenções. No entanto, aquela semente de dúvida havia sido plantada. Melissa começou a se questionar o que realmente sabia sobre Daniel. Aquela noite, após um dia agitado,
Melissa foi para a cama, mas não conseguia dormir. Os comentários de Marília voltavam à sua mente repetidamente, contra sua vontade. Uma parte dela começava a se perguntar: e se ela tiver razão? E se eu estiver confiando demais sem saber realmente quem ele é? Por volta das duas da manhã, incapaz de ignorar a inquietação, Melissa se levantou, foi até o computador, ligou-o e começou a procurar por informações sobre Daniel. Ela ainda tinha alguns dados dele que recolheu quando ele trabalhou como garçom em sua festa. Com essas informações, Melissa começou sua pesquisa. As primeiras páginas de resultados
não trouxeram nada suspeito, apenas menções esparsas sobre trabalhos temporários e atividades relacionadas à coleta de recicláveis. No entanto, quando aprofundou sua busca, algo apareceu. O que ela leu a deixou paralisada; seus olhos se encheram de lágrimas enquanto seu coração batia acelerado. — Meu Deus! — sussurrou, chocada. — Como pode? As informações que surgiram revelavam um passado sombrio que Melissa nunca imaginaria. Daniel, que ela conhecia como um rapaz educado e trabalhador, havia passado por algo muito mais complexo e doloroso do que ela poderia ter previsto. Sentiu um nó na garganta ao ler o que parecia ser
uma ficha policial antiga e relatos de um tempo conturbado em sua vida. Ela não conseguia parar de pensar no que havia descoberto. Fechou o computador, mas o peso daquelas informações continuou a pressionar seu peito. Daniel nunca mencionara nada sobre aquilo; ele tinha sido discreto sobre seu passado, sempre se concentrando no presente e no trabalho que fazia para se sustentar. Nos dias que se seguiram, Melissa mal conseguia olhar para Daniel da mesma forma. Ele ainda vinha recolher os recicláveis e fazer os pequenos serviços que ela oferecia, mas agora havia algo diferente em sua postura, mesmo que
ele não percebesse. Melissa, por outro lado, sabia demais agora, e isso a angustiava. Sentada na sala, dias depois, ela observava Daniel de longe cortando a grama no jardim. Por mais que quisesse, não conseguia afastar da mente as informações que encontrara. O rapaz parecia ser o mesmo de sempre: educado, gentil, mas agora Melissa sabia da dor que ele carregava, de um passado difícil e de decisões que, embora complicadas, pareciam não definir quem ele era. Hoje ela suspirou profundamente, sem saber o que fazer com aquela informação. Melissa chamou Daniel em um final de tarde, com uma expressão
séria no rosto; o ar parecia pesado enquanto ela se aproximava, e Daniel, sempre respeitoso, aguardava em silêncio. — Daniel, eu tenho uma proposta para você — disse Melissa, quebrando o silêncio. Daniel franziu a testa, confuso. — Uma proposta, senhora? — Sim, minha filha Marília precisa muito aprender com você; eu quero que ela passe alguns dias morando na sua casa — declarou Melissa, olhando diretamente nos olhos de Daniel. Daniel arregalou os olhos, completamente surpreso. — Morar comigo, senhora? Eu não entendo; minha casa é pequena, e eu vou lhe pagar bem, muito bem. Melissa interrompeu antes que
ele pudesse completar. Ela mencionou o valor que oferecia. Daniel hesitou por alguns segundos. Mas, ao ouvir o valor, foi difícil recusar. Ele balançou a cabeça, ainda processando a situação. — Tudo bem, senhora, mas tenho que dizer: sua filha não vai querer morar em um lugar tão simples como o meu. Não sei se ela vai aguentar. Melissa assentiu, parecendo ter tudo planejado. — Deixe isso comigo, só espere por ela amanhã, do lado de fora, e ela irá com você. No dia seguinte, Melissa chamou Marília para uma conversa na sala. Marília, ainda com a habitual expressão de
tédio, sentou-se no sofá, sem imaginar o que estava por vir. — Marília — começou Melissa, com a voz firme —, você não vai mais morar nesta casa. Marília olhou para a mãe e riu, como se não acreditasse no que ouvia. — Eu, expulsa da minha própria casa? Mãe, que piada é essa? Mas Melissa manteve o tom sério. — Você vai morar com Daniel por alguns dias. O riso de Marília desapareceu rapidamente, substituído por um olhar de incredulidade. — Eu? Morar com aquele catador de latinhas? De jeito nenhum! Ninguém pode me obrigar! Ela se levantou de
