O menino chorava toda a noite depois que a empregada ia dormir. Um dia, quando viu o que o pai dele fazia, entrou em prantos. O pôr do sol iluminava todas as tardes a janela do quarto de Pedro, anunciando a chegada da noite.
O garotinho de 8 anos vivia em uma casa grande e antiga, localizada em um bairro suburbano tranquilo da pequena cidade de Canela, no Rio Grande do Sul. Embora a casa seja muito bonita por fora, parece haver algo sombrio dentro dela. Todas as noites, depois que Dona Maria, a empregada, vai dormir, o menino chora.
Ninguém compreende qual é o motivo do choro da criança; somente Pedro tem a resposta para essa questão que intriga os demais moradores. Luísa, a mãe de Pedro, é uma mulher bondosa, mas bastante atarefada. Além de seus inúmeros afazeres diários, ela está sempre preocupada com a frágil saúde do seu marido, João Henrique.
Por sua vez, João Henrique é um homem bastante sério e reservado. Dificilmente o pai de Pedro demonstra carinho; é como se ele tivesse uma barreira natural contra demonstrações de amor. O homem passa a maior parte do seu tempo trancado em seu escritório, lugar em que ninguém tem permissão de entrar.
O escritório é o refúgio em que João Henrique pode se isolar do mundo e da família. Apesar da pouca interação familiar, existe uma regra na casa de Pedro: a família deve se sentar à mesa junto todas as noites. João Henrique senta-se na cabeceira da mesa, Luísa senta-se na outra extremidade e Pedro senta-se no meio.
Os três jantam juntos, mas em silêncio; ninguém ousa quebrar o silêncio para falar nada. Após o jantar, Dona Maria retira os pratos da mesa e logo em seguida ajuda Pedro a trocar de roupa e se deitar. A empregada dá um beijo na testa do menino na esperança de que ele consiga dormir bem e tranquilamente.
Contudo, esse esforço não adianta de nada perante as lágrimas que rolam pelo rosto do doce garotinho desde que ele descobriu o segredo do seu pai. Assim que termina o ritual de colocar Pedro para dormir, Dona Maria sobe para o seu quarto. Basta os passos da empregada rumo a seu quarto para que João Henrique vá até o seu escritório.
Nesse momento, é Pedro quem ouve os passos do pai rumo ao cômodo misterioso da casa. O menino ouve os passos do pai pelo corredor e logo em seguida se faz um silêncio sepulcral. Pedro é um garoto que aprendeu a ter medo do medo.
Afinal, nada faz mais sentido do que temer a sensação de temer. Dessa forma, toda vez que a casa está em pleno silêncio, ele se sente ameaçado por sentir que pode estar sob ameaça. O garotinho, dono de uma imaginação bastante fértil, questionava-se sobre o que o pai poderia fazer no seu escritório, por que ele impedia que qualquer pessoa entrasse no cômodo quando ele estava lá, que segredo João Henrique poderia ter que nem Luísa, a sua esposa, poderia saber.
Essas perguntas não saíam do pensamento do garoto até que ele tomou uma decisão. Numa noite como outra qualquer, decidido a entender o que estava acontecendo, Pedro tomou coragem e, com passos leves e silenciosos, deixou seu quarto com muito cuidado para não ser notado. O menino se esgueirou até o escritório do pai e espiou através da fechadura.
A cena que o garotinho viu dentro daquele cômodo fez seu coração acelerar de uma forma como nunca havia acontecido até então. O olho cada vez mais arregalado de Pedro via seu pai sentado em sua poltrona, segurando uma caixa misteriosa. Dentro dessa caixa havia um brilho azulado e fraco.
João Henrique olhava para a caixa com um olhar vazio e petrificado; era como se o corpo do homem estivesse lá, mas sua mente não. Aquela cena já era bastante intrigante e assustadora para um menino de 8 anos como Pedro. Contudo, as coisas ficaram ainda mais estranhas.
