Marcelo estava em uma roda de amigos. O ambiente era leve e cheio de risadas; a pizzaria, animada pelo som de talheres, conversas e brindes, era o cenário ideal para um encontro descontraído. Marcelo se sentia confortável entre aquelas pessoas; apesar de ser reservado, os amigos sempre o acolhiam como parte essencial do grupo.
Ele ria de uma piada contada por Gabriel quando notou Sara voltando do banheiro. Algo na expressão dela chamou sua atenção; ela estava tensa, mexendo nas mãos enquanto caminhava até a mesa. Ele franziu o senho e, assim que ela se aproximou, perguntou: — Sara, está tudo bem?
Ela olhou ao redor, como se conferisse quem poderia ouvir, e se inclinou em direção a ele. A voz dela saiu baixa, quase um sussurro: — Marcelo, será que dá pra gente conversar lá fora? É importante.
Ele hesitou por um instante, mas a seriedade nos olhos dela o convenceu. Sem a atenção dos outros, levantou-se e seguiu Sara até o lado de fora da pizzaria. O ar fresco da noite os envolveu, e o contraste com o calor interno fez Marcelo cruzar os braços.
Ele esperou que Sara falasse, mas ela parecia escolher as palavras com cuidado. — Eu não gosto de me meter nos relacionamentos dos meus amigos, mas acho que você precisa saber de uma coisa. Marcelo arqueou uma sobrancelha.
— O que houve? — perguntou, com a voz cautelosa. Sara respirou fundo e apontou para a rua.
— Quando saí do banheiro, olhei pela janela e vi um carro parado. Tinha um casal lá dentro, se beijando. A frase pareceu se arrastar no ar até encontrar Marcelo, que demorou a reagir.
— E o que isso tem a ver comigo? — ele perguntou, confuso. — O carro ainda está ali.
— Sara indicou com a cabeça. — Olha bem. Marcelo virou-se relutante e seguiu o olhar dela.
Seus olhos pousaram no veículo estacionado do outro lado da rua, as luzes do poste iluminando o interior do carro. Ele reconheceu o modelo, reconheceu a placa, reconheceu, com um aperto no peito: quem estava dentro era sua namorada, e ela não estava sozinha. A visão fez seu estômago se revirar.
Ele desviou o olhar rapidamente, sentindo uma onda de raiva misturada com incredulidade. — Não pode ser… — murmurou, mais para si mesmo do que para Sara. — Marcelo, me desculpa — disse Sara, aflita.
— Eu sei que é horrível, mas achei que você deveria saber. Ele fechou os olhos por um momento, tentando controlar a tempestade de emoções. Por um breve instante, o impulso de atravessar a rua e confrontar os dois tomou conta dele, mas ele respirou fundo, deixando o ar gelado clarear seus pensamentos.
— Obrigado por me mostrar, Sara, de verdade. Com as mãos trêmulas, ele pegou o celular, focou a câmera no carro e tirou algumas fotos. A voz saiu triste, quase resignada.
— Não vou fazer escândalo, não aqui. A noite de todo mundo está boa, e eu não quero estragar. — Marcelo, comecei… — Sara, mas ele a interrompeu.
— Só avisa o pessoal que não estou me sentindo bem. Diz que vou para casa, e por favor, não comenta nada sobre isso. Ela hesitou.
— Você não devia dirigir assim. — Não se preocupa. Eu só preciso ficar sozinho.
Mesmo assim, Sara não cedeu. — Eu vou com você. Sem dar chance para ele argumentar, ela voltou para dentro da pizzaria.
Alguns minutos depois, retornou. — Falei com eles. Todo mundo ficou preocupado, mas eu disse que ia te levar para casa.
Relutante, Marcelo entregou as chaves do carro a ela e entrou no banco do passageiro. No caminho, o silêncio pesou no ar, só foi quebrado quando ele falou com a voz embargada. — Ela disse que ia para um evento de trabalho em outra cidade.
Sara lançou um olhar rápido para ele antes de voltar os olhos para a estrada. — Sinto muito, Marcelo. Mas é melhor você descobrir isso agora do que depois.
Ele soltou uma risada amarga. — Você não entende. Já me acostumei.
É sempre assim; essa é a décima traição, ou sei lá. Outras desculpas. Parece que eu tenho um talento especial para escolher as erradas.
— Não fala isso. O problema não é você. Ele balançou a cabeça, mas não respondeu.
Minutos depois, chegaram à casa dele. Marcelo saiu do carro sem muita energia, e Sara o acompanhou até à porta. — Obrigado por tudo, Sara.
Eu vou pedir um Uber para você. — Não precisava, mas obrigada. Só queria ter certeza de que você estava bem.
Ela o abraçou, o gesto breve, mas sincero. — E se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, pode contar comigo. Ele assentiu, sem dizer nada.
Sara entrou no Uber que chamou para si mesma, e Marcelo ficou ali parado, vendo o carro desaparecer na noite. Quando finalmente entrou em casa, jogou-se no sofá. Ficou ali por alguns minutos, imóvel, enquanto o peso do que acabara de acontecer finalmente o alcançava.
Ele respirou fundo, mas não havia alívio, apenas tristeza. Marcelo sabia que o confronto era inevitável. Na manhã seguinte, enviou uma mensagem curta para a namorada, pedindo para se encontrarem.
O tom seco e direto foi suficiente para deixá-la curiosa, mas ela respondeu com rapidez, marcando de chegar por volta do meio-dia. Quando ela apareceu, estava com a aparência impecável de sempre: cabelo arrumado, maquiagem bem feita, como se nada pudesse abalar sua confiança. — O que houve?
— ela perguntou ao perceber a seriedade no rosto dele. Ele não respondeu imediatamente; em vez disso, tirou o celular do bolso, abriu a galeria e mostrou as fotos. Ela se inclinou para ver melhor, mas sua expressão não demonstrou surpresa.