súbito e foi até o quarto, mas, quando tentou abrir a porta, percebeu que estava trancada. Antes que pudesse reagir, um dos seguranças da casa apareceu e a segurou pelo braço, conduzindo-a até a entrada. Marília gritava, se debatendo. — Minha mãe está louca! Me solta! Os seguranças, treinados e sem mostrar emoção, a colocaram para fora. A porta se fechou atrás dela com um estalo surdo, e Marília bateu repetidas vezes, exigindo entrar de volta. Mas ninguém respondeu do outro lado. Daniel estava parado ao lado de seu carrinho de recicláveis, observando a cena com uma mistura de constrangimento
e empatia. Marília se virou para ele, furiosa. — Eu não vou com você, nem pense nisso! A noite começou a cair, o céu escurecendo lentamente, e Marília ainda estava do lado de fora, sem sucesso em sua tentativa de voltar para dentro de casa. Depois de um longo silêncio, Daniel, que se mantivera discreto, deu um passo à frente. — Está ficando perigoso aqui fora, é melhor a gente ir. Exausta e sem alternativas, Marília finalmente desistiu, com um suspiro derrotado. Ela acenou com a cabeça. — Tudo bem, mas saiba que eu estou fazendo isso porque não tenho
outra opção. Eles caminharam em silêncio até a casa de Daniel. Quando chegaram, Marília olhou ao redor e ficou horrorizada; para ela, parecia um barraco, longe do conforto e luxo a que estava acostumada. Daniel, sempre educado, abriu a porta e fez um gesto para que ela entrasse. — Você pode ficar no meu quarto — disse ele, apontando para uma porta no fundo da pequena sala. — Eu vou dormir na sala. Marília entrou, observando o ambiente humilde. O quarto era pequeno, com uma cama de colchão fino. Ela sentou-se na beira da cama, sentindo a dureza desconfortável, e
suspirou pesadamente. Naquela noite, quase não dormiu. Pela manhã, ainda atordoada pela situação, Marília foi até a sala, onde Daniel já estava acordado, preparando algo simples para o café da manhã. Ele colocou um prato com pão e ovo à frente dela, o que a fez torcer o nariz. — Fiz um café simples — disse ele, com um sorriso amigável. — Espero que esteja com fome. Marília olhou para o prato com nojo. — Eu não vou comer isso — disse secamente, afastando o prato com a mão. Daniel, mantendo a calma, deu de ombros. — Tudo bem. Se
mudar de ideia, está aqui. Ela se jogou no sofá da sala, sentindo-se frustrada e irritada com toda a situação. Sentada ali, com o silêncio desconfortável da casa, Marília ouviu um som vindo do outro quarto. Ela franziu o cenho e se virou para Daniel. — O que é isso? Tem alguém no outro quarto? Daniel olhou para ela e assentiu. — É meu pai. Ele ainda está dormindo. Marília olhou para a porta fechada, mas não perguntou mais nada. O desconforto de estar naquela casa, de estar tão fora de sua zona de conforto, estava pesando sobre ela. Enquanto
Daniel se preparava para sair e catar latinhas, ele olhou para Marília uma última vez antes de ir. — Vou sair para trabalhar. Não vou demorar muito. Se precisar de alguma coisa, é só esperar que eu volto logo. Marília não respondeu, apenas ficou sentada, olhando o tempo passar pela janela suja e o ambiente simples ao seu redor. A vida que ela conhecia parecia distante, e a realidade que agora enfrentava era insuportável. Marília estava sentada no sofá, ainda tentando se ajustar à simplicidade daquela casa, quando ouviu um som vindo do quarto de Daniel. A porta se abriu
lentamente, revelando Túlio, o pai de Daniel, em uma cadeira de rodas. Ele tinha uma expressão amigável, mas cansada, enquanto se movia até a sala. — Oi, você deve ser Marília — disse ele, com um sorriso. — Daniel me contou que você vai passar uns dias aqui com a gente. Marília apenas assentiu, sem saber exatamente como reagir. Ela não estava acostumada a interações como essa, principalmente em um ambiente tão simples. Túlio, por outro lado, parecia bastante confortável com o silêncio, preenchendo o espaço com suas próprias palavras. — Eu sou Túlio, pai do Daniel — ele se
