O relógio marcava 23:45 minutos quando finalmente coloquei a chave na fechadura da porta de casa. O dia havia sido exaustivo, como costumavam ser as segundas-feiras no escritório de advocacia onde eu trabalhava. Tudo o que eu queria era tomar um banho quente, vestir meu pijama mais confortável e me aconchegar nos braços do meu marido, Neto. Enquanto girava a maçaneta, senti uma presença atrás de mim. Virei-me rapidamente, meu coração acelerado pela surpresa, apenas para me deparar com o rosto familiar da minha melhor amiga, Renata. — Meu Deus, Renata! Que susto! O que você está fazendo aqui
a essa hora? — sussurrei, não querendo acordar Neto, caso ele estivesse dormindo. Renata parecia nervosa, seus olhos evitando os meus. — Lúcia, eu... eu preciso falar com você. É importante! — Algo na voz dela me deixou alerta. Renata nunca aparecia sem avisar, muito menos tão tarde da noite. — Tudo bem, mas fale baixo! Neto deve estar dormindo. Assim que entramos, percebi que algo estava errado. A casa estava silenciosa demais, mas havia uma energia estranha no ar, como se as paredes guardassem um segredo que eu não conhecia. Renata segurou meu braço, impedindo-me de ir além da
sala de estar. — Espere, Lúcia! Antes de ir para o quarto, eu preciso te dizer algo. Olhei para ela confusa. — O que está acontecendo, Renata? Você está me assustando! Ela respirou fundo, como se reunisse coragem. — Eu vim aqui mais cedo para te fazer uma surpresa, sabe? Pensei em preparar um jantar para comemorarmos seu aniversário de casamento, que é amanhã. Mas quando cheguei... Sua voz falhou, e meu estômago se contorceu com um pressentimento ruim. — O que aconteceu quando você chegou? — Eu ouvi vozes vindas do seu quarto. A princípio, pensei que fosse o
televisor, mas... Esperei que ela terminasse, com o coração martelando no peito. Caminhei rapidamente em direção ao corredor que levava ao quarto. Renata me seguiu, suas passadas hesitantes ecoando as minhas. À medida que nos aproximávamos, os sons se tornaram mais claros: vozes, gemidos, familiares demais. Congelei no lugar, minha mão a centímetros da maçaneta do quarto; a voz de Neto, meu marido, misturada a outra voz feminina que eu conhecia tão bem quanto a minha própria. — Não podia ser! Era impossível! Mãe! — sussurrei incrédula. A mão de Renata encontrou meu ombro, apertando-o gentilmente. — Lúcia, eu sinto
muito. Eu não sabia como te contar. Minha mente girava, recusando-se a processar o que meus ouvidos confirmavam. Neto e minha mãe, Larissa, era absurdo demais para ser verdade. Devia haver alguma explicação razoável, talvez eu estivesse tão cansada que estava imaginando coisas. Meu primeiro instinto foi abrir a porta, confrontá-los, exigir explicações. Minha mão voltou à maçaneta, pronta para girá-la, quando Renata me deteve novamente. — Espere! — ela sussurrou. — Pense bem antes de fazer isso. Uma vez que você abrir essa porta, não haverá volta. Talvez seja melhor ouvir mais, entender o que está acontecendo antes de
confrontá-los. Parte de mim queria gritar, chorar, destruir tudo à minha frente, mas outra parte, a parte racional que me fazia uma boa advogada, sabia que Renata tinha razão. Informação era poder, e eu precisava de toda a informação antes de tomar qualquer decisão. Com o coração pesado e a mente em turbilhão, encostei meu ouvido na porta, forçando-me a escutar a conversa que acontecia do outro lado. As vozes eram baixas, mas ainda assim claras o suficiente para que eu pudesse distinguir as palavras. — Neto, não podemos continuar assim — ouvi minha mãe dizer, sua voz uma mistura
de desejo e culpa. — Lúcia é minha filha, ela não merece isso! — A resposta de Neto veio rápida, carregada de uma emoção que eu nunca tinha ouvido em sua voz antes. — Eu sei, Larissa, mas não consigo evitar o que sinto por você. Nunca senti isso por ninguém antes, nem mesmo por Lúcia! Cada palavra era como uma punhalada no meu peito. Senti meus joelhos fraquejarem, e Renata me amparou, impedindo que eu caísse. Lágrimas silenciosas começaram a correr pelo meu rosto enquanto eu continuava a ouvir. — E o que faremos? — minha mãe perguntou. —
Não podemos simplesmente contar a ela, isso a destruiria! — Eu sei, mas também não posso continuar vivendo uma mentira. Amo você, Larissa. Quero ficar com você. O som de um beijo se seguiu, e foi como se alguém tivesse me dado um soco no estômago. Afastei-me da porta, incapaz de ouvir mais. Renata me guiou de volta à sala, onde desabei no sofá, meu corpo tremendo com soluços silenciosos. — Quanto tempo? — consegui perguntar entre lágrimas. — Quanto tempo isso vem acontecendo? Renata sentou-se ao meu lado, passando o braço por meus ombros. — Eu não sei ao
certo, mas pelo que ouvi, hoje parece que já faz alguns meses. Meses. A palavra ecoou na minha mente. Por meses, as duas pessoas em quem eu mais confiava no mundo estavam me traindo. Cada jantar de família, cada visita de fim de semana, cada conversa aparentemente inocente, tudo tinha sido uma mentira. Como eu não percebi? — murmurei, mais para mim mesma do que para Renata. — Como eu pude ser tão cega? — Não se culpe, Lúcia — Renata disse suavemente. — Eles te enganaram deliberadamente. Ninguém espera esse tipo de traição das pessoas que ama. Enquanto as
palavras de Renata tentavam me confortar, minha mente começou a reviver momentos dos últimos meses, pequenos detalhes que, na época, pareciam insignificantes. Agora, ganhavam um novo e doloroso significado: às vezes em que Neto chegava tarde do trabalho, cheirando a um perfume que eu não reconhecia; as visitas surpresa da minha mãe, sempre quando eu não estava em casa; os olhares trocados entre eles durante os jantares de família que eu interpretava como mera cordialidade. A dor inicial começou a dar lugar a uma raiva fria e calculada. Eu era advogada, afinal, meu trabalho era reunir evidências, construir casos, e
agora eu tinha um caso para construir contra as duas pessoas que eu mais amava no mundo. — O que você vai fazer? — Renata perguntou hesitante. Enxuguei as lágrimas com a mão. Costas da mão e me levantei. Primeiro, vou tomar um banho e me recompor; depois, vou reunir todas as provas que puder encontrar. Então, fiz uma pausa, a determinação crescendo dentro de mim. Então, vou confrontá-los, mas não hoje, não agora. Renata me olhou com uma mistura de preocupação e admiração. "Tem certeza? Não quer gritar com eles agora mesmo?" Balancei a cabeça. "Não, eles pensam que
me enganaram por meses. Deixe que continuem pensando assim por mais um tempo. Quanto mais confortáveis eles estiverem, mais descuidados ficarão e eu preciso de todas as informações possíveis antes de tomar qualquer decisão." "E onde você vai ficar esta noite?" A pergunta me pegou de surpresa. A ideia de dormir na mesma casa que Neto, sabendo o que eu sabia agora, era insuportável. "Posso ficar na casa por alguns dias, só até eu decidir o que fazer." Renata assentiu imediatamente. "Claro que sim! Vamos, pegue algumas roupas e o que mais precisar. Você pode ficar o tempo que quiser."
