O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Nosso país figura ao lado de África do Sul, México e Emirados Árabes como uma dos lugares onde a desigualdade de renda e de patrimônio é mais severa, segundo um estudo publicado recentemente. Eu sou Rafael Barifouse, da BBC News Brasil, e neste vídeo vou explicar 4 dados que evidenciam isso.
Os números que eu vou mencionar aqui são de um estudo do World Inequality Lab, o Laboratório das Desigualdades Mundiais, que integra a Escola de Economia de Paris. O trabalho foi codirigido pelo famoso economista francês Thomas Piketty, autor do livro O Capital no Século 21. O projeto teve a participação de uma centena de pesquisadores internacionais.
Uma das conclusões é que a desigualdade piorou ainda mais no mundo com a pandemia de covid – 2020 marcou o maior aumento na fortuna dos bilionários, que cresceu 3,7 trilhões de dólares. Esse valor, sozinho, representa a soma dos orçamentos de saúde do mundo todo. Segundo os pesquisadores, aos 10% mais ricos do mundo embolsam 52% da renda mundial.
Já os 50% mais pobres recebem apenas 8,5% do total. Isso já ajuda a escancarar a dimensão da desigualdade no Brasil. Veja só nosso primeiro dado: Aqui no Brasil, os 10% mais ricos ganham quase 59% da renda nacional total.
Ou seja, estamos piores que a média global. O número é similar ao da média do Oriente Médio e do Norte da África, as regiões do mundo com maiores desigualdades sociais. Enquanto na Europa, por exemplo, a renda dos 10% mais ricos representa cerca de 36% do total, no Oriente Médio e Norte da África, eles respondem por 58%.
Isso é medido no estudo por meio da paridade de poder de compra, cuja sigla em inglês é PPP, um método alternativo para comparar diferentes moedas ao redor do mundo. Isso é importante porque bens e serviços têm diferentes preços nos países. Então não basta dizer que o real, por exemplo, vale tantos dólares.
É preciso entender como relacionar o poder aquisitivo de uma pessoa com o custo de vida local. Pois bem, essa renda média da população adulta no Brasil é de 14 mil euros por ano, o equivalente a R$ 43,7 mil reais. Mas no casos dos 10% mais ricos do país, ela é de 81,9 mil euros, ou 530 mil reais.
Essa fatia da população fica com exatos 58,6% da renda total do Brasil. Para efeito de comparação, nos Estados Unidos, país também marcado por fortes desigualdades sociais, os 10% mais ricos ganham 45% da renda geral do país. Na China, esse índice é de 42%.
E, na Europa, fica entre 30 e 35%. E se a gente pegar o 1% mais rico, a diferença é ainda mais gritante. O topo da pirâmide tem renda média anual de 372 mil euros, quase 1,2 milhão de reais.
Isso significa que eles ficam com mais de um quarto da renda nacional. O segundo dado é sobre a parte de baixo da pirâmide: Segundo o estudo, os 50% mais pobres ganham 29 vezes menos do que os 10% mais ricos. Na França, por exemplo, os 10% mais ricos ganham 7 vezes mais que a metade menos favorecida.
Essa metade mais pobre da população brasileira precisa viver dividindo entre si apenas 10% da renda nacional. O economista Lucas Chancel, codiretor do Laboratório das Desigualdades Mundiais e foi o principal autor do relatório. Ele conversou com a Daniela Fernandes, nossa colaboradora em Paris.
Ele contou que as políticas do início dos anos 2000, como o Bolsa Família e o aumento do poder de compra do salário mínimo, conseguiram até reduzir uma parte das desigualdades, especialmente na base da pirâmide. Ou seja, houve uma aproximação das camadas mais pobres da população com a classe média. Mas a discrepância permaneceu virtualmente inalterada quando o assunto são os mais ricos.
E isso se deve, de acordo com o estudo, à falta de uma reforma agrária e, principalmente, de uma reforma tributária aprofundada. Mas a gente já volta nisso. O terceiro dado do vídeo também e alarmante: A metade mais pobre no Brasil possui menos de 1% da riqueza do país.
Ou seja, se as desigualdades de renda são altas aqui no Brasil, a desigualdade patrimonial é ainda maior. Uma forma de entender melhor a diferença entre renda e patrimônio é assim: Renda diz respeito ao fluxo de dinheiro, àquilo que uma pessoa ganha durante um período de tempo. Estamos falando aqui de ganhos mensais, por exemplo.
Esses ganhos podem vir de um salário, dos lucros de um negócio ou de investimentos etc. Já o patrimônio é o estoque de dinheiro que uma pessoa tem. Ou seja, seus imóveis, bens de capital, fundos de investimento, ações, saldo em conta bancária ou poupança, etc.
Em 2021, no Brasil, os 50% mais pobres têm apenas 0,4% da riqueza brasileira. Ou seja, não é apenas menos que 1% do total. É bem menos que isso.
Na vizinha Argentina, para ficar em uma comparação próxima, os 50% mais pobres têm 5,7% da riqueza do país. Na Argentina, que vem enfrentando graves crises econômicas há décadas, as desigualdades estão abaixo da média na América Latina. Embora ainda sejam elevadas, segundo o estudo Chegamos ao quarto e último dado da nossa lista: O 1% mais rico possui quase a metade da fortuna patrimonial brasileira.
Essa concentração já chama atenção quando analisamos os 10% mais ricos. Eles respondem por 80% do patrimônio privado do país. Mas a concentração de capital é ainda maior na faixa dos ultrarricos.
O 1% mais abastado detém quase a metade da riqueza nacional Nos Estados Unidos, o 1% mais rico tem 35% da fortuna, 13 pontos percentuais a menos que no Brasil. Mas agora que conhecemos esses dados, como diminuir a desigualdade não só no Brasil, mas no mundo inteiro? O Relatório sobre as Desigualdades Mundiais faz algumas sugestões.
Uma delas seria a taxação progressiva de multimilionários. Cobrar mais impostos de quem tem mais dinheiro e menos de quem tem menos. Esse aumento nos impostos, afirmam os autores do estudo, poderia financiar investimentos em educação, saúde e em transição ecológica.
O texto defende que o surgimento de Estados de bem-estar social na Europa no pós-guerra, no século 20, estava ligado justamente ao aumento de impostos. Lucas Chancel deu um exemplo que evidencia isso no Brasil: o imposto sobre dividendos, que é uma parte. do lucro das empresas que é distribuído aos acionistas.
O Brasil é um dos únicos países do mundo que não cobram imposto sobre isso. O economista afirma que mudar isso seria importante. Mas que seria preciso ir além.
Poderia haver aumento na tributação sobre heranças, por exemplo, que no Brasil costuma variar entre 2 e 8% dependendo do Estado. Na França, esse imposto pode chegar a 60%. E nos Estados Unidos, alcança 40% em alguns casos.
Outra ideia seria uma a chamada tributação progressiva do estoque de capital, o que poderia incluir um imposto sobre fortunas. Lucas Chancel também ressalta um fato curioso. O Bolsa Família, que contribuiu para reduzir parte da desigualdade no Brasil, foi pago, em parte, justamente pelos mais pobres.
Isso porque o programa não foi acompanhado de uma reforma fiscal que aumentasse a contribuição da elite econômica. E o mesmo ocorre agora em relação ao novo Auxílio Brasil. Isso fez com que o Brasil seja, abre aspas: Bom, com isso eu fico por aqui.
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Até a próxima, tchau!