apresentou. — Essa cadeira aqui me mantém no eixo — brincou, batendo de leve nos braços da cadeira de rodas. — Não consigo fazer muita coisa desde que fiquei assim, mas faço o que posso. E por falar nisso, já que estou de pé, ou melhor, de rodas, vou preparar o almoço. Túlio se movimentou com facilidade pela cozinha, mostrando que, apesar de suas limitações físicas, ele ainda tinha controle sobre sua rotina. Enquanto ele preparava o almoço, continuava a falar sobre coisas cotidianas, histórias sobre Daniel, a casa e como ele se adaptava ao dia a dia. Marília permanecia
calada, observando cada movimento e escutando sem realmente absorver muito. — Almoço pronto! — anunciou Túlio, trazendo dois pratos para a mesa da pequena cozinha. — É simples, mas sustenta. Marília olhou para o prato com uma expressão neutra; ela sabia que deveria ser educada, mas o cheiro... "E a aparência da comida a repeliam. — Eu não estou com fome — disse, recuando para o sofá. Túlio não pareceu se ofender. — Tudo bem, quem sabe mais tarde — respondeu com um sorriso, acomodando-se em sua cadeira para comer. Depois de almoçar, ele tomou sua medicação e explicou, com
o mesmo tom casual de antes, que as dores no corpo o deixavam exausto. — Preciso descansar agora, Marília. Essas dores acabam com tudo e eu não aguento ficar muito tempo acordado. A gente conversa mais tarde — ele disse enquanto voltava lentamente para o quarto. Marília ficou sozinha novamente, sentindo um vazio estranho. Aquele ambiente e aquelas pessoas estavam muito distantes de tudo o que ela conhecia, e mesmo que tentasse não pensar nisso, a realidade a cercava o tempo todo. Ela se jogou no sofá, olhando para o teto, tentando distrair-se com o som suave da chuva a
cair lá fora. Já era noite quando Daniel voltou para casa, molhado e com uma expressão cansada. Ele entrou carregando uma sacola de salgados e colocou-os na mesa da cozinha. — Desculpa a demora. Esperei a chuva passar, mas parece que só piorou. Trouxe uns salgados. Espero que ainda esteja com fome — María, que estava morrendo de fome, rapidamente foi até a mesa e comeu tudo que Daniel ofereceu. Ela, que nos primeiros dias usava aceitar qualquer coisa, agora comia em silêncio. — O seu pai parece ser um homem bom — comentou ela, limpando a boca com a
mão. Daniel sorriu, mas havia um toque de tristeza em seus olhos. — Ele é, mas infelizmente, desde que ficou preso à cadeira de rodas e com essas dores que nunca passam, ele não consegue mais trabalhar. Faço o que posso por ele. Marília não respondeu. Ela ainda se sentia desconfortável naquela casa, como se nada fizesse sentido para ela. Naquele lugar, os dias passavam devagar, e ela tentava, sem sucesso, voltar para casa. Toda vez que ligava para sua mãe, a resposta era a mesma: — Você vai ficar aí até aprender algo. Isso a frustrava, e a sensação
de estar presa ali, sem poder voltar ao conforto de sua vida antiga, a deixava cada vez mais impaciente. Certa noite, Daniel chegou mais tarde que o habitual. Marília, já acostumada com a rotina dele, ficou preocupada. — Por que demorou tanto? — perguntou quando ele entrou. — Esperei a chuva diminuir — respondeu Daniel, exausto, enquanto se jogava no sofá, completamente drenado. Ele tentou encontrar uma posição confortável, mas o sofá pequeno e desgastado não era nada convidativo. María o observou em silêncio por alguns minutos, algo incomodando-a internamente. Pela primeira vez, ela começou a pensar em alguém além
de si mesma. Aproximou-se de Daniel e o cutucou levemente. — Você não parece muito confortável aí — disse ela, hesitante. Daniel abriu os olhos lentamente, confuso. — Estou bem, Marília, só cansado. Ela balançou a cabeça. — Não, você não está. Vai dormir no seu quarto. Eu durmo aqui hoje. Ele se sentou, surpreso com a sugestão. — Você não precisa fazer isso. Eu estou bem. Você tem que trabalhar amanhã cedo, precisa descansar. Vai dormir no seu quarto, eu fico aqui. O tom de Marília era firme, algo que Daniel não estava acostumado a ouvir da parte dela.
