Alan Watts - O Problema da Ansiedade

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Corvo Seco
Trechos dos livros “Learning the Human Game”, “Just So” e “The Dream of Life”, de Alan Watts. Alan ...
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Para os animais, a vida parece ter pouquíssimas complicações. Comem quando estão com  fome, dormem quando estão cansados, e suas poucas preocupações com o futuro parecem  regidas mais por instinto que por ansiedade. Pelo que podemos dizer, os animais  estão tão ocupados com o que fazem em um determinado instante que nunca passa  pela cabeça deles questionar se a vida tem um significado ou um futuro.
Para que o animal seja feliz, basta que este momento seja agradável. Mas o ser  humano dificilmente fica satisfeito com isso. Ele está muito mais preocupado em ter memórias  e, especialmente, expectativas agradáveis.
Este é o problema humano; O Problema da Ansiedade. Alan Watts. Quando comparamos o desejo humano com o animal  encontramos várias diferenças extraordinárias.
O animal tende a comer com estômago, e o  ser humano com cérebro. Quando o estômago do animal está cheio, ele para de comer, mas o  ser humano nunca tem certeza de quando parar. Depois de comer o máximo que a barriga aguenta,  ele continua se sentindo o vazio, continua sentindo um impulso por se satisfazer ainda mais,  isso se deve em grande parte à ansiedade, pois, como uma provisão constante de comida é incerta:  “Devo comer o máximo que eu puder enquanto puder”.
E por sabermos que o prazer é incerto, devemos  explorar o prazer imediato de comer ao máximo, mesmo que isso prejudique a digestão. Queremos mais, sempre mais, mais e mais. O desejo humano tende a ser insaciável, estamos  tão ansiosos para o prazer que nunca achamos que basta, e estimulamos os órgãos sensoriais  até que fiquem insensíveis, de forma que se o prazer continuar, eles precisarão de estímulos  cada vez mais fortes para se defender, e o corpo ficará doente de tensão, mas o cérebro não quer  parar.
O cérebro está em busca da felicidade, e porque o cérebro está mais preocupado  com o futuro do que com um presente, ele concebe a felicidade como um futuro de  prazeres indefinitivamente longo. Mas ele também sabe que ele não tem realmente um futuro  indefinidamente longo, de forma que, para ser feliz, ele precisa tentar acumular todo o  prazer do Paraíso e da eternidade em um espaço de poucos anos. É por isso que a civilização moderna  é em quase todos os aspectos um círculo vicioso.
Sua fome é insaciável porque seu estilo  de vida o condena à frustração perpétua. A raiz dessa frustração está em viver  para o futuro, e o futuro é uma abstração, uma intervenção racional na experiência,  que existe apenas para o cérebro. A consciência primária, a mente  básica que conhece a realidade, em vez de conhecer ideias sobre  ela, não conhece o futuro.
Ela vive ancorada no presente e não percebe  nada além do que está acontecendo neste momento. O cérebro engenhoso, no entanto, olha para aquela  parte da experiência presente chamada memória, e ao se aprofundar nela, se capacita a fazer  previsões. Essas previsões são relativamente tão precisas e confiáveis que o futuro  toma uma grande medida de realidade, tão grande que o presente perde o valor.
Dessa  forma, a felicidade consistiria não de realidades sólidas e substanciais, mas de elementos  abstratos e superficiais como promessas, esperanças e garantias. Assim, essa  felicidade é um fantástico círculo vicioso, que deve produzir cada vez mais prazeres, gerando  uma excitação constante dos ouvidos, dos olhos e das terminações nervosas com fluxos incessantes  e inescapáveis de barulhos e distrações visuais. O problema de verdade é que  estamos completamente frustrados, pois tentar agradar o cérebro é como  tentar beber pelas orelhas.
Dessa forma, estamos cada vez menos capazes de um prazer  real, estamos cada vez menos sensíveis às alegrias mais agudas e sutis da vida que  são, de fato, extremamente comuns e simples. Agora mesmo, observe este momento. É fundamental  entender que o momento presente é onde sempre vivemos, e é onde sempre viveremos.