O garoto observou que a caixa era coberta por runas e símbolos que nunca tinha visto em lugar algum. Enquanto olhava quase hipnotizado para a caixa, João Henrique repetia algumas palavras incompreensíveis. Conforme o homem repetia as palavras, a luz azulada se tornava mais intensa.
Era bastante perturbador ver o homem mexendo os lábios com o olhar perdido e aquela sombra azulada em seu rosto. Pedro tentava em vão compreender o que aquela cena significava. Por mais que tentasse entender o que o pai estava fazendo, ele não conseguia.
Quanto mais tentava imaginar o que era aquilo, mais assustado ele ficava. O medo tomou conta do menino, que só queria sair correndo e apagar da sua mente aquela cena estranhamente macabra que acabara de ver. Pedro então saiu apressado para o seu quarto.
Era difícil traduzir em palavras o que ele tinha visto; aquela cena estranha não saía da sua cabeça. O menino ficou visivelmente perturbado depois da cena que viu e foi assim que teve início a tradição do choro noturno. Preocupado com o que o pai poderia estar fazendo com aquela caixa esquisita, o menino ficou muito calado.
No dia seguinte, Dona Maria, na manhã seguinte, descobriu que Pedro havia feito xixi na cama. Já fazia muito tempo que isso não acontecia, e ela imaginou que deveria existir uma motivação para o ocorrido. A empregada perguntou o que estava acontecendo e o menino se recusou a contar, mas pediu muito que ela não contasse para os seus pais sobre o xixi na cama.
Dona Maria pensou bem e achou melhor esconder essa informação de Luísa e João Henrique, pois os pais costumavam ser muito duros com o menino, e fazer xixi na cama certamente seria algo que eles repreenderiam com mais severidade do que o necessário. Além disso, a empregada tinha certeza de que algo havia afetado aquele menininho e que ela precisava saber o que era. Dona Maria é uma mulher mais velha que cresceu em meio a muitas crenças, então, quando alguém não está Bem, ela já imagina que existe algo espiritual relacionado.
Esse tipo de explicação é o que Dona Maria costuma usar para tentar entender aquilo que parece incompreensível. Dessa forma, a mulher decidiu que iria retirar de Pedro a informação de que precisava sobre o que estava acontecendo. Inicialmente, Pedro guardou segredo, mas Dona Maria sabia como convencer uma criança a falar.
Ela o chamou para ajudá-la a fazer bolinhos de chuva. Enquanto os dois estavam preparando os bolinhos, o garotinho acabou deixando escapar que havia espiado seu pai no escritório. Dona Maria pensou que o garotinho tinha sido pego por João Henrique e levado uma bronca.
No entanto, Pedro comentou que conseguiu voltar para sua cama sem ser visto, mas ficou com tanto medo do que viu que não teve coragem de se levantar para ir ao banheiro. Foi assim que ele acabou fazendo xixi na cama e, por esse motivo, Dona Maria não podia contar o ocorrido para seus pais. Dona Maria prometeu que não contaria nada, mas pediu que o menino lhe contasse o que havia visto que o deixou tão perturbado.
Sentindo que podia confiar na empregada e com um peso no peito, o garoto resolveu falar o que havia acontecido, de um jeito um pouco confuso e bastante amedrontado. Pedro falou para Dona Maria sobre a caixa estranha que João Henrique tinha no colo e o brilho azulado que o fazia parecer de outro mundo. Enquanto ouvia o relato do garotinho, Dona Maria foi sentindo o rubor sumir de suas faces e suas pernas foram amolecendo.
Seria possível que aquela história era o que ela imaginava? A empregada foi ficando bastante assustada e Pedro acabou com mais medo do que quando iniciou seu relato. Para Dona Maria, chegando à conclusão de que não contar para Pedro o que ela sabia era pior do que contar, decidiu falar para ele a respeito de uma antiga história sobre um artefato amaldiçoado.
