Um novo paciente foi curado do HIV e está livre da AIDS. No vídeo de hoje você vai descobrir porque esse, que foi apenas o sexto caso de cura do HIV na história é diferente dos outros e porque representa um grande avanço no combate a essa doença. Por que os casos de cura da AIDS são tão raros?
Por que não existe uma cura definitiva, nem mesmo uma vacina? A verdade é que até hoje cientistas estão em busca da solução para essa pandemia que começou na década de 80 e dura até hoje. Avançamos muito, afinal, ter o diagnóstico de HIV há algumas décadas, era como uma sentença de morte.
Década de 80, Estados Unidos. Lucrécio assistia com medo às notícias de homens jovens da sua idade morrendo em decorrência da AIDS. Quando ele mesmo recebeu o diagnóstico de HIV em 1986, Lucrécio pensou que era uma sentença de morte.
O vírus HIV, descoberto em 1983, realmente assustou todo mundo. Hoje se sabe que o vírus veio do vírus do que infectava macacos e surgiu em populações que tinham contato com sangue de chimpanzés, provavelmente na cidade de Kinshasa na República Democrática do Congo. Essas populações viviam nas periferias da cidade, muito próximas a ambientes de florestas e caçavam macacos para comer, como eu contei nesse vídeo antigo do canal.
Mas o HIV, nem sequer era conhecido e, claro, circulou durante anos até fazer sua primeira aparição fora da África, na década de 80. Ele foi identificado depois que vários jovens desenvolveram um tipo de câncer muito raro, que normalmente só atingia pessoas com sistema imune debilitado. Por alguma razão, os homens infectados com esse vírus até então desconhecido, perderam a capacidade de combater infecções.
Mais do que isso, sem sistema imune, eles eram incapazes de montar uma resposta eficiente contra células cancerígenas no próprio corpo. Mas como o vírus HIV destruía o sistema imune de pessoas tão novas, no auge dos seus 30 ou 40 anos? O HIV entra no corpo pelo contato sexual desprotegido, p or transfusão de sangue e compartilhamento de agulhas contaminadas, da mãe para o filho durante o parto ou amamentação ou em situações raras, como cirurgias com equipamentos mal esterilizados.
São vários modos de transmissão. Mas a verdade é que uma vez dentro do organismo, o HIV infecta e destrói os linfócitos T CD4, células que são verdadeiros maestros do nosso sistema imunológico. Em pessoas saudáveis, esses linfócitos coordenam a resposta imune e direcionam o ataque a organismos e substâncias estranhas.
O problema é que ao longo de anos de infecção pelo HIV, os números de linfócitos CD4 vão caindo lentamente, enfraquecendo cada vez mais a resposta imune. Quando esse número cai abaixo de um certo nível, infecções simples como candidíase, infecções de garganta e pneumonias, aproveitam a baixa imunidade para atacar e elas podem ser fatais. A presença dessas infecções oportunistas e de outras doenças que não apareceriam com um sistema imune saudável, como alguns tipos de cânceres, são sintomas clássicos da fase grave da doença do HIV, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, ou simplesmente, AIDS.
E de fato, durante muitos anos, a AIDS não tinha nenhum tratamento. Tentaram terapias antivirais usadas para outros vírus, sem grande sucesso. Então ter o diagnóstico de HIV parecia ser mesmo uma sentença de morte.
Até que surgiram os tratamentos. Pelos 10 anos que seguiram após o diagnóstico de Lucrécio ele viu colegas se infectarem e morrerem, mas por sorte, ele não chegou a desenvolver a AIDS. Surpreendentemente, Lucrécio aguentou até 1996, quando passou a tomar o coquetel anti-AIDS.
Esse coquetel, que se aprimorou ao longo dos anos, é uma combinação de drogas desenvolvida especialmente para o HIV, capaz de bloquear a multiplicação do vírus e inibir o surgimento de variantes resistentes. O coquetel tinha tudo para ser a cura da AIDS, mas por algumas razões que eu já vou te contar, eliminar o HIV do corpo é mais complicado do que parece. Pessoas HIV positivas que fazem o uso do coquetel, lentamente diminuem a quantidade de vírus no corpo.