Na verdade, parecia conformada, e isso fez ele perguntar, fingindo um desinteresse que Marcelo sabia ser falso: — Você sabe muito bem o que é. Ele, mantendo a voz controlada, continuou: — E sabe o que significa. Ela se ajeitou no sofá, cruzando os braços.
— Não vou me justificar — disse, como se isso fosse o suficiente para encerrar o assunto. Marcelo a encarou por alguns segundos. Ele esperava uma reação mais emocional, talvez lágrimas, talvez.
. . Desculpas desesperadas, mas não veio nada disso; não precisa disso, só torna mais fácil o que eu tenho para dizer: a gente acabou.
Ela balançou a cabeça, sem esboçar raiva ou tristeza. Marcelo começou a se levantar, indicando que a conversa estava encerrada. Mas então ela falou: "E o colar, vai querer de volta?
" Marcelo parou no meio do caminho, franzindo o cenho. Ele não sabia o que o irritava mais: o tom casual da pergunta ou o fato de ela sequer parecer se importar com o término. "Fica com ele," respondeu finalmente.
Ela esboçou um sorriso satisfeito e se levantou, pronta para ir embora. Mas Marcelo, antes de abrir a porta para ela sair, virou-se e acrescentou: "As joias não são de verdade. " Mesmo o sorriso dela desapareceu no mesmo instante, substituído por um olhar furioso.
"O quê? Você tá brincando, né? " "Não estou," ele deu de ombros.
"Por que gastaria dinheiro com algo caro para alguém que nem vale isso? " Ela ficou boquiaberta, mas antes que pudesse soltar outra palavra, Marcelo abriu a porta e apontou para a saída. Quando ela finalmente saiu, lançou um último grito: "Você é um pilantra!
" Ele não respondeu, apenas entrou no carro e acelerou, deixando para trás as palavras furiosas que ela continuava a gritar. No caminho para casa, Marcelo refletiu sobre o padrão que parecia repetir em sua vida. A ideia de dar joias baratas como teste para suas namoradas havia surgido anos atrás, depois de uma sucessão de términos, onde todas pareciam mais interessadas no que ele tinha do que em quem ele era.
Ainda assim, aquilo não trazia alívio; apenas confirmava o que ele já sabia: ninguém parecia realmente se importar com ele. Era domingo. Marcelo passou o dia sozinho, assistindo a um programa qualquer na televisão.
A tristeza que o acompanhava parecia ainda mais pesada naquela noite; era como um vazio permanente, uma presença constante desde o término. Dias se tornaram semanas e ele mal percebia o tempo passar; apenas trabalhava, comia e voltava para casa. Então, certo dia, o telefone tocou.
"Era Sara. " "Marcelo, você precisa sair de casa," começou ela, com a voz firme. "Já faz meses que você tá assim, todo mundo tá preocupado.
" "Tô bem, Sara, só não tô com vontade de sair," respondeu, sem energia. "Não tá bem coisa nenhuma! Olha, meus pais estão preparando um almoço grande.
Vai todo mundo. Você não tem que fazer nada além de aparecer, é só um almoço. " Ele hesitou, mas a insistência dela era implacável.
Sara sempre teve o dom de convencê-lo, e não foi diferente dessa vez. No domingo, Marcelo apareceu na casa dela, um pouco relutante, mas tentando parecer mais leve. A casa estava cheia de vida; risadas ecoavam pelo ambiente, o cheiro de comida caseira era reconfortante e todos pareciam genuinamente felizes.
Marcelo foi recebido com abraços e apertos de mão, mesmo pelos parentes que ele não conhecia tão bem. Durante o almoço, as conversas fluíam naturalmente, entre brincadeiras e histórias de família. Marcelo começou a se sentir mais confortável; era como se, por algumas horas, ele pudesse esquecer o peso que carregava.
No meio da sobremesa, o pai de Sara levantou-se, chamando a atenção de todos: "Vou contar para vocês a história de como conquistei a sua mãe," anunciou, sorrindo. "Ah, pai, de novo! " protestou um dos irmãos de Sara, mas o sorriso no rosto dele mostrava que estava brincando.
"É sempre bom relembrar," o pai respondeu, com um tom dramático. Todos riram, e ele começou: "Quando conheci sua mãe, eu não tinha um tostão no bolso. Minha melhor camisa tinha um buraco enorme, mas era a única que eu tinha e, mesmo assim, eu a convidei para sair.
Levei ela para um parque porque era o único lugar que eu podia pagar. Que era nada. " A sala explodiu em gargalhadas.
"Mas naquela noite, vimos as estrelas. Conversamos por horas e foi aí que nos apaixonamos. Não tinha luxo, não tinha dinheiro; só tinha a gente, e isso bastou.
" Os aplausos foram calorosos, e Sara lançou um olhar cúmplice para Marcelo, que sorriu de volta. Mas, por dentro, ele sentiu algo apertar no peito. Era exatamente esse tipo de conexão que ele queria: algo real, livre de interesses materiais ou manipulações.
De volta para casa naquela noite, Marcelo se pegou encarando o próprio reflexo no espelho. A camisa cara, o relógio brilhante, os sapatos impecáveis; tudo isso parecia tão distante do que ele realmente queria para si. "Talvez seja isso," murmurou para si mesmo.
"Se eu me vestir mais simples, talvez consiga encontrar alguém que goste de mim pelo que sou e não pelo que eu tenho. " Pela primeira vez em meses, Marcelo foi dormir com uma sensação diferente. Não era alegria exatamente, mas algo próximo disso: esperança.
Ele tinha um plano e estava determinado a colocá-lo em prática. Marcelo olhou para o próprio reflexo no espelho, ainda com a expressão indecisa. Ele vestia uma camiseta velha e desbotada, mas não parecia convincente.
Mesmo com o visual mais simples que encontrara em seu guarda-roupa, a etiqueta discreta da marca ainda denunciava sua condição financeira. "Não vai funcionar," murmurou para si mesmo. Ele sabia que precisava de algo mais autêntico, mais humilde.