Dizia-se que esse artefato, guardado dentro de uma caixa repleta de runas e símbolos, tinha o poder de dominar a mente do seu portador. Aquele que encontrava e abria a caixa, olhando para o seu interior, tinha a sua alma capturada pelo artefato. Em pouco tempo, o indivíduo começava a repetir palavras de uma língua desconhecida.
O olhar vazio era um sinal de que a alma daquele indivíduo já não estava onde deveria. Dona Maria não sabia dizer para o garotinho o que acontecia com a alma capturada, para onde ela ia e nem por que isso acontecia. A simples ideia de que seu pai poderia estar sendo vítima de uma caixa mágica maligna fez com que o menino tivesse crises de choro todas as noites.
Algumas vezes, em frente à porta do filho, ela ouvia seus soluços baixos. Ela tentava consolar a criança, mas, com medo de revelar a verdade para a mãe, o garotinho se calava. A mulher tentava comentar com o marido sobre o problema do filho deles, mas João Henrique parecia nem ouvi-la.
O olhar de João Henrique estava sempre perdido; era como se ele não estivesse mais no seu corpo. Apesar de andar e murmurar algumas palavras, o homem parecia não ter vontade própria. Cada vez mais, ele se afastava de Luí.
Ela, como resposta a essa falta de reciprocidade, focava cada vez mais em seu trabalho como assistente comercial de uma empresa de eletrodomésticos. Luí amava o marido e o filho, mas estava cansada da falta de comunicação de ambos. Havia momentos em que ela pensava que talvez o melhor para si fosse se divorciar de João e dar uma nova vida para Pedro.
O filho estava bastante perturbado por alguma coisa e, certamente, isso tinha relação com a falta de atenção do seu pai. Para Luí, parecia que o único caminho possível era a separação, mas como pedir o divórcio para alguém que ela tanto amava? De que forma Pedro iria encarar a separação dos pais?
A mulher decidiu que seria melhor levar o filho a um psicólogo infantil antes de ir com sua decisão. Dois dias depois, Pedro foi com a mãe ao consultório de Maurício, um psicólogo que tentou de todas as formas extrair o que se passava na cabeça do garotinho. O menino se manteve firme, mas, num dado momento, decidiu investigar o que aquele psicólogo pensaria da sua história.
Então, Pedro perguntou se Maurício acreditava em caixas mágicas que aprisionavam almas. Maurício disse que a mente humana é capaz de inventar histórias fantásticas para nos desviar dos nossos problemas reais. O menino então percebeu que Maurício não estava disposto a acreditar nele.
Se o médico que a mãe disse que poderia ajudá-lo não acreditava no que ele tinha para contar, então o melhor era não contar nada. Essa foi a conclusão a que Pedro chegou. Para o menino, parecia claro que havia apenas uma coisa a ser feita e, infelizmente, isso exigiria coragem dele.
Enfrentar aquilo que nos causa medo é um grande desafio, mas isso pode ser ainda mais difícil quando envolve confrontar alguém a quem amamos. Esse seria o grande desafio de Pedro. Na noite daquele dia, o menino decidiu que iria confrontar seu pai e salvá-lo da caixa mágica que o estava roubando de sua família.
Durante o jantar, Pedro observou que as olheiras de João Henrique haviam aumentado consideravelmente nos últimos dias. Ele deveria estar sob o terrível efeito daquela caixa mágica; era o momento de acabar com aquilo de uma vez por todas. Assim que Dona Maria subiu as escadas para o seu quarto, Pedro ouviu os passos do pai rumo ao escritório.
O som da porta do escritório se fechando foi o toque de levantar de Pedro. O menino reuniu toda a coragem de que precisava para ir até o local em que o pai estava, naquela estranha sessão com a caixa de símbolos estranhos. Como João Henrique já havia advertido a família para não entrar no escritório enquanto ele estivesse lá, Pedro sabia que não precisava se preocupar.
