Para os animais, a vida parece ter pouquíssimas complicações. Comem quando estão com fome, dormem quando estão cansados, e suas poucas preocupações com o futuro parecem regidas mais por instinto que por ansiedade. Pelo que podemos dizer, os animais estão tão ocupados com o que fazem em um determinado instante que nunca passa pela cabeça deles questionar se a vida tem um significado ou um futuro.
Para que o animal seja feliz, basta que este momento seja agradável. Mas o ser humano dificilmente fica satisfeito com isso. Ele está muito mais preocupado em ter memórias e, especialmente, expectativas agradáveis.
Este é o problema humano; O Problema da Ansiedade. Alan Watts. Quando comparamos o desejo humano com o animal encontramos várias diferenças extraordinárias.
O animal tende a comer com estômago, e o ser humano com cérebro. Quando o estômago do animal está cheio, ele para de comer, mas o ser humano nunca tem certeza de quando parar. Depois de comer o máximo que a barriga aguenta, ele continua se sentindo o vazio, continua sentindo um impulso por se satisfazer ainda mais, isso se deve em grande parte à ansiedade, pois, como uma provisão constante de comida é incerta: “Devo comer o máximo que eu puder enquanto puder”.
E por sabermos que o prazer é incerto, devemos explorar o prazer imediato de comer ao máximo, mesmo que isso prejudique a digestão. Queremos mais, sempre mais, mais e mais. O desejo humano tende a ser insaciável, estamos tão ansiosos para o prazer que nunca achamos que basta, e estimulamos os órgãos sensoriais até que fiquem insensíveis, de forma que se o prazer continuar, eles precisarão de estímulos cada vez mais fortes para se defender, e o corpo ficará doente de tensão, mas o cérebro não quer parar.
O cérebro está em busca da felicidade, e porque o cérebro está mais preocupado com o futuro do que com um presente, ele concebe a felicidade como um futuro de prazeres indefinitivamente longo. Mas ele também sabe que ele não tem realmente um futuro indefinidamente longo, de forma que, para ser feliz, ele precisa tentar acumular todo o prazer do Paraíso e da eternidade em um espaço de poucos anos. É por isso que a civilização moderna é em quase todos os aspectos um círculo vicioso.
Sua fome é insaciável porque seu estilo de vida o condena à frustração perpétua. A raiz dessa frustração está em viver para o futuro, e o futuro é uma abstração, uma intervenção racional na experiência, que existe apenas para o cérebro. A consciência primária, a mente básica que conhece a realidade, em vez de conhecer ideias sobre ela, não conhece o futuro.
Ela vive ancorada no presente e não percebe nada além do que está acontecendo neste momento. O cérebro engenhoso, no entanto, olha para aquela parte da experiência presente chamada memória, e ao se aprofundar nela, se capacita a fazer previsões. Essas previsões são relativamente tão precisas e confiáveis que o futuro toma uma grande medida de realidade, tão grande que o presente perde o valor.
Dessa forma, a felicidade consistiria não de realidades sólidas e substanciais, mas de elementos abstratos e superficiais como promessas, esperanças e garantias. Assim, essa felicidade é um fantástico círculo vicioso, que deve produzir cada vez mais prazeres, gerando uma excitação constante dos ouvidos, dos olhos e das terminações nervosas com fluxos incessantes e inescapáveis de barulhos e distrações visuais. O problema de verdade é que estamos completamente frustrados, pois tentar agradar o cérebro é como tentar beber pelas orelhas.
Dessa forma, estamos cada vez menos capazes de um prazer real, estamos cada vez menos sensíveis às alegrias mais agudas e sutis da vida que são, de fato, extremamente comuns e simples. Agora mesmo, observe este momento. É fundamental entender que o momento presente é onde sempre vivemos, e é onde sempre viveremos.
Não há como se aproximar ou se afastar desse momento, ele é você, e você é ele, porque você é a vida, e a vida só existe agora. A existência, o universo físico, é basicamente uma brincadeira. Não há a necessidade de nada, não está indo para nenhum lugar.
