A Farsa da Indústria dos Vinhos..(E como ela te faz de TROUXA)

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Há pouco tempo atrás eu descobri que um mesmo vinho era vendido dois mercados diferentes, trocando a...
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Certo dia com minha mãe no supermercado, fui atrás  de um vinho que havia achado muito bom. Era o vinho Appassionante, que eu acabei descobrindo  que tinha nota 4. 2 no Vivino, e custava só 39 reais nesse supermercado.
Realmente uma oferta  e tanto. Eu levei 4 garrafas e minha mãe as outras 5, e assim acabamos com todo o estoque. Já no caixa, fomos surpreendidos pela representante da marca que tinha acabado de repor  o estoque, e queria saber quem tinha pego as últimas 9 garrafas.
Conversamos por um tempo e ela  disse que esse mesmo vinho ia ser vendido em outra rede de supermercados, mais gourmetizada,  com outro rótulo, só que por 300 reais. Até onde eu sei, as redes de supermercados  possuem produtos exclusivos pra se diferenciar dos concorrentes, mas nesse caso do vinho eu senti  que precisava investigar mais a fundo, e o que eu descobri é que essa prática não só é comum  como é só a ponta do iceberg dessa indústria. O esquisito é que há muito tempo se ouve falar que  vinho é coisa fina, e que só quem tem grana sabe realmente o que é um vinho de qualidade.
Mas além  da minha própria experiência lá no mercado, alguns episódios que marcaram o mundo do vinho parecem  mostrar que tudo isso não passa de uma história que foi muito mal contada durante séculos. Um deles é mostrado no documentário Sour Grape, de 2016, que parte do conceito que o  vinho não passa de uma bebida comum, feita de uva amassada e fermentada, e que não  existe diferença real entre um vinho feito em casa e um vinho super sofisticado de uma adega famosa. Pra provar isso, é contada a história de Rudy Kurniawan, um indonésio que criou um  império em volta de si com a compra e venda de vinhos raros e extremamente caros  em leilões, ganhando muito renome e destaque nos círculos dos entusiastas do vinho.
Ao chegar ao topo, usou do seu prestígio e reconhecimento pra enganar os amantes do vinho,  e armar um dos maiores esquemas de fraude da história. Rudy virou então um estelionatário, um  trapaceiro de primeira – mas não foi só a cara de pau dele que foi protagonista nesse episódio. Algo que talvez tenha chamado mais atenção que o próprio golpista foram os especialistas em vinho,  especialmente os dos círculos mais restritos, que caíram na fraude do indonésio sequer suspeitando  do que tava acontecendo bem na frente deles.
Esse foi um dos detalhes mais  impactantes dessa história, porque o sucesso da fraude de Rudy levanta  uma grande questão: os ditos “especialistas” em vinho realmente sabem o que tão fazendo?  Será que existe alguma diferença real entre vinhos que se encontra em mercados, e garrafas  leiloadas a dezenas de milhares de dólares? Pra entender sobre a farsa da indústria dos  vinhos, primeiro é preciso entender como esse cara conseguiu enganar até mesmo os mais apaixonados  entusiastas, sem que ninguém suspeitasse de nada.
O que se sabe da trajetória de Rudy Kurniawan  antes de ingressar no mundo do vinho é que ele, que é natural de Jakarta, capital da  Indonésia, se mudou pros Estados Unidos com um visto de estudante em mãos por volta de  , pra frequentar uma universidade na Califórnia. Quando seu visto expirou, em 2003, Rudy não queria  deixar os Estados Unidos, pois já tinha dado os passos iniciais da sua promissora carreira no  vinho. Então, ele ignorou a data limite estipulada pelo governo americano pra voltar ao seu país  natal, e continuou como imigrante ilegal por lá.
A carreira de Rudy como degustador e caçador de  vinhos raros começou no início dos anos 2000, em um distrito de Los Angeles chamado Woodland  Hills, especificamente em uma renomada loja de vinhos do local. O jovem de 24 anos entrou  com uma garrafa de vinho na mão e dirigiu-se à recepção. Curiosamente, ele não foi à loja  pra comprar vinho, e sim pra tentar vender.
Segundo os vendedores da loja, Rudy ia  constantemente por lá mostrando interesse por vinho, querendo saber sobre seus sabores, sobre  sua produção e sobre as vinícolas de origem. Assim ele acabou virando amigo dos funcionários,  que também eram grandes entusiastas do vinho, e não viam nenhum mal em ajudar o jovem  aprendiz. É claro que eles não tinham a menor ideia que aquele garoto curioso se  tornaria um dos maiores farsantes da história.