Chega um ponto em que o vírus se torna indetectável e a pessoa pode ter uma vida normal, já que o HIV deixa de causar problemas e de ser transmissível. O coquetel que foi a salvação de Lucrécio e de muitos outros pacientes, hoje se soma com a profilaxia pós-exposição, a PEP, que é um tratamento para quem acha que se expôs recentemente ao HIV e com a profilaxia pré-exposição ao HIV, a PrEP, para quem está em risco de se expor ao HIV e quer prevenir. Ambas diminuem consideravelmente a chance da transmissão, e claro, se somam com o uso de camisinha, que previne o contato dos fluidos contendo o vírus.
Por causa de todos esses métodos preventivos, e tratamentos, hoje, a AIDS já não é uma sentença de morte. Os pacientes infectados com HIV literalmente vivem tanto quanto pessoas que não foram infectadas. Mas eles convivem com o vírus no corpo.
Então tá. Se há alternativas para tratar ou prevenir a AIDS, porque é tão difícil curar definitivamente quem tem a doença? Por que não existe vacina?
Quais são as estratégias que o HIV desenvolveu para evitar o nosso sistema imune? A primeira delas é a capacidade de infectar justamente as células de defesa. Há décadas, cientistas tentam desenvolver uma vacina capaz de produzir anticorpos anti-HIV e bloquear a multiplicação do vírus.
Mas isso é muito difícil de conseguir. Como o HIV infecta as células de defesa, especialmente coordenadoras da resposta imune, estimular a imunidade do corpo simplesmente não tem efeito. As células que deveriam montar a resposta estão sendo destruídas pelo vírus.
Além disso, o HIV ainda tem uma alta taxa de mutações, o que é um problema sério, galera. É normal que um vírus, ao se multiplicar, gere cópias de si mesmo, com pequenas mutações, mudanças na sequência genética. Uma hora ou outra essas mutações podem dar a ele alguma vantagem.
Só que o HIV é campeão de mutações. Se você se assustava com a velocidade com que o coronavírus gerava novas variantes, o HIV pode ser até 100x mais rápido. Essa alta taxa de mutação atrapalha muito o desenvolvimento de vacinas e terapias antivirais.
Se as proteínas do vírus estão mudando o tempo todo, corre o risco do sistema imune não reconhecer mais ele, e aí a vacina perde a sua eficácia. E os remédios desenvolvidos para um subtipo podem deixar de funcionar em alguns anos, já que o vírus que circula já é bem diferente do que circulava antes. O desenvolvimento de uma única vacina ou remédio capaz de controlar todos os inúmeros subtipos do HIV é um grande desafio da ciência até hoje.
Mas por que isso acontece? Isso tem a ver com uma característica do HIV que diferencia ele de vários outros vírus e é a chave pra você entender porque o vírus da AIDS é tão difícil de curar. Ele é um retrovírus que se integra no nosso DNA.
Dizer que o HIV é um retrovírus significa que a sua multiplicação não é tão simples como um vírus comum. Normalmente, os vírus invadem uma célula do corpo e o seu material genético, seja RNA ou DNA, é a base para a célula produzir mais cópias do vírus. Mas o HIV, sendo um retrovírus, ele tem um passo extra na hora de sabotar a célula.
Ele primeiro transforma seu material genético, que é RNA, em DNA, o nosso material genético. E o mais bizarro é que ele ainda insere esse DNA no DNA da célula do hospedeiro. A célula acha que o DNA viral faz parte dela e acaba produzindo proteínas do vírus!
E muito mais do que uma forma diferente de fazer cópias de si mesmo, essa integração no DNA é uma carta na manga do HIV. Integrado no DNA, ele fica dormente e invisível para o sistema imune e pode permanecer assim por anos ao invés de ser uma partícula viral circulando por aí. Você pode eliminar 100% dos vírus HIV do sangue.
Mas se houver uma única célula do sistema imune com DNA do HIV integrado nela, ela pode reiniciar todo o ciclo. Por isso que só eliminar ou inibir a produção de HIV não é o suficiente. Isso não é uma cura definitiva.
Se a pessoa deixa de tomar o coquetel anti-HIV, mesmo que após muitos anos de uso, o material genético do vírus que foi inserido no DNA é capaz de produzir mais vírus. E a AIDS pode voltar. Mas se o vírus pode voltar mesmo depois de anos dormente no nosso DNA, como é possível alguém se curar da AIDS?
