Portugal se tornou um país ressentido com a migração de brasileiros? Ele vai na janela e fica nos xingando. A senhora portuguesa me disse assim: olha, desculpa, mas eu não queria alguém que nem tu trabalhando comigo.
Não gosto de contratar brasileiros. Desculpa. Nós estamos num momento em que cada vez na Europa esse discurso anti-imigração torna-se mais corriqueiro.
Olha para isso. Por quê? Eu sou portuguesa de raça.
Você que é brasileira vai para a sua Terra. essas imagens mostram agressões contra imigrantes brasileiros em solo português. As denúncias de xenofobia cresceram 833% entre 2017 e 2022.
Coincidentemente, esse é um período em que o número de brasileiros em Portugal também aumentou. Hoje, cerca de 400 mil brasileiros vivem no país. Isso sem contar as pessoas em fase de regularização, os que se encontram ilegais, e aqueles com cidadania europeia.
Estima-se que os brasileiros representem de 4 a 8% da população portuguesa. Seria esse o grande conflito? Um país que se sente invadido pelos brasileiros?
A reportagem da DW ouviu especialistas para entender o que está por trás da intolerância, o peso do histórico colonialista português e quais caminhos estão sendo abertos para combater o problema. Não tem como negar um dos elos entre Brasil e Portugal é um passado controverso, marcado pelo que hoje seriam considerados abusos de toda a natureza por parte dos portugueses. Essa ferida histórica, na opinião de historiadores, ainda sustenta velhos preconceitos, como a ideia ultrapassada de uma nação superior a outra, por exemplo.
Isso pode, no final das contas, resultar em racismo e xenofobia. Nós, inclusive, abordamos esse aspecto cultural em detalhes nesses dois vídeos aqui. E vamos retomar esse tema ao longo deste vídeo aqui também.
Mas antes é importante a gente compreender o tamanho da inquietação contra brasileiros em Portugal. Hoje a xenofobia, essa rejeição aos estrangeiros está mesmo crescendo, está transformando muitos portugueses em pessoas ressentidas com a nossa presença? A xenofobia contra brasileiros em Portugal sempre existiu, isso é quase um consenso entre os especialistas com quem conversamos, mas ela está mais presente no debate público devido às denúncias.
Como eu mencionei ali no início, elas se multiplicaram em 6 anos. O último caso emblemático foi filmado no aeroporto do Porto. Uma brasileira que mora na Espanha foi ofendida de diferentes formas, inclusive com a frase característica de um ataque xenófobo.
As cenas tiveram uma repercussão significativa e o Itamaraty foi acionado para intervir. O motivo é que os brasileiros representam 1/3 dos imigrantes em Portugal, ou seja, um dos grupos com maior visibilidade. Tudo o que acontece com eles, de alguma forma, ecoa.
Isso ficou evidente quando um brasileiro sofreu uma agressão física, aparentemente por causa do sotaque do português que ele falava e por ter dito que vinha do Brasil. Ou no episódio do incentivo ao apedrejamento numa universidade portuguesa. Os relatos de discriminação e a sensação de desconforto por ser estrangeiro são cada vez mais frequentes.
Se vocês tiverem alguma experiência pra compartilhar, fiquem à vontade para escrever nos comentários. Nós conversamos com a jornalista e pesquisadora Lara Fagundes, que mora em Portugal desde 2012. Ela afirma ser vítima de insultos frequentes por parte de um vizinho português.
Há uns meses tivemos várias situações com o nosso vizinho de cima, que é um senhor português, que fica muito incomodado que a gente se reúne. Um método que ele usa é: ele vai na janela e fica nos xingando. Então fica dizendo, vocês brasileiros vêm para cá, não trabalham, eu trabalho e pago impostos e tenho que levar com vocês.
Pronto. E fica gritando, isso na janela. A gente nunca responde.
A Lara faz referência a uma das razões mais comuns para xenofobia, o mito do imigrante que é sustentado pelo Estado e que não contribui com nada. Não é bem assim. A gente sabe.
Em 2020, os brasileiros contribuíram com 350 milhões de euros para a Segurança Social de Portugal, mais do que todos os estrangeiros da União Europeia. E os brasileiros usufruíram de menos da metade disso em prestações de seguro-desemprego, subsídios por doença, entre outros, conforme detalhado nessa reportagem do Globo. A importância dos imigrantes de países que falam português, como os brasileiros é evidente.
