Às vezes, podemos acreditar que entendemos os ensinamentos e sabemos como aplicá-los, mas, na prática, permanecemos condicionados pelas atitudes e princípios doutrinais, os quais estão bem distantes do verdadeiro conhecimento. Não devemos ficar satisfeitos com um conhecimento meramente intelectual. Devemos aprender a integrar o nosso conhecimento com a nossa existência real.
Os ensinamentos precisam se tornar um conhecimento vivo, em todas as nossas atividades cotidianas. Essa é a essência da prática. Para descobrir se os ensinamentos são realmente uma coisa viva para nós, devemos observar o quanto estamos nos libertando de todos os fatores que nos condicionam.
Essa é a mensagem dos ensinamentos: Liberte-se dos Condicionamentos. Chögyal Namkhai Norbu. Entender a mensagem dos ensinamentos significa conhecer a nossa verdadeira condição, despida de todos os autoenganos e falsificações que a mente cria.
Para começar, devemos nos tornar conscientes daquilo que somos. Devemos conhecer nossa verdadeira natureza. Mas o que significa isso?
Isso significa observar a nós mesmos, descobrir quem nós somos, quem acreditamos que somos, e qual é a nossa atitude em relação aos outros e à vida. Normalmente, vivemos distraídos pela nossa condição relativa, e damos muita importância a tudo. Portanto, devemos começar pela nossa condição relativa.
Um exemplo frequentemente usado para ilustrar a nossa condição relativa é a imagem de uma gaiola. É dito que um indivíduo é como um pequeno pássaro trancado e protegido por uma gaiola. Mas a gaiola, no exemplo, não é usada para indicar uma situação particularmente anormal e horrível.
Na verdade, ela é usada para descrever a condição normal dentro da qual um ser humano vive. O problema é que não estamos conscientes dessa situação em que realmente nos encontramos e, de fato, temos medo de entender isso, pois crescemos dentro dessa gaiola desde que éramos criancinhas. Vamos refletir sobre o modo como uma criança entra nesses limites.
Durante os primeiros meses de vida, quando a criança ainda não sabe argumentar ou falar, seu pai e mãe, felizes, seguram-na nos braços e sussurram doces palavras. Mas quando a criança começa a andar e quer tocar em algo, eles dizem: “Não toque nisso! Não vá para lá!
” Então, conforme a criança cresce, ela é obrigada a limitar mais e mais o seu modo de se expressar, seu modo de sentar-se à mesa, seu modo de comer e assim por diante, até que se torna uma criança exemplar. Aí, então, os pais ficam orgulhosos, mas a verdade é que eles fizeram a criança ingressar completamente no seu modo de pensar. A criança, ao mesmo tempo, está aprendendo a viver em sua própria gaiola.
E assim, com cinco ou seis anos de idade, ela começa a ir para a escola, com todas as regras e expectativas que resultam disso. Ela terá algumas dificuldades para conseguir, mas vai gradualmente se acostumar a essa gaiola adicional. Nos dias atuais, leva-se muitos anos para completar essa gaiola, que é indispensável para sermos habilitados a viver em sociedade.
E existem muitos fatores adicionais de condicionamento, como ideias políticas, crenças religiosas, os laços de amizade, de trabalho e assim por diante. Quando a gaiola está suficientemente desenvolvida, estamos prontos para viver nela e nos sentimos protegidos. Essa é a condição de todos os indivíduos.
E precisamos reconhecer isso, observando a nós mesmos. Devemos nos observar e reconhecer quais são os nossos limites, nossos condicionamentos. Quando estamos conscientes dos nossos limites, existe a possibilidade de superá-los.
Tudo o que precisamos fazer é observar os nossos próprios pensamentos e como nos deixamos ser capturados pelo seu fluxo. Observe sua mente: quais são os seus obstáculos? Se apenas observarmos os limites, os julgamentos mentais, as paixões, o orgulho, a inveja, e os apegos com os quais nos fechamos durante o curso de um único dia, então seremos capazes de ajudar tanto a nós mesmos quanto aos outros.
Observe seus pensamentos: quais são os seus apegos? Observe seus apegos: de onde eles surgem e em que estão enraizados? Quando descobrimos nossos limites, precisamos tentar superá-los, nos desatando de qualquer tipo de convicção religiosa, política ou social que possa nos condicionar.
Precisamos abandonar todos os conceitos. Todos os nossos conceitos e crenças, não importa quão profundos eles possam parecer, são como redes que nos prendem ao dualismo. Esses aspectos constituem nossa condição relativa, que é sujeita ao tempo e à divisão entre sujeito e objeto.
Aquilo que está além do tempo e além dos limites do dualismo é chamado de “condição absoluta”. Esse é nosso verdadeiro estado. Além da mente, além dos nossos pensamentos, há algo que está além de todos os limites.
Essa é nossa verdadeira natureza. Quando realmente dispomos de conhecimento acerca da nossa verdadeira natureza, nada pode nos condicionar. Tudo o que surge é, então, experienciado como parte das qualidades inerentes do nosso próprio estado primordial.
Por essa razão, o ponto fundamental não é abandonar ou transformar a condição relativa, mas sim entender nossa verdadeira natureza. Para este fim, é necessário eliminar todas as concepções errôneas e falsificações que continuamente aplicamos a nós mesmos. Um pássaro que vive em uma gaiola dá à luz seus filhos dentro da gaiola.
Quando os filhotes nascem, eles têm asas. Mesmo que não possam voar na gaiola, o fato de que nascem com asas mostra que sua verdadeira natureza é estar em contato com o espaço aberto do céu. Se, de repente, um pássaro que sempre viveu em uma gaiola escapar, ele pode encontrar muitos perigos, pois não sabe o que esperar lá fora.
Ele pode ser devorado por um gavião ou capturado por um gato. Portanto, é necessário que o pássaro treine um pouco, voando por um período em um espaço limitado, até que, quando se sentir preparado, possa definitivamente alçar voo. É a mesma coisa conosco: ainda que seja difícil, para nós, superar todos os nossos limites em um instante, é importante sabermos que o nosso estado real está lá, além de todos os fatores condicionantes, e que realmente temos a possibilidade de redescobri-lo.
Podemos aprender a voar para além dos limites da nossa condição dualista, até que estejamos prontos para deixá-la completamente para trás. Acima de tudo, precisamos ultrapassar todos os limites dentro dos quais estamos fechados. Essa é a verdadeira função dos ensinamentos.