Uma em cada dez crianças brasileiras de até cinco anos estava com excesso de peso ou com obesidade em 2019, de acordo com um estudo encomendado pelo Ministério da Saúde. E a preocupação dos especialistas é que o sobrepeso nessa faixa etária não só cresceu quase quatro pontos percentuais desde a pesquisa anterior, feita em 2006, como está em tendência de aumento. Os dados soaram um alerta para a comunidade médica, que já monitorava outras pesquisas semelhantes.
A mais recente delas, divulgada pelo Ministério da Saúde em 2021, estima que seis milhões e 400 mil crianças tenham excesso de peso no Brasil e mais de três milhões já evoluíram para a obesidade. Eu sou Julia Braun, da BBC News Brasil em São Paulo, e neste vídeo eu vou explicar cinco causas do aumento da obesidade infantil no país, segundo pmédicos e especialistas com quem eu conversei. É bom lembrar que esses indicadores que eu estou mostrando aqui são de antes da pandemia de covid-19, período em que é possível que o sobrepeso tenha aumentado por conta da piora na qualidade da alimentação das crianças, das mudanças na rotina alimentar, do isolamento e da ausência de atividades físicas e de consultas médicas.
Os riscos de longo prazo são muitos: doenças nas articulações, nos ossos, no coração e cânceres são alguns dos problemas de saúde ligados à obesidade infantil. E como me explicou a pesquisadora Inês Rugani, crianças com obesidade têm chances maiores de se tornarem adultos obesos. Vamos, então, às razões principais por trás desse problema sério.
Primeiro, os alimentos ultraprocessados. A obesidade infantil é resultado de uma combinação complexa de genética e hábitos comportamentais. Mas especialistas com quem eu conversei dizem que os principais responsáveis pelo aumento de peso entre as crianças brasileiras são os alimentos ultraprocessados.
Estou falando dos sucos de caixinha, refrigerantes, biscoitos recheados, salgadinhos, lasanha congelada e macarrão instantâneo, por exemplo. A endocrinologista Cintia Cercato, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica, explica que o Brasil passa há alguns anos por um processo de mudança alimentar: temos ingerido menos comida in natura e mais comida processada, que costuma ser mais repleta de gorduras, açúcares e sódio. Alimentos prontos ou industrializados hoje são mais baratos e disponíveis - às vezes é mais fácil comprar um salgadinho do que uma fruta na feira, por exemplo.
Fora que esses produtos industrializados são favorecidos por grandes investimentos em marketing e publicidade. Entre as famílias entrevistadas pela pesquisa Enani-2019, que eu citei no começo deste vídeo, 93% das crianças de 2 a 5 anos e 80% dos bebês de 6 meses a 2 anos já consumiam alimentos ultraprocessados. Mais de um quarto dos bebês e metade das crianças dessas faixas etárias também já tomavam bebidas adoçadas Como disse a Cíntia Cercato, "as embalagens são coloridas e com personagens, e nos supermercados os produtos ultraprocessados costumam ficar nas prateleiras mais baixas, na linha de visão das crianças.
Dessa forma é difícil que os pequenos não sintam vontade de experimentar". Em outubro de 2022, entrará em vigor um novo padrão de rotulagem de alimentos e bebidas industrializadas aprovado pela Anvisa em 2020. As embalagens deverão apresentar um selo frontal com símbolo de lupa para informar sobre altos teores de açúcar, gordura e sódio.
Ainda assim, a endocrinologista defende uma regulamentação mais restrita, com leis que impeçam a distribuição de brindes e o uso de personagens e celebridades infantis nas embalagens e anúncios. O argumento dela é de que as crianças ainda não têm discernimento suficiente para não serem atraídas por esse tipo de marketing. E como combater isso?
A recomendação do Guia Alimentar para Crianças Brasileiras, elaborado pelo Ministério da Saúde, ensina que "a alimentação da criança deve ser composta por comida de verdade, isto é, refeições feitas com alimentos in natura ou minimamente processados de diferentes grupos. Por exemplo, feijões, cereais, raízes e tubérculos, frutas, legumes e verduras e carnes". Eu vou deixar o link desse e de outros guias de alimentação e lanches saudáveis na descrição deste vídeo, depois dá uma olhada.
Seguindo, então, para a segunda causa do aumento da obesidade infantil: As mudanças nos padrões de amamentação. Os especialistas notaram que mais bebês não têm se alimentado exclusivamente de leite materno nos primeiros seis meses de vida. Segundo o Enani-2019, menos da metade dos bebês menores de 6 meses mamam exclusivamente no peito da mãe.