Enquanto empacotavam algumas roupas e itens essenciais, ouvi a porta do quarto se abrir rapidamente. Escondi-me no closet, o coração batendo forte. Pela fresta da porta, vi minha mãe saindo do quarto, ajeitando o cabelo e a roupa. Neto a seguiu até a porta da frente, onde trocaram um último beijo apaixonado antes dela partir. Naquele momento, vendo-os juntos, senti como se meu mundo estivesse desmoronando, mas em meio à dor, uma resolução se formou: eu descobriria toda a verdade, não importava o quão dolorosa fosse. E então, só então, eu decidiria como lidar com essa que havia despedaçado minha
vida. Com a mala pronta, saí silenciosamente de casa, deixando para trás não apenas meu lar, mas também a vida que eu pensava ter. Enquanto Renata dirigia para sua casa, eu olhava pela janela as luzes da cidade passando em borrões, assim como minha antiga realidade. Uma coisa era certa: nada seria como antes e eu estava determinada a enfrentar essa nova e dolorosa idade de frente, não importava o custo. Os dias que se passaram após a descoberta da traição de Neto e minha mãe, Larissa, foram um borrão de emoções contraditórias. Hospedada na casa de Renata, eu alternava
entre momentos de profunda tristeza e períodos de uma raiva fria e calculista. Na manhã seguinte à fatídica noite, acordei com o som do celular vibrando incessantemente. Era Neto. Ignorei as primeiras cinco chamadas, mas na sexta, atendi. "Lúcia, onde você está? Estou preocupado." Sua voz soava genuinamente aflita. "Engoli em seco, lutando contra o nó que se formava em minha garganta. Tive que sair cedo; surgiu um imprevisto no trabalho," menti, surpresa com a facilidade com que as palavras saíram. "Ah," ele pareceu relaxar. "Você podia ter me avisado. Quer que prepare o jantar hoje?" A casualidade em sua
voz me revoltou. Como ele podia agir tão normalmente após o que fizera? "Não sei que horas volto. Não me espere," respondi secamente, antes de desligar. Nos dias que se seguiram, mantive a fachada de normalidade; ia trabalhar, respondia às mensagens de Neto com desculpas vagas sobre horas extras e projetos urgentes. À noite, deitada na cama na casa de Renata, planejava meus próximos passos. Uma semana após a descoberta, decidi que era hora de agir. Não podia continuar vivendo nesse limbo, fingindo que tudo estava bem enquanto por dentro eu me despedaçava. "Vou voltar para casa hoje," anunciei para
Renata durante o café da manhã. Ela me olhou, os olhos arregalados de preocupação. "Tem certeza? Você não precisa se apressar." "Determinado, preciso enfrentar isso de frente. Não posso me esconder para sempre." Naquela tarde, ao entrar em casa, fui recebida por um Neto ansioso. "Lúcia, finalmente! Estava ficando louco de preocupação." Ele se aproximou para me abraçar, mas recuei instintivamente. A confusão em seu rosto quase me fez fraquejar, quase. "Precisamos conversar," falei, minha voz mais firme do que eu esperava. Neto assentiu, um vinco de preocupação formando-se entre suas sobrancelhas. "Claro. O que houve?" Sentamos na sala, um
silêncio pesado entre nós. Por um momento, hesitei; era mais fácil fingir, continuar na ignorância, mas eu sabia que esse caminho só levaria a mais dor. "Eu sei sobre você e minha mãe." As palavras saíram abruptamente. O rosto de Neto empalideceu, seus olhos se arregalando em choque. "Do que...? Do que você está falando? Não minta para mim!" Cortei, a raiva finalmente emergindo. "Eu ouvi vocês na semana passada, no nosso quarto." Neto abriu a boca, fechou-a, abriu novamente. Parecia um peixe fora d'água, buscando desesperadamente por ar. "Lúcia, eu não... é o que você está pensando." Soltei uma
risada amarga. "Não? Então, me explique, Neto. Explique como não é exatamente o que estou pensando." Ele se levantou, passando as mãos pelos cabelos em um gesto nervoso. "É complicado. Eu não queria que isso acontecesse, mas... mas aconteceu." "Completei. E não foi só uma vez. Foi..." Neto desabou de volta no sofá, derrotado. "Não." O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Eu queria gritar, chorar, jogar coisas, mas mantive-me estranhamente calma. "Quanto tempo?" perguntei, minha voz baixa e controlada. Ele hesitou, evitando meu olhar. "Oito meses." A revelação foi como um soco no estômago: oito meses de mentiras, de
traição, de fingir que tudo estava bem. "Por quê?" A pergunta saiu quase como um sussurro. Neto finalmente olhou para mim, seus olhos uma mistura de culpa e algo mais, algo que eu não queria reconhecer. "Eu não planejei, Lúcia. Aconteceu. Larissa... ela me entende de um jeito que ninguém mais entende." Cada palavra era como uma faca se torcendo em meu peito. "E eu? Eu sou sua esposa, Neto! Pensei que nos entendêssemos!" "É diferente," ele tentou explicar. "Com Larissa é mais intenso, mais real." Levantei-me abruptamente. "Mais real? Nossa vida juntos, nosso casamento, isso não é real para
você?" Neto se levantou também, tentando se aproximar. "Lúcia, por favor, entenda." "Entender o quê?" explodi. "Que você..." E minha mãe decidiram que seus desejos egoístas eram mais importantes que nossa família. Que vocês mentiram, enganaram, traíram não só a mim, mas a todos que confiavam em vocês. Ele recuou como se minhas palavras o tivessem atingido fisicamente. Eu sinto muito, nunca quis te machucar, mas machucou! Retruquei e continua machucando ao tentar justificar o injustificável. Um silêncio tenso se instalou entre nós. Neto parecia perdido, dividido entre a culpa e o quê? Arrependimento ou apenas o medo de ser
pego? "O que você quer fazer agora?" ele perguntou, finalmente. A pergunta me pegou de surpresa. O que eu queria fazer? Uma parte de mim queria fugir, deixar tudo para trás e nunca mais olhar para trás. Outra parte queria lutar, gritar, fazer com que eles sentissem a mesma dor que eu estava sentindo. "Eu não sei", admiti, finalmente, "mas sei que não posso continuar vivendo assim. Não posso fingir que nada aconteceu." Neto assentiu lentamente. "Eu entendo você." "Você quer que eu saia?" A oferta me irritou ainda mais. Como ele podia ser tão casual sobre isso, como se
estivesse me oferecendo um lugar na sala? Não respondi firmemente. "Eu vou ficar, esta é minha também, e temos muito o que resolver ainda." Surpreso, mas não contestou. "Tudo bem. Eu vou dormir no quarto de hóspedes então." Enquanto o via se afastar em direção ao corredor, senti uma mistura de emoções me dominando: raiva, tristeza, confusão e uma determinação crescente. Isso não acabaria assim. Eu não seria apenas a esposa traída que aceita seu destino calada. Não, eu enfrentaria isso de frente, confrontaria não só Neto, mas também minha mãe, e no final eles entenderiam exatamente o que se
passou naquela noite. Deitada sozinha em nossa cama de casal, planejei meus próximos passos. A batalha estava apenas começando e eu estava determinada a não ser a vítima nessa história. O amanhecer me encontrou desperta, com os olhos fixos no teto do quarto. O sono havia sido escasso, interrompido por pesadelos nos quais as imagens de Neto e minha mãe se misturavam em uma dança macabra de traição. Levantei-me antes que o despertador tocasse, movendo-me silenciosamente pela casa. No corredor, hesitei por um momento em frente à porta do quarto de hóspedes, onde sabia que Neto estava dormindo. Uma parte
