A violência das faccões criminosas atingiu níveis extremos no Haiti. Atualmente, grupos criminosos armados controlam cerca de 80% da capital Porto Príncipe, ameaçam derrubar o governo e até prometem lançar uma guerra civil no país. Eu sou Giulia Granchi, da BBC News Brasil, e neste vídeo vou explicar como o Haiti chegou a esse ponto.
O homem que você vê neste vídeo é Jimmy “Barbecue” Cherizier, líder da poderosa gangue haitiana conhecida como G9 e Família. O fato de ele dar uma entrevista coletiva armado com um fuzil e ameaçar abertamente o governo do premiê Ariel Henry evidencia o estado delicado em que se encontra o Haiti, o país mais pobre das Américas. O G9 tem promovido uma onda de ataques contra delegacias, chegando a ocupar algumas delas.
No início de março, homens armados invadiram a principal prisão do país no e provocaram uma fuga em massa: pelo menos três mil e setecentos detentos foram libertados. Mas a força das gangues vem de antes - e se aproveita da instabilidade crônica no Haiti. Durante os 29 anos da ditadura de François Duvalier, o Papa Doc, e seu filho, o Baby Doc Duvalier, existia um grupo paramilitar que usava a violência extrema para intimidar opositores.
Baby Doc foi forçado ao exílio em 1986, mas as gangues continuaram a exercer variados graus de poder nos governos seguintes, a depender das alianças com políticos. O terremoto de 2010, que matou estimadas 220 mil pessoas e se transformou em um dos piores desastres naturais da história moderna, deixou o país em situação de enorme vulnerabilidade socioeconômica. Pulo agora pra crise mais recente, que está na raiz da atual onda de violência.
Em 2021, o então presidente Jovenel Moise foi assassinado por mercenários colombianos, que invadiram sua casa e o executaram a tiros Os mercenários e vários suspeitos – inclusive políticos - foram detidos, mas as investigações ainda não esclareceram quem ordenou a morte de Moise. O fato é que essa morte colocou o país em um estado de anarquia sem precedentes. Em questão de meses, gangues avançaram sobre Porto Príncipe e passaram a brigar entre si e com a polícia controle territorial, inclusive de áreas estratégicas.
O terminal de Varreux, por exemplo, um dos principais portos de abastecimento de combustível do país, foi disputado a tiros entre policiais e grupos criminosos em 2022. O governo haitiano mal tem conseguido prover serviços básicos, como distribuição de água potável e coleta de lixo. E as forças policiais, com 9 mil homens em um país de 11 milhões de habitantes, têm tamanho insuficiente para conter a criminalidade.
Sequestros com pedidos de resgate se tornaram comuns no país. Em algumas áreas, escolas e hospitais foram forçados a fechar as portas por falta de segurança. Até a ONG internacional Médicos Sem Fronteiras, acostumada a operar em situações de conflito, teve que suspender temporariamente suas clínicas em partes do Haiti.
Gangues passaram a prover alguns serviços do Estado, mas elas também aterrorizam a população civil. Em uma única semana de 2023, 5 mil haitianos foram forçados a abandonar o distrito de Carrefour-Feuilles, em Porto Príncipe, depois que os grupos armados se impuseram ali. As gangues fazem uma ferrenha oposição ao premiê Ariel Henry, que assumiu comando do país depois da morte de Moise – embora o cargo de presidente continue vago.
Henry havia prometido deixar o poder em fevereiro e convocar novas eleições, o que ainda não aconteceu. Em vez disso, o premiê fechou um acordo com a oposição, se mantendo no cargo até que avalie haver segurança suficiente para levar a população de volta às urnas. Por isso, críticos dizem que ele governa de modo ilegítimo.
No final de fevereiro, Henry viajou para o Quênia, com o objetivo de costurar um acordo que criaria uma polícia multinacional, liderada por tropas quenianas, para enfrentar a criminalidade no Haiti. Jimmy Barbecue Cherizier argumenta que Henry pretende usar a presença de eventuais missões internacionais para se perpetuar no poder. O líder criminoso reagiu escalando os ataques em Porto Príncipe, o que culminou com a fuga em massa de presos e a ameaça de uma guerra civil.
O governo declarou estado de emergência por conta dos confrontos armados em Porto Príncipe, que se estenderam inclusive para o aeroporto da capital e fizeram com que ele fosse fechado. Isso afetou até o avião presidencial que pretendia levar Ariel Henry do Quênia de volta para o Haiti, mas foi impedido de pousar. O premiê chegou a ficar retido em Porto Rico buscando formas de voltar para seu próprio país.
Por enquanto, não está claro quais serão os objetivos de longo prazo de Cherizier, para além de instar a população a se unir e derrubar o governo. Em ocasiões passadas, o líder criminoso chegou a sugerir a criação de um, entre aspas, “conselho de sábios”, um grupo de representantes da sociedade civil que substituísse o primeiro-ministro. O vácuo criado pela ausência de líderes com legitimidade popular tem sido preenchido pelas gangues.
Por isso, pelo menos por enquanto, é difícil ver uma solução duradoura para a crise no país. A ONU aprovou em 2023 uma resolução com a criação de uma força internacional de segurança para o Haiti, mas muitos países relutam em apoiar a missão, argumentando a falta de legitimidade do governo haitiano. Fora que intervenções estrangeiras anteriores no Haiti também foram marcadas por denúncias graves - por exemplo, alguns soldados que operavam nessas missões foram acusados de terem abusado sexualmente de menores de idade.
O Brasil, que no passado liderou a Minustah, missão de paz no Haiti, por um período de 13 anos, decidiu limitar seu escopo a oferecer treinamento às forças policiais haitianas, segundo uma apuração da BBC News Brasil de outubro de 2023. Nos últimos dias, a embaixadora americana na ONU, Linda Thomas-Greenfield, afirmou que os Estados Unidos estão pressionando pela realização de eleições no Haiti, com a expectativa de que isso pacifique o país. Enquanto isso, o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu que a comunidade internacional apoie urgentemente uma missão internacional de segurança para o Haiti.
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Obrigada e até a próxima.