No dia seguinte, visitou um bazar de roupas usadas. Andou pelos corredores repletos de cabides improvisados e prateleiras empoeiradas, escolhendo as peças mais velhas e desgastadas que encontrou: uma camisa de tecido fino com manchas sutis, calças jeans rasgadas nos joelhos e um par de sapatos surrados. Marcelo pagou por tudo, sentindo uma estranha satisfação, enquanto deixava o lugar.
De volta ao apartamento, vestiu suas aquisições. No espelho, viu um homem que quase não reconheceu. O cabelo, antes sempre penteado e alinhado, estava agora desarrumado, com ondas rebeldes que ele não tentou domar.
Olhou para si mesmo, deu um leve sorriso e pensou: "Agora sim. " Mas faltava algo. Ele sabia que o carro que dirigia, um sedan de luxo, contradizia completamente o visual que tentava.
transmitir. Após algumas buscas, encontrou um Fusca antigo com a pintura desgastada e marcas de ferrugem nos paralamas. Era perfeito, com seu novo estilo completo.
Marcelo decidiu testá-lo no fim de semana. Foi a um encontro com os amigos, estacionou o Fusca na rua principal e entrou no bar, sentindo os olhares curiosos. Antes mesmo de chegar à mesa, Marcelo, Sara foi a primeira a reconhecê-lo, mas com hesitação.
— O que aconteceu com você? O que é esse visual? E por que veio nesse Fusca velho e acabado?
— Marcelo deu um sorriso misterioso. — Só decidi mudar. Sou um novo homem!
— Novo homem? Ou uma crise dos 30? — provocou Gabriel, rindo, enquanto o resto do grupo caía na gargalhada.
Marcelo riu junto, mas não explicou nada. Conforme a noite avançava, a curiosidade inicial deu lugar à descontração. As piadas diminuíram e tudo voltou ao normal.
Quando a noite terminou e todos começaram a se despedir, Sara, que sempre fora mais próxima de Marcelo, o chamou de lado. — Agora me conta a verdade. O que é isso?
Por que tá vestido assim? — Marcelo hesitou por um momento, mas acabou confessando. — Quero encontrar alguém que goste de mim pelo que eu sou, não pelo que eu tenho.
É só isso. Sara olhou para ele com um misto de compreensão e preocupação. — Eu entendo o que você quer fazer, mas toma cuidado.
Não vai se magoar ou magoar alguém nesse processo. Ele assentiu, mas manteve sua decisão. Passou a adotar aquele visual para todos os lugares, menos no trabalho, onde o terno e gravata eram indispensáveis.
O contraste entre o Marcelo casual e o Marcelo corporativo era quase cômico, mas ele não se importava; seu objetivo era claro. Um dia, recebeu o convite para o aniversário de um amigo, uma festa grande em um salão sofisticado. Marcelo decidiu não abrir exceções: vestiu a mesma camisa desgastada e as calças jeans puídas.
Ao chegar, sentiu os olhares atravessarem a sala. Todos estavam impecáveis, vestidos em ternos e vestidos de grife. Marcelo, no entanto, caminhou entre eles sem se abalar.
As reações não demoraram: cochichos pelos cantos e ninguém parecia disposto a conversar com ele. Marcelo, porém, manteve a calma, servindo-se de uma bebida enquanto observava o movimento. — Talvez eu tenha exagerado dessa vez — murmurou para si mesmo.
Quando estava prestes a sair para evitar mais constrangimentos, uma mulher se aproximou. Tinha cabelo castanho claro preso em um coque elegante e olhos expressivos. Ela parou ao lado dele com um sorriso curioso.
— Tá quente hoje, né? Aposto que com esses furos na sua camisa você deve estar mais ventilado que o resto de nós. Marcelo riu da observação inesperada.
— Não vou mentir, tá bem fresco — respondeu, sorrindo de volta. — Tatiana — ela estendeu a mão, ainda sorrindo. — Marcelo — ele apertou a mão dela, surpreso com o tom amistoso.
Tatiana ficou ao lado dele, olhando ao redor. Depois de alguns segundos, falou: — Espero que não se importe se eu ficar aqui. Sou péssima em socializar e parece que você também não tá muito animado em fazer novos amigos.
— Fica à vontade — Marcelo gesticulou para a cadeira ao lado. Os dois começaram a conversar. Marcelo descobriu que Tatiana vinha de uma família rica, mas parecia não dar muita importância a isso.
Ele, por outro lado, mentiu e disse que trabalhava como jardineiro; queria manter sua fachada simples e ver como ela reagiria. — Jardineiro, hein? Deve ser relaxante.
Trabalhar é de uma paz que poucos trabalhos conseguem oferecer. Eles continuaram a trocar histórias e risadas até tarde da noite. Marcelo não lembrava a última vez que havia se conectado tão facilmente com alguém.
Quando a festa estava quase no fim, ele criou coragem para pedir o contato dela. — Eu gostei muito de conversar com você, Tatiana. Posso ter o seu número?
Ela sorriu, parecendo satisfeita. — Claro, Marcelo. Quem sabe você pode me ensinar algo sobre jardinagem?
— brincou enquanto digitava o número no celular dele. Ele riu, guardando o telefone. Na volta para casa, dirigiu o Fusca com um sorriso no rosto.
Algo sobre aquela noite parecia diferente; talvez finalmente ele tivesse encontrado alguém que fosse exatamente o que procurava. Marcelo e Tatiana estavam cada vez mais próximos. O contato constante e as noites que passavam juntos tornaram-se parte essencial da rotina dele.
Tatiana parecia ter uma aversão a lugares movimentados, o que Marcelo compreendia e respeitava. Ele se adaptou rapidamente ao jeito dela, e as noites na casa de Tatiana tornaram-se o ponto alto do dia. — Não gosto de festas ou multidões — ela dizia, jogando-se no sofá enquanto ele colocava um filme para assistirem.
