Quando o assunto é bets, você já deve ter ouvido alguém dizer: ‘conheço uma pessoa que vive só de aposta na internet’, ‘meu primo vê muito futebol e quase sempre acerta o vencedor’, ou ‘é só estudar bastante que você ganha’. Mas a verdade é que quem faz bets online ou qualquer jogo de apostas vai acabar perdendo dinheiro – mesmo se acertar várias vezes o resultado das apostas Veja bem, ganhar uma aposta ou outra é perfeitamente provável. Na verdade, é bem comum O que é praticamente impossível é ficar rico no longo prazo.
Segundo matemáticos que estudam esse mundo, é só uma questão de tempo: o apostador quase sempre se dá mal. Mas por quê? Eu sou Daniel Gallas da BBC News Brasil e neste vídeo explico a matemática das bets.
Eu detalho cinco motivos pelos quais os apostadores perdem E fica comigo até o final, que eu vou contar o caso de quem foi exceção a essa regra e ganhou muito dinheiro. Já dou um spoiler: precisa ser gênio da estatística. Vamos começar com um conceito importante: as odds, palavra em inglês que se refere às chances de se ganhar.
E odds podem ser representadas de diferentes formas Por exemplo: Se a sua aposta tem uma odd fracionária de 7 barra 4, isso quer dizer que, para cada quatro reais apostados, o retorno pro apostador que acertar o resultado será de sete reais Outra forma de representar a mesmíssima coisa é com casas decimais. Por exemplo, 2,75 indica que a mesma aposta de quatro reais daria um lucro de sete reais, com o mesmo total de 11 reais no caso de acerto. E isso nos leva a um outro conceito: a probabilidade implícita, ou seja, o quanto o evento é provável ou não de acontecer, sob a ótica da casa de apostas.
Pra obter esse número, é preciso dividir a odd decimal por um. No nosso exemplo, 1 dividido por 2,75 é igual a 0,36, ou seja, essa aposta tem 36% de chances de ser vencedora. Dá pra concluir também que essa aposta tem 64% de chances de ser perdedora.
Inclusive, isso nos leva à primeira informação crucial: a casa de apostas sempre ganha. Porque é ela quem determina as odds – e além disso inclui uma margem de lucro nesse cálculo. As casas e sites de apostas usam odds geradas por empresas e profissionais altamente especializados, que criam modelos matemáticos com base em dados estatísticos.
Um modelo que tem sido muito usado é o xG, que calcula a probabilidade de chutes virarem gols para um determinado time. Isso requer uma intensa análise de dados, a partir de complexas estatísticas sobre o que aconteceu, minuto a minuto, nas partidas recentes de cada time. O analista Joseph Buchdahl explica que, com o avanço da inteligência artificial e do aprendizado de máquina, a modelagem matemática para apostas está virando "uma corrida armamentista" — tamanha a sofisticação dos novos modelos.
Na prática, a odd de uma casa de aposta é sempre menor do que a probabilidade de o evento acontecer. Ou seja, a casa de apostas não corre o risco de perder dinheiro. Mas o apostador, sim.
Eu vou explicar por que é possível ter um alto índice de acerto em bets e, mesmo assim, perder dinheiro. Primeiro, vejamos o caso de quem sempre aposta nos favoritos. Como as chances, ou odds, dessas apostas são baixas, o retorno financeiro é pequeno.
E daí basta uma aposta perdedora pra aniquilar todos os ganhos com as várias apostas vencedoras. Digamos que você sempre aposte 100 reais em um favorito, com odd de 1,1. Se, em dez apostas, você acertar nove – um índice de acertos alto, de 90% -, seu lucro vai totalizar 90 reais.
Mas, no fim das contas, você vai ter prejuízo de dez reais – por causa dos cem reais daquela única aposta perdedora. Talvez você diga então: a melhor estratégia é apostar nos azarões, porque o retorno é maior. Mas embora o apostador possa até ganhar bastante com uma única aposta vencedora, ele provavelmente vai perder mais ainda com as apostas nos azarões que deram errado.
Para ganhar consistentemente, é preciso haver um equilíbrio — calculando-se exatamente quanto alocar em cada aposta de acordo com as probabilidades relacionadas ao jogo. Mas conseguir isso é muito difícil. Um motivo des sa dificuldade se chama Lei dos Grandes Números.
Essa lei matemática diz que, quanto mais uma experiência for repetida, mais ela vai se aproximar das probabilidades esperadas. E ela é a base da indústria dos cassinos. Vamos entender na prática.
Um apostador pode se dar bem e lucrar em dez apostas, ou mesmo cem apostas. Mas, depois de um determinado patamar, digamos mil apostas, o resultado invariavelmente vai rumar pra direção das odds do jogo. No caso dos cassinos, um jogo de blackjack (ou vinte-e-um) tem as seguintes odds, em média: 42% de chances de vitória do apostador, 9% de chances de empate e 49% de chances de derrota.