Com muito sono e exausto demais para discutir, Daniel acabou aceitando a oferta e foi para o quarto. Pela primeira vez, Marília se deitou no sofá, pensando no que tinha feito. Ela se sentiu estranhamente satisfeita por ter tomado aquela atitude. Os dias continuaram a passar. Marília passava as tardes conversando com Túlio, que sempre tinha histórias para contar, e à noite Daniel se juntava a eles. A rotina simples e as interações com os dois estavam lentamente mudando a perspectiva de Marília, embora ela mesma ainda não estivesse completamente consciente disso. Um dia, Marília acordou cedo, antes de Daniel
e Túlio, e decidiu fazer algo diferente. Foi até a cozinha e preparou o café da manhã. Não era nada especial, apenas o que havia disponível na casa, mas o simples ato de fazer algo para os dois foi novo para ela. Quando Túlio e Daniel se sentaram à mesa, eles agradeceram com um sorriso sincero. Mesmo que o café não estivesse muito bom, — Obrigado, Marília — disse Daniel. — Foi uma boa surpresa. Mais tarde, naquele dia, Daniel foi até a casa de Melissa para recolher os recicláveis e aproveitou para dar uma atualização sobre Marília, ao contar
que a filha havia preparado o café da manhã para ele e Túlio. Melissa ficou surpresa, um sorriso surgindo em seu rosto. — Ela fez o café? — perguntou incrédula, mas contente. — Parece que ela finalmente está mudando. Já fazia duas semanas que Marília estava morando na casa de Daniel. Durante esse tempo, ela passou a conhecer melhor a rotina daquela casa humilde e, de maneira surpreendente, começou a se acostumar com a simplicidade. Túlio, sempre cheio de histórias e conversas, parecia gostar da companhia dela. Foi durante uma dessas conversas que, curiosa, Marília finalmente perguntou o que a
atormentava há alguns dias. — Túlio, posso te perguntar uma coisa? — começou ela, hesitante. — Por que você está numa cadeira de rodas? Túlio suspirou, mas manteve seu habitual sorriso tranquilo. — Ah, foi um acidente. Aconteceu há 5 anos. Desde então, minha vida mudou completamente. O mundo de Marília congelou naquele instante. Sua mente começou a conectar os fatos e uma realização esmagadora tomou conta dela. — 5 anos atrás, eu também causei um atropelamento. Sua respiração acelerou, e ela mal conseguia olhar para Túlio enquanto ele continuava a falar, descrevendo o impacto do acidente em sua vida.
Mal ouvindo a explicação, sentiu o peito apertar e se levantou abruptamente. — Eu preciso sair — disse, sem conseguir controlar as lágrimas que já começavam a escorrer. Ela correu para fora da casa, sem se despedir, correndo pela rua em direção à casa de sua mãe. Cada passo que dava parecia trazer à tona mais uma onda de culpa e desespero. Quando finalmente chegou à casa, começou a bater na porta, chorando. — Mãe, abre! Mãe! — gritou. Melissa, assustada com os gritos." Correu até a porta. Ao abrir, encontrou a filha com o rosto inchado de tanto chorar.
