Vozes do Manguezal: O Legado das Marisqueiras - Curta Documentário

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Título: Vozes do Manguezal: O Legado das Marisqueiras Sinopse: Mergulhando no mundo contido nas águ...
Video Transcript:
O mangue é vida. O mangue pra mim é tudo. É uma mãe… Tanto para os animais, e tanto  para mim também porque me criou.
Vozes do Manguezal: O Legado das Marisqueiras Quem nos rege é a maré. Tem marés que são mais cedo,  tem marés que são mais tarde. E quando a gente depende,  não é quando a gente quer.
Nós temos que ir que queira que não  queira porque nós temos um objetivo. É nossa vida, é o nosso pão. Nós tiramos nosso pão de cada dia  para nossos filhos é dali do Mangue.
♪ Quando o sol nascer o dia,  eu levanto e saio bem cedo. ♪ ♪Catar massunim, siri, aratu,  pescado do bom e caranguejo. ♪ ♪ ♪ ♪ ♪Sou, sou marisqueira, rainha do mãe, eu sou guerreira.
Sou, sou marisqueira, mulher  de luta batalhadeira. ♪ ♪ É o vento que nos dá, é o  rio, é o mangue é o mar. ♪ (2x) ♪ Dói no peito, rio cercado.
♪ ♪ Dói no peito, não ter pescado. ♪ Isso aí é nada! [risos] Foi a partir dos 19 anos que a vida me fez cair dentro do mangue. 
Casei cedo, me separei cedo, e aí fiquei com três filhos pequenos. Aí não teve outros recursos a não ser encarar o mangue. Já faz 26 anos,  que eu estou dentro do mangue direto.
Quando minha mãe morreu mais meu  pai eu estava com 9 anos de idade. Depois dos pais mortos pra cá, eu vivi  no mangue, e o mangue foi quem me criou. Até com 91 anos.
Nunca deixei de ir para o mangue, ia pro mangue, comia, dava. Cansei de trocar quebrado de  aratu com meio quilo de farinha, meio quilo de açúcar, pra não  deixar meu filho com fome. É puxado.
É puxado, é puxado sair  manhã, pra ficar o dia todo com fome. Quando já voltam é uma hora  dessa, dependendo da maré, quando chegar em casa, aí vem cuidar de filhos. Primeiro de meus filhos, que deixei em casa, sem comer, comeu de manhã.
Para depois você ir, para ter o processo de cozinhar, pegar,  quebrar, dormir por cima do aratu, que muitas vezes já aconteceu isso, você cansada,  para no outro dia de manhã você seguir de novo. Nós temos que levantar cedo, né? Aí, cuidar café, ver com quem vai deixar os nossos  filhos, a depender da idade deles, se é hora de levar para a  escola, se tem alguém, né?
Eu como tinha três filhos  pequenos, era de cortar coração, porque eu não tinha ninguém que ficasse com eles. Quando chegava, eu saía de manhã, só chegava cinco, seis horas da tarde. E eles me esperavam para comer.
Eu levava os dois, deixava eles na área de Apicum, e eu entrava para dentro do mangue, e ficava em uma área próxima, que eu pudesse ouvir a voz deles, para que não viesse acontecer algo com eles, e eu viesse ficar preocupada, ou culpada, porque nós somos. . .
Para a proteção dos mosquitos. Geralmente  os caranguejeros se protegem com gás, outros é só com repelente, que é carinho, e às  vezes a gente bota no bolso e acaba perdendo. As mulheres elas trabalham mais  no manguezal, nos estuários, né?
Umas pegam uma camarão, umas vão  pegar aratu, umas pegam a sururu, umas pegam ostra, umas pegam o massunim. Cada uma com sua diversidade de pescado. É, a almofada, é uma das presas do  Aratu, que é a isca para pegar aratu.
Uma das iscas, né? A gente considera que o manguezal é uma mãe,  porque é um lugar que você pode não ter nada em casa, mas você sabe que se você for  na maré, ele alguma coisa vai lhe dar. Fazer um determinado barulho que é assim, olhe Vem cá aratu, vem cá, aratu, vem  cá, aratu, vem cá, aratu, vem cá.