Ou seja, não há um destino a que devemos chegar. Podemos entender isso melhor através de uma analogia com a música. Porque como a música é uma forma de arte e, essencialmente, é uma brincadeira.
A música é diferente do que, digamos, viagens. Quando você viaja, você está tentando chegar a algum lugar, e claro, por termos uma cultura muito impulsiva e objetiva estamos muito ocupados tentando chegar aos lugares cada vez mais rápido, até que eliminemos a distância entre os lugares. Na música, entretanto, não se busca o final da composição, como se fosse o objetivo.
Se fosse, os melhores maestros seriam aqueles que regeriam mais rápido. E existiriam compositores que escreveriam apenas os finais. E as pessoas iriam a um concerto apenas para escutar o último acorde, porque ele é o final!
Assim como na dança, você não foca em um ponto da sala onde você tem que chegar. O grande objetivo da dança é apenas a dança. Mas nós não enxergamos isso como algo aplicável a educação do nosso comportamento no dia-a-dia.
Nós temos um sistema escolar que nos dá uma impressão completamente diferente. No início, você vai para o jardim de infância e isto é ótimo porque quando você termina, você vai para o primeiro ano. E o primeiro ano te leva para o segundo, e assim por diante.
Você sai do ensino fundamental e vai para o ensino médio. Vai acelerando, e algo está chegando. Então você vai para a faculdade.
Você se forma. E depois você está pronto para aproveitar o mundo. Então você consegue um emprego em que você vende seguros.
Eles te dão uma meta para bater, e você deve atingir essa meta. A todo instante alguma “coisa” está chegando. Está chegando, está chegando, está chegando essa grande “coisa”, o sucesso pelo qual você está trabalhando.
Então, um dia você acorda com 40 anos e diz: “Meu Deus, eu cheguei”. E você não sente algo muito diferente do que sempre sentiu. E você se sente um pouco decepcionado, pois se sente enganado, e realmente foi, terrivelmente enganado, lhe fizeram perder tudo por causa da expectativa.
Olhe para as pessoas que vivem para se aposentar. Que fizeram grandes poupanças. Quando elas têm 65 anos, não sobrou nenhuma energia; e estão, de algum modo, impotentes.
Então, vão envelhecer em alguma comunidade para idosos. Tudo isso porque simplesmente enganamos a nós mesmos por todo esse tempo. Nós pensamos, por analogia, que a vida fosse uma jornada, uma peregrinação – com um sério propósito no final.
E o objetivo seria alcançar esse final. Sucesso, ou o que quer que seja, talvez o paraíso depois da morte. Mas deixamos de perceber durante todo o caminho, que era uma música.
E você deveria ter cantado ou dançado enquanto a música tocava. Ao invés de aproveitar o momento, você ainda quer algo mais, algo no futuro. E não existe um futuro – não realmente.
O passado e o futuro são apenas abstrações. O futuro ainda não chegou, e ele não pode se tornar parte da realidade vivida até que ele seja presente, já que o que sabemos sobre o futuro é feito de elementos puramente abstratos e lógicos – são apenas inferências, palpites e deduções – o futuro não pode ser comido, sentido, cheirado, visto, escutado e nem aproveitado de qualquer outro jeito. Persegui-lo significa perseguir um fantasma em uma fuga constante, e quanto mais rápida é a perseguição, mais rápido ele corre.
É por isso que todos os eventos da civilização estão acelerados, porque quase ninguém aproveita o que tem, e todos estão sempre procurando cada vez mais. As pessoas querem o yoga mais eficiente porque querem chegar lá rapidamente – querem chegar lá agora. Mas onde é que eles querem chegar?
Onde você quer chegar? O que você quer? Para onde você está indo?
Poucas pessoas sabem. Então, questione-se, para onde eu estou indo? E qual é a pressa?