Inclusive, os próprios vendedores elogiavam o  rapaz, dizendo que ele tinha uma ótima memória para lembrar dos sabores dos vinhos, e um  olfato e paladar invejáveis. Em pouco tempo, Rudy já tava entendendo bastante de vinhos, o  suficiente pra se virar bem em conversas com especialistas, e às vezes até se passar por um. Por volta de 2003, os círculos de vinho em Los Angeles começaram a notar a presença assídua  de um desconhecido em eventos de degustação de vinhos e em leilões, um rapaz que chegava  a gastar milhares de dólares em cada sessão.
Esse desconhecido era Rudy, e nessa época, foi  estimado que ele gastava cerca de 1 milhão de dólares por mês em garrafas de vinho valiosas,  geralmente raras. O jovem anônimo começou a ganhar credibilidade na sociedade do vinho, levando  a fama de ser um sujeito extravagante e sendo reconhecido por ter um paladar fora do comum. À medida que aumentava sua coleção, Rudy também trazia vários de seus raros exemplares aos eventos  de degustação e dividia com seus convidados, ostentando jantares luxuosos, algo que  agradava bastante os membros dessa sociedade, e o ajudou a fazer amizades.
Alguns colecionadores deram um apelido peculiar ao rapaz: Doutor Conti  – fazendo referência a uma propriedade no leste da França produtora de vinhos ultra  luxuosos muito cobiçados. Por diversas vezes, Rudy arrematou lotes de garrafas dessa produção. Só para se ter uma ideia, uma única garrafa de Domaine de la Romanée-Conti tinto de 1993 pode ser  encontrada à venda em Portugal por quase 24 mil euros.
Outra, do ano de 1990, pode ser encontrada  em uma loja em São Paulo por 250 mil reais. Rudy participou de leilões comprando e  vendendo vinhos assiduamente até 2006, o que deu a ele tempo para adquirir lotes  de vinhos finos dos mais diversos tipos. Nesse momento também, ele foi citado  por “ter possivelmente a melhor adega da Terra” e bateu o recorde de maior valor  vendido em um único leilão de vinhos, arrecadando quase 25 milhões de dólares,  superando em 10 milhões o recorde anterior.
Apesar da enorme quantidade de vinhos  exóticos, raros e extremamente caros que Rudy colocou à disposição no leilão, não  havia motivos para desconfiar das suas garrafas, já que todo mundo sabia que ele tinha  uma coleção bastante extravagante. No ano seguinte, em 2007, Rudy mais uma vez  colocou em lote várias garrafas preciosas em um leilão, dessa vez em Los Angeles, e suas garrafas  ganharam destaque na capa do catálogo do leilão. Mas dessa vez, representantes de uma vinícola  produtora de alguns dos vinhos leiloados por Rudy notaram algo suspeito, e informaram à casa de  leilões que as garrafas eram falsas.
As garrafas foram analisadas minuciosamente e retiradas  após serem consideradas “inconsistentes”, como dizem os experts do assunto. A partir de então, vários lotes de Rudy começaram a apresentar irregularidades  bizarras, como garrafas que tinham data de fabricação impossíveis, de períodos onde os vinhos  vendidos simplesmente não tinham sido fabricados. Ao começar a levantar suspeitas e ser questionado,  ele respondeu apenas: "nós tentamos o nosso melhor para acertar, mas é Borgonha, e às vezes a  merda acontece" – deixando claro que ele foi só mais uma vítima de falsificadores, logo após  um de seus lotes ter sido retirado de um leilão.
Mas a resposta de Rudy não convenceu tanto assim,  e sua credibilidade foi se degradando cada vez mais com cada nova inconsistência em seus lotes.  Foi então que em 2009, o empresário Bill Koch, já cansado da falta de vergonha de Rudy, entrou  com uma ação contra o indonésio alegando que ele tinha vendido conscientemente garrafas falsas para  ele e outros colecionadores, tanto em leilões, quanto particularmente. Também nesse período,  ele foi acusado de não pagar um empréstimo de 10 milhões de dólares a uma importante casa de  leilões, jogando ainda mais lenha na fogueira.