— O que aconteceu, Marília? — Melissa perguntou, preocupada. Marília, sem conseguir controlar a emoção, olhou diretamente nos olhos de sua mãe e fez a pergunta que temia: — Mãe, fui eu. Fui eu que atropelei o pai do Daniel? O silêncio que se seguiu foi insuportável. Melissa respirou fundo, a expressão em seu rosto pesada. — Sim, Marília — ela finalmente disse, com a voz baixa. — Você foi a responsável por aquele acidente. Depois que você atropelou Túlio, a vida dele mudou para pior. Ele perdeu o emprego, o movimento das pernas e Daniel... Ele parou de estudar
para sustentar a casa, chegou a cometer um pequeno delito: roubou comida quando era mais jovem porque eles não tinham como se alimentar. Mas, desde então, ele passou a coletar latinhas para sobreviver. Aquelas palavras pesaram no coração de Marília como uma âncora que a puxava para o fundo do oceano. Ela havia passado todo esse tempo julgando Daniel, acreditando que ele estava naquela situação por falta de vontade ou por escolhas erradas, mas agora ela entendia que ele estava assim por causa dela. — Mãe! — caiu de joelho, soluçando. — Eu não sabia! Eu não sabia que tinha
causado tanto! O que eu fiz? Melissa se abaixou ao lado da filha, colocando a mão em seu ombro. — Marília, isso não é fácil para ninguém, mas você precisava saber. Agora que sabe, tem que decidir como lidar com isso. Marília, ainda chorando, balançou a cabeça, mas não conseguiu responder. Ela levantou-se devagar e, sem mais uma palavra, voltou para a casa de Daniel, cada passo mais pesado do que o anterior. Quando chegou lá, Daniel estava na cozinha preparando algo para o jantar. Ele olhou para Marília quando ela entrou, percebendo imediatamente que algo estava errado. Ela parecia
perdida, os olhos inchados e o rosto pálido. Ele franziu o senho. — Marília, o que aconteceu? — perguntou ele, preocupado. Ela hesitou, sentindo o peso das palavras que precisava dizer, mas sabia que não podia esconder mais nada. — Daniel, tem uma coisa que você precisa saber. Ele ficou em silêncio, esperando enquanto Marília desviava o olhar, incapaz de encará-lo. — Fui eu. Fui eu que atropelei o seu pai — ela finalmente confessou, a voz quase um sussurro. O mundo de Daniel pareceu parar por um momento. Ele piscou lentamente, processando o que havia acabado de ouvir. O
silêncio entre eles era tão denso que parecia impossível de romper. Ele se afastou da bancada, sentindo como se o chão tivesse desaparecido sob seus pés. — Você... o quê? — a voz de Daniel estava incrédula, quase em choque. — Fui eu! — repetiu Marília, as lágrimas voltando a escorrer. — Eu não sabia, mas agora eu sei que fui eu. Daniel ficou em silêncio por alguns momentos, tentando assimilar o impacto daquelas palavras. Ele olhou para Marília, seus olhos refletindo uma mistura de dor e raiva, mas quando ele finalmente falou, sua voz era calma. — Saia daqui!