Ele é bem pequenininho, não é pronto para ser  comercializado mas ele resolveu pegar na isca então, esse daí a gente não leva,  porque ele é muito pequenininho e esse porte dele a gente usa pra fazer a isca porque ele é pequeno, ele não tá pra consumo ainda não apareceu aratu para eu levar pra casa mas é com essa profissão que a gente mantém a nossa família eu vim aqui hoje, não consegui, aí eu vou amanhã em busca da superação. Dia de hoje não foi, não deu êxito nenhum, O que mudou bastante, porque assim, antes você  tinha aquela facilidade de você dizer assim Vou pra tal mangue que eu vou pegar caranguejo, antes você pegava assim, de estar tudo se enganchando, Hoje, como eu falei, hoje tudo diminuiu. Não tem como antes.
E o que vai acontecer futuramente, eu creio que daqui uns 15, 20 anos não vai existir  mais essa demanda de Aratu no nosso município, porque assim, estão fazendo  por onde o pescado acabar, né? Porque assim, as mulheres  marisqueiras, além de tudo, delas serem pescadoras, gente, elas ainda  zelam pelo bem-estar do manguezal, sabe? Então, vão cortar mangue, quando ela  pensa em cortar, elas pedem licença.
Não é só chegar e cortar, elas dizem por que que está tirando, né? O porquê está cortando. Mas isso não quer dizer que perdeu  o teor, que fez.
. . destruição, não.
É só aquele espaço que eles  necessitam que eles vão mexer, que é totalmente diferente para  quando a pessoa vai começar a criar uma carcinicultura ou um condomínio, né? Uma coisa é você fazer uma trilha, outra coisa é você destruir quatro quilômetros, né, de estuário, quatro quilômetros de manguezal. Aí a parte que a gente pega massunim  é aqui, nessa área daí, todinha.
E vai ao processo de cozinhar, aí  ele se abre e a gente vai tirando. Depois é só pesar. São mulheres que, se não botar  a cara e a coragem, passam fome, passam necessidade, passam dificuldade.
Elas seguram um trabalho árduo  sozinhas e não tem ninguém por elas. Em nenhum momento nunca veio  ninguém, ninguém que tenha. .
. São esquecidas pelo Poder Público, são esquecidas  pelo Estado, são esquecidas pelo município. Tem coisas que nos machucam e hoje o que  machuca a gente é a gente ser desvalorizada.
Em 2016, o movimento de Marisqueira  foi convidado a ir para um evento. A gente numa sala repleta de gente, professora, é advogado,  engenheiro, e a gente marisqueira. Aí disse, "vocês parecem uma corda de caranguejo".
Todo mundo percebeu que aquela palavra foi muito forte para um professor que  fez o convite para um movimento. Disseram "foi uma brincadeira que ele fez", eu  disse, olha, pode ser brincadeira para você. Mas quando uma pessoa faz um  convite, para um movimento e você chega na frente de todo mundo e você diz que nós somos uma corda de caranguejo, é desfazendo do trabalho da  gente, mangando da cara da gente.
Eu te respeito e a sua profissão, então você tem que respeitar a minha profissão e quem eu sou. É um emprego para gente que não tem o estudo, mas eu sempre digo que eu sou formada, Eu sou formada no mangue, enquanto você está ali na canetinha, eu estou lá no mangue, você não tem a mesma convivência que  eu tenho dentro do Mangue, entendeu? Ele olhou para cara da mulher e disse: Vanda vai levar o notebook de Nega, é?
Aí Nega disse assim Não, o notebook é dela “Oxente, e Vanda pode comprar um notebook? ” “Já viu marisqueira, que é pescar no mangue, ter um notebook? ” AÍ eu olhei para cara dele e respondi: É porque eu trabalho no mangue, de dia, semana toda, que seu dinheiro é melhor que o meu, onde?
Qual a diferença do seu dinheiro pro meu, só porque ele é do mangue? Graças a Deus que o meu aqui é suado, é suado, não foi ninguém que me deu, e  não dei rasteira em ninguém não. Em lugar nenhum que eu chegar, Eu ver falar mal de marisqueira, nenhuma das minhas colegas, eu respondo onde eu estiver.
Mesmo na brincadeira, Eu não gosto de ninguém discriminar nosso trabalho, nosso trabalho, é igualmente qualquer outro. “Ah, Vanda, você vai pro lamenal hoje? ” eu digo: lamenal, não respeite meu trabalho, “E não tem lama lá dentro?
