O que é a meditação? Muitos associam a meditação a algo oriental e exótico, e se perguntam por que deveriam gastar 20 minutos preciosos de suas vidas para meditar. A meditação é o treinamento da mente, e isso significa mudar a forma como experimentamos as circunstâncias externas e o nosso mundo interno de emoções.
Se treinarmos a mente, poderemos transformar radicalmente as nossas experiências para melhor e, através de um esforço contínuo, essa mudança positiva aconteceria naturalmente. A neurociência confirma que a exposição regular a novas experiências traz mudanças duradouras no funcionamento do cérebro, reduzindo o estresse e fortalecendo o sistema imunológico. A ciência contemplativa mostra que, se meditarmos regularmente, dentro de algumas semanas ou meses, passaríamos por uma grande mudança.
Mas para alcançarmos essa mudança profunda, é necessário tempo e perseverança. Não nascemos sabendo ler, escrever, andar de bicicleta, jogar xadrez ou tocar Mozart. Essas habilidades requerem um enorme esforço de treinamento, disciplina e uma prática contínua.
Sabemos que a maestria em qualquer disciplina, música, medicina, matemática etc. , requer um treinamento intensivo. Todos concordamos que passar anos na escola, ter um treinamento profissional, se dedicar a aprender um instrumento musical ou se esforçar para se tornar um atleta são atividades benéficas.
Estranhamente, assumimos que qualidades humanas básicas como a paz de espírito, a bondade amorosa, a compaixão e o equilíbrio emocional estarão disponíveis em seu estado pleno apenas porque queremos. Isso é como esperar que alguém que nunca tocou piano possa de repente tocar uma sinfonia. Por que seria assim com a mente?
Talvez um dos nossos maiores erros seja subestimar o poder de transformação da mente, e assim, não aproveitamos do nosso potencial máximo. Revelar o nosso potencial máximo é o que constitui o nosso caminho espiritual, e isso está ao nosso alcance. Essa é a arte da contemplação.
A Arte da Contemplação. Matthieu Ricard. O budismo nos ensina que não somos vítimas das circunstâncias, mas que influenciamos o que experimentamos e a forma como experimentamos.
Sabemos que nossa mente pode eclipsar facilmente as condições externas. Podemos nos sentir miseráveis em um aparente paraíso, ou podemos encontrar alegria mesmo em circunstâncias difíceis. Tudo depende da mente.
E ainda assim, fazemos muito pouco para melhorar o funcionamento de nossa mente. Parece desejável desenvolver certas habilidades e qualidades que temos o potencial para alcançar. A questão é: isso é possível?
Podemos pensar que nossas características estão tão enraizadas pela genética, experiências de vida e circunstâncias que há pouca margem para mudança. Talvez características como ciúme ou raiva sejam tão intrínsecas à natureza humana que tentar se livrar delas seria como tentar destruir uma parte de nós mesmos. Contudo, a abordagem contemplativa pode ajudar a resolver essa questão.
Agressão, ganância, ciúme e outros venenos mentais são inquestionavelmente parte de nós, mas serão uma parte intrínseca e inalienável? Não necessariamente. Por exemplo, um copo de água pode conter cianeto que pode nos matar na hora.
Mas a mesma água poderia ser misturada com remédios curativos. Em ambos os casos, H2O, a fórmula química da água, permanece inalterada; e em si, nunca foi venenosa ou medicinal. Os diferentes estados da água são temporários e dependem de mudanças nas circunstâncias.
De forma semelhante, nossas emoções, humores e maus traços de caráter são apenas elementos temporários e circunstanciais de nossa natureza. Esta qualidade temporária e circunstancial torna-se clara para nós quando percebemos que a qualidade primária da consciência é simplesmente a consciência. Tal como a água no exemplo acima, a consciência não é boa nem má em si.
Se olharmos por trás do fluxo turbulento de pensamentos e emoções transitórias que passam por nossas mentes dia e noite, esse aspecto fundamental da consciência estará sempre presente. Todas as emoções e pensamentos são construções mentais que surgem de várias causas e condições. Se olharmos profundamente, existe uma qualidade luminosa e primordial da consciência que não é corrompida por esses estados mentais.
A qualidade fundamental da cognição, que é a natureza luminosa da mente, permite o surgimento dos pensamentos, no entanto, nenhum deles pertence à natureza fundamental da mente. Ao examinarmos as emoções, percebemos que elas são fluxos dinâmicos desprovidos de qualquer substância intrínseca – o que o budismo chama de “vacuidade” de existência real dos pensamentos. Sobre isso, eis o que diz Khyentse Rinpoche: “Lembre-se que um pensamento é apenas o produto da conjunção fugaz de numerosos fatores e circunstâncias.
Ele não existe por si mesmo. Quando um pensamento surge, reconheça que ele é, por natureza, vazio. Reconheça a vacuidade dos pensamentos e deixe que eles repousem por um instante na mente relaxada, de maneira que a clareza natural permaneça límpida e inalterável”.
Isso significa que conseguimos a liberação dos pensamentos através do reconhecimento da sua vacuidade, através do reconhecimento da sua falta de existência própria. Ao proceder assim, os pensamentos atravessam a mente sem deixar vestígios, como o voo de um pássaro que não deixa rastros no céu. Contemple a vacuidade da mente.