Marília, tomada pelo desespero, deu um passo à frente. — Daniel, por favor, eu não sabia! Eu sinto muito! — Eu disse: saia! — repetiu ele, agora com mais firmeza, mas ainda mantendo-se calmo. Marília, sentindo-se esmagada pela culpa e pela rejeição, deu alguns passos para trás. — Eu só queria ajudar! Eu não sabia! Daniel respirou fundo, seus olhos cheios de uma dor profunda. — Isso não muda o que aconteceu. Eu preciso que você vá embora. Sem mais resistência, Marília virou-se e saiu da casa. As lágrimas não paravam de cair enquanto ela caminhava de volta para a
casa de sua mãe. Quando chegou, entrou sem dizer uma palavra, encontrando Melissa na sala. — Ele me mandou embora — disse Marília com a voz quebrada. — Eu... eu contei a ele e ele disse para eu ir. Melissa, vendo a tristeza da filha, a abraçou. Apesar de sentir pena dela, sabia que Marília precisava passar por isso, entender a gravidade de suas ações. Mesmo assim, o aperto no coração era inevitável. — Eu sei, filha. Eu sei — disse Melissa suavemente, segurando Marília enquanto ela chorava. Marília estava sentada à mesa da cozinha, olhando para sua mãe com
uma expressão séria. — Mãe, nós precisamos ajudar o Daniel e o pai dele. Não podemos simplesmente deixar as coisas como estão! Melissa, que também refletia sobre tudo o que acontecera, assentiu devagar. — Eu concordo, Marília. Mas o que você tem em mente? — Eu quero mudar, mãe! Quero fazer algo por eles — Marília respondeu com convicção, embora o peso da situação ainda estivesse visível em seu rosto. Melissa suspirou e se levantou. — Eu vou falar com eles no dia seguinte. Melissa decidiu ir até a casa de Daniel. Ela sabia que a relação entre Daniel e
Marília estava delicada demais e não queria forçar uma reconciliação. Quando ela chegou, Daniel estava do lado de fora, mexendo em seu carrinho de recicláveis. — Melissa! — ele disse, surpreso ao vê-la. — O que você está fazendo aqui? — Daniel — ela começou com um tom suave, mas determinado. — Eu vim falar com você e seu pai. Daniel olhou para ela com um misto de surpresa. — Se for sobre Marília, eu já disse que não tenho nada contra a senhora, mas eu realmente não quero mais contato com ela. Melissa balançou a cabeça. — Eu respeito
a sua decisão, Daniel. Não estou aqui para falar de Marília. Estou aqui para falar com o seu pai. Daniel hesitou por um momento, mas acabou concordando e abriu a porta para que ela entrasse. Túlio estava sentado na cadeira de rodas, perto da mesa da sala. Quando viu Melissa, abriu um sorriso amigável. — Ah, você deve ser a mãe da Marília — ele disse com um brilho nos olhos. — Daniel me contou um pouco da história. Melissa sentiu um aperto no peito, mas foi honesta desde o início. — Sim, sou eu. Eu sou a mãe da
mulher que o atropelou e eu vim aqui hoje porque sinto que é minha obrigação ajudar vocês. Túlio a olhou por um momento e... Então, soltou uma risada suave, quase aliviada. A Melissa, todo jovem tem um miolo a menos, disse ele, sorrindo. Eu não guardo mágoa de Marília; pelo que Daniel me disse, ela parece ser uma boa jovem. A vida tem dessas, né? Melissa sorriu, sentindo um alívio ao ouvir as palavras de Túlio. — Fico feliz em ouvir isso, mas mesmo assim eu quero fazer algo por vocês. Eu quero ajudar. Vocês passaram por tantas dificuldades e
eu sinto que é minha obrigação fazer o que puder. Túlio balançou a cabeça, sorrindo. — Não precisa, Melissa. A gente está acostumado a lidar com as coisas como elas são. Melissa não se deu por vencida. — Eu posso conseguir emprego para vocês dois e para Daniel. Eu posso ajudá-lo a terminar os estudos. Sei que isso não vai desfazer o que aconteceu, mas é o mínimo que eu posso fazer. Túlio ficou em silêncio por alguns segundos, pensativo. Ele então olhou para Daniel, que estava parado no canto da sala, ouvindo tudo. — Bem, essa é uma proposta