— Isso é uma das coisas que eu mais gosto em você — ele respondia, sempre sorrindo. Meses se passaram. Sara, como boa amiga que era, percebeu uma mudança em Marcelo.
— Você anda tão diferente ultimamente — comentou ela, certa noite, enquanto dividiam uma pizza com o grupo de amigos. — Parece mais feliz. Marcelo sorriu, pensando em Tatiana.
— É porque estou, finalmente. Encontrei alguém que vale a pena. Ela é incrível.
— Sara, uma mulher de caráter! — fico feliz por você. Sara sorriu de volta, genuinamente contente.
— Quando vai apresentar a sortuda? Marcelo hesitou, coçando a nuca. — Qualquer dia desses.
Ela é meio tímida, sabe? Não gosta muito de sair, mas um dia eu trago ela para conhecer vocês. Sara assentiu, embora parecesse intrigada com a resposta.
Ela sabia que Marcelo era reservado, mas também sabia que ele geralmente gostava de compartilhar sua felicidade. Tudo parecia perfeito até o dia em que Tatiana lhe disse que os pais dela descobriram sobre o namoro e queriam conhecer. — Eles querem te conhecer — a frase soou como um misto de convite e alerta.
Marcelo sorriu animado. — Isso é ótimo! Eu também quero conhecê-los.
Mas o rosto de Tatiana não carregava o mesmo entusiasmo. Havia algo contido em sua expressão. — Está tudo bem?
— perguntou ele, tocando a mão dela. — Sim, claro. Só não é nada — ela desconversou rapidamente, mudando de assunto.
Nos dias seguintes, Marcelo se preparou para o encontro com os. . .
Pais dela, ele se viu diante de uma dúvida que o incomodava profundamente: deveria vestir-se de forma elegante para impressioná-los ou manter o visual simples que adotara? Após muito pensar, decidiu-se por algo no meio termo: roupas simples, mas bem cuidadas. No dia do encontro, ao chegar na casa dos pais de Tatiana, Marcelo ficou impressionado.
Era uma mansão. O portão alto, o jardim impecável e a fachada imponente eram evidência da família. Ele estacionou o Fusca na calçada e caminhou até a porta com uma ansiedade que começou a crescer.
Tatiana apareceu, saindo rapidamente pela entrada principal. Mas, diferente de seu comportamento habitual, ela parecia tensa, quase irritada. — O que é isso?
— perguntou ela, olhando para ele dos pés à cabeça. Marcelo franziu o senho, confuso. — Minha roupa.
Achei que estava apropriado. Tatiana suspirou, a voz adquirindo um tom mais ríspido do que ele já ouvira antes. — Não pode usar isso!
Venha, vamos entrar pelos fundos, vou te dar uma roupa decente. Marcelo hesitou, sentindo o desconforto crescer. O tom dela, as palavras escolhidas, não pareciam a mesma Tatiana que ele conhecia, mas, sem querer criar um conflito, ele a seguiu.
Enquanto caminhavam pelo corredor, os pais de Tatiana apareceram repentinamente. O rosto deles, inicialmente carregado de surpresa, logo foi substituído por uma expressão de avaliação. Eles olharam para Marcelo de cima a baixo, claramente tentando entender quem era o homem parado ali.
A mãe de Tatiana foi a primeira a falar: — Quem é este? — perguntou, com uma sobrancelha levantada. Tatiana abriu a boca, mas a hesitação foi evidente.
Depois de um instante, ela disse: — É o jardineiro. Marcelo, que vinha se sentindo desconfortável até então, sentiu algo dentro dele mudar. Ele ergueu a mão para interrompê-la, olhando diretamente para os pais dela.
— Oi, sou Marcelo, namorado da sua filha. O silêncio que se seguiu foi quase palpável. Os pais de Tatiana pareciam se debater internamente entre o choque e o constrangimento.
Tatiana, por sua vez, ficou imóvel, com os olhos arregalados. Depois de alguns instantes que pareceram uma eternidade, o pai dela limpou a garganta. — Ah, claro.
Bem-vindo, Marcelo. Por favor, vamos para a cozinha. A mãe de Tatiana não disse nada, mas o olhar dela carregava uma frieza que Marcelo não pôde ignorar.
Ele caminhou ao lado de Tatiana, mas a sensação de desconforto agora era quase insuportável. Enquanto seguiam para a cozinha, Marcelo notou que o clima na casa era muito diferente do que ele esperava. A mansão, embora impressionante, parecia fria e distante, como se cada objeto ali tivesse sido escolhido para impressionar, e não para acolher.
Na cozinha, uma mesa longa estava posta com perfeição, cheia de pratos de porcelana fina e talheres brilhantes. Marcelo sentou-se ao lado de Tatiana, enquanto os pais dela ocuparam as cadeiras opostas. Tatiana tentou iniciar uma conversa sobre trivialidades, mas o ambiente permanecia tenso.
Marcelo sentia os olhares dos pais dela fixos nele, como se analisassem cada palavra, cada gesto. Então, Marcelo começou. O pai dela, finalmente quebrando o silêncio: — O que você faz da vida?
Marcelo respirou fundo, mantendo a calma. — Sou jardineiro. Trabalho com paisagismo.
Ele percebeu a troca de olhares entre os pais de Tatiana. Era sutil, mas estava lá: uma mistura de surpresa e desdém. Tatiana parecia desconfortável, mas não disse nada.
— Jardineiro? — repetiu o pai dela, mexendo distraidamente no copo à sua frente. — Deve ser um trabalho interessante.
Marcelo manteve o sorriso no rosto, embora sentisse a tensão no ar. — É um trabalho que eu gosto muito. Dá uma sensação de paz, sabe?
Estar ao ar livre, criar algo bonito a partir do nada. A mãe de Tatiana sorriu, mas não era um sorriso amigável. — Bem, imagino que não seja algo fácil de sustentar, mas admiro a simplicidade.
