No episódio anterior, você viu como o Brasil independente começa a tentar escrever sua própria história, construir sua própria imagem. Neste vídeo, a gente se concentra na virada do século 19 para o século 20, quando o Brasil quer deixar de ser visto como túmulo dos estrangeiros e o Rio de Janeiro começa a se vender como a cidade maravilhosa Quando o Brasil vira república, em 1889, e dom Pedro 2º sai de cena, as oligarquias que tomaram o poder se preocupam com a forma como o mundo vai enxergar o fim da monarquia aqui. Embora a monarquia estivesse em crise, o Imperador era uma pessoa muito bem vista, e a nação brasileira no contexto da América Latina era uma nação vista como estável - o que a diferenciava dos outros países latino-americanos, que viviam sucessivos golpes de Estado e instabilidade políticas diversas O Brasil tinha todo interesse em passar a imagem de um regime estável.
E por vários motivos. Um deles era atrair os imigrantes europeus que as elites brasileiras queriam que substituísse a mão de obra dos escravizados recém-libertos, uma política de branqueamento racial que acabou encampada pelo Estado. Mas esse desejo esbarrava em um problema de ordem prática.
O Brasil era um país com muitas epidemias - podemos citar várias, né? A tuberculose, o cólera, a febre amarela, a varíola, a peste bubônica, malária O fato é que o Brasil era conhecido como cemitério dos estrangeiros justamente porque muitos morriam aqui de doenças Acredita-se que a alcunha de “túmulo dos estrangeiros” tenha pegado por causa dos versos escritos pelo suíço Ludwig Ferdinand Schmid, cônsul no Rio de Janeiro lá na década de 1860. Vários episódios ajudaram a reforçar essa imagem, um especialmente trágico mais de três décadas depois.
O navio italiano Lombardia aportou no Rio de Janeiro em novembro de 1895 com mais de 300 pessoas a bordo. Quase todas adoeceram de febre amarela e mais de 200 morreram. O caso repercutiu internacionalmente.
Mas não morriam só os estrangeiros, por isso essa essa visão é equivocada, né? Na verdade o Brasil era o cemitério de todos - de brasileiros, estrangeiros -, mas por trás dessa ideia de que o estrangeiro morria mais que o nacional havia uma ideia de concepção racialista também, que achava que o brasileiro, por ser mestiço e por estar acostumado a esse determinismo geográfico nacional, ele tinha meios de escapar da morte causada por essa epidemias. Já os estrangeiros brancos, coitadinhos, eram tão frágeis - aí eles vinham para cá e se contaminavam rapidamente, porque eles não estavam preparados ambientalmente - aí vem o determinismo geográfico - pra resistir a essas doenças A capital do país, o Rio de Janeiro, não fugia à regra e também era um lugar infestado de doenças.
A ponto de afugentar a elite política da época. Quando o Rodrigues Alves convida o Barão do Rio Branco para ser o seu Ministro das Relações do Exterior, ele se recusa a vir - ele morava em Paris, né? Para que que ele ia vir para uma capital endêmica?
Então ele só aceita com a condição de morar em Petrópolis, porque era uma serra, é a ideia de que você estando acima, o ar é circular mais, e você estaria imune às doenças Aquele momento de virada do século 19 para o século 20 também era um ponto de inflexão para a ciência. A chamada teoria miasmática, que pregava que as doenças eram transmitidas pelo vento, pela água, vinha dando lugar à teoria microbiana. A descoberta dos vírus e bactérias abriu caminho para o desenvolvimento de antibióticos e novas vacinas e mudou a forma como o mundo diagnosticava e trata doenças.
É sob esse pano de fundo que o Brasil se volta para o sanitarismo. A ideia da República era mostrar uma outra faceta, né? E o Rodrigues Alves particularmente, quando ele assume o governo ele ele assume o governo no momento, em 1902, em que ele tem muito dinheiro para gastar, porque o presidente anterior economizou bastante, deixou um recurso muito grande pra investir.
Ele tinha um filho que era médico, tinha também perdido um filho por febre amarela, então ele tinha uma preocupação muito grande em mostrar uma outra face do Brasil E é aí que entra em cena o médico sanitarista Oswaldo Cruz, que estudou no Instituto Pasteur em Paris, e uma rede de cientistas que há anos vinham pensando em como resolver o problema. A gente vê desde 1894 que o Oswaldo Cruz vai até São Paulo, faz contato com Adolfo Lutz e com Vital Brasil,Eles já estão fazendo uma série de experiências aqui no sentido de descobrir de trazer uma série de pesquisas de ponta que eram feitas tanto no Instituto Pasteur na França quanto na Inglaterra pra aplicar todo esse conhecimento, né? Que eles iam produzindo na na nos problemas de saúde que eles estavam enfrentando.