Com a porta estar trancada, a palavra do pai era o bastante para que ninguém ousasse invadir a sua privacidade. No escritório, não existia chave mais efetiva do que essa. Diante da porta do escritório, Pedro levou sua mão ao trinco, respirou fundo e, então, fez o movimento para abrir a porta.
O menino apenas entreabriu a porta e, então, pela fresta, novamente viu seu pai com aquela caixa em mãos. O escritório, que estava no escuro, tinha como único foco luminoso a luz azul que vinha da caixa. João Henrique olhava tão concentrado para o conteúdo da caixa que nem se deu conta de que seu filho o observava da soleira da porta.
O homem repetia palavras que o garoto não entendia e que o fez ter certeza de que Dona Maria estava certa: o pai, com certeza, estava fazendo algum ritual estranho e precisava ser salvo. Pedro não pensou duas vezes e, com toda a coragem que pôde reunir dentro de si, correu em direção ao pai e, em questão de segundos, saltou em direção à caixa. O que quer que a caixa fosse, foi ao chão assim que o menino saltou sobre ela.
João Henrique levou um grande susto com o impacto da caixa no chão e, por seu filho estar ali diante dele, o estrondo de algo caindo no chão acordou Luí instantaneamente. A mulher ficou bastante assustada e se levantou em um pulo, pensando que algo poderia ter acontecido com seu filho. Dona Maria tinha o sono muito pesado e não acordou com o barulho que vinha do escritório.
Recuperado do susto da ação tão inesperada do filho, João Henrique perguntou, exaltado e sem compreender: "Por que você fez isso? " O pai ficou muito confuso com a cena que tinha acabado de se desenrolar diante dos seus olhos. Sem obter uma resposta do filho, João Henrique novamente questionou: "Por que você fez isso?
" Dessa vez, a pergunta foi feita com um pouco mais de ênfase, e uma lágrima escorreu pelo rosto de Pedro. Luí chegou ao escritório, guiada pelo som da voz de João Henrique. Ela ficou bastante surpresa quando viu o homem diante do filho deles e algo espatifado no chão.
Ela olhou com atenção para aquilo que estava no chão e percebeu que se tratava de um computador que parecia estar com a tela rachada, provavelmente pelo impacto com o chão. Além do computador, havia um tipo de capa de notebook que tinha umas aplicações curiosas de runas. A mulher achou estranho que o marido estivesse usando aquele notebook que ela nunca tinha visto em casa, e ainda mais com aquela capa tão esquisita.
De repente, ela se deu conta de que, mais importante do que decifrar o gosto do marido por capas de notebook, era defender Pedro da ira dele. Luí imaginou que o marido deveria estar muito bravo porque o menino entrou no escritório, mesmo sabendo que não deveria fazer isso, e ainda mais irritado porque, certamente, o garotinho tinha algo a ver com o notebook caído no chão. A mulher tratou de correr para o lado do filho; porém, ao contrário do que ela esperava, João Henrique estava com uma expressão triste e não irritada.
O homem saiu da poltrona e se abaixou, para que seus olhos ficassem na altura dos olhos do filho. Com uma paciência que não lhe era comum nos últimos tempos, ele perguntou, pela terceira vez: "Por que você fez isso? " Sentindo-se mais seguro pela presença da mãe, o garotinho finalmente respondeu para o pai: "Para te salvar da caixa mágica do mal.
" Inicialmente, João Henrique acreditou ter ouvido mal o que o filho lhe disse, mas então se lembrou de que Pedro era apenas uma criança de 8 anos de idade. O homem olhou para o filho e perguntou: "Por que você acha que esse notebook é uma caixa mágica do mal? " Pela primeira vez, desde que arremessou a caixa ao chão, o garoto olhou para ela e, então, se deu conta de que o pai tinha razão: realmente se tratava de um computador.