de mim queria irromper no quarto, exigir mais explicações, gritar até que minha garganta doesse, mas não. Eu precisava manter o controle. Na cozinha, preparei café mecanicamente, meus movimentos automáticos enquanto minha mente trabalhava. O próximo passo era claro: eu precisava confrontar minha mãe, Larissa, às 7 horas da manhã. Peguei o telefone e disquei o número dela. Tocou três vezes antes que ela atendesse. Sua voz sonolenta: "Alô?" "Lúcia, está tudo bem?" "Precisamos conversar", disse minha voz fria. "Pessoalmente." Hoje houve uma pausa do outro lado da linha. Quando Larissa falou novamente, sua voz tinha um tom cauteloso. "Claro,
querida. Quer que eu vá até sua casa?" Não respondi rapidamente. A ideia de tê-la em minha casa, no espaço que ela havia conspurcado com sua traição, era insuportável. "Vou até aí. Estarei aí em uma hora." Desliguei antes que ela pudesse responder, meu coração batendo acelerado enquanto me arrumava. Ouvi Neto se movendo no quarto de hóspedes, saí antes que ele pudesse me interceptar, deixando apenas um bilhete na geladeira: "Saí. Não me espere para o almoço." O trajeto até a casa de minha mãe pareceu simultaneamente muito longo e muito curto. Cada quilômetro percorrido trazia à tona uma
nova onda de emoções: raiva, tristeza, confusão, traição. Quando finalmente estacionei em frente à casa familiar, minha determinação estava inabalável. Larissa abriu a porta antes que eu pudesse tocar a campainha. Seu rosto mostrava preocupação, mas havia algo mais em seus olhos: culpa, medo. "Lúcia, querida, entre", ela disse, abrindo espaço para que eu passasse. Entrei, meus olhos varrendo a sala de estar. Quantas vezes Neto havia estado ali, sentado naquele sofá, rindo e conversando como se nada estivesse errado? "Sentem-se", Larissa ofereceu, indicando o sofá. "Quero café." "Não." "Cortei. Não vim aqui para tomar café e conversar amenidades." Ela
assentiu lentamente, sentando-se na poltrona oposta a mim. "O que houve, Lúcia? Você parece tensa." Encarei diretamente seus olhos, não vacilando. "Eu sei sobre você e Neto." O choque em seu rosto foi genuíno, mas rapidamente deu lugar a uma expressão que eu não conseguia decifrar completamente. Era uma mistura de medo, vergonha, alívio. "Oh, Lúcia..." ela começou, sua voz tremendo levemente. "Eu? Nós não queríamos que você descobrisse assim!" "Assim como?" retruquei, minha voz subindo. "Ouvindo vocês dois no meu próprio quarto, na minha própria cama?" Larissa empalideceu. "Você... você ouviu cada palavra?" "Confirmei." A dor subindo em minha
garganta com a lembrança de cada sussurro de amor. "Tudo." Ela cobriu o rosto com as mãos, seus ombros tremendo. Por um momento, quase senti pena. Quase. "Como você pode?" perguntei, minha voz quebrando. "Sou sua filha, ele é meu marido!" Larissa deixou cair as mãos, revelando olhos vermelhos e lacrimejantes. "Eu não planejei isso, Lúcia. Nenhum de nós planejou. Simplesmente aconteceu." "Coisas não simplesmente acontecem, mãe! Vocês fizeram escolhas repetidamente por oito meses!" Ela pareceu surpresa. "Neto te contou?" "Ele não teve escolha", respondi. "Não depois que o confrontei." Um silêncio pesado caiu sobre nós. Larissa parecia estar lutando
internamente, como se estivesse decidindo o quanto revelar. "Lúcia", ela começou hesitante, "sei que não há justificativa para o que fizemos, mas você precisa entender: o que Neto e eu temos é mais do que uma simples atração física." Suas palavras me atingiram como um tapa. "Você está me dizendo que está apaixonada pelo meu marido?" Ela não respondeu imediatamente, e seu silêncio foi resposta suficiente. "E ele?" pressionei, minha voz quase um sussurro. "Ele também está apaixonado por você?" Larissa desviou o olhar, incapaz de me encarar. "Lúcia, as coisas são complicadas." "Responda à pergunta!" exigi, minha voz dura.
Ela respirou fundo antes de responder. "Sim, acredito que sim." O mundo pareceu girar ao meu redor. Era uma coisa suspeitar, outra completamente diferente ouvir a confirmação dos lábios de minha própria mãe. Como você pode fazer isso comigo? Lágrimas finalmente escapando: sou sua filha, você deveria me proteger, não me machucar assim. Larissa se levantou, tentando se aproximar. “Lúcia, por favor, tente entender, eu nunca quis te machucar. Lutei contra esses sentimentos por tanto tempo, recuei, evitando seu toque.” “Não! Não se atreva a me tocar! Não se atreva a tentar justificar o que vocês fizeram! O que você
vai fazer agora?” Ela perguntou, sua voz trêmula. A pergunta me pegou de surpresa; o que eu iria fazer? Havia passado tanto tempo pensando em confrontá-los que não havia realmente considerado os próximos passos. “Eu não sei," admiti, "mas sei que nada será como antes. Você e Neto destruíram tudo.” Larissa afundou de volta na poltrona, parecendo subitamente muito velha e cansada. “Lúcia, eu sei que pedir perdão agora pode parecer vazio, mas—” Não a interrompi, minha voz firme: “Não peça perdão, não agora, talvez nunca.” Levantei-me, pronta para sair, mas antes de ir, tinha uma última pergunta: “Vocês planejavam
me contar algum dia?” Minha mãe hesitou, e nessa hesitação vi a verdade. “Não,” ela finalmente admitiu. “Acho que tínhamos medo demais de te perder.” Ri amargamente. “Bem, vocês me perderam de qualquer jeito, só que agora, além de traidores, são covardes.” Saí da casa sem olhar para trás, ignorando os chamados de minha mãe. No carro, permiti que as lágrimas fluíssem, arrancando uma parte de mim. O caminho de volta para casa foi um borrão; minha mente estava em turbilhão, repassando cada detalhe das conversas com Neto e minha mãe. Como eu poderia seguir em frente sabendo que as
duas pessoas que eu mais amava e confiava no mundo haviam me traído de forma tão profunda? Quando cheguei em casa, encontrei Neto na sala de estar. Ele se levantou assim que me viu, seu rosto uma mistura de ansiedade e culpa. “Onde você está?” ele perguntou. “Fui ver minha mãe,” respondi secamente. Neto empalideceu. “Você… você contou a ela que sabe?” “Não,” precisei retrucar. “Ela confessou tudo.” Um silêncio pesado caiu sobre nós. Neto parecia querer dizer algo, mas hesitava. “Lúcia,” ele finalmente começou, “eu sei que não há desculpa para o que fizemos, mas—” Não o interrompi, erguendo
a mão: “Não quero ouvir mais desculpas ou justificativas. Vocês dois tiveram oito meses para pensar nas consequências de suas ações, meses para serem honestos comigo, e escolheram mentir.” Neto baixou a cabeça. Parte de mim queria que ele implorasse por perdão, que prometesse que tudo havia sido um erro terrível. “Eu não sei,” admiti finalmente, “mas sei que não posso continuar vivendo assim. Não posso fingir que nada aconteceu.” Neto assentiu lentamente. “Eu entendo. Você quer que eu saia?” “Não,” respondi, surpreendendo a nós dois. “Não ainda. Temos muito o que resolver antes de tomar decisões definitivas.” Ele pareceu