Marcelo sabia o que aquilo significava: era um elogio mascarado de crítica. Tatiana, ao lado dele, parecia inquieta, mexendo nas mãos, mas ainda não dizia nada. Marcelo decidiu manter a compostura, mas, por dentro, começava a questionar tudo o que estava acontecendo.
A conversa continuou, mas a tensão permanecia. Para Marcelo, a noite parecia um teste de paciência, uma prova de que aquele encontro era muito mais do que apenas conhecer os pais de Tatiana. O prato principal chegou à mesa, com uma apresentação impecável: uma travessa de porcelana fina, com a carne delicadamente fatiada e decorada com ervas frescas.
O cheiro era forte, mas exalava uma sofisticação que parecia se alinhar perfeitamente ao ambiente formal e pretencioso da casa. Tatiana sorriu ao ver o prato sendo colocado à mesa. — Fui eu quem escolhi.
É minha carne favorita — disse, olhando para os pais com uma expressão de satisfação. Os pais dela sorriram também, mas seus olhares logo se voltaram para Marcelo, que observava tudo em silêncio. — Aposto que ele nem sabe o que é isso — comentou o pai de Tatiana, com um tom quase brincalhão, mas que carregava um leve desprezo.
Marcelo percebeu a zombaria oculta e, por um instante, pensou em ignorar, mas, infelizmente, ele sabia exatamente o que estava diante dele. Reconheceu o prato imediatamente: carne de tartaruga, uma iguaria rara, mas também um crime ambiental. A espécie estava em risco de extinção e sua comercialização era proibida por lei.
Um desconforto tomou conta de Marcelo. Ele nunca havia se deparado com algo assim e a situação o deixou sem saber como reagir. Contudo, ao ver os pais de Tatiana esperando que ele provasse, decidiu falar: — Eu não posso comer isso.
A declaração causou um silêncio repentino. Os rostos que antes exibiam sorrisos descontraídos agora estavam sérios. O pai de Tatiana foi o primeiro a quebrar o silêncio.
— Então você sabe o que é? — disse ele, com uma sobrancelha arqueada. A mãe de Tatiana, que até então havia se mantido mais reservada, juntou-se à conversa com um tom de desaprovação.
— Recusar uma iguaria dessas é uma forma extrema de má educação. Tatiana, que estava sentada ao lado de Marcelo, virou-se para ele com o rosto visivelmente incomodado. — Marcelo, por favor!
— sua voz. . .
Saiu baixa, mas carregada de raiva contida. "Só como você está me deixando com vergonha na frente dos meus pais. " Marcelo olhou para ela, tentando manter a calma, mas sua resposta foi firme: "Eu não posso comer.
Isso é ilegal. Estamos falando de uma espécie ameaçada de extinção. " A expressão de Tatiana mudou de desconforto para raiva pura; ela virou-se para os pais, claramente frustrada.
"Ele é tão simples! Não entende a cultura disso. " A frase saiu como uma tentativa de justificá-lo, mas Marcelo a percebeu como um insulto.
O pai dela balançou a cabeça, rindo baixinho de forma desdenhosa. "Alguém como você, tão simples e pobre, jamais terá outra oportunidade de comer algo assim novamente e ainda recusa? Que desperdício!
" Marcelo permaneceu em silêncio, apertando as mãos sobre a mesa para controlar a indignação que começava a ferver. Ele olhou novamente para o prato, sentindo repulsa, não apenas pela carne em si, mas pelo que aquele ato representava: ostentação sem limites, desrespeito às leis e uma falta total de empatia. "Não é uma questão de oportunidade, é uma questão de princípios," respondeu, encarando diretamente o pai de Tatiana.
Tatiana bufou ao seu lado, pegou o garfo e começou a comer a carne, sem esconder o desgosto em sua voz. "Isso é ridículo! Este é meu prato favorito.
Eu tenho um paladar sofisticado, ao contrário de você. " A mãe de Tatiana olhou para o marido e, em seguida, para Marcelo. "Ele é teimoso.
Você deveria se sentir honrado por estar aqui. " O pai de Tatiana acenou para a cozinheira, que estava parada perto da entrada da cozinha. Ele se inclinou em direção a ela e cochichou algo, o que fez com que ela saísse apressadamente.
"Não se preocupe," disse ele, com um tom falso de simpatia, ao voltar à mesa. " Pedi para prepararem algo mais adequado ao nosso convidado. " Marcelo assentiu, mas não respondeu.
Por dentro, ele sentia uma mistura de indignação e repulsa enquanto eles continuavam comendo o prato exótico e ilegal. O pai de Tatiana começou a se gabar sobre os negócios da família. "Nossa empresa fornece materiais para a Metal Araújo, uma das maiores do país.
Uma parceria lucrativa, sem dúvida," comentou, inflando o peito. Marcelo sentiu um choque interno. Claro que ele conhecia a Metal Araújo; afinal, era a empresa dele.
Ele permaneceu calado, embora fosse difícil conter a surpresa. Disfarçou a expressão e manteve o olhar fixo em um ponto da mesa, tentando processar o que acabara de ouvir. Naquele momento, decidiu que cortaria qualquer vínculo com os fornecedores assim que voltasse ao escritório, não apenas pelo comportamento dos pais de Tatiana, mas por tudo o que estava testemunhando naquela noite.
O jantar continuou, mas Marcelo mal tocou na comida. Quando o prato que o pai de Tatiana havia solicitado chegou, era algo simples e sem graça, uma tentativa óbvia de humilhá-lo. Ele agradeceu à cozinheira com educação, mas não conseguiu comer; sentia-se desconectado de tudo ao seu redor.