difícil de recusar, disse ele, com um sorriso. Acho que podemos aceitar. Melissa também sorriu, sentindo que finalmente poderia fazer algo positivo. — E mais uma coisa, Túlio, — ela continuou. — Eu gostaria que você fosse a um médico. Eu sei que não é possível você voltar a andar, mas talvez possamos encontrar uma forma de aliviar suas dores. Túlio parecia um pouco surpreso, mas finalmente sentiu. — Eu aceito, Melissa. Se isso puder me ajudar, vale a pena tentar. Melissa então olhou para Daniel, que estava quieto durante toda a conversa. Ele estava claramente relutante, ainda carregando o
peso do que havia descoberto. No entanto, após um longo silêncio, ele balançou a cabeça em aceitação. — Obrigado, — ele disse simplesmente. Nos dias seguintes, as coisas começaram a mudar. Com a ajuda de Melissa, Daniel e Túlio conseguiram novos empregos. Túlio também passou por uma série de consultas médicas e sessões de fisioterapia, e embora ainda não pudesse andar, suas dores diminuíram consideravelmente, permitindo que ele vivesse com mais conforto. Daniel, por sua vez, começou a estudar meio período, finalmente retomando algo que havia deixado para trás há muito tempo. Algumas semanas depois, Melissa decidiu organizar uma festa
em sua casa e convidou. — Haverá muita gente por lá, — ela explicou a Daniel. — Pode ser uma boa oportunidade para fazer novas amizades e relaxar um pouco. Túlio aceitou o convite sem hesitar, animado com a possibilidade de socializar, já Daniel, apesar de se sentir grato pela ajuda de Melissa, parecia mais hesitante. — Eu não sei, Melissa. Não sei se estou pronto para algo assim. Melissa sorriu, tentando tranquilizá-lo. — Não precisa se preocupar. Vai ser algo leve, nada formal, e você não precisa ficar se quiser ir embora cedo. Depois de pensar um pouco, Daniel
acabou concordando, embora ainda com uma certa cautela. — Tudo bem. Eu vou, mas por favor, não me pressione a nada, — ele disse com um pequeno sorriso. No dia da festa, Melissa ficou satisfeita ao ver os dois chegando juntos. Túlio, sempre sorridente, parecia animado, enquanto Daniel estava mais contido, mas claramente tentando fazer um esforço. A atmosfera da festa era leve e agradável, e Melissa se certificou de que eles fossem bem recebidos pelos outros convidados. Túlio logo se enturmou, rindo e conversando com os convidados, enquanto Daniel ficava mais na retaguarda, observando o ambiente com cuidado. Ele
ainda não se sentia completamente à vontade, mas estava começando a perceber que talvez pudesse encontrar um novo começo, cercado de novas oportunidades. Marília, nervosa, pegou uma bandeja com bebidas e salgados e foi até Daniel. Era um gesto simples, mas para alguém tão orgulhosa como ela, foi um grande passo. Ela respirou fundo, tentando manter a calma, e se aproximou dele. — Quer uma bebida e uns salgados? — ofereceu, com um sorriso tímido. Daniel levantou os olhos, surpreso com a aproximação. Ele hesitou por um segundo, mas depois balançou a cabeça em agradecimento e pegou um copo. —
Obrigado, — respondeu. Ele ainda estava um pouco distante. — Espero que se divirta, — Marília disse com uma suavidade que não costumava ter. Daniel apenas acenou, sem muitas palavras, mas o gesto significou muito para ela. Depois de se afastar de Daniel, Marília viu Túlio sentado no meio da sala, conversando animadamente com alguns convidados. Ela respirou fundo novamente e, em um gesto que chamou a atenção de todos, ajoelhou-se na frente dele. — Túlio, — disse ela, com a voz trêmula. — Eu quero pedir desculpas por tudo, pelo que aconteceu com você e por tudo que isso
causou na sua vida. Os convidados ao redor ficaram em silêncio, observando a cena. Túlio olhou para ela com uma expressão gentil, mas surpreso pela intensidade do pedido. Ele imediatamente a pegou pelos braços e a levantou com um sorriso bondoso. — Favor, Marília. Você não precisa fazer isso, — disse ele. — Eu vejo o quanto você está arrependida e vocês já fizeram tanto por nós. Isso é mais do que suficiente. Marília sorriu, enxugando as lágrimas que haviam começado a brotar em seus olhos. — Obrigada, — murmurou, emocionada. — Agora vá se divertir, — disse Túlio, dando