Não há como se aproximar ou se afastar desse momento, ele é você, e você é ele, porque  você é a vida, e a vida só existe agora. A existência, o universo físico, é basicamente  uma brincadeira. Não há a necessidade de nada, não está indo para nenhum lugar.
Ou seja,  não há um destino a que devemos chegar. Podemos entender isso melhor  através de uma analogia com a música. Porque como a música é uma forma de  arte e, essencialmente, é uma brincadeira.
A música é diferente do que, digamos, viagens.  Quando você viaja, você está tentando chegar a algum lugar, e claro, por termos uma cultura  muito impulsiva e objetiva estamos muito ocupados tentando chegar aos lugares cada vez mais rápido,  até que eliminemos a distância entre os lugares. Na música, entretanto, não se busca o final da  composição, como se fosse o objetivo.
Se fosse, os melhores maestros seriam aqueles  que regeriam mais rápido. E existiriam compositores que escreveriam apenas os finais.  E as pessoas iriam a um concerto apenas para escutar o último acorde, porque ele é o final!
Assim como na dança, você não foca em um ponto da sala onde você tem que chegar. O  grande objetivo da dança é apenas a dança. Mas nós não enxergamos isso como algo  aplicável a educação do nosso comportamento no dia-a-dia.
Nós temos um sistema escolar que  nos dá uma impressão completamente diferente. No início, você vai para o jardim de infância  e isto é ótimo porque quando você termina, você vai para o primeiro ano. E o primeiro ano te  leva para o segundo, e assim por diante.
Você sai do ensino fundamental e vai para o ensino médio. Vai acelerando, e algo está chegando. Então você vai para a faculdade.
Você se forma. E depois  você está pronto para aproveitar o mundo. Então você consegue um emprego em que você  vende seguros.
Eles te dão uma meta para bater, e você deve atingir essa meta. A todo instante  alguma “coisa” está chegando. Está chegando, está chegando, está chegando essa grande “coisa”,  o sucesso pelo qual você está trabalhando.
Então, um dia você acorda com 40 anos e diz: “Meu  Deus, eu cheguei”. E você não sente algo muito diferente do que sempre sentiu. E você se sente  um pouco decepcionado, pois se sente enganado, e realmente foi, terrivelmente enganado, lhe  fizeram perder tudo por causa da expectativa.
Olhe para as pessoas que vivem para se aposentar.  Que fizeram grandes poupanças. Quando elas têm 65 anos, não sobrou nenhuma energia; e  estão, de algum modo, impotentes.
Então, vão envelhecer em alguma comunidade para idosos.  Tudo isso porque simplesmente enganamos a nós mesmos por todo esse tempo. Nós pensamos,  por analogia, que a vida fosse uma jornada, uma peregrinação – com um sério propósito no  final.
E o objetivo seria alcançar esse final. Sucesso, ou o que quer que seja, talvez o paraíso  depois da morte. Mas deixamos de perceber durante todo o caminho, que era uma música.
E você deveria  ter cantado ou dançado enquanto a música tocava. Ao invés de aproveitar o momento, você  ainda quer algo mais, algo no futuro. E não existe um futuro – não realmente.
O passado e o futuro são apenas abstrações. O futuro ainda não chegou, e ele não pode  se tornar parte da realidade vivida até que ele seja presente, já que o que sabemos sobre o  futuro é feito de elementos puramente abstratos e lógicos – são apenas inferências, palpites  e deduções – o futuro não pode ser comido, sentido, cheirado, visto, escutado e  nem aproveitado de qualquer outro jeito. Persegui-lo significa perseguir um fantasma em uma fuga constante, e quanto mais rápida é  a perseguição, mais rápido ele corre.
É por isso que todos os eventos  da civilização estão acelerados, porque quase ninguém aproveita o que tem, e  todos estão sempre procurando cada vez mais. As pessoas querem o yoga mais eficiente porque  querem chegar lá rapidamente – querem chegar lá agora. Mas onde é que eles querem chegar?
Onde você quer chegar? O que você quer? Para onde você está indo?
Poucas pessoas sabem. Então, questione-se, para onde eu estou indo? E qual é a pressa?