aliviado, mas também confuso. “O que você quer dizer?” Respirei fundo, organizando meus pensamentos. “Quero entender tudo, cada detalhe dessa coisa entre você e minha mãe. Quando começou exatamente? Como? Por quê? E então, quando tiver todas as respostas, decidirei o que fazer.” Neto assentiu novamente, parecendo simultaneamente grato e apreensivo. “Tudo bem. Eu vou te contar tudo.” Nos dias que se seguiram, mergulhamos em longas e dolorosas conversas. Neto revelou detalhes que eu não tinha certeza se queria saber: o primeiro beijo roubado durante um almoço de família, as mensagens secretas trocadas no meio da noite, os encontros furtivos
em hotéis de beira de estrada. Cada revelação era como uma nova facada, reabrindo feridas que mal haviam começado a cicatrizar. Mas eu as ouvia todas, armazenando cada informação, cada detalhe sórdido. Enquanto isso, mantive distância de Larissa. Eu não queria usar chamá-la de mãe. Ela ligava diariamente, deixava mensagens implorando por perdão, por uma chance de explicar. Eu as ignorava todas. No trabalho, mergulhei em casos complexos, buscando distração na lógica fria da lei. Meus colegas notaram minha mudança de comportamento, mas atribuíram ao estresse de um caso particularmente difícil. À noite, deitada sozinha na cama que antes compartilhava
com Neto, eu planejava. Não sabia exatamente o que estava planejando, mas sabia que não podia simplesmente aceitar o que havia acontecido e seguir em frente. Foi durante uma dessas noites de insônia que a ideia começou a tomar forma. Se Neto e Larissa haviam conspirado para me enganar por tanto tempo, talvez fosse hora de dar o troco. Não com mais mentiras ou traições, mas com a verdade crua e implacável. Comecei a coletar evidências: prints de mensagens que Neto havia esquecido de apagar, registros de ligações, recibos de hotéis. Aos poucos, uma imagem clara da extensão de sua
traição foi se formando. Paralelamente, comecei a fazer mudanças sutis em nossa vida financeira: transferi parte de nossas economias para uma conta separada, cancelei cartões de crédito conjuntos. Comecei a documentar cada centavo que entrava e saía de nossas contas. Neto, imerso em sua própria culpa e confusão, mal notou essas mudanças. Ele continuava dormindo no quarto de hóspedes, saindo cedo para o trabalho e voltando tarde, evitando me encarar diretamente sempre que nos cruzávamos em casa. Três semanas após a descoberta inicial, senti que estava pronta para o próximo passo. Numa sexta-feira, cheguei em casa mais cedo do que
o habitual. Neto já estava lá, sentado no sofá com um copo de whisky na mão. “Precisamos conversar,” anunciei, minha voz firme. Ele ergueu os olhos, surpreso com meu tom. “O que foi?” Sentei-me na poltrona oposta a ele, mantendo distância física e emocional. “Passei as últimas semanas pensando muito sobre nossa situação, sobre você, minha mãe, nosso casamento.” Neto se endireitou, colocando o copo na mesa de centro. “E cheguei a uma conclusão,” continuei. “Não posso continuar casada com você.” As palavras pairaram no ar entre nós, pesadas e definitivas. Neto empalideceu, mas não… Pareceu completamente surpreso. Eu entendo.
Ele murmurou: "Eu sinto muito, Lúcia, por tudo. Suas desculpas não significam nada para mim agora", retruquei. "O que significam são suas ações, e suas ações mostraram exatamente quem você é." Ele baixou a cabeça, incapaz de me encarar. "O que você quer que eu faça?" "Quero que você saia", respondi simplesmente. "Hoje? Agora?" Neto ergueu os olhos, chocado. "Mas para onde eu vou?" "Não é mais meu problema", disse, minha voz fria. "Talvez minha mãe tenha um quarto vago para você." Ele estremeceu com a crueldade de minhas palavras, mas não retrucou. Lentamente, ele se levantou. "Posso ao menos
pegar algumas roupas?" Assenti. "Você tem uma hora. Pegue o que precisar por agora; podemos arranjar para você pegar o resto depois." Enquanto Neto se movia pela casa, juntando suas coisas, eu permaneci sentada, meu coração batendo acelerado, mas minha resolução inabalável. Uma hora depois, ele estava parado na porta, uma mala em cada mão e os ombros caídos. "Lúcia," ele começou, sua voz trêmula. "Eu sei que não mereço, mas há alguma chance de perdão, de recomeçarmos?" Encarei-o, meus olhos frios e determinados. "Não, Neto. Não há chance de perdão ou recomeço. Você e minha mãe destruíram qualquer possibilidade
disso quando decidiram continuar com essa coisa de vocês por oito meses. Oito meses de mentiras, traição e desrespeito." Ele assentiu lentamente, a realidade de suas ações finalmente parecendo pesar sobre seus ombros. "Eu entendo. Eu realmente sinto muito, Lúcia. Nunca quis te machucar assim." "Mas machucou," retruquei, "e continua machucando cada vez que tenta se justificar. Vai embora, Neto. Não quero mais ver seu rosto." Com um último olhar de arrependimento, ele saiu, fechando a porta suavemente atrás de si. Assim que ouvi o carro dele se afastando, permiti que as lágrimas, que havia segurado por tanto tempo, finalmente
caíssem. Chorei por horas, deixando sair toda a dor, raiva e frustração que havia acumulado nas últimas semanas. Quando finalmente me acalmei, senti-me estranhamente vazia, mas também mais leve. Nos dias que se seguiram, mergulhei em uma rotina mecânica: acordava, ia trabalhar, voltava para casa, dormia. Evitava pensar muito no futuro ou no passado, focando apenas no presente imediato. Larissa continuava tentando entrar em contato; suas mensagens variavam de súplicas desesperadas por perdão a tentativas de justificar suas ações. Eu as ignorava todas. Uma semana após a saída de Neto, recebi uma ligação inesperada. Era a mãe dele, Senhora Tereza.
"Lúcia, querida." Sua voz soava preocupada pelo telefone. "Está tudo bem? Neto está aqui em casa, parece arrasado. O que aconteceu?" Respirei fundo, percebendo que era hora de enfrentar outra parte dolorosa dessa situação. "Senhora Tereza, sinto muito que tenha que saber disso por mim, mas Neto e eu nos separamos." Houve um momento de silêncio do outro lado da linha. "Oh, meu Deus! Por quê? O que aconteceu?" "Ele... ele teve um caso," respondi, minha voz trêmula. O choque audível de Tereza foi seguido por uma série de exclamações incrédulas. "Não pode ser! Neto nunca faria isso. Deve haver
algum engano." "Lúcia, não há engano," disse firmemente. "Eles admitiram. Durou oito meses." O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Quando Tereza falou novamente, sua voz estava carregada de tristeza e decepção. "Lúcia, eu... eu não sei o que dizer. Sinto muito, querida. Tão, tão... sorry." Conversamos por mais alguns minutos, Teresa alternando entre pedir desculpas em nome do filho e expressar sua própria incredulidade e decepção. Quando desligamos, senti um peso a menos nos ombros; pelo menos agora não teria que fingir normalidade para a família dele. Os dias se transformaram em semanas. Lentamente, comecei a reorganizar minha vida.