Os pais de Tatiana continuaram se gabando sobre viagens luxuosas, propriedades e contatos importantes. Marcelo, por sua vez, apenas ouvia, incapaz de se sentir à vontade ou minimamente conectado àquela ostentação vazia. Momentos depois, a cozinheira retornou com o prato que os pais de Tatiana haviam pedido para Marcelo: arroz com ovo, apresentado de maneira propositalmente infantil, o arroz moldado no formato de uma tartaruga, com o ovo simulando o casco.
A zombaria era evidente. "Acho que este é um prato que combina mais com você," disse a mãe de Tatiana, com um sorriso sarcástico, quase rindo. "Você deve comer isso todo dia, não é?
" completou o pai de Tatiana, entre risadas. Até Tatiana não conseguiu segurar o riso. Marcelo notou a tentativa clara de humilhá-lo, mas, ao invés de reagir, manteve a calma.
Ele sabia que o objetivo era desestabilizá-lo, e ele não daria a satisfação. Sem demonstrar incômodo, pegou os talheres e começou a comer o prato à sua frente. "Vocês sabem que o ovo é uma das melhores fontes de proteína," disse ele casualmente, enquanto cortava o ovo.
"E o arroz é um ótimo carboidrato. Este prato está repleto de nutrientes bons. " As palavras calmas e confiantes tiveram um efeito imediato; as risadas cessaram, os pais de Tatiana trocaram olhares, enquanto ela permanecia séria.
Marcelo terminou de mastigar e se dirigiu à cozinheira: "Está delicioso! Parabéns! Posso pegar seu contato?
Gostaria de contratá-la um dia; esse arroz com ovo está fenomenal. " A cozinheira, que parecia confusa no início, acabou sorrindo, surpresa pela reação inesperada de Marcelo. "Claro, senhor, será um prazer.
" Marcelo tirou um cartão de contato e o entregou a ela, fazendo questão de agradecer novamente. Enquanto isso, os pais de Tatiana observavam a cena, indignados. "Que audácia!
" exclamou a mãe dela. "Que cena ridícula," murmurou o pai, visivelmente irritado. Marcelo, ignorando os comentários, terminou seu prato, levantou-se e olhou para Tatiana.
"Com licença, agora preciso ir. " Ele manteve um tom polido, mas firme, ao deixar a mesa. À medida que se afastava, sentia os olhares furiosos dos pais de Tatiana queimando suas costas.
Já no corredor, ouviu passos apressados atrás de si; era Tatiana. "Como você faz isso? Eu passo por tanta vergonha!
", ela perguntou, a voz cheia de irritação. Marcelo parou, virou-se e respondeu com a mesma serenidade de antes: "Por princípios. Eu já disse, não posso compactuar com algo que vai contra o que eu acredito.
" Tatiana cruzou os braços, bufando. "Eu pouco me importo com isso. Sou rica e tenho o direito de usufruir do meu dinheiro como quiser.
Não vou deixar essas coisas me limitarem. " Marcelo sentiu uma decepção profunda crescer dentro dele. Ele balançou a cabeça, incrédulo.
"Pensei que você fosse diferente, Tatiana. Você nunca se importou com a minha aparência humilde. Achei que isso dizia algo sobre quem você é.
" Por um momento, Tatiana ficou calada, evitando seu olhar. A pausa foi longa, e Marcelo sentiu que havia algo errado. Ela ergueu o queixo e respondeu: "Nós terminamos aqui.
Não quero mais ficar com você. " Saiu fria e decisiva antes que Marcelo pudesse responder. Tatiana virou-se e entrou na mansão, batendo a porta atrás de si.
Marcelo ficou parado por alguns instantes, processando o que acabara de acontecer. Ele já imaginava que o relacionamento não sobreviveria aquela noite; mesmo que ela não tivesse terminado, ele sabia que não poderia continuar depois de tudo o que viu. Com um suspiro pesado, entrou no Fusca e dirigiu de volta para casa, sentindo um misto de tristeza e repulsa.
Deitado no sofá, Marcelo revivia os últimos meses em sua mente. Havia algo que ainda o incomodava profundamente: o motivo pelo qual Tatiana o aceitara, mesmo com sua aparência humilde. Tudo parecia desconexo agora.
Ele pegou o telefone e ligou para Gabriel, o amigo cujo aniversário foi o cen onde conheceu Tatiana. — Fala, Marcelo. Tudo bem?
— atendeu Gabriel, animado. — Já estive melhor, cara — respondeu Marcelo. — Preciso saber uma coisa: você conhece bem a Tatiana?
Sabe algo sobre ela? Gabriel ficou em silêncio por alguns segundos, claramente surpreso pela pergunta. — Cara, não muito.
Ela é amiga de um amigo meu. Eu não tenho contato direto com ela, mas posso tentar descobrir. — Tá tudo bem, sim.
Sorte! Faz isso para mim, por favor. — Claro, te aviso assim que souber de algo.
No dia seguinte, Gabriel ligou de volta. — Então, descobri algumas coisas. Você tem um tempo?
— Fala — respondeu Marcelo, ansioso. — Cara, ela tem uma fama meio peculiar, pelo que meu amigo contou. Ela é conhecida por brincar com os sentimentos das pessoas.
Já fez isso várias vezes. Além disso, ultimamente ela tá obcecada em magoar o ex-namorado. Parece que ela anda saindo com outros caras e mandando fotos para ele só para provocá-lo.
Marcelo ficou em silêncio, absorvendo as palavras de Gabriel. As peças começaram a se encaixar. Ele lembrou de como Tatiana sempre pedia fotos dos dois juntos, dizendo que queria guardar recordações.
Também lembrou de como ela nunca queria sair em público, sempre insistindo em encontros discretos. Agora fazia sentido. — Ela tava me usando para isso — disse ele, quase para si mesmo.
— O quê? — perguntou Gabriel, sem entender nada. — Obrigado, Gabriel.
Era isso que eu precisava saber. Marcelo desligou a chamada e ficou sentado, encarando o telefone. A verdade doía, mas ao mesmo tempo trazia clareza.