Olhe em volta. Preste atenção. Talvez você já esteja lá – só  que você ainda não percebeu.
Com os olhos focalizados no horizonte,  não vemos o que está aos nossos pés. Se você não estiver totalmente aqui, e  sua mente estiver sempre em outro lugar, você continuará faminto, e sempre  correndo para chegar a algum outro lugar. E como sabemos, não há  para onde ir, exceto, aqui.
Estamos constantemente correndo atrás de alguma  coisa, de um resultado, do que quer que seja que pensávamos que queríamos. Nós nos convencemos  de que isso nos faria felizes. Mas ter todas essas coisas não está funcionando – deveria,  mas não funciona.
Não nos alimentamos bem, e muitas vezes usamos a comida para nos sentirmos  felizes, mas acabamos com obesidade e indigestão. Para onde quer que olhemos, os anúncios nos  convencem de que o mais importante na vida é comprar um determinado tipo de carro,  iate ou casa, mas mesmo que possamos fazê-lo, não acabamos felizes. E então  nos perguntamos o porquê e nos sentimos enganados.
Tudo isso ilustra que não estamos aqui. Para obter respostas, procuramos um psicanalista, um padre, um grupo de apoio. Todos nos  convencem a seguir uma direção diferente, mas sempre parece que falta alguma coisa. 
Não falta nada. Não falta nada – a menos, é claro, que você esteja morrendo de  fome ou congelando, o que a maioria de nós não está. Quando estamos adequadamente  alimentados e abrigados, não falta nada.
Ainda assim, estamos sempre olhando para o futuro,  em busca de algo mais, algo mais – mais vida, mais tempo, mais o que quer que seja. Nada estraga mais o prazer do que a ansiedade de continuar conquistando outras  coisas – mais, mais e mais. Isso só mostra que você não está satisfeito com o que tem agora;  sempre achando que o que irá lhe satisfazer é algo que ainda está a caminho.
Você prefere  comer geleia amanhã do que comer geleia hoje. Fazer planos só têm utilidade para as  pessoas que vivem em um relacionamento adequado com o presente material, porque,  se os planos derem certo, somente elas serão capazes de realmente aproveitá-los. Quando me refiro ao presente material, não me refiro ao presente medido, mas sim  ao presente físico do ser real não-verbal.
As pessoas que não se relacionam bem com este  presente material – o presente físico – tornam-se incompetentes em todas as artes práticas  da vida. Tornam-se péssimos cozinheiros, péssimos amantes, péssimos arquitetos, péssimos  ceramistas, péssimos fabricantes de roupas e assim por diante. .
. porque, realmente, essas  pessoas não amam nada, exceto, abstrações. Vivendo por meio de abstrações – quantidades,  dinheiro, status e símbolos – as pessoas ficam tão confusas que querem mais o símbolo  do que o que ele significa.
Esse tipo de vida – que se vive na fantasia da expectativa,  ao invés de se viver na realidade do presente, é um problema comum entre os indivíduos que só  vivem para ganhar dinheiro. Muita gente rica entende mais de ganhar e economizar dinheiro  do que de usá-lo e usufrui-lo. Essas pessoas não conseguem realmente viver, porque estão  sempre muito ocupadas se preparando para viver.
Nesta cultura, fomos educados  para vivermos para o futuro. Vivemos para o futuro principalmente porque o  nosso presente é inadequado, e o nosso presente é inadequado apenas porque não o vivemos plenamente. Ao invés de se viver na realidade deste momento, as pessoas vivem por meio de abstrações.
Nossa  consciência está quase completamente ocupada com memórias e expectativas. Nós não percebemos  que nunca houve, há ou haverá, qualquer tipo de experiência além da experiência deste momento. A realidade é simplesmente este momento presente.
O passado e o futuro são apenas  abstrações. Não há nada, exceto, o eterno agora. E não há para onde ir, exceto,  aqui.
Não temos que chegar a algum lugar. Sentindo, enxergando e pensando assim, a vida  não demanda futuro algum para se completar, nem explicação para se justificar.  Nesse momento, ela se completa.
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