Existem fatores de descoordenação na maneira como a gente trabalha, fatores intangíveis, invisíveis que estão por trás dos grandes acidentes. Oi Carmen obrigada pela sua presença aqui no Bate-Papo pra gente falar hoje sobre a segurança de trabalho no Brasil. Qual é a relação entre a cultura e a segurança no trabalho?
Nossa, essa relação é próxima e direta, Mariana. A cultura é o que faz toda a diferença entre o que funciona e o que não funciona, então a gente faz todo um trabalho de planejamento de gestão de risco, engenharia de risco, prevenção de acidentes, mas e se as pessoas não cumprem? E se as pessoas não levam aquilo a sério ou se as pessoas não entenderam direito o que fazer?
A cultura é esse mecanismo de coordenação informal que garante que aquilo que a gente planejou vai funcionar na prática. Agora de que forma a cultura de uma organização impacta na segurança do trabalho de uma empresa, de organização? Depois desses nossos 18 anos de pesquisa eu não teria dúvida nenhuma de dizer que ela é o fator principal, que ela é o fator chave.
Então nós temos alguns elementos na cultura nacional e na nossa história que fazem com que a gente tenha uma propensão a causar grandes acidentes. Existem fatores de descoordenação na maneira como a gente trabalha, fatores intangíveis, invisíveis que estão por trás dos grandes acidentes e a cultura das organizações é o fator que consegue neutralizar isso. Se nós conseguirmos trabalhar a cultura das organizações como mecanismo de integração interno capaz de dar resposta a estes desafios a gente consegue chegar muito perto do acidente zero, e o bom é que o que a gente viu é que é super possível e isso dá um ânimo muito grande pra compartilhar o resultado dessas pesquisas.
De que forma é tão impossível assim? quando a gente consegue entender a causa "comportamental" como as pessoas dizem, e a gente entende onde é que está o gatilho e vai procurar a solução para aquele gatilho você consegue resolver. Então o Brasil tem um problema de uma distância de poder muito grande, essa é uma métrica internacional de comparação de culturas nacionais, nós temos muita distância entre estado e sociedade, muita distância entre o topo e a base das organizações, e já há uma correlação estatística comprovada entre distância de poder e acidentes, é a correlação mais forte quando você cruza todas as métricas globais em diferentes países há uma correlação direta.
Nós temos também uma fortíssima aversão a risco, uma forte propensão a controlar incerteza e baixa confiança, quando você mistura essas três características da cultura nacional o que acaba acontecendo é que a gente foca muito no controle como é que o controlo o comportamento do outro, aí a gente cria norma padrão, procedimento, controle, acompanhamento, monitora de perto as pessoas e aí o acidente acontece porque a interseção entre esses três fatores dificulta na realidade que a gente faça uma evolução da capacidade dos times de trabalhar, de maneira interdependente colaborativa para evitar problema na tarefa concreta que eles estão vendo. Quando eu consigo fazer com que as pessoas colaborem de maneira ordenada eu consigo ir reduzindo os impactos negativos da heterogeneidade e da desigualdade na construção da confiança então quanto mais heterogeneidade e mais desigualdade menor a confiança. A gente falou, se confiança é o problema vamos procurar organizações que tenham forte confiança no Brasil para ver como é que resolve isso.
Procuramos muito e não achávamos. E aí a gente foi para a literatura a gente foi procurar e a gente descobriu que organizações que enfrentam forte risco, risco pessoal e profissional muito alto só conseguem operar se tiver forte confiança. A gente falou vamos bater na porta do Bope ver se eles deixam a gente pesquisar isso.
Nós replicamos as métricas globais, comparamos a propensão a confiar dentro do Bope com a Core, com a Coty com a Swat, com os Marines e o que a gente descobriu que o Bope tem uma propensão a confiar até maior do que alguma tropa americana, eles têm uma forte confiança interna e isso faz com que eles tenham acidentes de trabalho muito menores do que a média global e uma coisa muito curiosa, eles estão em operação diariamente desde 1978 eles só tiveram nove fatalidades em serviço, o que é um resultado absolutamente impressionante quando você olha para a periculosidade da atividade deles e pela periculosidade das atividades laborais em organizações produtivas. E como é que a gente pode aumentar a confiança? Nós temos que trabalhar com uma liderança que compartilhe mais responsabilidade.
Então ao invés do líder dizer o que as pessoas precisam fazer, a liderança precisa ajudar as pessoas a entender os desafios que elas tem pela frente e ajudar as equipes a juntos descobrirem melhor maneira de resolver seus desafios e isso vai gradativamente aumentando previsibilidade, confiabilidade na base e isso vai dissolvendo essa tensão que existe, não vou colaborar com o patrão, essas coisas todas, vai dissolvendo isso, fazendo com que as empresas caminhem melhor mas nós temos um problema no Brasil grande que nós temos que resolver que é redefinir a função dos nossos conselhos de administração. O Brasil é um país com um histórico escravagista, era uma colônia de exploração com uma lógica muito extrativista de pensamento, muitos traços de uma cultura extrativista ainda está presente nas empresas brasileiras e nós temos uma economia muito calcada sobre commodities e se eu tenho uma economia calcada sobre commodities, eu quero aumentar a escala, reduzir custo unitário, reduzir o custo de exportação, por isso quero que o país invista em logística, porque eu quero chegar no porto com o preço mais barato pra vender com escala. Ora se eu tenho essa matriz econômica eu não estou preocupado em gerenciar inovação, eu não estou preocupado em gerenciar a excelência operacional, eu não estou muito preocupado com isso.
quando a gente pega o nosso avanço em competitividade ele anda pari passu com o preço das commodities. O preço das commodities sobem, a competitividade da economia sobe, o preço das commodities cai, a competitividade da economia brasileira cai. A gente precisa parar de brincar de disso.
Nós temos tudo hoje para liderar uma dinâmica de inovação e trabalhar com empresas mais seguras, mas os conselhos selecionam executivos com foco em retorno financeiro de curto prazo, e são os conselheiros que estão criando os riscos para os acionistas derivados de acidentes de trabalho porque eles não cobram e não dão suporte para que os executivos faça um investimento de médio longo prazo em segurança. Nós precisamos corrigir a governança da gestão de risco nessa relação entre o dono do capital e o conselheiro que o representa no conselho administrativo, porque a garantia da prosperidade e do dono do capital no médio e no longo prazo vai depender da qualidade com a qual o conselheiro dá suporte para os gestores na gestão de risco e cobre indicadores adequados disso. Se nós melhorarmos a governança desses fatores a gente acaba com as esses grandes acidentes, se a gente trabalhar do capital para baixo e das equipes operacionais para cima a gente resolve esse problema de agência, criando uma lógica ganha ganha todo mundo ganha cooperando e é pra lá que a gente precisa caminhar como país e economia.
Deixe eu agradecer sua presença aqui no Bate-Papo FGV. Obrigado foi ótima a entrevista. Obrigada.