Ele finalmente entendia o motivo por trás do comportamento de Tatiana. Ele não passava de uma peça no jogo dela para magoar outra pessoa. Marcelo estava inquieto, andando de um lado para o outro na sala.
A conversa com Gabriel ainda ecoava em sua mente. Ele sentia a frustração crescer a cada pensamento sobre Tatiana e o ciclo vicioso de ser usado, de uma forma ou de outra, por quase todos que entravam em sua vida. Quando a campainha tocou, ele foi atender com uma expressão fechada.
Ao abrir a porta, encontrou Sara. Ela parecia hesitante, com um sorriso tímido no rosto. — Oi, Marcelo.
Espero não estar atrapalhando — disse ela, entrando enquanto ele gesticulava para que entrasse. — Não, claro que não! Pode entrar — ele tentou soar casual, escondendo a irritação que ainda o consumia.
Sara sentou-se no sofá, ajeitando a bolsa no colo. Marcelo notou que ela estava desconfortável, algo incomum para alguém tão espontânea como ela. Antes que ele pudesse perguntar, ela começou.
— Olha, Marcelo, eu sei que isso é estranho, e na verdade eu nem sei como dizer isso — ela respirou fundo, claramente nervosa —, mas estou passando por uma situação muito ruim e preciso pedir um favor. Marcelo ficou em silêncio, observando-a com as sobrancelhas franzidas. — Pode falar.
Sara hesitou antes de finalmente dizer: — Preciso de dinheiro emprestado. Eu fico com vergonha de pedir isso, mas não sabia mais a quem recorrer. As palavras de Sara bateram como um soco no estômago de Marcelo.
Ele sentiu a irritação, que já estava latente, explodir em sua mente. Não era apenas a situação com Tatiana, mas todas as vezes que sentiu que as pessoas só se aproximavam dele por interesse. E agora Sara, alguém que ele considerava sua amiga de longa data, parecia estar se juntando a essa lista.
— É sempre assim, não é? — disse ele, a voz carregada de amargura. — Todos só querem o meu dinheiro.
Ninguém se importa realmente comigo. Sara arregalou os olhos, surpresa e magoada. — Marcelo, o que você está dizendo?
Somos amigos há anos! Eu nunca me interessei pelo seu dinheiro! Ele riu, mas era um riso seco e incrédulo.
— Mentira! — gritou, apontando para ela. — Você estava só esperando o momento certo, não é?
Todos esperam! Sara levantou-se do sofá, os olhos marejados, mas apesar das lágrimas, sua expressão era séria, quase fria. — Quando você se tornou esse babaca?
— perguntou, a voz baixa, mas firme. — Sabe o que é pior? Eu pensei que você fosse diferente, mas pelo visto você está se transformando em alguém que só vê o pior nas pessoas.
Sem esperar resposta, ela pegou a bolsa e saiu, batendo a porta atrás de si. Marcelo ficou parado por um momento, os punhos cerrados, mas quando a raiva começou a dar lugar à razão, ele sentiu o arrependimento tomar conta de si. — Meu Deus, o que eu fiz?
— murmurou, levando as mãos à cabeça. Ele precisava falar com Sara, pedir desculpas. Pegou as chaves e dirigiu até a casa dela, mas quando chegou, ela não estava.
Sem outra opção, decidiu tentar na casa dos pais dela. Quando a mãe de Sara abriu a porta, o recebeu com um sorriso educado. — Marcelo!
Que surpresa! Veio ver o meu marido? Marcelo franziu o cenho, confuso.
— Não, na verdade vim falar com a Sara. — Ela está aqui? — a mãe de Sara balançou a cabeça.
— Não, ela saiu há pouco, mas entre, por favor. Ao entrar, Marcelo foi levado até a sala, onde viu o pai de Sara sentado em uma poltrona com uma expressão abatida. O homem parecia mais velho do que Marcelo lembrava, e havia algo em sua postura que transmitia fraqueza.
A mãe de Sara percebeu a expressão confusa de Marcelo e explicou: — Ele caiu ontem. . .
À noite, devido à idade, o impacto foi muito ruim e os médicos disseram que ele precisa de uma cirurgia. É urgente, mas ela hesitou, as palavras saindo com dificuldade: "Não temos dinheiro ou plano de saúde e os hospitais públicos estão lotados. É uma cirurgia muito cara.
" Marcelo sentiu um nó na garganta; subitamente, tudo fazia sentido: o pedido de Sara, a tensão em sua voz, o desconforto dela ao tocar no assunto. Ela não estava pedindo para si mesma, mas para o pai. Ele sentiu um arrependimento esmagador por sua atitude.
"Eu. . .
eu não sabia", ele mal conseguia falar. "Não se preocupe, a Sara saiu para tentar resolver algo. Ela está muito aflita", continuou a mãe dela, ajeitando uma almofada na cadeira do marido.
Marcelo respirou fundo, sentindo um peso imenso no peito. Levantou-se e olhou para a mãe de Sara: "Vim aqui para ajudar. Vamos levar ele ao hospital.
Eu pago a cirurgia, não importa o preço. " A mãe de Sara olhou para ele como se não tivesse certeza se ouvira direito. "Marcelo, você realmente faria isso?
" "Claro que sim! Eu fui um idiota, mas não vou cometer outro erro. Vamos resolver isso agora mesmo.
" A mãe de Sara começou a chorar, abraçando-o. Marcelo sentiu o peso de sua atitude anterior se aliviar, mesmo que ainda restasse a culpa pelo que havia feito Sara passar. "Vou chamar um transporte", disse ele, pegando o telefone.
Naquela noite, Marcelo sentou-se ao lado do pai de Sara no hospital, aguardando enquanto os médicos realizavam os procedimentos necessários. Ele sabia que ainda tinha muito o que consertar, especialmente com Sara, mas pelo menos havia dado um passo na direção certa. Enquanto o pai de Sara passava pela cirurgia, Marcelo permaneceu na sala de espera.