” Tem, mas respeite! Eu sou marisqueira e exijo respeito. ♪Morena, Marina, Morena, você se pintou, Morena me faça me tudo, faça o favor, não pinte esse rosto que eu  gosto, que ele é só meu.
♪ Eu chego aqui na janela,  olho pro mangue que é ali, eu olho pro mangue querendo até  chorar porque não posso avançar daqui, não posso mais ir no mangue. É uma terapia, por que é que você acha que elas não saem da maré? Porque é melhor estar na maré  do que estar dentro de casa.
Porque muitas vezes dentro  de casa elas são lesionadas, elas são estupradas, elas são espancadas. Pra elas dentro do manguezal é o psicólogo, né? As amigas é quem recebe os anseios, é quem divide as tristezas e as alegrias, como elas falaram.
Aqui, né, em Porto do Mato, você não vai ver nenhum homem mostrar que é agressivo, ou que maltrata, ou que judiam a mulher ou os filhos, mas tem. É porque elas não expõem, porque elas têm medo de morrer. Muitas delas estão doentes psicologicamente, muitas delas não exercem mais realmente a função, muitas delas já foram, sim, agredidas.
♪Morena você é bonita com o que Deus lhe deu. ♪ Ela foi um pouco sofrida. Que meu pai começou a tratar ela.
Mas foi uma mulher batalhadora. E sempre ela dizia: "eu vou morrer no mangue". Eu tive que trabalhar desde os meus 12 anos.
Eu tive que parar de ir para o mangue  e pescar devido aos problemas de saúde. Minha mãe morreu na maré, no Mangue. Mas eu nunca deixei de ser uma  pescadora, uma marisqueira.
O fato da mãe de Simone, que você passava o tempo todo e ela estava quebrando seu aratuzinho. Ela criou os filhos dela, tudo no Mangue. E o lugar que ela sempre, onde ela me levou, muitas vezes para pescar.
Ela foi atacada por abelhas. Me lembro como hoje, dia de  terça-feira, ela saiu muito nervosa. Isso eu nunca falei para ninguém.
Muito nervosa. Eu disse: “Por que, mainha, você está nervosa? ” Ela começou a falar de alguns problemas  dentro de casa que estavam acontecendo.
Aí eu levei ela e deixei ela lá no Mangue. m Umas 11 horas foi quando vieram dar o recado, não a mim, mas a minha irmã. Minha mãe ficou das 11 horas até 3 horas da tarde.
Nem os corpos de bombeiro  conseguiam chegar para tirar de muitas abelhas. Eu vi ela, quando eu vinha na lancha. Eu vi!
Eu vi de cortar o coração. Ela foi uma guerreira até o  último instante que ela viveu. Ela morreu sendo mulher mesmo do Mangue.
Essa que pode dizer assim: “Eu sou do Mangue. Eu fui do Mangue até o fim! ” Porque foi de noite a dia.
A gente mandava ela parar, "a senhora não precisa ir mais", porque ela já estava aposentada. Só que esses velhos não  conseguem ficar parados, né? Se parar eles ficam doentes.
E sempre ela dizia, "eu vou morrer  no mangue", sempre ela dizia. Como se o mangue tivesse perdido uma filha. Nesse período ninguém ia na maré, porque de repente a maré escureceu.
O mangue pra mim, eu estou falando de toda a sinceridade, depois que minha mãe morreu. O mangue de pra mim morreu. Eu senti muito até hoje.
Eu não pisei o pé nesse mangue, e não piso. Não pisei. Eu passo por ele, quando eu passo por ele, eu  me arrepio e começo a chorar.
A ignorância é tão tamanha  da sociedade ainda, sabe? Não reconhece que é um trabalho  árduo, mas que vale a pena. E o município nunca homenageou uma mulher dessa.
Uma mulher que realmente é da terra,  uma mulher que morreu no trabalho. Eu sou lutadora, sou uma batalhadora, mas para Teresa eu arreio meu chapéu. É um exemplo de vida.
Em homenagem à Teresa. A rainha do mangue. O Brasil tem uma longa faixa litorânea e dentro dessa longa faixa litorânea há o ecossistema manguezal que é uma transição entre os  ambientes terrestres e marinhos.