As runas que estavam presas na parte externa da capa do notebook haviam se soltado. O menino abaixou-se, pegou uma delas e, entregando-a ao pai, disse que elas eram os sinais de que aquela caixa era do mal. O homem riu de um jeito triste e respondeu que aquelas runas eram meros enfeites da capa do notebook.
Luí, que até aquele momento havia permanecido em silêncio, decidiu questionar o marido: "De quem era aquele notebook? " Com certeza, dele não era. Percebendo que não teria como se desviar da pergunta da esposa, João Henrique entendeu que aquele era o fim do seu grande segredo.
O homem então disse para que a esposa e o filho se sentassem confortavelmente no sofá do escritório. João Henrique nunca foi bom em fazer rodeios e, dessa forma, decidiu ir direto ao ponto. O homem disse para sua esposa e filho que, havia alguns meses, havia descoberto um pequeno tumor no pulmão.
Luí não pôde esconder o choque de se dar conta de que o marido a havia afastado de tal forma de sua vida que ela foi incapaz de perceber que ele tinha um tumor. João Henrique prosseguiu contando que estava se consultando com um médico renomado que sugeriu um tratamento inovador. Ele estava fazendo sessões de radioterapia e, por isso, tinha o aspecto tão cansado; a queda de cabelo, que ele justificava como calvície, era, na verdade, efeito colateral.
E, se desse tudo certo, ele se recuperaria e voltaria a ter cabelo. Pela primeira vez em muito tempo, João Henrique fez uma piada para a esposa. Ela acabou sorrindo involuntariamente.
Ele continuou contando seu relato, dizendo que o tratamento de radioterapia estava sendo física e emocionalmente desgastante. Seu médico, então, sugeriu que ele fizesse um tipo de terapia cognitiva com um psicólogo que havia desenvolvido um método de hipnose que o ajudaria a relaxar. Como o especialista morava no Japão, as consultas deveriam ser.
. . realizadas à noite no Brasil.
Por isso, João Henrique ia para o escritório todas as noites; ele estava fazendo um tratamento psicológico com esse especialista para tentar amenizar a forma como se sentia mal com a radioterapia. O notebook havia sido emprestado do médico que indicou o psicólogo cognitivo; esse notebook estava disponível na clínica exatamente para que alguns pacientes pudessem levá-lo para casa para fazer essas vídeochamadas. A capa, cheia de runas antigas, era uma forma de ambientar os pacientes com a atmosfera necessária para a hipnose.
Dessa forma, Pedro havia visto o pai olhando para a tela do notebook e falando as palavras-chave da hipnose quando acreditou que ele praticava um ritual mágico. A luz azul era a luz emitida pela tela do notebook, que agora estava no chão, totalmente destruído. Pedro, então, se contorceu no sofá com medo de que o pai fosse brigar com ele por causa do notebook que ele destruiu; porém, João Henrique olhou com carinho para seu filho e disse que a culpa daquilo era sua, por não ter contado para sua família o que estava acontecendo.
Ele disse que sabia que tinha errado muito ao simplesmente ficar estranho e iniciar um tratamento tão importante e difícil como aquele sem dizer nada sobre o processo terapêutico. João Henrique disse que vinha o ajudando bastante a superar aquele grande desafio. Luí percebeu que seu marido não a estava afastando por falta de amor, mas sim porque não soube como dividir com ela e o filho todo o sofrimento que o diagnóstico havia lhe causado.
Nesse momento, ela decidiu que não iria se separar de João Henrique, como vinha planejando, e lhe ajudaria. Pai, mãe e filho se abraçaram e, assim que eles saíram do abraço, ainda emocionado, João Henrique perguntou ao filho por que ele estava tão certo de que havia algo mágico naquela caixa. O menino fez o pai prometer que não brigaria com Dona Maria.
Após ter feito essa promessa, João soube que a senhora havia dito ao garotinho que aquelas runas estavam relacionadas a um artefato mágico. Embora João Henrique fosse totalmente contrário a esse tipo de crença e não quisesse que a empregada passasse isso para seu filho, decidiu manter sua promessa e não brigar com Dona Maria. No dia seguinte, Dona Maria se surpreendeu ao se deparar com a família já desperta e na mesa, tomando café em um clima amistoso e feliz.