Mudei a decoração da casa, removendo fotos e objetos que me lembravam de Neto. Passei mais tempo com amigos, especialmente com Renata, que se tornou meu pilar de apoio. No trabalho, meu desempenho melhorou. Canalizei toda minha dor e frustração para os casos, ganhando uma reputação de advogada implacável e extremamente eficiente. Foi durante esse período que comecei a formular um plano. Não bastava simplesmente me divorciar de Neto e cortar laços com minha mãe; eu queria que eles sentissem uma fração da dor e humilhação que eu havia sentido. Comecei a reunir todas as evidências que havia coletado: mensagens,
fotos, registros de chamadas. Organizei tudo meticulosamente, criando uma linha do tempo detalhada do affair deles. Paralelamente, contratei um investigador particular, não para segui-los — eu já sabia o suficiente sobre sua traição —, mas para investigar as finanças de Neto e qualquer possível irregularidade em seus negócios. Três meses após a separação, tinha tudo que precisava. Era hora de agir. Primeiro, entrei com o pedido de divórcio. Meu advogado, munido com todas as evidências que eu havia coletado, deixou claro que se Neto não concordasse com meus termos, eu não hesitaria em tornar tudo público. Em seguida, enviei um
e-mail detalhado para toda a família, tanto a minha quanto a de Neto, expondo a verdade sobre o affair. Incluí datas, locais e até trechos de conversas que havia interceptado. Foi brutal e impiedoso, mas senti que era necessário. A reação foi imediata e avassaladora. Meu telefone não parava de tocar, com familiares expressando choque, apoio e, em alguns casos, incredulidade. A família de Neto, em particular, estava devastada; sua reputação, tanto pessoal quanto profissional, foi seriamente abalada. Quanto à minha mãe, Larissa, o golpe foi ainda mais duro. Suas amigas, que antes a viam como uma mulher respeitada e
bem-sucedida, agora a evitavam. Ela perdeu clientes de seu negócio de decoração de interiores e foi forçada a se mudar para outra cidade devido ao escândalo. Neto tentou me contatar várias vezes após o e-mail, alternando entre súplicas desesperadas e ameaças vazias. Eu o ignorei, deixando que meu advogado lidasse com qualquer comunicação necessária. Seis meses após a separação inicial, o divórcio foi finalizado. Devido às evidências que eu tinha contra ele, Neto não teve escolha senão aceitar meus termos. Saí do casamento com a casa, uma generosa pensão e metade de todos os... Nossos bens no dia em que
o divórcio foi oficializado, permiti-me uma pequena celebração. Não era felicidade que eu sentia; a ferida ainda estava muito fresca para isso, mas um senso de conclusão, de justiça feita. Refleti sobre tudo que havia acontecido; a dor ainda estava lá, provavelmente sempre estaria em algum nível, mas, junto com ela, havia uma nova sensação: liberdade. Eu havia enfrentado a pior traição imaginável e sobrevivi. Mais do que isso, eu havia me recusado a ser a vítima. Tinha lutado, exposto a verdade e saído por cima. Havia dias em que a solidão pesava, em que eu me perguntava se algum
dia seria capaz de confiar em alguém novamente. Mas, pela primeira vez em meses, esse futuro não me assustava. Eu era mais forte agora, mais astuta. O relógio digit na mesa de cabeceira marcava 3:01 da manhã quando acordei sobressaltada, o coração batendo acelerado. Mais um pesadelo. Neles, imagens de Neto e minha mãe se misturavam em cenas grotescas de traição, seus risos ecoando em meus ouvidos. Mesmo depois de despertar, levantei-me sabendo que não conseguiria voltar a dormir. A casa estava silenciosa, quase sufocante, quieta. Às vezes, essa quietude me reconfortava; outras, como naquela noite, amplificava a solidão que
eu lutava para ignorar. Caminhei até a cozinha, servindo-me de um copo d'água. Enquanto bebia, meus olhos pousaram no calendário pendurado na geladeira. Fazia exatamente seis meses desde que eu havia descoberto a traição, seis meses desde que meu mundo desabou. O divórcio havia sido finalizado há apenas duas semanas. Neto, pressionado pelas evidências que eu havia coletado e pela ameaça de exposição pública, concordou com todos os meus termos. Eu mantive a casa, recebi uma generosa pensão e metade de todos os nossos bens. Aos olhos da lei, era uma vitória completa. Então, por que eu ainda me sentia
tão vazia? Voltei para o quarto, ligando o abajur e pegando a pasta que guardava todos os documentos relacionados ao divórcio. Reli os termos do acordo, as declarações, os e-mails trocados entre os advogados; cada palavra me lembrava do que eu havia perdido, do que havia sido roubado de mim. Quando o sol começou a nascer, eu ainda estava acordada, a mente girando com pensamentos e planos. O divórcio estava finalizado, sim, mas algo dentro de mim gritava que não era o suficiente. Neto e minha mãe haviam destruído minha vida, minha confiança, meus sonhos; eles mereciam sentir o mesmo.
Às 7 horas, liguei para o escritório, avisando que não iria trabalhar. Passei o dia inteiro revisando cada pedaço de evidência que havia coletado sobre o caso deles. Cada mensagem, cada foto, cada registro de ligação. Organizei tudo cronologicamente, criando uma linha do tempo detalhada de sua traição. No final do dia, tinha um dossiê completo. Olhei para as páginas espalhadas pela mesa da sala de jantar: um mapa detalhado da destruição do meu casamento e da minha relação com minha mãe. Era doloroso, mas também estranhamente libertador. O telefone tocou, me sobressaltando. Era Renata. — Lúcia, está tudo bem?
Você não apareceu no trabalho hoje. Hesitei por um momento antes de responder: — Estou bem, Renata. Só precisava de um dia para organizar algumas coisas. — Que coisas? — ela perguntou, a preocupação evidente em sua voz. Olhei novamente para os papéis à minha frente. — Renata, preciso te fazer uma pergunta e quero que você seja completamente honesta comigo. — Claro, o que foi? — Se você tivesse no meu lugar, se tivesse passado pelo que passei, você conseguiria simplesmente seguir em frente, deixar para lá? Houve um longo silêncio do outro lado da linha. Quando Renata finalmente
falou, sua voz estava carregada de emoção. — Não, Lúcia, acho que não conseguiria. Assenti, mesmo sabendo que ela não podia me ver. — É o que pensei. Obrigada, Renata. Te ligo depois. Desliguei antes que ela pudesse fazer mais perguntas; minha decisão estava tomada. Na manhã seguinte, enviei um e-mail para toda a família, tanto a minha quanto a de Neto. O assunto era simples: a verdade sobre Neto e Larissa. No corpo do e-mail, detalhei tudo: as datas, os locais dos encontros, trechos das mensagens que havia interceptado; anexei fotos e registros de ligações. Era brutal, impiedoso, mas
senti que era necessário. A reação foi imediata. O telefone não parava de tocar; familiares expressavam choque, apoio e, em alguns casos, incredulidade. A família de Neto, em particular, estava devastada. Larissa me ligou, sua voz embargada pelo choro: — Como você pode fazer isso, Lúcia? Sou sua mãe! — E eu era sua filha — respondi friamente. — Isso não impediu você de dormir com meu marido por 8 meses. — Não é — ela tentou argumentar, justificar, mas eu desliguei. Não havia mais nada a ser dito entre nós. Neto também tentou me contatar várias vezes; suas mensagens
alternavam entre súplicas desesperadas e ameaças vazias. Bloqueei seu número. Nos dias que se seguiram, observei de longe o caos que havia criado. A reputação de Neto, tanto pessoal quanto profissional, foi seriamente abalada. Ele perdeu clientes importantes de seu escritório de arquitetura e até mesmo alguns amigos próximos se afastaram. Quanto a Larissa, o golpe foi ainda mais duro. Suas amigas, que antes haviam a visto como uma mulher respeitável e bem-sucedida, agora a evitavam. Ela perdeu vários clientes de seu negócio de decoração de interiores. O escândalo foi tão grande que ela acabou se mudando para outra cidade.