Eu vou te contar depois do seu like nesse vídeo, qual foi a novidade que a notícia de uma pessoa curada da AIDS traz para a ciência? Será uma nova esperança? Desde a descoberta do HIV, a OMS já registrou 40 milhões de mortes em decorrência da AIDS.
A AIDS é uma pandemia em andamento, com mais de um milhão de novas infecções todo ano e 600 mil mortes. 39 milhões de pessoas convivem com o HIV no corpo e ele segue sendo um desafio para o Brasil e para o mundo. Já que ele está escondido no DNA, uma solução seria usar técnicas muito novas de edição gênica para literalmente cortar fora o DNA viral dali e tratar as pessoas.
Só que fazer isso é bem perigoso galera. E se sem querer você altera uma parte importante do DNA que fabrica proteínas importantes pro fígado ou por um erro, gera um câncer de pulmão, por exemplo? E se você não conseguir fazer a terapia gênica em todas as células que o HIV infecta e sobra uma que seja?
Isso sem falar no quão antiética a terapia gênica pode ser como eu expliquei nesse vídeo aqui, onde um cientista chinês editou bebês que não tinham nenhuma escolha. Então, o que fazer? Se a gente não pode alterar o DNA de todas as células de uma pessoa?
Como é possível curar alguém do HIV? Algumas pessoas são naturalmente resistentes ao HIV, como eu contei no vídeo dos superimunes. Devido a uma mutação genética rara na proteína que o vírus usa para se ligar nas células, o vírus não reconhece essa proteína e simplesmente não consegue infectar essas pessoas.
Agora, imagina se você pega células que dão origem às células do sistema imune dessas pessoas superresistentes e transplanta nas pessoas com HIV, seria como mágica. Será que funciona? A resposta é sim.
Nos primeiros cinco casos de cura do HIV, os pacientes receberam transplantes de medula de doadores com o gene que dá a superimunidade contra o HIV. Transplante de medula óssea é uma estratégia interessante porque a medula é a origem de todas as células do sangue, incluindo as células do sistema imune. A pessoa que vai receber o transplante recebe um tratamento que elimina todas as suas células da medula e consequentemente, do seu sistema imune.
e depois, ela recebe células da medula óssea de um doador, que ocupam o espaço das células antigas. Como o doador é uma pessoa que é naturalmente ao HIV, depois do transplante, os pacientes adquirem células imunes ao vírus. Fantástico.
Mas porque isso não é feito com todos os pacientes que se infectaram com HIV? Só tem um problema. Esses transplantes de medula óssea são bem arriscados.
A medula nova pode ser rejeitada pelo organismo e a pessoa pode morrer. É por isso que essa técnica quase não é usada. E nos cinco casos iniciais, ela foi usado para para tratar cânceres do sangue em pessoas que tinham o HIV.
Eles não receberam medulas por causa do HIV, sacou? Mas já que iam passar por transplante de medula, que fossem medulas de pessoas superimunes ao HIV, o que resolveria dois problemas de uma vez. Mas pro sexto caso de cura do HIV, esse que virou notícia, é diferente.
O paciente tinha HIV desde os anos 90 e em 2018, para tratar um câncer, ele recebeu um transplante de medula que não vinha de uma pessoa superimune. Mesmo assim, aos poucos, os médicos perceberam que ee estava se curando do HIV e os níveis do vírus estavam diminuindo no sangue Depois de 20 meses, já não era mais necessário tomar os coquetéis, nem era possível detectar o vírus no sangue dele. Ele estava curado.
Os cientistas não sabem exatamente o que causou a remissão do HIV no sexto paciente. Eles suspeitam que uma das drogas que o paciente está tomando para evitar a rejeição da medula, chamada ruxolitinib, esteja impedindo o HIV de sair do DNA e se multiplicar de novo. Os próximos passos são testar se essa droga realmente é capaz disso, testando o remédio em outros pacientes que tenham o vírus.
Talvez essa realmente seja cura definitiva para a AIDS, uma pandemia que começou porque um vírus silvestre saltou para um ser humano, que se aproximou demais de uma floresta. E falando de ciência para melhorar nossa vida, clique aqui para descobrir qual é o brasileiro que deveria ter ganhado o prêmio Nobel por suas descobertas, mas surpreendentemente, não ganhou. Um grande abraço, a ciência sempre me surpreende e eu te vejo no próximo vídeo.
Tchau.