Sobrou até pro pingue-pongue nessa relação complexa. A rivalidade entre Estados Unidos e China não é de hoje. .
. No esporte, no comércio e na geopolítica. Faz tempo que a gente escuta falar da briga entre essas duas potências.
Mas desde quando elas vivem nesse…clima? Eu sou Laís Alegretti, da BBC News Brasil, e neste vídeo a gente volta algumas décadas pra entender as origens dessa rivalidade, que surge quando a China ainda não era potência que é hoje. A relação complexa entre os dois países não tem a ver só com competição econômica e briga por influência no mundo.
Ela se explica muito também pelas diferenças ideológicas. E, olhando pra trás, a gente também encontra respiro nessa relação, com períodos de cooperação entre chineses e americanos. Vou resumir episódios das últimas décadas que moldaram esse relacionamento, começando, como eu falei, num período em que a China ainda tava longe de ter a influência que tem hoje no mundo.
. . E o que ping-pong tem a ver com isso?
Eu explico neste vídeo! Agora, vamos a 1949. Foi quando Mao Tsé-Tung fundou a República Popular da China, depois da vitória comunista na guerra civil chinesa.
Naquele momento, os Estados Unidos se recusaram a reconhecer o novo governo comunista em Pequim. Em vez disso, os americanos continuaram a apoiar as forças nacionalistas do general Chiang Kai-shek, que tinham perdido a guerra civil, e fugido para Taiwan. O que aconteceu em 1949 não foi tanto uma recusa em reconhecer a China, mas sim o fato de que os Estados Unidos já tinham laços com o governo nacionalista de Chiang Kai-shek e manteve esses laços durante a Segunda Guerra Mundial Naquela época, o foco maior era a União Soviética.
Quer dizer, a preocupação dos americanos era que a China poderia se tornar uma parceira das ambições da União Soviética no contexto da Guerra Fria e fortalecer os soviéticos. Bom, e o que acontece é que essa recusa dos Estados Unidos em reconhecer o governo comunista de Pequim deu início a um período de mais de 20 anos de uma interação limitada com a China continental, sem laços diplomáticos. E esse antagonismo se aprofundou em alguns momentos, como na Guerra da Coreia.
Em 1950, a Coreia do Norte invadiu o sul com apoio político e logístico da União Soviética e da China, para tentar estabelecer um único regime comunista em toda a península. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos defenderam as forças do sul. A Guerra Fria se intensificou e tornou cada vez mais difícil a relação entre os Estados Unidos e a China Desde o fim da guerra da Coreia até 1979, os dois países não mantiveram relações diplomáticas, intercâmbio econômico, nem intercâmbio entre os povos.
O que também aconteceu na década de 1950 foi a primeira crise do Estreito de Taiwan. E vale lembrar quem tinha fugido para Taiwan depois da guerra civil na China: o general Chiang Kai-shek, junto com o que restou dos Kuomintang. Eles se autoproclamaram o governo chinês legítimo, estabeleceram um regime ditatorial e nomearam Taiwan como República da China, nome oficial até hoje, aliás.
Em 1954, decidido a reconquistar o território continental, o Kuomintang destacou tropas para as pequenas ilhas de Quemoy e Matsu, muito próximas do litoral do continente. A resposta da China continental foi bombardear intensamente essas ilhas. O conflito se estendeu para outros arquipélagos também controlados pela China nacionalista, e causou a morte de dois cidadãos norte-americanos.
Nessa época, os Estados Unidos ficaram com medo de que os comunistas acabassem tomando Taiwan e consolidando sua influência na Ásia. E assinaram com a ilha um tratado de defesa mútua. E as hostilidades só pararam quando os Estados Unidos anunciaram sua disposição de utilizar armas nucleares contra a China para defender Taiwan.
A União Soviética apoiava Pequim, mas não deu sinais de querer restabelecer o equilíbrio nuclear ante as ameaças. Essa primeira crise do estreito de Taiwan terminou em abril de 1955, com o anúncio da China continental de sua intenção de negociar com os Estados Unidos. Mas as negociações que vieram em seguida não resolveram as causas do conflito.
Ou seja, o conflito ficou latente, não houve paz permanente. E, em anos posteriores, vieram a segunda e a terceira crises no estreito de Taiwan. Naquela época, as tensões também estavam em outras disputas que colocavam Estados Unidos e China em posições opostas.