Essa era uma cena que não se via muito naquela casa há muito tempo; havia complicidade no olhar de Luí e de João Henrique. Luí combinou com o marido que iria com ele ao médico naquela tarde. Ao chegarem ao consultório, João Henrique precisou explicar para seu médico que o notebook havia sido destruído pelo filho, que se assustou com as runas da capa do equipamento.
Com a garantia de que João Henrique compraria um notebook novo para o consultório, o médico riu ao ouvir sobre as crenças do garotinho; porém, os sorrisos, infelizmente, não duraram muito tempo. Os exames de imagem feitos por João Henrique não haviam revelado grande melhora; ou seja, o tumor do pulmão não havia diminuído tanto quanto deveria. Não havia outra solução senão a cirurgia; o médico, então, sugeriu que o procedimento fosse feito o mais rápido possível.
Decididos a não esconder mais nada do filho, o casal foi até em casa e conversou com Pedro sobre a cirurgia que João Henrique precisaria fazer. O menino sentiu um forte aperto no coração e, então, com grande sofrimento, foi até Dona Maria contar o que passava. A senhora, que nunca deixou de acreditar que aquele computador era maligno, disse para o garotinho que o único jeito de eles ajudarem João Henrique era encontrar todas as runas que haviam se soltado da caixa e queimá-las.
O menino sabia que precisaria esperar até que seu pai não estivesse em casa para ir ao escritório pegar a capa e as runas que ainda estavam caídas no chão do escritório. Assim que a tarde caiu, o menino foi até o escritório e, com a ajuda de Dona Maria, procurou as runas que haviam se soltado da capa. Eles já haviam reunido todas as runas faltantes da capa quando João Henrique chegou ao escritório e viu os dois envolvidos naquela atividade.
O homem havia prometido ao filho não brigar com Dona Maria quando descobriu que havia sido ela quem o fez acreditar que seu pai estava fazendo um ritual. Contudo, ele tinha conversado com a empregada em particular e lhe dito que respeitava as crenças dela, mas que não queria que ela compartilhasse essas ideias com o menino. Henrique acreditou que, após essa conversa, não teria mais nenhum problema dessa natureza com a empregada; contudo, ao entrar no escritório e perceber o que seu filho estava fazendo, ele entendeu que não era bem assim.
Certamente a mulher tinha dito alguma coisa para o garoto. Dessa vez, o homem ficou irritado com Dona Maria e gritou: "Eu já disse que não quero esse tipo de crendice dentro da minha casa! " Com o susto, Dona Maria deixou a capa do notebook cair no chão.
Pedro correu para pegá-la. A mulher olhou com ar de súplica para João Henrique e disse: "Desculpa por isso, mas é para o bem do senhor. " João Henrique disse que não tinha como ter em sua casa uma funcionária insubordinada como Dona Maria; a única solução para aquele problema era a demissão.
A mulher não podia acreditar no que ouvia; ela disse então que ele poderia demiti-la, mas que tinha que concluir o processo de queima das runas. Ainda mais irritado, João Henrique disse que Dona Maria deveria deixar a casa naquele instante e sem levar nada que não fosse seu. A mulher então se virou para Pedro, que chorava por acreditar que a culpa era dele do que estava acontecendo, e apenas mexendo os lábios disse para o menino: "Queime.
" Pedro percebeu que Dona Maria realmente acreditava que era necessário queimar aquelas runas. Então ele deveria. .
. Dar um jeito de fazê-lo, sabendo que, sendo uma criança, ele não deveria mexer com fogo, o menino procurou sua mãe assim que ela chegou e relatou o que havia acontecido. A mulher ficou triste por saber da demissão de Dona Maria, mas não podia dizer que não entendia as razões do marido naquele momento tão difícil que ele estava enfrentando.
