Por sete milênios a costa litorânea do que viria ser conhecido como Brasil foi habitada pelos sambaquieiros. Esses povos construíram os sambaquis, monumentos de até 40 m de altura feitos a partir de conchas ossos areia e terra e onde até hoje é possível encontrar restos humanos. Mas a história desses ancestrais é cercada de mistérios.
De onde eles vieram e por que sumiram ou foram substituídos por Tupis Jês e outros povos indígenas que habitavam o litoral quando as naus de pedr Cabral chegaram em 1500? Sou o André Biernath, da BBCNews Brasil em Londres, e neste vídeo te conto os detalhes de um estudo recém publicado que fornece algumas respostas para essas perguntas. Bom, vamos começar com o básico.
O que são os Sambaquis? O arqueólogo André Strauss, um dos autores dessa pesquisa recente, me explicou que os sambaquis são grandes montes de conchas que estão dispersos pela costa brasileira, especialmente no sul e no sudeste. Muitos deles têm proporções monumentais, de 30 a 40 m de altura.
Eles foram construídos pelas civilizações que ocuparam o litoral Atlântico entre 8. 000 e 2. 000 anos atrás e acredita-se que a subsistência dessas pessoas estava baseada numa economia mista que combinava o consumo de peixes, frutos do mar e plantas.
Também é possível que eles caçassem alguns animais terrestres e praticassem horticultura. No artigo recém publicado os autores destacam que os sambaquis são produto da deposição planejada e de longo prazo de conchas, restos de peixes, plantas, artefatos, restos de combustão e sedimentos locais e foram utilizados como marcadores territoriais, moradias, cemitérios e ou locais cerimoniais. Alguns deles inclusive trazem centenas ou até milhares de indivíduos enterrados.
O sambaqui Capelinha, por exemplo, foi identificado à beira de um rio no Vale do Ribeira em São Paulo e tem 10. 400 anos, mas há outros monumentos do tipo que são mais recentes com cerca de 1. 300 anos .
Vamos então aos detalhes da pesquisa feita por pesquisadores da Universidade de São Paulo e de uma série de outras instituições nacionais e internacionais. Eles fizeram o sequenciamento genético dos fósseis de 34 indivíduos. Para fazer essa análi, os 34 indivíduos foram divididos em quatro grandes grupos segundo a localização geográfica.
A baixa Amazônia, nas proximidades da Ilha de Marajó no Pará, o Nordeste, a região de Lagoa Santa, em Minas Gerais, e a costa atlântica sudeste-sul, que concentra a maioria dos sambaquis. Lagoa Santa aliás, é a terra de Luzia, o fóssil humano mais antigo já encontrado na América do Sul com cerca de 13. 000 anos.
Vale destacar aqui que alguns dos 34 indivíduos estavam relacionados ao sambaquis mas outros são mais antigos ou mais recentes e ajudaram a fazer as comparações entre os genes para entender as relações entre os diferentes povos ao longo da história. A partir da análise genética dos fósseis os cientistas esperavam encontrar pistas sobre a origem dos sambaquieiros. O paleogeneticista Cosimo Posth, outro autor da pesquisa, me contou que o estudo da história genética das populações da costa leste da América do Sul revelou que a cultura dos sambaquis não foi praticada por um único povo.
Na própria conclusão da pesquisa os cientistas destacam esse ponto - entre sambaquieiros do sul e do sudeste da costa brasileira há uma diferença genética entre os indivíduos analisados. Isso contraria o que é observado nos registros arqueológicos que destacam similaridades entre esses grupos. Segundo o professor Cosimo, é importante mostrar que culturas e genes nem sempre andam juntos.
Ao combinar arqueologia e pesquisa genética os autores conseguiram obter um cenário mais preciso de quem eram esses indivíduos que habitaram a região costeira há milhares de anos. Outra descoberta importante: os povos que moravam na costa brasileira descendem dos mesmos ancestrais que vieram para as Américas cerca de 16. 000 anos atrás.
Esses indivíduos que chegaram ao continente a partir da Beríngia, uma ponte terrestre que se formou entre Ásia e América do Norte por causa da glaciação e deram origem a todas as populações indígenas como os próprios Tupi. Mas os resultados da pesquisa recente reservaram ainda outras surpresas. O professor André destacou que o povo de Luzia de Lagoa Santa não desapareceu há 9.
000 anos como se imaginava. Para a surpresa dos próprios cientistas, foram encontradas evidências em alguns sambaquis da sobrevivência ainda que parcial daqueles grupos que foram os primeiros brasileiros. Essa permanência de grupos relacionados a Luzia até 2.
000 anos atrás era algo completamente inesperada. A geneticista Tábita Hûnemeier, que também assina o artigo, me diz que um dos objetivos do estudo era detalhar melhor quem eram essas pessoas que habitavam a costa brasileira antes da chegada dos Tupis e por que elas desapareceram. E os resultados confirmaram que eles não eram uma população isolada do resto do continente.
De alguma maneira, os sambaquieiros interagiam com os povos que viviam no interior. A nova pesquisa, claro, não responde todas as dúvidas sobre os sambaquis. Um mistério é sobre a quantidade de pessoas que habitavam esses locais ao longo do tempo.
Antes se acreditava que os sambaquieiros eram extremamente densos e populosos, mas tudo indica que a realidade não era bem assim. André Strauss lembra que essas construções surgiram e esses indivíduos viraram os reis da costa. Mas de repente há 2.
000 anos eles desapareceram. O que aconteceu? Uma calamidade climática, uma implosão social interna?
Vale destacar aqui que mesmo com a redução das expectativas sobre a densidade populacional os sambaquieiros continuam a ser considerados o maior fenômeno demográfico da América do Sul pré-colonial, atrás apenas das civilizações andinas. Ah, a chegada dos europeus a partir de 1500 também representou uma enorme barreira para conhecer mais sobre esse passado remoto da América do Sul. A partir da colonização europeia a população local foi reduzida em 98%, com isso muitas linguagens e variações genéticas foram perdidas para sempre.
Os autores avaliam que apesar de não dar respostas definitivas, o trabalho recém publicado apresenta algumas pistas sobre esse mistério do desaparecimento dos sambaquieiros. Os dados mostram que há 2. 000 anos começaram a aparecer nos sambaquis uma assinatura genética típica de grupos ancestrais Jês, que habitavam no interior da região sul e se deslocaram até o litoral.
É possível que isso tenha impactado de alguma maneira a existência dos sambaquieiros. E olha que curioso: mais ou menos nessa mesma época as construções monumentais da costa começaram a apresentar uma inovação: a presença de cerâmicas. Até então elas traziam conchas e ossos e essa tecnologia nova, a cerâmica, veio justamente desses povos interioranos ancestrais, ou seja, em vez de uma substituição completa de sambaquieiros por outros povos o que provavelmente ocorreu foi uma mudança gradual de prática com adoção de novas tecnologias e culturas.
Bom, com isso eu fico por aqui. Deixe seus comentários e dúvidas aqui embaixo que a gente sempre fica de olho. Um abraço e até a próxima.