O ambiente era silencioso, com o som ocasional de passos apressados dos médicos ou do tilintar de instrumentos médicos ao fundo. Ele estava sentado inquieto, tentando afastar a culpa que ainda o atormentava. Momentos depois, Sara apareceu.
Seus olhos mostravam cansaço, mas também alívio ao ver sua mãe. Elas se abraçaram, trocando palavras de conforto. Em seguida, Sara aproximou-se de Marcelo, com os braços cruzados, mas com uma expressão menos dura do que antes.
"Me desculpe", disse Marcelo, levantando-se para encará-la. "Eu fui um idiota. Descontei tudo o que aconteceu comigo em você, e você não merecia isso.
" Sara olhou por alguns segundos antes de responder: "Obrigado por ajudar meu pai. " Sua voz era calma, mas carregada de emoção. "Eu não estava esperando por isso depois de tudo o que aconteceu.
" Marcelo balançou a cabeça. "Eu precisava fazer alguma coisa para corrigir o que fiz. Não consigo parar de pensar no quanto fui injusto com você.
Por favor, me perdoe. " Sara hesitou, depois suspirou: "O que aconteceu com você, Marcelo? " Ela parecia realmente curiosa, mas também preocupada.
Marcelo não segurou nada; contou sobre Tatiana, sobre como foi usado, sobre as mentiras e manipulações. Ele terminou dizendo: "Depois de tudo isso, eu estava com raiva, desconfiado de todo mundo, mas isso não justifica como tratei você. " Sara balançou a cabeça, olhos suaves.
"Sinto muito pelo que você passou, Marcelo, mas fico feliz que tenha percebido o que fez. " "Só que. .
. superar isso. .
. " Antes que Marcelo pudesse responder, o médico saiu da sala de cirurgia. Todos se levantaram rapidamente, os olhos presos ao rosto do cirurgião.
"A cirurgia foi um sucesso", anunciou ele, com um sorriso. "O paciente está estável e em recuperação. " A mãe de Sara começou a chorar de alívio, enquanto Sara abraçou Marcelo com força.
Ele sentiu o peso da culpa diminuindo um pouco mais naquele instante. "Mas. .
. " ele perguntou, a voz baixa. Sara sorriu, com os olhos marejados, e assentiu: "Claro que sim.
" Ela o abraçou novamente, e ele sentiu que, pelo menos com ela, havia conseguido se redimir. Dias depois, Marcelo estava em sua empresa. A rotina de trabalho o ajudava a reorganizar a mente e a focar no que era importante.
No entanto, naquela manhã, sua secretária entrou na sala com uma expressão preocupada. "Marcelo, tem algumas pessoas aqui querendo falar com você. " "Quem?
" ele perguntou, franzindo o cenho. Antes que ela pudesse responder, Tatiana e os pais dela entraram pela porta. Marcelo observou os três se aproximarem, com expressões claramente desconfortáveis.
Ele manteve a compostura, embora sentisse uma pontada de irritação ao vê-los. "Bom dia", disse ele, com um sorriso calmo. Os pais de Tatiana foram os primeiros a falar: "Marcelo, estamos aqui para pedir desculpas pelo que aconteceu naquele dia.
Se soubéssemos quem você era, jamais teríamos tratado você daquela forma. " Tatiana, ao lado deles, parecia menos à vontade, mas acabou se juntando ao coro: "Eu também queria pedir desculpas. O que aconteceu foi errado e eu realmente espero que você possa reconsiderar.
" Marcelo os ouviu em silêncio, braços cruzados. Quando finalmente respondeu, sua voz estava firme: "Agora que sabem quem eu sou, me tratar assim diz muito sobre vocês. Mas não quero fazer negócios com pessoas que compactuam com práticas ilegais.
Além disso, já encontrei outro fornecedor. " Os pais de Tatiana começaram a implorar, argumentos cada vez mais desesperados. "Marcelo, por favor, se você encerrar essa parceria, nossa empresa vai passar por grandes dificuldades.
" Marcelo manteve-se inabalável, levantando-se de sua cadeira: "Já está decidido. " E mais uma: "Eu denunciei o crime ambiental. " O choque foi visível no rosto deles.
Tatiana deu um passo à frente, a voz trêmula: "Como você conseguiu fazer isso? " Marcelo sorriu. "A cozinheira de vocês trabalha para mim agora.
Ela filmava e gravava áudios porque não concordava com o que fazia, mas era obrigada. " Os três saíram, cabisbaixos. Ao final do dia, ele deixou o escritório com uma sensação de justiça.
Não era apenas sobre o que havia acontecido com ele, mas sobre fazer o que era certo. Naquela noite, Marcelo decidiu visitar Sara. Ele bateu à porta e ela o recebeu com um abraço caloroso.
A mãe de Sara apareceu logo depois, surpresa ao vê-lo. Eu não esperava você hoje. Se soubesse, teria feito algo mais elaborado.
Só tem arroz com ovo. Marcelo riu, compreendendo a ironia. "Eu adoro arroz com ovo", disse, sorrindo.
Sara percebeu a referência e começou a rir também. Eles se sentaram à mesa com os pais dela, o ambiente cheio de sorrisos e conversas leves. O calor humano daquela família era reconfortante, algo que Marcelo não sentia havia muito tempo.
Enquanto olhava para Sara, conversando animadamente com o pai sobre o progresso de sua recuperação, algo dentro dele mudou. Ele percebeu que estava completamente em paz ao lado dela; seu coração bateu mais forte e uma certeza começou a se formar. Naquele momento, Marcelo entendeu por que nenhum de seus relacionamentos anteriores havia dado certo: a mulher que ele procurava sempre esteve diante dele.
Sara era diferente de todas e, ainda que ele não soubesse como ou quando, sentia que aquele momento à mesa era o começo de algo especial, algo que poderia durar para sempre.