Uma semana após o e-mail, recebi uma liga inesperada. Era a mãe de Neto. — Senhora Teresa. — Lúcia, sua voz soava cansada e triste. Eu... eu não sei nem por onde começar. — Senhora Teresa, eu... Ela me interrompeu. — Não, por favor, me deixe falar. Eu quero que você saiba que apoio completamente suas ações. O que Neto e sua mãe fizeram é imperdoável. Fiquei em silêncio, surpresa com suas palavras. — Neto está arrasado! — Claro, ela continuou. — Mas ele merece cada consequência de suas ações, e quanto a sua mãe, bem... espero que ela entenda
a gravidade do que fez. Conversamos por mais alguns minutos. Quando desliguei, senti um peso. Saindo dos meus ombros, pelo menos uma pessoa entendia. As semanas se passaram; aos poucos, o burburinho inicial começou a diminuir. Voltei ao trabalho, mergulhando de cabeça nos casos. Meus colegas notaram uma mudança em mim: eu estava mais focada, mais determinada. Ganhei uma reputação de advogada implacável. Um mês após o e-mail, recebi outra ligação surpreendente: era o pai de Neto, senhor Alberto. "Lúcia", sua voz soava grave. "Posso te encontrar para conversarmos?" Hesitei, mas acabei concordando. Marcamos de nos encontrar em um bar
no centro da cidade. Quando cheguei, senhor Alberto já estava lá, parecendo muito mais velho do que eu me lembrava. "Obrigado por vir", ele disse assim que me sentei. Assenti, esperando que ele continuasse. "Lúcia, o que você fez?" Ele fez uma pausa, escolhendo cuidadosamente as palavras. "Foi duro, muito duro, mas justo." Olhei para ele, surpresa. "O senhor acha?" Ele assentiu lentamente. "Neto é meu filho, e eu o amo, mas o que ele fez... O que ele e sua mãe fizeram com você não tem desculpa." Ficamos em silêncio por um momento, o peso de suas palavras pairando
entre nós. "Como ele está?" Perguntei, surpreendendo a mim mesma com a pergunta. Sr. Alberto suspirou, destruído. "Perdeu vários clientes importantes, alguns amigos se afastaram. Ele está morando conosco agora." Senti uma pontada de algo. Não era exatamente pena, mas também não era satisfação pura. "E quanto a sua mãe?" Ele perguntou, hesitante. Desviei o olhar. "Não sei. Não falamos desde... bem, desde aquele dia." Ele assentiu, compreensivamente. "Entendo. Deve ser difícil." "É", admiti, "mas não tão difícil quanto o que eles fizeram." Conversamos por mais algum tempo; quando nos despedimos, Sr. Alberto me surpreendeu com um abraço. "Você é
forte, Lúcia", ele disse, "mais forte do que Neto jamais foi." Voltei para casa naquela noite, com a mente em turbilhão. A conversa com Sr. Alberto havia mexido com emoções que eu tentava manter enterradas. Nos dias que se seguiram, me peguei pensando mais e mais sobre Neto e minha mãe, não com saudade ou arrependimento, mas com uma curiosidade distante: como eles estavam lidando com as consequências de suas ações? Duas semanas após o encontro com Sr. Alberto, recebi um envelope pelo correio. Não tinha remetente; dentro, havia apenas um bilhete escrito à mão. "Lúcia, sei que não mereço
seu perdão, nem estou pedindo por ele. Só quero que você saiba que entendo agora o quanto te machuquei. Cada dia é uma luta para lidar com a culpa e as consequências das minhas ações. Você merecia coisa melhor, sempre mereceu." Neto. Li e reli o bilhete várias vezes. Parte de mim queria rasgar o papel em mil pedaços; outra parte queria ligar para ele, gritar, exigir mais explicações. No final, guardei o bilhete em uma gaveta e tentei não pensar mais nisso, mas o bilhete abriu uma porta que eu havia tentado manter fechada. Comecei a me perguntar sobre
o futuro, não apenas o meu, mas o de todos os envolvidos nessa bagunça. Uma noite, enquanto jantava sozinha, o telefone tocou. Era um número desconhecido. "Alô?" Atendi, hesitante. "Lúcia?" A voz do outro lado era familiar, mas não consegui identificar imediatamente. "Sim, quem é?" "É a Cláudia, irmã da Larissa." Fiquei em silêncio, surpresa demais para responder. "Lúcia, eu sei que você provavelmente não quer falar comigo, mas é sobre sua mãe." Senti meu coração acelerar. "O que tem ela?" "Ela... ela não está bem, Lúcia. Desde tudo que aconteceu, ela entrou em depressão profunda. Está internada." As palavras
de Cláudia me atingiram como um soco. Larissa, minha mãe, a mulher que eu tanto odiava e amava, estava doente. "Internada?" Foi tudo o que consegui perguntar. Cláudia me passou o endereço do hospital. Quando desliguei, fiquei parada no meio da sala, sem saber o que fazer. Parte de mim queria ignorar a informação, deixar Larissa lidar sozinha com as consequências de suas ações, mas outra parte — uma parte que eu pensei ter enterrado há muito tempo — se contorcia com a notícia. Peguei as chaves do carro, quase sem pensar. O trajeto até o hospital parecia durar uma
eternidade e apenas alguns segundos, ao mesmo tempo. No quarto de hospital, Larissa parecia uma sombra da mulher que eu conhecia: magra, pálida, com olheiras profundas. Quando me viu, seus olhos se encheram de lágrimas. "Lúcia", ela sussurrou, sua voz fraca. "Você veio?" Fiquei parada na porta, incapaz de me aproximar. "Tia Cláudia me ligou", expliquei secamente. Larissa assentiu lentamente. "Eu... eu sinto muito por tudo." Fechei os olhos, sentindo as lágrimas que ameaçavam cair. "Não é suficiente", respondi. "Nunca será suficiente." "Eu sei", ela murmurou, "mas precisava dizer: você é minha filha, Lúcia. Eu te amo." Abri os olhos,
encarando-a. "Amor? É isso que você chama do que fez?" Ela desviou o olhar, incapaz de me encarar. "Não. O que fiz não tem desculpa, não tem perdão." Ficamos em silêncio por um longo momento; o bip das máquinas era o único som no quarto. "Por quê?" Perguntei, finalmente, minha voz quebrando. "Por que ele? Por que fazer isso comigo?" Larissa fechou os olhos, lágrimas escorrendo por suas bochechas. "Eu não sei, Lúcia. Eu realmente não sei. Foi egoísmo... fraqueza. Não há justificativa." Assenti lentamente. "Não. Não há mais silêncio." Eu queria sair, fugir daquela situação, daquela conversa. Algo me
mantinha presa no lugar. "O que acontece agora?" Lunt, sua voz quase um sussurro. "Olha para ela, para a mulher que me deu a vida e que quase destruiu a minha vida." "Não sei", respondi honestamente. "Realmente não sei." Saí do quarto sem dizer mais nada. No corredor do hospital, encostei-me na parede, sentindo o peso de tudo que havia acontecido nos últimos meses. A vingança que eu havia planejado e executado trouxe consequências que eu não havia previsto: Neto destruído profissionalmente, Larissa internada com depressão e eu... eu ainda estava tentando entender onde me encaixava nessa nova realidade. Voltei
para casa naquela noite com mais perguntas do que respostas. A raiva que havia me consumido por tanto... Tempo começava a dar lugar a algo mais complexo, mais difícil de definir. Não era perdão, nem perto disso, mas talvez fosse o início de um caminho para algum tipo de paz. Não com Neto, não com Larissa, mas comigo mesma. O amanhã traria novos desafios, novas decisões. Mas, pela primeira vez em muito tempo, não senti medo ao pensar no futuro; apenas uma determinação calma de enfrentar o que quer que viesse. Acordei na manhã seguinte com uma clareza que não
sentia há meses. A visita ao hospital, o confronto com Larissa, havia mexido com algo dentro de mim. Não era perdão, longe disso, mas talvez fosse o primeiro passo para algum tipo de resolução. Decidi tirar o dia de folga do trabalho; precisava pensar, planejar meus próximos passos. A vingança que eu havia planejado e executado com tanta precisão tinha trazido consequências que eu não havia previsto completamente. Era hora de reavaliar. Sentei-me à mesa da cozinha com uma xícara de café. Abrindo meu laptop, comecei a pesquisar sobre os efeitos legais e psicológicos de expor publicamente uma traição. As
informações que encontrei foram surpreendentes e, em alguns casos, perturbadoras. Casos de depressão profunda, como o de Larissa, não eram incomuns; perda de emprego e status social, como havia acontecido com Neto, também eram consequências frequentes. Mas o que mais me chamou a atenção foram os relatos de pessoas que, anos depois, ainda lutavam para superar o trauma da exposição pública. Fechei o laptop, sentindo um peso no peito. Eu havia causado dano, sim, mas a que custo para mim mesma? O telefone tocou meus pensamentos. Era Renata. — Lúcia, está tudo bem? Você não apareceu no escritório de novo.