Tanto que Portugal já facilitou o pedido de vistos para quem quer encontrar um emprego. O país enfrenta carência de mão de obra em setores como turismo, construção civil, agricultura e gastronomia. Mas o problema é que essa demanda crescente não é acompanhada de uma mudança de mentalidade por parte da população.
Muita gente em Portugal não abre portas para profissionais estrangeiros. E, quando abre, não valoriza como deveria. Foi o que nos contou a Thais França, pesquisadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa.
Existe uma diferença de salário entre os portugueses e os brasileiros no mercado de trabalho que desempenham a mesma função que chega quase a 17%. Ou seja, nós estamos falando de pessoas que estão a fazer o mesmo trabalho, não é? Mas que mesmo assim tem uma diferença salarial que não se justifica se não for pela questão da discriminação.
E como eu falei antes, às vezes o desafio nem é lutar por um salário justo, é conseguir um emprego. Olha só o exemplo da Patrícia Jardim. Ela reside em Portugal desde 2020.
Foi para fazer um mestrado em comunicação. Durante o curso, procurou oportunidades em outras áreas e aí aconteceu isso aqui. Fiz uma entrevista por telefone numa padaria, uma pastelaria, como eles chamam.
Quando eu telefonei pra agendar a entrevista, a senhora portuguesa me disse assim: olha desculpa, mas eu não queria alguém que nem tu trabalhando comigo. Eu falei: alguém que nem que nem eu, como? Não gosto de contratar brasileiros, desculpa.
E desligou o telefone. A conexão entre histórias assim é que a barreira para o mercado de trabalho é o simples fato de ser brasileiro. Isso nos permite retomar a discussão inicial.
Portugal desenvolveu uma certa resistência aos brasileiros devido à nossa invasão? Estariam com medo de ocuparmos espaços demais? Existem diferentes respostas para perguntas desse tipo.
A Thais França, entrevistada que você viu há pouco, se aprofundou em pelo menos uma delas. Ela participou de um estudo amplo sobre um movimento silencioso em Portugal. O anti-imigração.
Eu percebi que, embora esses movimentos anti-imigração em Portugal não tenham tanta visibilidade quanto eles têm em outros contextos, esses movimentos, eles estão a acontecer, não é? Há grupos anti-imigração em Portugal que estão muito sorrateiramente tentando se organizar. A Thais entrevistou 20 ativistas portugueses abertamente contra a presença de imigrantes no país.
Não só imigrantes brasileiros. No geral, mesmo. Uma agenda em ascensão na Europa.
Estamos no momento que, de forma geral, todos os países da Europa têm pressionado por políticas migratórias mais rígidas, né? Estamos no momento em que cada vez na Europa esse esse discurso anti-imigração torna-se mais mais corriqueiro, então é preciso estar atento para ver o que é que está acontecendo em Portugal. Não é?
Para tentar ter uma postura mais de prevenção do que propriamente de tentar resolver o problema depois que alguma coisa mais séria vier a acontecer. A preocupação da pesquisadora é que, em algum momento, essas manifestações e sentimentos deixem de ser individuais e ganhem uma projeção maior, consigam se organizar. E os brasileiros se tornariam alvos fáceis, mais até do que já são.
Hoje, na opinião da Thais, a comunidade brasileira sofre porque ocupa diferentes espaços, alguns de maior vulnerabilidade a ataques xenófobos. Muitos estão em universidades, trabalham em setores de bastante contato com o público. Vendas, por exemplo.
Isso faz com que a discriminação seja mais percebida e denunciada. Afinal, a pessoa está se relacionando de forma direta com a sociedade portuguesa. As mulheres, aliás, seriam as principais vítimas, com a hiperssexualização.
Mas não é só isso. Há uma percepção de que muitas crises que Portugal atravessou nos últimos anos, inclusive imobiliária, foram consequência da migração desenfreada. Isso cria um cenário favorável ao ressentimento.
A vinda de imigrantes para Portugal para trabalhar em trabalhos menos qualificados não permite com que o salário aumente e força a emigração. Só os imigrantes querem fazer esse tipo de trabalho. Os portugueses vão embora, fica uma lacuna e os imigrantes vêm.
A retórica diz que, se os imigrantes não viessem para Portugal, os salários aumentariam. Portanto, não seria preciso emigrar. A socióloga destacou ainda a persistência da narrativa colonialista.
Eu mencionei esse aspecto no início do vídeo. Lembra? Aquele conceito equivocado de que houve um povo superior ao outro, que as antigas colônias, como o Brasil, eram habitadas por pessoas consideradas não civilizadas, inferiores.