Mas como diz o ditado, nada está tão ruim  que não possa piorar, e foi aí que toda essa história mal-contada chegou aos ouvidos de  um pessoal importante lá nos Estados Unidos: o FBI. Rudy foi alvo de investigações  pelo FBI quando pessoas do seu círculo de amizades suspeitaram que ele não  tava sendo vítima de falsificadores, mas sim que ele mesmo era o falsificador. Os investigadores logo descobriram sua situação irregular em relação à imigração, o que  deixou as autoridades preocupadas com o risco de ele fugir do país.
Então, na madrugada de  8 de março de 2012, meia dúzia de agentes do FBI chegaram à casa de Rudy em Arcádia,  na Califórnia, e levaram o indonésio preso. Depois de vasculhar a casa, o FBI descobriu  milhares de rótulos de vinhos raros, centenas de rolhas, velhas e novas, além de um dispositivo  pra colocá-las. Havia um verdadeiro arsenal de falsificação, carimbos de borracha, colas,  tesouras, moldes de rótulos, papéis, instruções para fabricação de rótulos de marcas famosas de  vinhos, dentre vários outros artigos da fraude.
Com tantas provas explícitas não restou dúvidas  de que Rudy já falsificava vinhos por anos, vendendo vinho barato em garrafas de  vinhos extremamente valiosos. Mais tarde, foi descoberto que até seu nome era falso,  seu verdadeiro nome era Zhen Wang Huang. Rudy Kurniawan, ficou conhecido por ser o  maior fraudador de vinhos da história e foi condenado a 10 anos de prisão em 2014 tendo de  pagar 28 milhões de dólares em restituição e outros 20 milhões ao fisco.
Até hoje não se  sabe ao certo quantas vítimas existiram no caso Kurniawan, mas uma delas com certeza foi a  credibilidade do próprio mercado de vinhos em si. Depois de cumprir detenção por sete anos, Rudy  foi liberado pela justiça no final de 2020, e poucos meses depois deportado  pelo departamento de imigração, encerrando sua estadia em solo americano. Mas o estrago de Rudy no mercado já tava feito, e nos anos que se seguiram à queda da sua  tática, uma pergunta não pôde deixar de ser feita: os famigerados especialistas em  vinhos realmente sabem o que tão falando, ou tudo não passa de um teatro onde cada um  tá ali fingindo que sabe mais que o outro?
Curiosamente, durante os anos da farsa  de Rudy, muitos especialistas publicaram notas elogiando seus vinhos, sendo incapazes de  notar os exemplares falsos, mesmo após provar e analisar os “detalhes sutis” tão falados nos  círculos dos vinhos. Muitos deles, inclusive, se tornaram amigos de Rudy e participaram  de inúmeras degustações de seus exemplares, e mesmo assim nunca se deram  conta do que tava acontecendo. Após a verdade vir à tona e todo o esquema ir por  água abaixo, uma parte dos especialistas usou esse fatídico episódio pra criticar e questionar a  consistência da base de conhecimentos em que o mercado de vinhos se fundamenta.
Por que ninguém notou algo estranho nos vinhos de Rudy? Existe realmente um consenso  sobre os sabores e características dos vinhos, ou é tudo pura especulação? E se tudo  realmente não passa de especulação, será que há diferença entre um vinho “raro”  e um vinho produzido em uma vinícola “comum”?
Por se tratar de uma indústria gigantesca e bem  estabelecida, que conta até mesmo com “dicionário próprio”, é bem improvável que um  especialista em vinho concorde com esse tipo de questionamento – muito menos que  admita que parte do prestígio do vinho tá ligado a uma percepção exagerada de valor do produto. Mas na contramão do pensamento que um bom vinho é algo raro, acessível apenas a pessoas de classe  alta, surge uma empresa australiana disposta a mudar todo esse paradigma. A Yellow Tail tem  a proposta de trazer um vinho de qualidade por um preço acessível a todos, tentando provar que a  indústria dos vinhos não precisa ser para poucos.
Os negócios da Yellow Tail começaram na  Austrália, com uma família de imigrantes italianos detentora de um grande vinhedo, que  vendia uvas à granel e fazia alguns vinhos próprios. Com o passar do tempo, a Yellow Tail  conseguiu fazer sucesso localmente, e trilhou seu caminho até ter uma forte presença no país. Em 2001, um importador americano viu o potencial do negócio da família e decidiu investir uma  boa quantia na distribuição dos vinhos ao redor do mundo, com foco na ideia de ter  um produto voltado ao consumidor comum, tendo uma fabricação descomplicada e  com um público alvo mais específico.