Suspirei. — Estou bem, Renata. Só precisava de um dia para pensar. Pensei sobre o que hesitei por um momento antes de responder, sobretudo Neto, minha mãe, o que aconteceu depois que enviei aquele e-mail. — Ah, Lúcia... A voz de Renata estava cheia de preocupação. — Quer que eu passe aí depois do trabalho? — Não, obrigada. Acho que preciso ficar sozinha hoje. Depois de desligar, decidi sair para uma caminhada. O ar fresco e o movimento poderiam ajudar a clarear minha mente. Enquanto caminhava pelo parque perto de casa, meus pensamentos voltaram para Neto, o bilhete que ele
havia me enviado reconhecendo seu erro e as consequências de suas ações ainda ecoava em minha mente. Parte de mim queria acreditar que ele estava realmente arrependido, que havia aprendido com seus erros. Mas outra parte, a parte que ainda doía com a traição, se recusava a aceitar qualquer coisa vinda dele. Sentei-me em um banco, observando as pessoas passarem: casais de mãos dadas, famílias com crianças, idosos caminhando lentamente. Vidas normais, sem o peso da traição e da vingança que eu carregava. Foi então que vi um rosto familiar se aproximando: era o Senhor Alberto, pai de Neto. —
Lúcia! — disse, surpreso a me ver. — Que coincidência encontrá-la aqui! Forçei um sorriso. — Sobrevivendo, como todos, imagino. Neto me contou sobre o bilhete que te enviou. Ele disse… Finalmente, senti meu corpo tenso. — Ele não deveria ter feito isso. — Talvez não — Alberto concordou —, mas ele está tentando, Lúcia, à sua maneira torpe e inadequada. Ele está tentando consertar. Balancei a cabeça, a ira ressurgindo. — Não há conserto para o que ele fez, Senhor Alberto. Algumas vezes, quebradas não podem ser reparadas. Ele assentiu lentamente. — Entendo e não estou aqui para defender
as ações dele. Só queria que você soubesse que, bem, ele está sofrendo as consequências. Todos estamos. Olhei para Alberto, notando pela primeira vez o quanto ele parecia envelhecido e cansado. — Sinto muito que vocês tenham sido arrastados para isso — disse, surpreendendo a mim mesma com a sinceridade em minha voz. — Não é culpa sua, Lúcia — ele respondeu gentilmente. — As ações de Neto e de sua mãe afetaram a todos nós, mas talvez seja hora de começarmos a pensar em como seguir em frente. Suas palavras me atingiram com força. Seguir em frente era algo
que eu não havia realmente considerado até então. Toda a minha energia havia sido direcionada para a vingança, para fazer Neto e Larissa pagarem. Mas e depois? O que viria depois? — Não sei se consigo — admiti, minha voz quase um sussurro. Alberto colocou uma mão gentilmente em meu ombro. — Ninguém espera que você perdoe, Lúcia, nem agora nem nunca, mas por você mesma. Talvez seja hora de pensar em como viver sem que a raiva e a dor definam cada momento. Fiquei em silêncio, absorvendo suas palavras. Parte de mim queria rejeitar o que ele dizia, agarrar-me
à minha raiva como um escudo, mas outra parte, uma parte que crescia a cada dia, ansiava por… — Obrigada, Senhor Alberto — disse finalmente. — Vou pensar sobre isso. Ele sorriu gentilmente, levantando-se. — É tudo que posso pedir. Cuide-se, Lúcia. Observei-o se afastar, sentindo uma mistura confusa de emoções. A conversa com Alberto havia mexido com algo dentro de mim, despertando questões que eu havia evitado enfrentar. Voltei para casa com a mente em turbilhão, as palavras de Alberto sobre seguir em frente ecoavam em meus ouvidos. Mas como eu poderia seguir em frente quando o passado ainda
pesava tanto? Naquela noite, deitada na cama, tomei uma decisão. Não seria fácil e certamente não aconteceria da noite para o dia, mas era hora de começar a construir uma vida que não fosse definida pela traição de Neto e Larissa. O primeiro passo, decidi, seria buscar ajuda profissional. Eu precisava de alguém imparcial para me ajudar a navegar por esse mar de emoções conflitantes. No dia seguinte, marquei uma consulta com uma terapeuta. Era um pequeno passo, mas senti como se fosse o início de algo importante, algo que talvez me levasse a um lugar onde a dor não
dominasse cada pensamento, cada decisão. O consultório da doutora Mariana era um ambiente acolhedor, com paredes em tons suaves e uma vista para um pequeno jardim. Sentada na poltrona macia, eu... Me sentia estranhamente exposta, como se cada objeto na sala pudesse ver através das camadas de proteção que eu havia construído ao longo dos últimos meses. Então, Lúcia, a doutora Mariana começou, sua voz calma e profissional: "Por que você decidiu buscar terapia agora?". Respirei fundo, as palavras se formando lentamente. "Eu... eu acho que perdi o controle da vida. Tudo girou em torno da traição do meu ex-marido,
da minha mãe e da minha vingança contra eles. Agora, não sei mais quem sou ou o que quero." A doutora Mariana assentiu, seus olhos atentos. "E como você se sente em relação a essa vingança agora?". Desviei o olhar, fixando-me na janela. "Eu pensei que me sentiria melhor, que traria algum tipo de closure, mas só me sinto vazia." As sessões com a doutora Mariana se tornaram um ponto de ancoragem em minha semana. Lentamente, comecei a desemaranhar o nó de emoções que havia se formado em meu peito: raiva, tristeza, vergonha, culpa; todas tinham seu lugar, todas precisavam
ser reconhecidas e processadas. Foi durante uma dessas sessões, cerca de um mês após o início da terapia, que a doutora Mariana me fez uma pergunta que me pegou de surpresa: "Lúcia, você já pensou em escrever uma carta para o Neto e sua mãe? Não para enviar, mas para você mesma." Olhei para ela confusa. "Uma carta para quê?". "Às vezes, colocar nossos sentimentos no papel pode nos ajudar a processá-los melhor. Pode ser uma forma de liberar emoções que você tem segurado." Relutante, concordei em tentar. Naquela noite, sentada à mesa da cozinha, peguei uma caneta e papel.
As palavras vieram em uma torrente: "Neto, eu te odiei. Te odiei com cada fibra do meu ser. Você destruiu tudo que tínhamos, tudo que eu acreditava ser verdadeiro. E o pior, você fez isso com a pessoa que deveria me proteger acima de todas as outras. Mas agora... agora eu só sinto cansaço. Cansaço de te odiar, cansaço de pensar em você, cansaço de deixar que suas ações controlem minha vida. Eu não te perdoo, não acho que um dia conseguirei, mas estou cansada de viver à sombra do que você fez." As lágrimas caíam livremente enquanto eu escrevia.
