OLIMPÍADAS: A Disputa Além do Pódio

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Video Transcript:
Desde a antiguidade até suas edições modernas, as  Olimpíadas sempre foram mais do que uma simples competição esportiva. Elas são o palco onde as  tensões políticas, econômicas e militares se desdobram de maneira velada, refletindo  o cenário geopolítico de cada época. Em 1936, Berlim sediou os jogos no  auge do regime totalitário alemão.
Em 1980, foi a vez de Moscou, seguida por Los  Angeles em 1984, em meio ao duelo acirrado entre Estados Unidos e União Soviética. Já em  2008, a China, emergindo como a economia que mais crescia no mundo, não só sediou os jogos,  mas também quebrou seu recorde de medalhas, uma façanha superada apenas em 2024, na  edição que melhor capturou a rivalidade entre duas potências cujos atletas espelharam  nos ginásios a disputa que define o nosso tempo. Mas como as Olimpíadas se transformaram  nesse fenômeno geopolítico?
E qual é essa rivalidade que molda  o maior embate da atualidade? Reza a lenda que ainda na Grécia Antiga, quando  se iniciaram os Jogos Olímpicos, uma trégua entre as cidades-estados em guerra era iniciada  para dar espaço às honras aos atletas e a Zeus, o deus ao qual os jogos eram dedicados. Para fazer bonito, cidades como Atenas e Esparta financiavam e incentivavam as práticas  esportivas para seus jovens.
Isso porque, assim como em campanhas militares,  performar bem nessas competições era uma forma de demonstrar poder e virilidade  frente aos inimigos – e embora Zeus não seja mais cultuado, as demonstrações de poder continuam  sendo peça importante em cada edição olímpica. Desde que retornaram no final do século XIX,  as Olimpíadas continuaram a exercer seu papel, servindo como palco para disputas  ideológicas e demonstrações de superioridade física e intelectual. O primeiro grande exemplo disso na era moderna foram os jogos Olímpicos de 1936, realizados  em Berlim, em pleno auge do regime supremacista racial que tomou conta da Alemanha.
Naquela edição, Adolf Hitler discursou e utilizou o evento como vitrine para promover a  ideologia nazista, apresentando a Alemanha como uma nação ressurgida – além de mais forte  e superior do que as nações “mestiças”. “Só que o que deveria ter sido um trunfo  da pureza da “raça alemã”, o arianismo, para o partido, acabou sendo um dos momentos  mais vexatórios da história das Olimpíadas, refletido pelas vitórias do americano Jesse Owens,  um atleta de origem africana que saiu da Alemanha com quatro medalhas de ouro, destruindo a  narrativa de superioridade racial dos nazistas. ” Avançando algumas décadas, durante a Guerra Fria,  as Olimpíadas, assim como a Corrida Espacial, se tornaram um campo de batalha simbólico entre  os Estados Unidos e a União Soviética – sendo os seus maiores marcos as edições de  Moscou, em 1980; e Los Angeles, em 1984.
Os soviéticos haviam escolhido  sediar a edição oitentista como forma de mostrar ao mundo o seu poder e  capacidade de gerenciar grandes eventos. Contudo, um boicote liderado pelos Estados Unidos,  com o argumento de resposta à invasão soviética no Afeganistão, em 1979, fez com que 65 países  desistissem de participar, incluindo outras potências como Japão, Alemanha Ocidental  e Canadá, além de várias nações islâmicas. Esse boicote resultou na menor participação  desde 1956, com apenas 80 países competindo.
Já os efeitos na política internacional foram  extremamente limitados, visto que a guerra no Afeganistão continuou até 1989 – mostrando que  esse tipo de ação era apenas simbólica, sendo mais uma ação de propaganda ideológica internacional,  do que uma ação com efeitos diplomáticos práticos. Quatro anos depois, em 1984, foi a vez de  a União Soviética liderar um boicote aos jogos de Los Angeles, alegando preocupações com a  segurança de seus atletas em território americano. Quatorze países do bloco soviético, além da  Alemanha Oriental e Cuba, aderiram ao boicote.
No entanto, o impacto foi muito menor do que o  esperado, com 140 nações competindo nos Jogos, e estabelecendo um novo recorde de participação. A Romênia, única nação do bloco soviético a competir, foi calorosamente recebida e  terminou em segundo lugar no quadro de medalhas – marcando a edição de 84 como  um grande sucesso de público e audiência, já anunciando o enfraquecimento do bloco  soviético, do qual ela se libertaria em 1989. Enfraquecimento este que ficaria  ainda mais explícito na edição de 92, em Barcelona, onde dezenas de ex-Repúblicas  Soviéticas, recém-saídas do bloco socialista, que competiram sob a bandeira da Comunidade dos  Estados Independentes, marcando o fim da União Soviética em torneios internacionais e com os  países que, no passado, integravam a antiga União Soviética, ficando à frente no quadro de medalhas.
E para além do campo político, outro assunto que vem à tona com as Olimpíadas são as  polêmicas de cunho comportamental. O melhor exemplo disso ocorreu agora em  2024, com a boxeadora marroquina Khadija El Mardi, que dividiu o público do mundo todo. A controvérsia surgiu após alegações de que ela apresentava níveis elevados de testosterona, o que  levou a questionamentos sobre sua participação nas competições femininas.
