Por décadas, um país africano inteiro foi colocado a serviço pessoal de um único rei europeu num dos regimes colonialistas mais cruéis da história. Agora, o legado desse rei está sendo revisto dentro de casa, em meio a protestos, investigações e retratações históricas. Eu sou Julia Braun, da BBC News Brasil, e neste vídeo vou falar sobre a colonização belga no território que é hoje a República Democrática do Congo, uma história bárbara e que despertou a reação até mesmo das outras potências colonialistas da época.
Voltemos no tempo para 1885, na Conferência de Berlim, quando os países da Europa se reuniram para fazer o que ficou conhecido como a Partilha da África. Ou seja, dividir o continente africano em pedaços que seriam oficial e politicamente controlados pelas potências europeias daquele período. Nessa conferência, o rei Leopoldo 2°, da Bélgica, pleiteou levar uma missão “civilizatória” e “filantrópica” para a região da bacia do rio Congo, no centro do continente africano.
O pedido deu certo: o rei passou a ser o detentor pessoal de 2 milhões de quilômetros quadrados no coração da África, uma área maior que o Estado brasileiro do Amazonas. Leopoldo 2° batizou a região de Estados Livres do Congo e transformou o lugar em sua colônia pessoal. A missão no Congo era chamada de “humanitária”, mas o objetivo real era exploração de matérias-primas valiosas, como borracha, marfim e minérios, que eram levados à Europa.
Essas riquezas passaram a ser extraídas com o trabalho forçado de milhões de congoleses, que eram tratados com violência e torturados e mutilados caso seu trabalho não trouxesse os resultados desejados. Fotos de arquivo da época dão a dimensão dessa brutalidade, mostrando congoleses sem mãos ou pés depois de terem sido punidos. Uma das fotos mais marcantes mostra um homem observando os pequenos braços e pés que haviam sido amputados de sua filha de cinco anos.
A menina foi morta em retaliação ao fato de que a aldeia onde ela morava não tinha produzido borracha o suficiente. Os administradores coloniais também sequestravam crianças órfãs de comunidades congolesas e as levavam a “colônias infantis” para trabalharem ou serem treinadas como soldados. Mais da metade delas morriam nesses lugares.
Os cálculos atuais sugerem que assassinatos, fome, doenças e maus-tratos levaram à morte de cerca de 10 milhões de pessoas na bacia do Congo, mas não existe um consenso sobre isso entre historiadores. Leopoldo 2° nunca pôs os pés na sua colônia pessoal africana. Mas os lucros da venda das matérias-primas enriqueceram ele pessoalmente e fluíram pela economia da Bélgica.
No seu palácio na cidade belga de Tervuren, Leopoldo construiu o Museu da África, em que 267 pessoas congolesas eram exibidas em um “zoológico humano”. A crueldade e a brutalidade praticadas contra os congoleses começaram a chamar atenção em outros países europeus, eles próprios praticantes de abusos e violência em suas colônias africanas. Uma das vozes que se levantaram foi a do jornalista Edmund Dene Morel, que passou uma década escrevendo reportagens e discursos expondo o regime belga ao público europeu.
As imagens de pessoas mutiladas, aldeias destruídas e crianças sendo recrutadas pelo Exército causaram indignação e reações políticas. Em 1908, sob pressão externa, o Parlamento da Bélgica forçou o rei a abdicar do controle do Congo. A região deixou de ser propriedade pessoal do rei, mas virou uma colônia belga – o Congo Belga –, e assim continuou por mais meio século.
Nesse período, as rebeliões congolesas se tornaram mais frequentes, e os choques com as tropas belgas se tornaram mais violentos. Até que, em 1960, a Bélgica capitulou e aceitou a independência do Congo. Em plena guerra fria, o novo país virou palco de uma entre as muitas disputas de influência entre americanos e soviéticos, mas também de brigas internas entre grupos políticos rivais.
Depois de 30 anos de ditadura militar em que o país foi batizado de Zaire, nasceu em 1997 a República Democrática do Congo, com um regime frágil e uma sucessão de assassinatos políticos, golpes e disputas de poder entre milícias. Uma guerra civil iniciada no final dos anos 1990 nunca cessou plenamente, deixando mais de 6 milhões de mortos – vítimas de confrontos diretos ou de doenças e desnutrição. A República Democrática do Congo é até hoje um dos países mais pobres e conflagrados de todo o mundo.
E hoje, como esse legado colonial é encarado pelos próprios belgas? Em junho de 2022, o atual rei belga, Felipe, fez sua primeira visita à República Democrática do Congo e fez um gesto simbólico: devolveu uma máscara tribal congolesa, um dos 8 mil artefatos que foram tirados do país durante o domínio belga. Mas, acima de tudo, o novo rei condenou a ação de seu país durante o período colonial.
Alguns congoleses esperavam por um pedido mais explícito de desculpas. E mesmo na Bélgica o período colonial está sendo visto com novos olhos. O rei Leopoldo 2° não era popular quando morreu, em 1909.
Mas, como explicam as repórteres da BBC Georgina Rannard e Eve Webster, naquela época a Primeira Guerra Mundial se aproximava e existia entre os belgas o medo de que seu país pudesse ser varrido do mapa. Nesse espírito, o sobrinho e sucessor de Leopoldo, o rei Alberto 1°, ergueu estátuas do tio para reforçar a memória coletiva do que seriam os tempos de glória e modernização para um país de pequenas proporções geográficas. E foi assim que o período de Leopoldo 2° seria retratado nas décadas seguintes.
Essa imagem persistiu em uma parcela da população. Em 2010, o ex-chanceler belga Louis Michel chamou Leopoldo de “um herói com ambições para um país pequeno como a Bélgica”. Mas muitos também passaram a questionar esse passado e criticar a exaltação a um período sanguinário da história.
Esse movimento chegou ao auge em 2020, quando a morte do afro-americano George Floyd despertou protestos globais contra o racismo e a opressão. Na Bélgica, isso tomou forma com manifestações em várias cidades, que destruíram estátuas do antigo rei – até que elas fossem removidas. Na mesma onda, o Parlamento belga criou uma comissão para examinar registros históricos do período.
Um relatório final é esperado para ainda este ano. O atual premiê belga, Alexander De Croo, que também participou da visita ao Congo, afirmou o seguinte, abre aspas. “Todos sabemos que, na longa relação entre os países, houve um período que foi doloroso para a população congolesa.
Acho importante olhar isso diretamente nos olhos”. Por hoje eu fico por aqui, depois conta para a gente nos comentários se você gosta de vídeos históricos como esse. Até a próxima!