No Tibete, a China reprimiu manifestações anti-chineses e anti-comunistas, o que deixou milhares de mortos e levou à fuga do Dalai Lama para a Índia. Os Estados Unidos condenaram os abusos de direitos humanos e apoiaram a resistência tibetana. E cinco anos depois, em outubro de 1964, em meio a tensões entre Estados Unidos e China durante a Guerra do Vietnã, os chineses realizaram seu primeiro teste de uma bomba atômica.
Mas já no fim da década de 1960 havia uma divisão crescente entre China e União Soviética, com diferenças ideológicas e sobre segurança. E teve até confrontos na fronteira em 1969. Isso foi uma oportunidade para um realinhamento estratégico nas relações entre Pequim e Washington — uma forma dos Estados Unidos contrabalançarem a influência soviética.
E aí que entra o episódio que ficou conhecido como diplomacia do pingue-pongue. Em 1971, uma equipe de jogadores de tênis de mesa dos Estados Unidos foi convidada a visitar a China, que até então estava fechada pros americanos. Isso abriu caminho pra contatos diplomáticos de alto nível.
No mesmo ano, o então conselheiro de Segurança Nacional americano, Henry Kissinger, fez uma viagem secreta à China. E em 1972, o presidente americano, Richard Nixon, fez sua visita histórica à China, quando se reuniu com Mao. E também com o primeiro-ministro chinês, Zhou Enlai – olha essa foto do brinde aqui.
O Comunicado de Xangai, assinado durante a visita, foi base pra normalização das relações entre China e Estados Unidos. E o reconhecimento diplomático mútuo virou realidade em 1979. Os Estados Unidos, sob o comando de Jimmy Carter, passaram a reconhecer a posição de Pequim de que há um único Estado chinês, o princípio de "uma só China".
Ao mesmo tempo, os Estados Unidos mantiveram relações não oficiais, comerciais e culturais com Taiwan e uma ambiguidade estratégica em relação à sua defesa. Pouco depois, em 1979, o então “líder supremo” da China, Deng Xiaoping, que conduzia reformas econômicas no país, viajou aos Estados Unidos, em uma visita que simbolizou a nova era nas relações entre os dois países. De 1979, quando os dois países restabeleceram suas relações, até 2014, os Estados Unidos adotaram a chamada política de engajamento com a China.
Era pra ajudar a China a se abrir e se globalizar. E isso correu muito bem durante vários anos Mas o mundo também viu vários episódios de desentendimento durante essas décadas. Em 1989, a repressão violenta do governo chinês às manifestações por reformas democráticas, o chamado Massacre da Praça da Paz Celestial, levou à condenação internacional, incluindo sanções dos Estados Unidos e suspensão de vendas militares.
Já em 1999, bombas lançadas por um avião americano atingiram a embaixada chinesa em Belgrado, matando três jornalistas. Apesar dos Estados Unidos terem se desculpado pelo que disseram ter sido um acidente, houve protestos. Em resumo, a era pós-Guerra Fria testemunhou uma mistura complexa de integração econômica e muita competição estratégica entre os dois países.
A chamada política de "engajamento construtivo”, no governo do presidente americano Bill Clinton, buscava promover laços econômicos, enquanto pressionava por democracia e direitos humanos. A entrada da China na OMC, a Organização Mundial do Comércio, em 2001, impulsionou o comércio entre os dois países. E cinco anos depois, a China já era o segundo maior parceiro comercial dos EUA, atrás só do Canadá.
Desde a retomada das relações com a China, tanto governos republicanos quanto democratas americanos se empenharam muito pelo sucesso econômico da China – porque viam isso como um impulso pro sucesso econômico dos Estados Unidos Mas esse ânimo com a economia não vale quando o assunto é segurança. A principal preocupação dos Estados Unidos sempre foi com a situação de Taiwan Já a China, eu acho que ela sempre se preocupou com as bases militares americanas e com as relações militares dos americanos com outros países da Ásia. O cálculo era de que isso poderia ser usado contra a China no caso de alguma hostilidade Um exemplo de tensão até hoje é o Mar do Sul da China, uma das regiões mais disputadas do mundo.
A China se considera dona da maior parte da região, mas países vizinhos, como Vietnã e Filipinas, e os Estados Unidos, não pensam assim. A gente tem um vídeo só sobre essa disputa, vamos deixar o link aqui embaixo. Os crescentes gastos militares da China e sua posição em relação ao Mar do Sul da China levantaram preocupações nos EUA.
Bom, seguindo a linha do tempo e falando de economia, foi em 2010 que a China se tornou a segunda maior economia do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Até ali, era o Japão que ocupava a segunda posição. Aí, em meio à crescente influência da China, o governo de Barack Obama passou a buscar um aumento do engajamento diplomático, econômico e militar dos Estados Unidos na Ásia e na região do Pacífico.