Então isso aproxima esses dois grupos, o Oswaldo Cruz aqui no Rio, e o Emílio Ribas, o Adolfo Lutz e o Vital Brasil lá em São Paulo Em 1903, Oswaldo Cruz é nomeado diretor-geral de saúde pública, uma espécie de ministro da saúde da época, com a missão de implementar campanhas sanitárias. Ele vai combater basicamente as três doenças, né: varíola, febre amarela e peste bubônica. A varíola é a vacina, febre amarela é combate aos focos de mosquito, isolamento dos pacientes - domiciliar ou no hospital, -, a cidade é dividida em distritos sanitários, né, e esses distritos sanitários, a partir da notificação obrigatória dos casos dessas três doenças, eles vão sendo alvo de uma série de medidas, A peste bubônica o número de casos cai bastante não só por conta da soroterapia e da vacina que eles também começam a desenvolver, mas também por uma política de compra de rato, né?
A diretoria Geral de Saúde pública, passa a comprar ratos isso gera digamos assim uma série de memes de charges e de brincadeiras Dá certo. Oswaldo Cruz é extremamente bem-sucedido. E chega a ser reconhecido internacionalmente por seu trabalho, recebendo um prêmio em Berlim, na Alemanha, em 1907, durante um Congresso Internacional de Higiene e Demografia.
É um período importante para o desenvolvimento da ciência brasileira - é dessa época o Instituto Manguinhos e toda uma geração de proeminentes cientistas brasileiros, como Adolpho Lutz, Vital Brazil e Emílio Ribas. Enquanto as cidades brasileiras eram saneadas, outras também ganhavam um banho de loja. Era o caso da capital do país.
O Rio de Janeiro, que havia se urbanizado de forma acelerada nas décadas anteriores, era uma cidade caótica no início do século 20. Ruas estreitas, úmidas, sujas e mal iluminadas, muitos cortiços e epidemias frequentes. Um trânsito caótico, com cavalos e carruagens disputando espaço com pedestres, bondes e os primeiros automóveis.
O Rio de Janeiro era uma cidade que não tinha saneamento básico, era uma cidade ainda com características de cidade colonial -Era uma coisa horrível, aqui não tinha esgoto. O esgoto era derrubado na praia em frente - sabe Igreja de Santa Luzia, aqui no Rio? Ali existe uma praia chamada praia de Santa Luzia, e o esgoto era derrubado ali.
Passavam as barricas dos burros, as pessoas recolhiam os dejetos das casas e jogava aqui na praia Na ânsia de mostrar um Brasil diferente pro mundo, o presidente Rodrigues Alves aproveita as obras de saneamento para tentar transformar o Rio de Janeiro em uma espécie de Paris dos trópicos. Foi aí que ele é indicou o prefeito Pereira Passos, né, que era um prefeito formado em engenharia e tinha contato com Hausmann, que fez a reforma urbana de Paris, e lhe conferiu poderes ditatoriais. E ele pode fazer uma reforma urbana no Rio, de forma a alaragar as avenidas, derrubar os morros, reformar o porto O que facilitava a circulação de pessoas, a exportação do café e facilitava a construção da nossa "Paris dos trópicos" No processo de “europeização” do Rio, a quebradeira era generalizada.
A prefeitura se deu o direito de desapropriar imóveis e despejar moradores das áreas de interesse sem necessidade de qualquer procedimento judicial. Só na abertura da Avenida Central, atual Avenida Rio Branco, foram demolidos 600 cortiços. Foi nessa época que o Rio ganhou a Biblioteca Nacional, o Teatro Municipal e o Museu Nacional de Belas Artes.
Surtiu efeito. Olha esse texto publicado no jornal O Paiz em 1904. É o primeiro registro de que se tem notícia do uso da expressão “cidade maravilhosa” pra se referir ao Rio.
A expressão viraria marchinha de carnaval em 1935 e seria usada pra vender a cidade fora do país por muito, muito tempo. Em 1922, o Brasil completa seu primeiro centenário como nação independente. E apesar dos avanços no início do século, pairava um certo pessimismo entre os brasileiros.
Da mesma forma como a gente faz aniversário, a gente pensa que foi a vida até completar 30 40 50 anos, né? No momento em que a nação faz aniversário, ela também tem que se repensar - e não deu outra né? O Brasil começa a se repensar nos anos 20 e não gostou do que viu, né?
