Irã e Israel hoje são considerados arqui-inimigos e protagonizam uma disputa sangrenta, que desestabiliza toda a política regional Mas já houve um tempo em que os dois países mantinham uma relação próxima e até mesmo cordial Quando e por que isso mudou? Eu sou João Fellet, repórter da BBC News Brasil em São Paulo, e neste vídeo explico as origens da principal rivalidade do Oriente Médio Vamos voltar a quando o Estado de Israel foi criado, em 1948 Inicialmente, o Irã se opôs ao plano de partilha da Palestina que resultou na criação de Israel Teerã alegava que o plano alimentaria a violência na região Mas, mesmo assim, o Irã foi o segundo país islâmico a reconhecer Israel, logo depois do Egito. Naquela época, o Irã era uma monarquia, governada pela dinastia Pahlavi.
O xá era a autoridade máxima do país O regime era próximo ao Ocidente e um dos principais aliados dos Estados Unidos no Oriente Médio. David Ben-Gurion, primeiro chefe de Estado de Israel, via a aproximação com o Irã como uma forma de combater a rejeição dos vizinhos árabes ao recém-criado Estado israelense Aqui, vale lembrar uma distinção importante: o Irã é um país muçulmano, mas os iranianos são em sua maioria xiitas, uma ramificação que é minoritária no Oriente Médio se comparada com os sunitas Além disso, os iranianos são de etnia persa, e não árabes como grande parte do Oriente Médio e norte da África No Irã, o regime Pahlavi havia promovido desde os anos 1920 a ocidentalização e secularização da sociedade. Com relação a Israel, alguns acadêmicos afirmam que os dois países chegaram a cooperar em temas como segurança e defesa, mas de forma não ostensiva, para não provocar os países vizinhos árabes Mas uma disputa de poder em 1953 entre Pahlavi e alas nacionalistas do Irã resultou na ascensão ao poder do premiê nacionalista Mohammed Mossadeq.
Em resposta, um golpe de Estado, orquestrado pela CIA, a agência de inteligência americana, devolveu o poder a Reza Pahlavi, mas ele impõs uma ditadura, com perseguição a adversários políticos, controle da imprensa e banimento de partidos políticos Eis que vem então o grande ponto de virada da relação com Israel: a Revolução Iraniana de 1979 Essa revolução depôs a dinastia Pahlavi e transformou o Irã em uma república islâmica, governada por um aiatolá - na época, Ruhollah Khomeini. A Revolução Islâmica se apresentava como defensora dos iranianos oprimidos pelo regime dos xás e tinha como uma das suas principais marcas a rejeição ao que chamava de imperialismo de Estados Unidos e Europa e, por consequência, a Israel O novo regime dos aiatolás rompeu as relações com Israel, deixou de reconhecer os passaportes israelenses e cedeu o espaço da embaixada israelense em Teerã, para a Organização para a Libertação da Palestina – grupo que na época lutava pela criação de um Estado palestino. Analistas dizem que a rejeição a Israel virou um pilar do regime islâmico do Irã, que tentava se firmar como uma potência pan-islâmica no Oriente Médio e acabou abraçando a causa palestina.
Israel, com o passar das décadas, passou a considerar o Irã como o principal perigo a sua existência E essa rivalidade logo passou das palavras para os fatos Para conter seu isolamento e ampliar sua influência, o Irã passou a financiar uma rede de organizações armadas alinhadas a seus interesses – em geral, grupos armados também da ramificação xiita do Irã. O mais proeminente deles é o libanês Hezbollah, que hoje é a principal força armada dentro do Líbano, inclusive mais poderoso e influente que o Exército formal libanês. Os enfrentamentos entre Israel e Hezbollah são frequentes e vivem hoje uma grande escalada, com a operação terrestre israelense no Líbano com o objetivo declarado de impedir que o grupo continue a lançar foguetes contra comunidades israelenses O Hezbollah, por sua vez, diz que age em solidariedade ao povo palestino que sofre com a guerra em Gaza.
Vale lembrar que o Irã também apoia, militar e financeiramente, grupos palestinos em Gaza, como o Hamas, milícias na Síria e no Iraque e os houthis (RÚTIS) no Iêmen. Todos esses grupos fazem oposição à existência de Israel Os houthis, aliás, passaram a atacar navios mercantes no Mar Vermelho no último ano, em retaliação à ação israelense em Gaza – uma disputa que tem implicações importantes para o comércio marítimo global Hoje, o Irã comanda o que chama de “eixo da resistência” no Oriente Médio. Trata-se de uma aliança informal de países e grupos que se opõem ao que veem como interferência americana e europeia no Oriente Médio.