A professora Lin diz que políticas como a Iniciativa do Cinturão e Rota, o programa de investimento em infraestrutura, revelaram que a China estava começando a olhar pra fora e assumir um papel maior no cenário mundial. E o governo Obama, segundo ela, tava preocupado sobre se esse papel seria complementar ao relacionamento com os Estados Unidos ou competitivo. Já a China interpretou essa atenção dos americanos com a Ásia como uma demonstração de suspeita em relação à China.
E são duas as razões principais para a piora do relacionamento entre China e Estados Unidos, na avaliação da professora Gallagher. A primeira é que a transformação econômica na China não significou transformação na ideologia política. Assim, à medida que o país ficou mais forte e rico, o Partido Comunista Chinês também se tornou mais forte e rico.
E em segundo lugar, ela diz que as duas economias se tornaram muito mais competitivas, em vez de complementares. Isso porque a China sofisticou sua economia e começou a ser um competidor mais direto com Estados Unidos. E aqui aparece um nome importante que ainda não mencionei neste vídeo: Xi Jinping.
Ele assumiu a presidência da China em 2013. Xi Jinping foi recebido por Obama nos Estados Unidos e eles prometeram um novo modelo nas relações entre as duas potências e maior cooperação. Alguns anos depois, quem aparece nessa história, em 2017, é Donald Trump, em seu primeiro mandato.
Ele lançou uma guerra comercial, com tarifas sobre produtos chineses e acusando Pequim de roubo de propriedade intelectual. A China retaliou com tarifas sobre produtos americanos. Em 2018, sinalizando uma linha mais dura em relação à China, o vice Mike Pence falou em priorizar competição em vez de cooperação e usar tarifas para combater "agressão econômica".
E Pence também condenou as ações militares no Mar do Sul da China e acusou Pequim de interferir em eleições americanas. A China negou as acusações e alertou para o risco de danos nas relações bilaterais. Já em 2019, os Estados Unidos acusaram a China de manipular sua moeda.
E o apoio americano a manifestantes pró-democracia em Hong Kong provocou condenação de Pequim. Um episódio que também piorou essa relação foi a pandemia de covid-19, a partir de 2020, quando os dois lados trocaram inicialmente acusações sobre as origens do coronavírus. E no fim do primeiro mandato de Trump, a postura mais firme dos Estados Unidos contra a China estava mais clara, com críticas de autoridades ao que consideravam práticas comerciais injustas da China, roubo de propriedade intelectual, ações militares no Mar do Sul da China, abusos de direitos humanos em Xinjiang e repressão à autonomia de Hong Kong.
John Ratcliffe, que era diretor de Inteligência Nacional, chegou a classificar a China como "a maior ameaça à América". E não foi só durante o governo Trump. Joe Biden, que assumiu o poder em 2021, ampliou várias das medidas de Trump nessa área, com tarifas comerciais, sanções contra algumas autoridades chinesas e ampliação da proibição de investimento americano em empresas chinesas com vínculos militares.
E o governo de Joe Biden também manteve a classificação dos abusos contra os uigures em Xinjiang como genocídio, o que Pequim rejeita. Biden também defendeu investir mais em tecnologia e infraestrutura para competir com a China. E a Otan, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, declarou a China um desafio à segurança.
Num encontro virtual entre Biden e Xi em 2021, o líder chinês disse que os Estados Unidos estavam "brincando com fogo" ao apoiar Taiwan, que a China considera uma província rebelde e parte de seu território. Também tem outro nó aqui: a relação da China com a Rússia. Nos anos 2000, China e Rússia fortaleceram gradualmente sua relação, com um alinhamento estratégico.
E depois da invasão da Rússia à Ucrânia, em 2022, o governo chinês se recusou a condenar o presidente russo, Vladimir Putin, pela guerra, e criticou sanções coordenadas pelos Estados Unidos. E o episódio mais recente da disputa entre chineses e americanos, como todo mundo sabe, é a batalha de tarifas de importação Bom, vimos que nos últimos anos, apesar de algumas cooperações pontuais, a trajetória geral da relação entre Estados Unidos e China continua sendo de uma rivalidade crescente. E a professora Lin fala que, mesmo com muitas diferenças, China e Estados Unidos tem algo importante em comum.
São países muito diferentes sob muitos aspectos. Mas também são países que enxergam a si mesmos como excepcionais. E nesse sentido eles estão totalmente alinhados A gente vai continuar acompanhando este assunto em bbcbrasil.
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