É perfeitamente possível jogar algumas partidas de blackjack e sair com lucro. É justamente isso o que atrai os apostadores. Mas ao longo de múltiplas apostas, o apostador certamente sai perdendo.
O mesmo acontece com as apostas esportivas, já que — como vimos acima — as odds jogam sempre contra o apostador. Um argumento comum de quem assiste a muitos jogos de futebol é que elas entendem mais do esporte do que a maioria — portanto estão mais propensas a ganhar. Mas o conhecimento sobre futebol é quase irrelevante no mundo das apostas, segundo os especialistas que eu consultei.
O segredo não é saber sobre futebol, mas sim sobre matemática. Isso requer mergulhar fundo no estudo de estatísticas e dados gerados pelos eventos esportivos. E superar quem está fazendo a mesma coisa.
Mas existe uma estratégia que, surpreendentemente, é bem-sucedida em qualquer cenário — do ponto de vista matemático. Trata-se da arbitragem, também chamada de “aposta certa” ou “surebet”. A arbitragem consiste em buscar odds diferentes para um mesmo evento, mas em casas de apostas diferentes.
Se as probabilidades dessas casas de apostas somadas forem inferiores a 100%, existe oportunidade para arbitragem. Nesses casos, o apostador vai ganhar em qualquer cenário Ficou confuso? Eu dou um exemplo.
Digamos que em uma partida entre Flamengo e Grêmio, seja possível encontrar as seguintes odds em casas de apostas diferentes: Casa de apostas 1: vitória do Flamengo, odd de 2,5 Casa de apostas 2: empate, odd de 3,6 Casa de apostas 3: vitória do Grêmio, odd de 3,4. A soma das probabilidades nesse caso é 97,19% — 40% de chances de vitória do Flamengo, 27,78% de chances de empate e 29,41% de chances de vitória do Grêmio. Para garantir um retorno em qualquer cenário, é preciso espalhar as apostas proporcionalmente, dividindo as probabilidades individuais pela soma total.
No caso de um total de 100 reais, eis como ficaria uma distribuição ideal das apostas. Como foram gastos 100 reais nessa aposta, existe um retorno garantido de quase 3 reais, ou cerca de 2,89%. Essa é uma margem bastante alta para uma aposta sem riscos.
Se parece bom demais para ser verdade, é porque é exatamente isso. Na prática, há dois obstáculos grandes para arbitragem. O primeiro é que fazer a arbitragem nem sempre é fácil.
As próprias casas de apostas ajustam suas odds em tempo real de acordo com mudanças promovidas por suas rivais — justamente para dificultar que essas oportunidades surjam. O segundo obstáculo é que as casas de aposta monitoram esse tipo de atividade. A estratégia de arbitragem não é ilegal, mas as casas de apostas se reservam o direito de não atender clientes e suspender apostas — o que está explícito nos termos e condições.
Buchdahl não acredita que arbitragem seja uma estratégia sustentável no longo prazo justamente por causa desse jogo de gato e rato com as casas de apostas. Mas será que alguém já venceu esses obstáculos e enriqueceu com apostas? É muito, muito raro, mas existem casos.
Um notório é o do britânico Matthew Benham, formado em Física pela universidade de Oxford no final dos anos 80. Depois de uma passagem pelo mercado financeiro, Benham resolveu desenvolver modelos matemáticos pra apostas esportivas. O sucesso desses modelos foi tão grande que Benham virou milionário — até conseguiu comprar o seu clube de futebol do coração, o Brentford.
Para matemáticos, a história de Benham não só é uma exceção, como ilustra que os maiores lucros no mundo das apostas esportivas não estão com os apostadores — mas sim nas casas de apostas e nos matemáticos que conseguem gerar um conhecimento valioso. Os dois matemáticos entrevistados pra este vídeo seguiram esse exemplo. David Sumpter e Joseph Buchdahl já contemplaram no passado a ideia de virarem apostadores profissionais, mas logo perceberam que havia outros caminhos mais lucrativos.
Ambos escreveram livros e artigos sobre apostas esportivas e usam seu conhecimento não pra apostar, mas sim pra gerir suas próprias empresas, voltadas ao mundo esportivo. A vida de um apostador profissional, segundo Sumpter, envolve não só altos riscos, mas também custos enormes. É preciso investir pesadamente em educação e, hoje em dia, em poder computacional.
Além disso, é preciso ter muito capital para realizar as apostas. Bom, por hoje eu fico por aqui, conta pra gente nos comentários o que você achou deste vídeo. E siga acompanhando nossa cobertura em bbcbrasil.
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