Por variados motivos, muitas mães não conseguem amamentar e acabam optando pela fórmula. É a realidade possível para muitas famílias, mas é importante lembrar que o leite materno deve ser sempre a primeira opção quando estiver disponível e não fizer mal à criança, porque ele sacia mais do que a fórmula e porque mamar no peito exige mais esforço do bebê. Esse esforço vai, mais tarde, ajudar o bebê a experimentar alimentos novos.
E minimizar o consumo da fórmula também pode ajudar a prevenir a obesidade infantil mais adiante. A terceira causa da obesidade infantil tem a ver com a falta de atividade física. Cada vez mais as crianças têm sido levadas a brincadeiras com pouco ou nenhum movimento, É mais tempo sentado diante da TV, do tablet ou do videogame, em vez de em brincadeiras de correr, dançar ou pular.
Não é culpa das famílias: muitas vivem em regiões sem espaço físico adequado e seguro para as crianças brincarem na rua ou no quintal, por exemplo. O Ministério da Saúde orienta, no Guia de Atividade Física para a População Brasileira, que as crianças de 1 a 5 anos tenham pelo menos 3 horas por dia de atividades físicas, com variações de intensidade de acordo com a faixa etária. "Para as crianças, a atividade física é feita principalmente em jogos e brincadeiras ou em atividades mais estruturadas, como a participação em escolinhas de esportes e em aulas de educação física".
O quarto ponto citado pelos especialistas é a Influência da família. Os hábitos dos pais e das pessoas próximas também influenciam o peso das crianças, porque ditam os alimentos que vão estar disponíveis a elas e porque ajudam a moldar hábitos alimentares que elas podem levar para toda a vida. Por isso, Cíntia Cercato, da Abeso, diz que abre aspas "É importantíssimo que os pais deem bons exemplos, especialmente até os dois anos de idade, quando o paladar é formado.
Oferecer alimentos diversos e em vários formatos e combinações diferentes é sempre uma boa ideia, assim como organizar refeições em família para que as crianças se sintam motivadas a comer bem". A especialista ainda recomenda convidar as crianças sempre que possível para participar do preparo dos alimentos, de forma que elas se sintam incluídas na rotina alimentar da família. Ao mesmo tempo, a genética também tem um peso importante.
Segundo Cercato, a chance de filhos de pais obesos sofrerem do mesmo problema pode chegar a 80%. Mas, se os pais têm peso considerado adequado, a probabilidade cai para menos de 10%. Para concluir, uma quinta causa da obesidade infantil é a falta de acompanhamento especializado.
Os médicos com quem eu falei explicaram que muitas crianças brasileiras não têm um acompanhamento pediátrico regular, que vá além do atendimento a emergências de saúde. Esse acompanhamento médico constante é que permite que o peso e a altura das crianças sejam monitorados. E é muito importante que isso ocorra desde cedo, porque a partir dos cinco anos e principalmente na adolescência, a obesidade infantil é muito mais difícil de se reverter.
A Inês Rugani lembra que, em um país que por muito tempo conviveu e ainda convive com altas taxas de desnutrição como o nosso, é comum que os adultos achem que uma criança mais gordinha é sinônimo de saúde. Mas isso não é verdade. Para concluir, vamos ressaltar os impactos da pandemia nesse problema.
Um estudo da Sociedade Brasileira de Pediatria e publicado na revista científica "Jornal de Pediatria" mostrou que alguns comportamentos do isolamento causaram ganho de peso nos pequenos. A explicação é simples: a falta de gasto energético nas brincadeiras ao ar livre, na escola e também a suspensão dos exercícios físicos, associados ao maior tempo diante das telas. Outra pesquisa indica que houve aumento no consumo de doces e congelados, bem como no sedentarismo, por crianças e adolescentes.
O percentual de jovens entre 12 e 17 anos que não faziam 60 minutos de atividade física em nenhum dia da semana antes da pandemia era de 20,9%, e passou a ser de 43,4%. E por mais que não existam ainda dados sobre o aumento de peso real durante o período de isolamento no Brasil, os especialistas ouvidos pela BBC News concordam que haverá um aumento considerável nos índices de sobrepeso e obesidade nos próximos anos. Esse é um tema que a gente vai seguir acompanhando por aqui.
Mas por hoje é só. Muito obrigada e até a próxima.