As grandes promessas da República não foram cumpridas - as propostas de soberania popular, de extensão da cidadania, de educação plena que faziam parte do discurso republicano não foram realizadas, então começa um período de crítica à república em si e a busca de novos modelos Essa busca por novos modelos vai culminar no golpe de Estado que colocou Getúlio Vargas no poder em 1930. Mas antes disso o Brasil tentou manter a pose pro mundo e fez do primeiro centenário da independência uma festa enorme. Em 1916, começa a organizar uma grande exposição universal que aconteceria seis anos depois no Rio de Janeiro.
Como o Brasil vai se mostrar? Ora nós não somos só um país em que se plantando tudo dá, remetendo a Caminha, nós somos um país que tem indústria, nós somos um país que tem educação, que tem esporte, que tem arte. Então o Brasil queria mostrar o lado moderno pro mundo E, de novo, o Rio passa por uma série de intervenções urbanas, desta vez para construir pavilhões e palácios.
Entre os prédios, quatro sobreviveram ao tempo: a atual sede do Museu da Imagem e do Som, da Academia Brasileira de Letras, o Museu Histórico Nacional e o Centro Cultural do Ministério da Saúde. A avenida das Nações foi aberta especialmente pra exposição. O hotel Copacabana Palace também começou a ser construído em 1919 para o evento - mas não ficou pronto a tempo.
Foi inaugurado em 1923. A exposição foi um sucesso de público, mas como muitas vezes na história do Brasil, contudo, a imagem que o país tentou passar nem sempre batia com a percepção de quem estava do outro lado. O Brasil recebe 13 delegações estrangeiras.
Recebe a visita dos reis da Bélgica… e engraçado, quando os reis da Bélgica chegam aqui, eles ficam um pouco decepcionados, porque a ideia deles era encontrar aquele paraíso idílico, com aquela mata descrita pelos próprios literatos brasileiros, que enalteciam as nossas grandezas, né. Eles chegam aqui, eles veem a miséria, os ambulantes, as prostitutas, os pobres, né? É meio que uma decepção Mas um episódio talvez tenha tido mais impacto externo nessa época do que a exposição.
Em 1922, o país elege Arthur Bernardes, que dá uma guinada na política externa brasileira Ele é claramente um político mais autoritário que liberal, governa basicamente quatro anos em estado de sítio, reprime duramente os tenentes, persegue os seus adversários, né? A Primeira Guerra Mundial havia acabado quatro anos antes, em 1918, deixando quase 20 milhões de mortos e um rastro de destruição na Europa. O Brasil havia se aliado à Tríplice Entente, o lado vencedor, com uma participação discreta no conflito, enviando alimentos para as tropas e profissionais de saúde.
E acabou sendo bastante beneficiado na Conferência de Paz de Versalhes. Ganhou navios de guerra, foi indenizado pela Alemanha - e se sentiu talvez mais importante do que realmente fosse no cenário internacional. Quando os países que participavam da conferência discutiam a formação da Liga das Nações, o protótipo do que hoje é a Organização das Nações Unidas, o Brasil não apenas tenta uma vaga permanente no conselho, como veta a entrada da Alemanha.
A Alemanha havia sido derrotada na guerra, e a ideia da Liga das Nações era trazer a Alemanha exatamente para você criar um consenso ali. Quando o Brasil veta a entrada da Alemanha, cria-se um problema, porque isso vai de encontro à nossa tradicional política externa fundada lá por Rio Branco, que era uma política externa pacifista não imperialista, negociadora, conciliadora, e de alguma forma foi rompido por Bernardes Como o veto não é aceito pelos demais membros da lista, o Brasil dobra a aposta e se retira da Liga das Nações. Ele tem uma postura radical que até então nunca tinha tido - isso mostra ao mundo uma outra faceta do governo brasileiro.
‘Olha, eles não são tão cordiais assim bobos que ficam ali se contentando, aquele povo feliz que fica fazendo Carnaval o tempo todo, é um país que é ter um protagonismo internacional, é uma potência emergente, é uma nação que está se fortalecendo, então eu acho isso importante esse recado que o Brasil deu ao exterior ao mudar sua política externa. Talvez isso tenha tido mais impacto do que a exposição O rearranjo de poder no tabuleiro da geopolítica internacional depois da Primeira Guerra Mundial iria implicar uma série de mudanças para o Brasil. Tema pro nosso próximo episódio.