A expressão é uma referência a uma fala do ex-presidente americano George W Bush, que, depois dos ataques de 11 de setembro, incluiu o Irã no grupo de países que chamava de “eixo do mal” Lembrando que, em contrapartida, os Estados Unidos são o principal aliado externo de Israel Estima-se que, desde a sua fundação, Israel tenha recebido um total de 310 bilhões de dólares em ajuda externa americana, mais do que qualquer outro país Não é raro que a relação entre Irã e Israel tenha sido descrita como uma guerra nas sombras, em que os dois lados fazem ataques mútuos sem admitir oficialmente Por exemplo, em 1992, o grupo Jihad Islâmico, próximo ao Irã, foi apontado pela Argentina como responsável pelo ataque à embaixada de Israel em Buenos Aires, uma ação que deixou 29 mortos. Pouco antes, o então líder do Hezbollah, Abbas al-Musawi, tinha sido assassinado em um atentado atribuído aos serviços de inteligência de Israel Um ponto importante foi a guerra de 2006 travada entre Israel o Hezbollah no Líbano. Desde então, o grupo ampliou sua rede de combatentes e seus armamentos com financiamento iraniano Em 2023, veio a guerra com o Hamas na faixa de Gaza – o estopim foi um ataque do Hamas contra Israel, fazendo 1.
200 mortos e centenas de reféns. A ofensiva israelense em Gaza já deixou mais 40 mil mortos, quase a metade deles mulheres e crianças, e evidencia ainda mais as rivalidades na região, desencadeando uma série de eventos Em abril de 2024, um bombardeio no consulado iraniano em Damasco matou sete oficiais da Guarda Revolucionária Iraniana – e o ataque foi atribuído a Israel. O Irã reagiu no mesmo mês com uma ofensiva de mísseis e drones contra Israel.
Em setembro, uma ação atribuída à inteligência israelense fez explodirem, quase simultaneamente, 4 mil pagers e walkie talkies que pertenciam a integrantes do Hezbollah A disputa ganha agora proporções ainda mais perigosas, com o anúncio de Israel de uma ofensiva terrestre no Líbano e com a retaliação do Irã na forma de mísseis balísticos disparados contra Tel Aviv. A maioria deles foi interceptado pelo sistema de defesa israelense. E qual o poderio militar de cada lado?
Muita coisa é mantida em segredo, mas o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos levantou alguns dados. Israel gasta mais do que o dobro do que o Irã em defesa anualmente, tanto em números absolutos quanto em comparação com seu Produto Interno Bruto A espinha dorsal da defesa de Israel são o Domo de Ferro e o Arrow. São os sistemas de defesa que identificam e interceptam os mísseis inimigos e são considerados cruciais para proteger o território israelense.
Em contrapartida, o Irã tem o maior e mais diversificado programa de mísseis do Oriente Médio. Alguns analistas estimam que o país tenha mais de 3 mil mísseis balísticos, que voam em velocidade muito maior do que os mísseis de cruzeiro Estima-se que Israel tenha 340 aeronaves militares prontas pra combate, uma grande vantagem em ataques aéreos de precisão. O Irã tem estimadas 320 aeronaves, mas é uma frota mais antiga e obsoleta - então não se sabe ao certo quantas estão prontas pra combate Ao mesmo tempo, o Irã tem mais do que o triplo de soldados na ativa em comparação com Israel.
Uma grande incógnita é a questão nuclear. É presumido que Israel tenha armas nucleares, mas isso é mantido em sigilo. Já o Irã tem um programa nuclear que é alvo de sanções do Ocidente, embora o país sempre tenha negado ter interesses militares com esse programa.
Oficialmente, o aiatolá Ali Khamenei afirma que construir armamentos nucleares contraria os ensinamentos islâmicos. Até o momento, analistas não acreditam que o Irã possua armas nucleares, mas alguns acreditam que a atual escalada com Israel pode servir de estímulo para Teerã buscar esse objetivo O que é sabido é que essa rivalidade não dá sinais de arrefecer. O regime iraniano considera que Israel não tem o direito de existir, enquanto Israel acusa o Irã de financiar grupos terroristas movidos pelo antissemitismo A gente continua cobrindo os desdobramentos dessa disputa em bbcbrasil.
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