A pura consciência, que é a fonte de todos os eventos mentais, não é boa nem má em si mesma. Os pensamentos tornam-se perturbadores somente quando acontece o processo de “fixação”, quando nos apegamos às qualidades que atribuímos ao objeto da emoção, e quando nos apegamos ao “eu” que está sentindo. Nesse ponto, é necessário não se esquecer que a fonte das emoções perturbadoras é o apego ao ego.
Para ficarmos livres do sofrimento interior, de uma vez por todas, não basta nos livrarmos das emoções em si; mas é necessário erradicar o apego ao ego. Isso é possível? Sim, porque, como vimos, o ego existe como uma mera ilusão.
O ego existe como um conceito ou uma falsa ideia, e pode ser dissolvido através da sabedoria que reconhece que o ego é desprovido de uma existência intrínseca. Segundo o Budismo, a mente não é uma entidade real, mas sim um fluxo dinâmico de experiências, uma sucessão de momentos de consciência. Estas experiências são muitas vezes marcadas por confusão e sofrimento, mas também podemos vivê-las num amplo estado de clareza e liberdade interior.
Por exemplo, todos já tivemos sentimentos de amor incondicional por alguém em algum momento, mas isso geralmente duram poucos segundos. Todos nós temos o potencial para a bondade amorosa, mas por que não passamos 10, 15 ou 20 minutos cultivando a bondade amorosa, como fazemos com os exercícios físicos? Se nos propusermos a sustentar o sentimento de amor incondicional por 20 minutos, isso faria uma grande diferença, assim como praticar piano por 20 minutos resultaria em um progresso real.
É o mesmo processo. Essa é a arte da contemplação. Se meditarmos 20 minutos por dia, durante um mês, sobre a vacuidade da mente, sobre a atenção plena ou sobre a bondade amorosa, veremos mudanças.
É um processo, e o melhor é fazer períodos curtos de meditação regularmente, mas continuar ao longo do tempo. Definitivamente, alguma mudança acontecerá. O budismo ensina vários métodos de meditação.
Todos eles têm em comum um ponto essencial e a mesma meta: ajudar-nos a não nos tornarmos vítimas das emoções aflitivas e do sofrimento a que elas nos conduzem. Isso significa não sermos mais escravos das emoções negativas, e assim, progredimos em direção à liberação do sofrimento. Cada uma das técnicas de meditação é como uma chave; pouca diferença faz se ela é feita de ferro, de prata ou de ouro, contanto que ela abra a porta para a liberdade.
Esse é o coração da meditação: cultivar qualidades humanas básicas com regularidade, disciplina e entusiasmo. Então, uma vez que tivermos desenvolvido familiaridade suficiente com um determinado estado mental positivo, devemos tentar aplicá-lo em nosso cotidiano. Nós não devemos apenas desenvolver estados mentais positivos enquanto estamos sentados em nossa almofada de meditação, mas devemos fazê-lo em nosso cotidiano.
Este é todo o propósito. Apenas pensar pensamentos amorosos enquanto estamos sentados na almofada, mas depois ter acessos de raiva com a família e com os colegas não é o objetivo desejado. Nunca devemos tratar a meditação como uma fuga da vida, onde apenas queremos passar alguns minutos nos acalmando apenas para nós mesmos.
Também será uma fuga se ficarmos pensando em vários tipos de coisas incríveis, viajando para uma espécie de ilha da fantasia. A prática da meditação deveria ser bem diferente; estamos treinando para sermos capazes de lidar com os problemas da vida. É um trabalho duro, e não devemos nos enganar ou nos deixar enganar por outros que nos fazem pensar que isso será rápido e fácil.
Não é fácil superar o egoísmo e as nossas emoções destrutivas, pois elas são baseadas em hábitos muito, muito profundos. A única maneira de superá-los é mudando a nossa postura em relação a como experimentamos as coisas. Em última análise, o treinamento da mente nos levará a um estado de felicidade e equilíbrio mental, melhorando nossa relação com os outros e nos capacitando a agir com mais altruísmo e compaixão.
A verdadeira liberdade da mente é alcançada quando finalmente não somos mais escravos de nossos pensamentos, mas podemos direcioná-los de maneira intencional e benéfica. A verdadeira liberdade significa libertar-se das ordens do ego e das emoções que o acompanham. Contrariamente ao que poderíamos pensar, o estado de liberdade interior em relação às emoções não leva nem à apatia nem à indiferença.
A vida não perde as suas cores. O que ocorre é que, em vez de sermos um joguete dos nossos pensamentos, nossas disposições e nossos humores aflitivos, nos tornamos os seus mestres. Não como um tirano que exerce um controle incansável e obsessivo sobre os seus súditos, mas como um ser humano que é livre e senhor do seu próprio destino.
Nesse ponto, os estados mentais conflituosos dão lugar a um rico leque de emoções positivas, que interagem com os outros seres, tendo como base uma apreensão fluida da realidade. A sabedoria e a compaixão tornam-se a influência predominante, guiando os nossos pensamentos, palavras e atos. Essa é nossa verdadeira liberdade.