uma leve risada. — Você merece aproveitar essa noite. Melissa, que observava de longe, aproximou-se de Túlio logo depois. — Eu não esperava que Marília tivesse coragem de fazer algo assim, — ela comentou, visivelmente impressionada. Túlio balançou a cabeça, sorrindo. — Ela mudou. — Dá para ver. Não é fácil admitir erros assim, especialmente na frente de todo mundo. Os dois começaram a conversar sobre as mudanças que haviam acontecido nas últimas semanas. A conversa entre eles fluiu naturalmente e eles acabaram passando grande parte da noite juntos, rindo e compartilhando histórias. Enquanto isso, Daniel, que havia visto toda
a cena entre Marília e seu pai, foi até ela. Ele parecia sério, mas seus olhos refletiam uma leve mudança. — Eu vi o que você fez, — disse ele, parando ao lado dela. — Eu sei que não é fácil para você, não vai ser fácil para mim também, mas estou disposto a tentar te perdoar. Marília sorriu, aliviada e grata. Estendeu a mão e Daniel a apertou. Foi um momento importante entre os dois. Eles começaram a conversar; o que antes parecia impossível agora fluía naturalmente. As mágoas ainda estavam lá, mas havia uma disposição mútua para seguir
em frente. Conforme a noite avançava, Marília começou a notar que, enquanto Túlio estava conversando animadamente com todos os presentes, Daniel permanecia mais reservado, não se entrosando muito com os outros. Ela decidiu ir até ele novamente, tentando estar mais à vontade. Foi nesse momento que Amanda, sua melhor amiga, apareceu ao lado dela, curiosa. "Aquele seu amigo é bem bonito," disse Amanda com um sorriso brincalhão. "Quem é ele?" Marília aproveitou o momento para apresentar os dois: "Amanda, esse é o Daniel. Daniel, essa é minha melhor amiga, Amanda." Os dois trocaram olhares tímidos no início, mas logo a
conversa começou a fluir. Amanda, sempre extrovertida, conseguiu quebrar o gelo rapidamente, e Marília ficou satisfeita ao ver que Daniel parecia se sentir mais confortável. A festa continuou e, depois de muitas conversas, Melissa foi até Túlio para se despedir. "Foi uma ótima noite," disse ela, sorrindo. "Gostaria que você viesse almoçar em casa um dia desses. O que acha?" Túlio sorriu amplamente. "Adoraria! Vamos marcar." Enquanto Melissa e Túlio se despediam, observaram de longe, trocando olhares desconfiados. Ambos começaram a suspeitar que algo mais estava acontecendo entre seus pais. Quando Daniel se despediu de Marília no final da noite,
ele comentou: "Acho que sua mãe e meu pai estão se dando muito bem, não acha?" Marília riu. "Sim, acho que sim. E você, como foi a conversa com Amanda?" Daniel sorriu, um pouco tímido. "Consegui o telefone dela. Ela parece ser uma boa pessoa." Marília ficou genuinamente feliz. "Ela é. Vocês vão se dar bem." Os dias passaram e, para a surpresa de todos, Melissa e Túlio começaram a passar muito tempo juntos. Logo, eles anunciaram que estavam namorando, algo que não surpreendeu ninguém, já que a relação entre eles tinha ficado evidente nas últimas semanas. Daniel e Amanda
também começaram a se conhecer melhor e não demorou muito para que ficasse claro que havia uma forte conexão entre os dois. Embora ambos fossem tímidos no começo, a relação deles floresceu de forma natural e logo se viam apaixonados. Marília observava tudo isso com um sorriso. Ver sua mãe feliz ao lado de Túlio e Daniel, com sua melhor amiga, trouxe uma sensação de paz que ela há muito não sentia. Ela olhou para trás, refletindo sobre os erros que cometeu e as mudanças que fez em sua vida. O passado podia estar apagado, mas ela estava feliz por
ter tido a chance de fazer algo para consertar o que podia. Com o passar do tempo, a vida seguia, e que antes era um cenário de tantas dores, agora se desdobrava em amor e novas oportunidades. Marília sabia que sua jornada ainda estava em andamento; pela primeira vez em muito tempo, sentia-se verdadeiramente em paz.