Ele havia pedido apenas uma coisa: que a empregada não colocasse mais fantasias na cabeça de Pedro. A mulher havia sido avisada. Pedro olhava para a mãe em desespero, lhe dizendo que eles precisavam queimar aquelas runas antes da cirurgia do pai.
Luí disse ao filho que queimar um enfeite de capa de notebook não iria curar seu pai; o que iria curá-lo era a perícia do médico que iria operá-lo. O garotinho, então, disse para ela que entendia aquilo, mas que sentia que precisava fazer algo para ajudar João Henrique a se recuperar. A única coisa que ele poderia fazer pelo pai era queimar aquelas runas.
Então, com os olhos cheios de lágrimas, ele pediu que o ritual sugerido por Dona Maria fosse feito. Querendo evitar uma briga com seu marido, mas também não querendo deixar o filho preocupado, Luí decidiu que eles fariam o ritual, mas quando João Henrique não estivesse em casa. Na manhã seguinte, João Henrique saiu para resolver alguns problemas e, então, Luí aproveitou para, junto com seu filho, queimar as runas.
Os enfeites queimaram rapidamente e logo a mulher se viu livre dessa incumbência. Foi estranho, porque realmente, durante o processo de queima, ela sentiu que estava mesmo ajudando seu marido. Ela jamais admitiria que teve esse pensamento.
Luí ainda havia prometido a Pedro que, assim que João Henrique tivesse alta do hospital, ela tentaria convencê-lo a recontratar Dona Maria. Até que isso acontecesse, ela continuaria pagando o salário da mulher; assim, a empregada não passaria necessidades e poderia procurar outro emprego com calma. Para o caso de não ser recontratada, sabia que seria difícil que João Henrique voltasse atrás na decisão, mas valia a pena tentar.
A cirurgia foi realizada na semana seguinte e, após longas horas de espera e incertezas, finalmente Luí viu o médico caminhando em sua direção. Durante alguns segundos, ela imaginou que o homem lhe diria que o pior havia acontecido. No entanto, bastaram duas frases para ela se acalmar: a cirurgia havia sido um grande sucesso, João Henrique estava se recuperando do procedimento e, dentro de algumas horas, acordaria da anestesia.
Luí não precisava se preocupar, pois o tumor foi removido. O médico disse para ela que inexplicavelmente o tumor havia diminuído consideravelmente; era algo que o médico não sabia explicar. Isso era bem incomum.
Contudo, para João Henrique, foi decisivo que o tumor tivesse diminuído, pois assim ele teve mais chances de se recuperar. O médico admitiu que não estava muito otimista para a remoção de um tumor tão grande; além do grande risco do procedimento em si, também havia as consequências para o paciente. Mas, com aquela redução espontânea, ficou relativamente mais simples para o cirurgião.
De uma forma inesperada, Luí se lembrou do processo de queima das runas. Ela ainda não acreditava que as runas fossem algum tipo de artefato do mal, como Dona Maria dizia, mas talvez a boa intenção da senhora Da própria lua e de Pedro tivessem ajudado, de alguma forma, João Henrique a ter essa redução do tumor. Foi incrível como, quando João Henrique acordou, ele parecia outra pessoa.
A remoção do tumor não deixou apenas os seus pulmões mais saudáveis, mas também melhorou o seu humor. Ele, ao fazer os exercícios para estimular os pulmões, e em duas semanas pôde voltar para casa. Quando retornou para seu lar, João Henrique disse para Luí que gostaria de procurar Dona Maria para se desculpar.
Ele havia sido muito rude com ela e precisava vê-la para lhe pedir desculpas e também para lhe oferecer o seu emprego. Se ela quisesse retornar, seria muito bem-vinda àquela casa. Luí não disse ao marido que estava pagando o salário da empregada e nem que já tinha considerado trazê-la de volta para o emprego.