Olhe em volta. Preste atenção. Talvez você já esteja lá – só que você ainda não percebeu.
Com os olhos focalizados no horizonte, não vemos o que está aos nossos pés. Se você não estiver totalmente aqui, e sua mente estiver sempre em outro lugar, você continuará faminto, e sempre correndo para chegar a algum outro lugar. E como sabemos, não há para onde ir, exceto, aqui.
Estamos constantemente correndo atrás de alguma coisa, de um resultado, do que quer que seja que pensávamos que queríamos. Nós nos convencemos de que isso nos faria felizes. Mas ter todas essas coisas não está funcionando – deveria, mas não funciona.
Não nos alimentamos bem, e muitas vezes usamos a comida para nos sentirmos felizes, mas acabamos com obesidade e indigestão. Para onde quer que olhemos, os anúncios nos convencem de que o mais importante na vida é comprar um determinado tipo de carro, iate ou casa, mas mesmo que possamos fazê-lo, não acabamos felizes. E então nos perguntamos o porquê e nos sentimos enganados.
Tudo isso ilustra que não estamos aqui. Para obter respostas, procuramos um psicanalista, um padre, um grupo de apoio. Todos nos convencem a seguir uma direção diferente, mas sempre parece que falta alguma coisa.
Não falta nada. Não falta nada – a menos, é claro, que você esteja morrendo de fome ou congelando, o que a maioria de nós não está. Quando estamos adequadamente alimentados e abrigados, não falta nada.
Ainda assim, estamos sempre olhando para o futuro, em busca de algo mais, algo mais – mais vida, mais tempo, mais o que quer que seja. Nada estraga mais o prazer do que a ansiedade de continuar conquistando outras coisas – mais, mais e mais. Isso só mostra que você não está satisfeito com o que tem agora; sempre achando que o que irá lhe satisfazer é algo que ainda está a caminho.
Você prefere comer geleia amanhã do que comer geleia hoje. Fazer planos só têm utilidade para as pessoas que vivem em um relacionamento adequado com o presente material, porque, se os planos derem certo, somente elas serão capazes de realmente aproveitá-los. Quando me refiro ao presente material, não me refiro ao presente medido, mas sim ao presente físico do ser real não-verbal.
As pessoas que não se relacionam bem com este presente material – o presente físico – tornam-se incompetentes em todas as artes práticas da vida. Tornam-se péssimos cozinheiros, péssimos amantes, péssimos arquitetos, péssimos ceramistas, péssimos fabricantes de roupas e assim por diante. .
. porque, realmente, essas pessoas não amam nada, exceto, abstrações. Vivendo por meio de abstrações – quantidades, dinheiro, status e símbolos – as pessoas ficam tão confusas que querem mais o símbolo do que o que ele significa.
Esse tipo de vida – que se vive na fantasia da expectativa, ao invés de se viver na realidade do presente, é um problema comum entre os indivíduos que só vivem para ganhar dinheiro. Muita gente rica entende mais de ganhar e economizar dinheiro do que de usá-lo e usufrui-lo. Essas pessoas não conseguem realmente viver, porque estão sempre muito ocupadas se preparando para viver.
Nesta cultura, fomos educados para vivermos para o futuro. Vivemos para o futuro principalmente porque o nosso presente é inadequado, e o nosso presente é inadequado apenas porque não o vivemos plenamente. Ao invés de se viver na realidade deste momento, as pessoas vivem por meio de abstrações.
Nossa consciência está quase completamente ocupada com memórias e expectativas. Nós não percebemos que nunca houve, há ou haverá, qualquer tipo de experiência além da experiência deste momento. A realidade é simplesmente este momento presente.
O passado e o futuro são apenas abstrações. Não há nada, exceto, o eterno agora. E não há para onde ir, exceto, aqui.
Não temos que chegar a algum lugar. Sentindo, enxergando e pensando assim, a vida não demanda futuro algum para se completar, nem explicação para se justificar. Nesse momento, ela se completa.