Pois é, é um imaginário que continua vivo, segundo a nossa entrevistada. Isso combinado a uma presença brasileira maior em Portugal faz com que o problema venha à tona e que, em casos extremos, acabe no ataque explícito envolvendo ofensas públicas como o da brasileira no aeroporto. Essas são algumas formas de analisar a questão que a gente levantou.
Então será que existe mesmo em Portugal um ressentimento pela contínua chegada de brasileiros? Os especialistas com quem conversamos não usam a palavra ressentimento, mas falam em um comportamento preconceituoso naturalizado pela forma como muitos portugueses percebem a própria história. Foi o que nos disse o historiador Duncan Simpson.
Esta ideia do terem sido os portugueses, de uma certa forma, a trazer as luzes da civilização europeia para o Brasil. Sem dúvida que isso, no cotidiano para brasileiros vivendo em Portugal, deve se manifestar em situações em que o sentimento de xenofobia ambiente é, provavelmente, uma realidade para muitos brasileiros. O historiador está se referindo à resistente mentalidade colonialista que a gente mencionou há pouco.
Essa visão deturpada da realidade, segundo ele, predominava até a Segunda Guerra Mundial. A partir dos anos 50, veio uma nova corrente de pensamento, o luso-tropicalismo, que romantizou os excessos da colonização. Espalhou a falsa imagem do colonizador bonzinho, sugerindo que Portugal teria expandido seus domínios de maneira harmoniosa e, portanto, seria um povo multicultural, aberto às diferenças e sem racismo.
O que, afinal, leva a que, até hoje em dia, há uma ideia que quase não haveria um problema de racismo em Portugal, precisamente porque não houve tanto racismo no passado. Pelo contrário, Portugal teria se expandido pelo mundo através de relações harmoniosas com os povos ditos indígenas. Obviamente, esta narrativa é pura propaganda do regime salazarista e não corresponde à realidade.
Não mesmo. De acordo com um estudo do European Social Survey, mais de 60% dos portugueses manifestam crenças racistas. Na faixa etária acima de 75 anos.
94,3% dos entrevistados disseram que existem culturas mais civilizadas que outras. Começa-se a discutir isso. Começa-se um pouco a desconstruir esse mito de que Portugal não é um país racista, de que Portugal, de que foi o Portugal, foi o bom colonizador, de que Portugal é o país aberto para a diversidade perceve, etc.
Começa a haver uma discussão para se desconstruir todos esses mitos. Mas, assim, ele continua sendo dominante em todos os aspectos, desde quando você vai ler um livro de história, de como você vai ver como é que foi contada a história, como é que é contada a história colonial e, etc. , não é?
Até várias matérias em jornais, nos média e etc. O que está sendo feito para resolver o problema? No início do ano, Portugal criou o chamado Observatório do Racismo e Xenofobia.
A equipe trabalha em parceria com o Ministério da Igualdade Racial brasileiro justamente no enfrentamento a todas as situações de discriminação que a gente mostrou ao longo do vídeo. O Observatório, aliás, reconhece que existe um racismo estrutural em Portugal, vinculado à xenofobia, e destaca que é preciso compreender as dimensões e modalidades das práticas discriminatórias. Os especialistas que nós ouvimos concordam e sugerem uma atenção especial também às chamadas microagressões, aquelas que nos deixam confusos.
Será que é uma brincadeira? Eu acho que a forma mais sutil, ela é muito mais forte, muito mais presente do que são esses casos escancarados. Eles gostam de falar que a gente não fala português, que a gente fala brasileiro.
E muitas vezes bati na tecla e dizia não, a gente fala a mesma língua, só que tu fala o português de Portugal e eu falo português do Brasil, ponto. Sabe? O preconceito todo já começa aí Sempre se diz, ah, não é só uma brincadeira, é com senso de humor, mas é a piada com o sotaque, não é?
É aquela pergunta que as pessoas acham que não há nenhum mal em fazer: quando é que você volta para o seu país? Eu percebi que realmente essas brincadeiras. .
. Eu não deveria estar normalizando e achando que era só uma piada. É muito mais grave e muito mais intenso do que são os casos abertos de xenofobia que a gente vê.
E porque é tão tão difuso você não consegue nem nem reagir. Você não consegue nem encontrar uma forma de dar visibilidade a isso e fazer uma denúncia.