Posso ver seu bilhete, por favor? Entreguei o documento que eu estava mexendo em minhas mãos para o cobrador. Ele abriu um sorriso de aprovação antes de pegar uma folha de papel dobrada e colocar dentro do meu documento e bilhete discretamente.
"Tenha uma boa viagem", ele disse antes de me devolver. Sempre fui acostumado a viajar de ônibus em longos trajetos por conta do meu trabalho. Apareceu uma empresa de ônibus na cidade; diziam que ela tinha uma reputação duvidável, mas os preços praticados eram bem mais baixos que as demais.
Então resolvi arriscar. Quando o cobrador me pediu a passagem, acreditei que era só mais um processo padrão ao devolver meu documento. No entanto, instantaneamente olhei com curiosidade para a folha dentro dele antes de ir procurar meu assento.
Assim que me acomodei na poltrona, removi o papel misterioso e guardei o documento na minha bagagem de mão. Ao desdobrar a folha, percebi que se tratava de algo escrito à mão. A caligrafia parecia desleixada, como quando escrevemos com pressa.
Nesse papel dizia: "Regras para sobreviver a este ônibus. Primeiro de tudo, queremos dizer que nossa companhia de transportes foi totalmente renovada. Tivemos inúmeros incidentes no passado e mudamos um pouco nossas rotas para alguns lugares, mas, apesar de nossos incessantes esforços, tememos dizer que isso não funcionou muito.
Ainda não sabemos se é devido ao ônibus em si ou a algum tipo de maldição que ficará conosco para sempre. Por via das dúvidas, fique ciente de que agora voltamos. Regra número um: em hipótese alguma comente sobre a existência dessa folha com nenhum passageiro antes que você descubra da pior forma possível.
Notificamos que você é o único humano nesse ônibus. Regra número dois: verifique o horário no seu celular assim que terminar de ler essa folha. Todas as regras serão aplicadas com base nos horários da viagem, se atente a todas elas.
Só se, no caso, você quebrar alguma, esqueça os próximos horários; você não vai estar aqui mesmo para poder cumprir. Regra número três: durante a primeira hora de viagem, não fale com ninguém, desde um simples "oi" até uma pergunta aleatória, ente sem pretensão. As pessoas podem tentar falar com você, mas ignore-as completamente.
Isso é para o seu próprio bem. Regra número quatro: apenas durante a segunda hora de viagem você poderá começar a falar normalmente, mas se alguém ao seu redor falar sobre a janela, não olhe para fora em nenhuma circunstância. Eles fazem isso com frequência; espero que você não seja mais um teimoso idiota curioso.
Regra número cinco: se ouvir uma criança chorando nos assentos à sua frente, pare o que estiver fazendo e corra imediatamente para o banheiro. Tranque-se lá dentro o mais rápido possível. Sabemos que banheiros de ônibus não têm o melhor cheiro do mundo, mas é melhor do que morrer.
Você poderá ouvir barulhos de alguém batendo muito forte na porta após entrar, mas, independente do que ouça vindo do lado de fora, jamais abra. Você não vai querer ver o que acontece se a criança se aproximar de você. Regra número seis: temos uma mini TV na frente de cada assento.
Isso é para o melhor conforto dos passageiros e você pode usar à vontade para se distrair durante a viagem. Mas se a tela ficar preta de repente, desvie o olhar e não olhe fixamente para ela por pelo menos 20 minutos. Humanos não são fortes o suficiente para ver o que é transmitido nessas telas quando a tela preta aparece.
Isso é um processo padrão para acalmar nossos passageiros que às vezes se sentem incomodados durante a viagem, mas você não faz parte desse grupo. Regra número sete: durante a terceira hora de viagem, soará uma sirene quase ensurdecedora. Não tape os ouvidos nesse momento; o motorista fará um aviso logo em seguida.
Siga suas instruções. O que ele diz dependerá das circunstâncias do momento. Fique atento, pois o aviso não será repetido duas vezes.
Regra número oito: durante a quarta hora de viagem, levante-se. Não olhe para os lados, apenas caminhe pelos corredores sem destino, como se nada ao seu redor fosse real. O que você verá à frente, por mais grotesco ou sobrenatural que seja, não é nada comparado ao que acontece ao lado de sua poltrona.
Evite olhar para ela a todo custo. Regra número nove: sinta-se parabenizado se conseguir manter-se respirando depois da quarta hora, mas ainda não acabou. Agora você precisará passar o resto da viagem evitando o perseguidor.
Você saberá quem ele é quando o ver. Digamos que não é muito discreto com suas vítimas. Relia as regras novamente enquanto ria, pensando se eles tinham dado uma dessas listas para cada passageiro ou se eu tinha sido escolhido aleatoriamente para essa brincadeira.
Perdido e sem saber o que fazer, puxei meu celular só para dar uma olhada em que horas eram: 7:13 da manhã. Então essa seria a primeira hora da viagem e tudo estava completamente em silêncio ao meu redor. Sem que eu esperasse, um rapaz caminhou até meu assento e sentou-se bem ao meu lado.