Quando terminei, senti como se um peso tivesse sido tirado dos meus ombros. Não era perdão, longe disso, mas era um passo em direção à libertação. A carta para minha mãe foi ainda mais difícil: "Mãe, como você pode? Esta é a pergunta que me assombra dia e noite. Como a mulher que me deu a vida pode trair minha confiança de forma tão cruel? Parte de mim quer te odiar para sempre; outra parte se preocupa com você, internada naquele hospital, e isso me deixou furiosa, porque eu não deveria me importar, não depois do que você fez. Mas
me importo, e isso dói mais do que qualquer traição. Não sei se um dia poderemos ter qualquer tipo de relacionamento novamente. Não sei se quero isso, mas sei que preciso parar de deixar que suas ações definam quem eu sou." Guardei as cartas em uma gaveta, sentindo uma mistura de exaustão e alívio. Na próxima sessão com a doutora Mariana, compartilhei a experiência. "Foi intenso", admita, "mas acho que me ajudou a colocar algumas coisas em perspectiva." Ela sorriu gentilmente: "Esse é um passo importante, Lúcia. Reconhecer seus sentimentos, por mais dolorosos que sejam, é crucial para o processo
de cura." As semanas se transformaram em meses. Lentamente, comecei a reconstruir minha vida. No trabalho, meu foco melhorou. Comecei a aceitar convites de amigos para sair, algo que havia evitado desde a separação. Num sábado à tarde, enquanto fazia compras no supermercado, encontrei a senhora Teresa, mãe de Neto. Por um momento, considerei fingir que não a tinha visto, mas ela me avistou antes que eu pudesse escapar. "Lúcia," ela disse, aproximando-se hesitante. "Como você está?". Forcei um sorriso: "Estou indo, senhora Teresa. E a senhora?" Ela suspirou, parecendo cansada: "Também estou indo, dia a dia." Ficamos em um
silêncio desconfortável por alguns segundos antes que ela falasse novamente: "Lúcia, eu... eu queria que você soubesse que Neto está fazendo terapia. Ele está realmente tentando entender o que fez e por quê." Senti um nó se formar em minha garganta. "Fico feliz por ele, senhora Teresa. Espero que o ajude." Ela assentiu, seus olhos marejados: "Eu sei que não há desculpa para o que ele fez. Só queria que você soubesse que ele está tentando ser uma pessoa melhor." Engoli em seco, lutando contra as emoções conflitantes que surgiam. "Obrigada por me contar. Eu... eu espero que ele consiga."
Nos despedimos e fiquei observando enquanto ela se afastava. A conversa havia mexido com sentimentos que eu pensava ter superado, mas percebi que ainda havia um longo caminho pela frente. Naquela noite, deitada na cama, refleti sobre tudo que havia acontecido nos últimos meses: a traição, a vingança, o processo doloroso de cura. Percebi que, embora ainda houvesse dias difíceis, eu estava lentamente encontrando um novo equilíbrio. Uma semana depois, recebi uma ligação inesperada. Era Cláudia, minha tia. "Lúcia," sua voz soava hesitante, "sua mãe recebeu alta do hospital. Ela está morando comigo agora." Senti meu coração acelerar. "Como... como
ela está?". "Melhor, mas ainda frágil. Ela pergunta por você." Fechei os olhos, sentindo o peso daquelas palavras. "Eu não sei se estou pronta para vê-la, tia." "Eu entendo, querida. Só achei que você deveria saber." Depois de desligar, fiquei sentada no sofá, perdida em pensamentos. A ideia de ver minha mãe novamente me enchia de ansiedade, mas também de uma estranha curiosidade. Como seria olhar nos olhos dela agora, depois de tudo? Decidi compartilhar a notícia com a doutora Mariana em nossa próxima sessão. "E como você se sente sobre isso, Lúcia?" Ela perguntou, após eu relatar a ligação.
Confusa, admiti: "Parte de mim quer vê-la, saber como ela está; outra parte quer manter distância, se proteger." "Ambos sentimentos são válidos," ela assegurou. "Não há...". Pressa em tomar uma decisão. Desse tempo nas semanas que se seguiram, me peguei pensando cada vez mais em minha mãe. As memórias de nossa relação, antes da traição, se misturavam com a dor da descoberta, criando um turbilhão emocional. Foi numa tarde de domingo, enquanto arrumava alguns papéis antigos, que encontrei uma foto nossa. Eu devia ter uns cinco anos, sentada no colo dela, ambas sorrindo para a câmera. A imagem me atingiu
como um soco no estômago. Antes que pudesse pensar muito, peguei o telefone e liguei para Cláudia. — Tia, eu... eu acho que estou pronta para ver a mamãe. O encontro foi marcado para o fim de semana seguinte. Nos dias que antecederam, oscilei entre ansiedade e determinação. Na manhã do encontro, passei quase uma hora escolhendo o que vestir, como se a roupa certa pudesse me proteger de alguma forma. A casa de Cláudia era acolhedora, mas senti como se estivesse entrando em território inimigo. Minha tia me recebeu com um abraço caloroso. — Ela está na sala, —
Cláudia disse suavemente. — Quer que eu fique com vocês? Balancei a cabeça. — Não, obrigada. Acho que precisamos desse momento a sós. Entrei na sala, meu coração batendo tão forte que tinha certeza que podia ser ouvido. E lá estava ela. Larissa, minha mãe, sentada no sofá, parecendo menor e mais frágil do que eu me lembrava. Seus olhos se encheram de lágrimas ao me ver. — Lúcia, — ela sussurrou. Ficamos nos encarando por um longo momento, o peso de tudo que havia acontecido pairando entre nós. — Oi, mãe, — finalmente consegui dizer. Ela fez menção de
se levantar, mas parou, incerta. — Eu... eu não esperava que você viesse. — Nem eu, — admita, sentando na poltrona oposta a ela. O silêncio que se seguiu foi pesado, carregado de palavras não ditas e emoções reprimidas. — Lúcia, — ela começou, sua voz trêmula. — Eu sei que não há palavras suficientes no mundo para expressar o quanto sinto. Muito o que fiz é imperdoável. Assenti lentamente. — Sim, é. Ela baixou os olhos, lágrimas escorrendo por suas bochechas. — Eu entendo se você nunca mais quiser me ver. Só queria que você soubesse que te amo.
Sempre amei. O que fiz não foi por falta de amor por você. Senti minha própria visão embaçar com lágrimas. — Então por que? — perguntei, minha voz quebrando. — Por que fazer isso comigo, Larissa? Ela balançou a cabeça, parecendo perdida. — Eu não sei, Lúcia. Foi egoísmo. Fraqueza. Não há justificativa. Ficamos em silêncio novamente, cada uma perdida em seus próprios pensamentos. — Eu não te perdoo, — disse finalmente, minha voz firme, apesar das lágrimas. — Não sei se um dia conseguirei. Ela sentiu, aceitando minhas palavras. — Eu entendo, — mas continuei, surpresa com minhas próprias
palavras. — Talvez, talvez possamos tentar construir algo novo. Não sei o que ainda, mas algo. Os olhos dela se arregalaram em surpresa e esperança. — Eu... eu gostaria muito disso. Lúcia saiu da casa de Cláudia uma hora depois, emocionalmente exausta, mas com uma estranha sensação de paz. Não era perdão, não era reconciliação, mas era um passo, um pequeno passo em direção a algo novo. Nas semanas que se seguiram, continuei minha terapia, processando o encontro com minha mãe e todas as emoções que ele havia despertado. Lentamente, comecei a me reconectar com partes de mim que havia
esquecido, interesses e sonhos que havia abandonado em meio à turbulência dos últimos meses. Um dia, caminhando pelo parque onde havia encontrado o Senhor Alberto meses atrás, percebi que não pensava em Neto. Há dias, a realização me pegou de surpresa. A dor da traição ainda estava lá; provavelmente sempre estaria em algum nível, mas não dominava mais cada pensamento, cada momento do meu dia. Sentei-me em um banco, observando as pessoas passarem: casais de mãos dadas, famílias com crianças, idosos caminhando lentamente. Vidas normais seguindo em frente, apesar das dores e desafios que cada um carregava. Minutos depois, me
levantei, pronta para voltar para casa, para minha casa, minha vida. Uma vida que finalmente começava a parecer minha novamente. O caminho à frente ainda seria longo e certamente teria seus desafios. Mas pela primeira vez em muito tempo, me senti pronta para enfrentá-los, não como uma vítima, não como uma vingadora, mas como Lúcia, apenas Lúcia. E, por enquanto, isso era mais que suficiente. Gostou do vídeo? Deixe seu like, se inscreva, ative o sininho e compartilhe. Obrigada por fazer parte da nossa comunidade! Até o próximo vídeo.