No dia seguinte, Luí foi até a casa de Dona Maria. A mulher não tinha telefone celular e, para falar com ela, era necessário ir até a sua casa. Chegando ao endereço que Dona Maria havia deixado para o contato, surpreendeu-se: no local, havia nenhum número indicado por Dona Maria.
Pensando ter anotado errado o endereço, Luí bateu no portão da casa de número 40. Uma senhora muito simpática abriu a porta de casa e, ao ver a confusão no rosto de Luí, perguntou: "Ela fez de novo? " Confusa, Luí perguntou do que a mulher estava falando.
A senhora então disse que o matal de Dona Maria sempre mandava pessoas naquela rua para procurar pelo número 39, que não existia. As pessoas acabavam batendo em seu portão para perguntar sobre a senhora. A mulher convidou Luí para entrar, tomar um café e então lhe contou que, nos últimos anos, cinco pessoas diferentes haviam ido procurar essa Dona Maria.
Ela, que nunca conheceu a senhora, achou curioso que todas as pessoas mencionavam que a mulher foi responsável por curar ou resolver algum problema. Ela era como se Dona Maria fosse trabalhar na casa de pessoas com problemas e as ajudasse a resolvê-los. Ela então ia embora de um dia para o outro, quando acreditava ter resolvido, e as pessoas iam procurá-la naquele endereço.
Luí não podia acreditar no que ouvia. Teria sido Dona Maria um anjo em suas vidas? Ao olhar para o banco, percebeu que o dinheiro que ela havia depositado para Dona Maria havia sido devolvido para sua conta.
A mulher não ficou com nada indevidamente. Será que realmente aquelas runas tinham algo maligno? Essa e outras perguntas jamais seriam respondidas, mas, para Luí, o que importava era que sua família estava feliz.
Pedro parecia conformado com o fato de Dona Maria ter ido embora, mas parecia até que ele sabia de algo. Algo que mais ninguém sabia: a história de Pedro e sua família é um tributo à resiliência humana, à capacidade de amar incondicionalmente e à coragem de enfrentar os maiores medos. Que todos possam lembrar sempre que, independentemente das adversidades, o amor e a união familiar são forças poderosas que podem curar e transformar vidas de maneiras inimagináveis.
Em meio às tempestades da vida, a fé e a esperança são as chaves para um amanhã mais brilhante, onde a verdadeira magia reside na bondade, na compaixão e na força dos laços humanos. Dias se passaram desde a recuperação de João Henrique, e a família ainda se perguntava sobre o misterioso paradeiro de Dona Maria. Um dia, ao voltarem de um passeio, Pedro e Luí encontraram um envelope sem remetente na porta de sua casa.
Dentro do envelope, havia uma carta escrita com uma caligrafia elegante e antiga: "Queridos Pedro, Luí e João Henrique, sei que minha partida abrupta deixou muitas perguntas sem resposta. Sou grata por todo o carinho e confiança que depositaram em mim. Cada um de vocês possui uma força incrível e um amor que transcende as dificuldades.
É esse amor que trouxe João Henrique e que mantém esta família unida e feliz. Minha missão foi ajudar aqueles que precisam e, quando sinto que minha tarefa foi cumprida, é hora de partir para ajudar outras pessoas. Peço que não se preocupem comigo; estou onde devo estar, ajudando outras famílias a encontrar seu caminho, assim como fiz com vocês.
Nunca deixem de acreditar que o amor e a compaixão guiarão seus passos. Lembrem-se sempre de que a verdadeira magia está nos laços que construímos e na força que encontramos uns nos outros. Com carinho, Dona Maria.
" A carta trouxe lágrimas aos olhos de todos, mas também uma sensação de que ela era um anjo que havia entrado em suas vidas para trazer luz e esperança. E assim, com seus corações cheios de gratidão, continuaram suas vidas, sabendo que, onde quer que estivesse, Dona Maria continuaria a espalhar sua mágica de amor e cura. E aí, gostou da história?
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