Nesse instante, por mais que não acreditasse muito nas tais regras, uma onda de calafrios tomou conta da minha espinha e algo dentro de mim fez questão de olhar, mesmo que de lado, para o meu novo companheiro de viagem. Ele estava bem vestido e carregando o que parecia ser uma bolsa para notebook. "Ótimo", pensei, "ele vai se ocupar, seja lá no que estiver fazendo, e me deixar em paz durante a viagem.
" O homem nem se deu ao trabalho de trocar uma única palavra comigo. Enquanto se acomodava em seu assento e colocava o cinto de segurança meio desajeitadamente, ele olhou para a frente e me evitou completamente, como se eu quem fosse o estranho do lugar. Vendo que poderia estar ficando paranoico sem motivos plausíveis, o deixei em paz e comecei a mexer na mini TV à minha frente.
Algumas pessoas simplesmente gostam de ficar sozinhas. Eu acho. Logo, o motorista fez o anúncio de que o ônibus estaria partindo, e o zumbido constante dos motores começou a vibrar todo o automóvel.
O ônibus começou a acelerar até que saísse de sua plataforma na rodoviária. Momentos depois, enfim, senti o ônibus seguindo em uma linha reta. Normalmente, fico tranquilo nas viagens e não presto muita atenção nessas sensações, mas ler aquele papel me deixou meio nervoso.
Dessa vez, meu estômago estava revirando e gotas de suor corriam pela minha testa. Meus instintos me disseram que eu estava entrando em perigo, um perigo tão grave que nunca tinha presenciado antes. Mas me desvencilhei: respirei com muita atenção e atribuí o nervosismo ao fato de me sentir um pouco assustado com a lista de regras que o cobrador havia me entregado.
O rapaz à minha esquerda, de repente, deu um tapinha no meu ombro, me sacudindo com a sensação de susto, que mais pareceu como se eu tivesse acabado de tomar um choque. Mesmo através da minha jaqueta, pude sentir que sua mão estava fria, fria e pesada como a mão de uma pessoa morta. Eu me virei e encarei o jovem; seu rosto parecia.
. . errado, podemos dizer assim.
Imagino que você deva saber como esses novos robôs humanoides realistas podem assustar as pessoas por causa de quão próximos dos humanos eles são. Subconscientemente, podemos dizer que eles não são humanos por conta de nossas assimilações, e esse homem estava me dando a mesma sensação inquietante. Suas características faciais eram artificiais de uma forma que eu não conseguia identificar; talvez fossem seus olhos, um pouco grandes demais, as pupilas anormalmente dilatadas, ou talvez fosse o nariz, não exatamente no centro do rosto, ou talvez fosse a boca, os lábios muito finos e longos.
Não me entenda mal, às vezes aquilo poderia ser alguma espécie de deformidade. Eu não o conhecia e não sabia o que poderia ter acontecido com ele, mas, na verdade, eram aqueles movimentos muito sutis em suas características faciais que o faziam parecer algo tentando parecer um humano. Foi então que ele falou.
Sua voz era normal, o que me fez, por uma fração de segundos, ser trazido à realidade, e eu pensei que estava surtando sem motivo. "Ei, você usa fones de ouvido? " ele perguntou.
Essa era uma pergunta estranha a se fazer para um desconhecido. Ele queria emprestado fones de ouvido ou queria só puxar assunto aleatório para ter repertório de conversa? Eu estava prestes a abrir a boca para falar quando ele falou de novo: "Como você se sentiria se eu cortasse sua mão agora mesmo?
" ele disse, o que era perturbador. Não era a natureza da pergunta em si, mas o fato de ele falar de uma maneira tão calma, era como se ele estivesse me perguntando como foi meu dia. De repente, minha mente foi para a lista de regras que eu estava subconscientemente apertando em minha mão.
A primeira regra dizia para não falar com ninguém no ônibus, não importa o quanto eles tentassem falar comigo. Então, decidi ignorar o homem; ele parecia muito esquisito, de qualquer forma, e, para ser honesto, a lista de regras não foi o motivo pelo qual escolhi ignorá-lo. Ele parou de me importunar e voltou a trabalhar em seu notebook.
Olhei lentamente para o lado dele e fiquei boque-aberto com o que vi na tela. No notebook, ele tinha uma foto minha estampada no monitor, só isso, nada mais, apenas uma foto minha em tela cheia. Antes que eu pudesse processar tudo isso na minha mente, olhei para o teclado dele e percebi que não era um teclado padrão; na verdade, nem poderia ser considerado como um teclado.
Era feito de teclas de formatos muito estranhos. O homem continuou a olhar fixamente para minha foto na tela como se eu fosse uma espécie de alvo. E, nesse momento, então percebi que a lista de regras não era uma piada.
De repente, o cobrador apareceu do nada e me perguntou: "Senhor, este homem está te incomodando? " "Sim, ele está," respondi, antes que minha voz ficasse presa na garganta. Em menos de um segundo, todos no ônibus viraram a cabeça até que estivessem olhando diretamente para mim.
Seus rostos me deram arrepios; todos pareciam errados e desumanos, como o homem ao meu lado. Lentamente, os lábios longos e finos de todos se curvaram em sorrisos largos, e lágrimas vermelhas começaram a sair de seus olhos. Até a próxima.
Obrigado.