Com algumas pesquisas de mercado, a Yellow  Tail descobriu que mesmo as pessoas que pagavam caro em garrafas de vinho, queriam  apenas um sabor mais forte da fruta e não coisas complexas como “notas mais secas” ou  “tons de carvalho” – elas só queriam algo que fosse fácil de escolher e bom de beber. A estratégia de negócios adotada partiu da premissa de que o vinho deve ser algo pra ser  consumido com familiares e amigos a qualquer momento. Então, a Yellow Tail começou a distribuir  seu vinho nos Estados Unidos em lojas locais e supermercados de baixo custo, como a CostCo,  onde as pessoas faziam compras do dia a dia.
Como os vinhos Yellow Tail  surgiram com um preço amigável, rótulos fáceis de serem lidos e opções simples  de se escolher, a estratégia deu muito certo. O negócio fez tanto sucesso que em 2020 a Yellow  Tail ocupava a posição de quinto lugar em número de vendas de vinhos ao redor do mundo. Isso  prova que um produto simples de se entender e que atende a demanda de um público alvo  específico pode fazer toda a diferença mesmo em um mercado saturado e altamente competitivo.
O caso da Yellow Tail é comumente usado como exemplo de sucesso de um conceito do marketing  chamado “Blue Ocean”, ou “Oceano Azul”. O conceito consiste basicamente na estratégia de criar  um produto diferente com preço atrativo, como forma de fugir do “oceano vermelho” – o espaço  ocupado pela concorrência – e explorar um espaço livre e não ocupado do mercado, o “oceano azul”.  Foi exatamente o que a Yellow Tail conseguiu.
O mercado de vinhos vem se perpetuando há  séculos com a premissa de que um bom vinho precisa ser exclusivo e caro, mas a Yellow Tail  provou o contrário. Um bom vinho simplesmente só precisa ter um gosto bom e ter um preço justo. A  ascensão da empresa só deixa mais claro que isso é possível, e que o mercado de vinhos provavelmente  tem preços inflacionados sem um motivo real.
Mas isso não é exatamente novidade, e não ocorre  somente no mundo dos vinhos. Há muito tempo essa história se repete: o valor percebido de uma  marca superando o valor real de um produto. A Balenciaga é um exemplo de empresa que vende  produtos que no geral são considerados bizarros e ridículos e que não deveriam valer nada, a preços  incompreensíveis.
Tudo fruto de um marketing quase hipnótico que leva muitos a pagarem pela  “arte” envolvida na criação do produto – “Arte” como esse tênis surrado e rasgado, que parece  ter sido tirado do fundo de uma lata de lixo, mas que é vendido a inexplicáveis 10 mil reais. E o pior é que tem gente disposta a pagar. A verdade é que a empresa tá apenas  estipulando um valor arbitrário muito superior ao valor real do produto, tudo  pra engordar bastante suas margens de lucro.
Isso porque com certeza os preços da marca  não levam em consideração apenas custo de produção e distribuição, já que muitas vezes  seus produtos como sapatos são vendidos a preços dezenas de vezes maiores que os de outras  marcas com qualidade igual ou superior. Ou seja, o cliente final não está pagando pelo produto em  si, mas pelo branding, estratégias de marketing aplicadas ao produto e também por que tem  gente que adora ser vista usando coisa cara. Outras empresas adotam estratégias parecidas,  associando suas marcas à ideia de luxo para vender seus itens a preços superfaturados.
Temos  exemplos como a Apple no mercado tecnológico, a Gucci no ramo da moda, a Rolex e seus  relógios de luxo, e muitos outros. Tem grife até de água mineral “de luxo”, acredite ou não. No mundo dos vinhos, muita gente escolhe pagar mais por garrafas que estão associadas a luxo  e exclusividade, mas a verdade é que eles não são necessariamente os melhores vinhos,  e muitas vezes não valem o preço pago.
Claro, ninguém é forçado a comprar  nenhum desses produtos, mas a lição que a Yellow Tail ensina aos fabricantes de  vinho é que o mercado da bebida pode estar prestes a passar por uma grande mudança, e  talvez o fim das garrafas superfaturadas e conhecimentos “refinados” esteja se aproximando. À medida que o consumidor tem cada vez mais acesso à informação, empresas que mantêm  seus negócios transparentes e objetivos, e que entregam valor real ao seus clientes, tendem  a se sobressair na sua relação com o consumidor, e não deve ser diferente com os vinhos. Afinal, comprar um bom vinho deveria ser tão simples quanto juntar a família ou os amigos e  tomar algumas taças aproveitando uma boa conversa.
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