Ele vai especificamente desde o norte, no cabo Oranje, no estado do Amapá, e vai até o sul do país, no estado de  Santa Catarina, especificamente Laguna. Se a gente for pensar no processo de  ocupação do território brasileiro, a maior parte da população brasileira  se encontra ao longo da costa. E isso comprometeu a presença desses ecossistemas.
No lugar dos manguezais se fizeram,  se construíram as grandes cidades. Consequentemente, boa parte  dessa linha de manguezal ao longo da costa brasileira, ela foi retirada dando lugar às  grandes cidades, às pequenas cidades, e áreas que recentemente  ainda estavam preservadas, atualmente sofrem sérias ameaças a partir da especulação  imobiliária e da carcinicultura, que compromete até mesmo a pesca artesanal. A pesca artesanal é a base de sustento de  diferentes famílias e comunidades tradicionais, como aqui em Sergipe, especificamente Estância.
Isso vem comprometendo não  apenas essas espécies animais, como toda a vida do manguezal. Mais diretamente, às famílias de marisqueiras que têm o seu sustento a partir  da retirada de diferentes espécies como os aratus, as ostras, massunim, sururu. Um ecossistema que não é tão conhecido.
Muitas pessoas ainda têm um certo  receio, preconceito por não conhecer, devido ao cheiro do manguezal mais forte, a presença da lama, mas é um ecossistema que tem extrema relevância, assim como todos os ecossistemas. Um precisa do outro, são interdependentes. E dentro do manguezal, também,  além das próprias espécies, é um grande berçário para diferentes  espécies de peixes que vêm se reproduzir, devido à grande quantidade de matéria orgânica.
Eu me cansaria de estar falando  da importância dos manguezais, não apenas da importância  do ponto de vista ambiental, mas também social, porque a gente tem que pensar os elementos  da natureza conectados à nossa vida social, então, é de extrema importância socioambiental. Enquanto geógrafa, ao me aproximar  desses lugares, dessas comunidades e vivenciar um pouco do cotidiano dessas mulheres a partir do edital “Mulher na Ciência”, que tem mexido bastante comigo  e com minha equipe de trabalho, e os bolsistas que fazem parte do projeto Ecotech, e tem contribuído muito para o entendimento, para o conhecimento desde ecossistema, e a gente só se sente pertencido  quando a gente conhece, e esse conhecimento desse ecossistema  só é permitido a partir das vivências. E quem vai nos mostrar as  problemáticas e as potencialidades?
Essas pessoas que vivenciam esse lugar. Então, a troca de saberes é muito importante e esse projeto que é denominado “Marisqueiras  de Estância: Resistência e Sabores” busca trabalhar, e dar esse devido  protagonismo que tem essas mulheres que infelizmente ao longo de gerações elas passam pela invisibilidade social. Então, é muito gratificante estar próximo  de mulheres tão fortes, tão resilientes, que ao longo de gerações foram esquecidas.
Porque é algo que não é apenas  enquanto fonte de renda, mas enquanto fonte de vida. Eu amo a categoria lugar, porque o lugar é onde tem  as vivências, a afetividade, as memórias, as sociabilidades. Então, a partir do momento em que a gente  tem o contato com os essas realidades, A gente tem o comprometimento ambiental.
E temos aí, os 17 objetivos do  desenvolvimento sustentável da agenda 2030 A gente tem a importância  com a sociedade de contribuir para a saúde do nosso planeta. E a saúde do nosso planeta É a saúde da sociedade Eu nasci e me criei, ribeirinha, na praia. Então, pessoa nenhuma venha chegar e  querer desfazer da minha comunidade, porque é ribeirinha, porque é  marisqueira, porque é pescadora, não!
Porque eu vou defender de dentes e unhas meus pescadores e minhas marisqueiras São muito discriminado mesmo, e eu tenho é orgulho de ser o que sou e não nego. Não é vergonhoso nós mostrarmos quem nós somos. Pois eu tenho orgulho de dizer que sou pescadora.
Mas o que é bonito na pessoa é você não  esquecer sua origem, de onde você veio. Dali, olhe, dali! A maré criou meus filhos todos!
Todos eles foi ela quem criou. É minha mãe, a maré meus irmãos o mangue. E aqui nós vivemos.
Com muita honra. Sou guardiã do meu mangue!
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