Independente do caso, esse  fenômeno e a polarização em torno da participação da atleta mostra como os Jogos Olímpicos são palco  para todo o tipo de disputa, especialmente os que têm raízes ideológicas e políticas, mas  influenciam de forma decisiva nos esportes. Mas se atletas já conseguem  causar tantas polêmicas, o que dizer de todo o quadro de medalhas – que  é a vitrine da principal disputa do século XXI? A rivalidade entre Estados Unidos e China nas  Olimpíadas é tão grande que até mesmo a forma como se exibe o quadro de medalhas muda de onde  se estiver assistindo TV ou pesquisando – tudo pra favorecer um dos lados.
Só que nem sempre foi assim. Após a Revolução Chinesa e a subsequente  fundação da República Popular da China em 1949, houve um longo período de isolamento  internacional do país, já que muitos viam Taiwan como a “verdadeira” China. Isso levou o país a boicotar os Jogos Olímpicos de 1956 até 1976, devido ao  desacordo sobre a representação oficial da China nos eventos internacionais.
Somente após a normalização das relações diplomáticas com os Estados Unidos em 1979 que  a China voltou a participar dos Jogos Olímpicos. Esse retorno ocorreu nos Jogos de Los Angeles em  1984, onde a China fez uma reestreia espetacular, conquistando 15 medalhas de ouro e ficando  em quarto lugar no quadro geral de medalhas. Desde então, a China utiliza os Jogos Olímpicos  como uma plataforma para demonstrar seu poder e ambições, investindo massivamente em  programas esportivos e infraestrutura para alcançar o sucesso olímpico, o que se tornou  parte essencial de outra estratégia chinesa, o rejuvenescimento nacional.
Ela foca no desenvolvimento de um sistema esportivo quase militar, onde  jovens atletas são identificados e treinados desde cedo em centros de excelência, para  maximizar seu desempenho nos Jogos Olímpicos. Esse sistema, apesar de produzir resultados  impressionantes, também levanta questões éticas, especialmente em relação ao bem-estar dos  atletas, e às alegações de programas de doping negligenciadas pelo Estado – motivo pelo qual  muitos se perguntam por que os atletas chineses precisam enfrentar tantos testes durante os jogos. Mas é impossível dizer que ele não deu resultados.
Nos jogos de Pequim em 2008, a China  ultrapassou, pela primeira vez, os Estados Unidos no quadro de medalhas, um feito  que foi amplamente interpretado como um sinal de sua superioridade técnica inquestionável. Mas nada se compara com o ápice dos Jogos de Paris 2024, especialmente no  evento de natação 4×100 metros. A vitória da equipe chinesa, que quebrou o  domínio americano de décadas, foi rapidamente envolta em controvérsias, com acusações  de doping levantadas pelos Estados Unidos.
Essas alegações foram motivadas por desconfianças  que já existiam desde os Jogos de Tóquio 2020, quando alguns nadadores chineses foram  envolvidos em escândalos de doping. À medida que se aproximavam os Jogos Olímpicos  de Tóquio, 23 nadadores chineses foram declarados positivos para uma substância proibida, a  trimetazidina, mas continuaram a nadar após a Agência Antidoping da China ter demorado a relatar  essas amostras e a Agência Mundial Antidoping ter se recusado a intervir, conforme pode ser lido em  um comunicado publicado por esse comitê. Embora as autoridades americanas e internacionais de combate  ao doping tenham apresentado provas sólidas à AMA, as autoridades negligenciaram a abertura de  uma investigação independente naquele momento A China, em contrapartida, acusou  os Estados Unidos de hipocrisia, apontando exemplos de atletas americanos que  continuam competindo após testes positivos, sob alegações de contaminação alimentar.
Ela destacou o caso do v elocista Erriyon Knighton, que testou positivo para um esteroide  anabolizante em março. Apesar do resultado, a Agência Antidoping dos Estados Unidos  permitiu que Knighton competisse, argumentando que a substância  teve origem em carne contaminada. O Comitê chinês questionou por que  mais testes não foram realizados, acusando os americanos de menosprezar os  procedimentos e padrões antidoping.
A agência chinesa foi além, pedindo uma investigação  independente sobre as ações do comitê rival. Essa batalha pelo domínio no quadro de medalhas  não é apenas sobre prestígio esportivo, mas sim uma disputa pelo chamado soft power global. Para a China, cada vitória olímpica é uma demonstração de sua ascensão como uma potência  moderna e competente, projetando uma imagem de força e capacidade que é fundamental para  sua narrativa de rejuvenescimento nacional.
Para os Estados Unidos, manter a supremacia  olímpica é crucial para sustentar sua posição de liderança global em um mundo onde  seu poder é cada vez mais contestado. Em um mundo cada vez mais polarizado, os Jogos  Olímpicos deveriam oferecer a oportunidade de reunir nações em um palco comum, onde, por um  instante, as tensões políticas fossem deixadas de lado em favor do espírito de competição justa. No entanto, à medida que as disputas pelo poder global se intensificam, é provável que as  Olimpíadas também continuem a ser usadas como um campo de batalha simbólico, onde cada medalha  conquistada ou perdida pode ter implicações muito além do mundo esportivo – será que o  espírito olímpico vai resistir por muito tempo?
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