[Acorde de violão] [Buzina de carro] Começa agora Inédita Pamonha, por instantes felizes, virginais e irrepetíveis. [Fundo musical] Inédita Pamonha, podcast que nos acompanha já para o seu sétimo episódio. Você que me ouve não pode imaginar que, dia sim outro também, alguém me convide para falar sobre ética nas empresas, organizações e instituições públicas.
A palavra de fato entrou na moda e é mencionada aqui e acolá por quase todo mundo. É interessante porque Ética é a disciplina que eu ensinei na faculdade ao longo de mais de trinta anos, e quando eu comecei lá atrás era uma disciplina irrelevante, uma disciplina que os alunos faziam porque era obrigatória no curso de comunicação, para poder obter o diploma, mas sem dar a ela nenhuma importância. Eu acompanhei essa trajetória dos 30 últimos anos e a palavra que era o objeto da minha disciplina foi ganhando o prestígio, foi ganhando força, foi ganhando importância.
Certamente não por minha causa, óbvio. Mas porque a sociedade assim, foi julgando mais e mais relevante, e hoje ética é a palavra mais repetida no espaço público. Quando meus clientes, meus contratantes eles pedem para falar de ética, rapidamente enumeram todas as severas consequências e punições que um desvio de conduta pode ensejar ao colaborador, ao trabalhador, ao funcionário.
Por essas e por outras, ética é apresentada como um certo número de práticas que, se violadas, causarão consequências desagradáveis para o violador. E é isso que esperam que eu diga, de um jeito engraçado, leve e que não desperte assim ressentimento junto a todos que me ouvem. [Fundo musical] Seria interessante tentar propor algum tipo de reflexão e de precisão conceitual.
A palavra "ética" poderia querer dizer, antes de mais nada, toda a imensa ciência, área do pensamento do homem que tem por objeto o "dever ser" da sua ação. A ética não estuda porque o homem age como ele age, isso são as ciências que fazem. A psicologia, a antropologia, a sociologia etc.
A ética estuda porque o homem deveria agir de um jeito e não de outro, qual o dever que o homem deve respeitar, quais os princípios e valores que devem buscar para que a sua ação seja melhor, tenha portanto, mais relevância, maior valor. De certa maneira a ética é o estudo do "dever-ser" da vida humana. Todo ele.
Seria importante também destacar que sendo a ética esse imenso guarda-chuva de conhecimento, ela não pode ser um valor entre outros. Portanto, toda vez que você colocar a palavra ética entre os seus valores, saiba há aí um problema conceitual gravíssimo, porque ética é, na verdade, o campo de conhecimento mais amplo em que todos os valores estão inseridos. Por essas e por outras, lembre-se sempre, ética não pode ser por ela mesma um valor, porque é um campo de conhecimento.
[Fundo musical] Agora, toda vez que eu começo a falar desse assunto com quem me contrata, eu procuro mostrar que haveria uma maneira de pensar o problema do agir do homem, em especial no campo do trabalho, porque é disso que se trata quando me convidam, em que cada um na hora de deliberar, na hora de decidir e na hora de agir, pudesse de maneira livre, soberana e autônoma respeitar certos princípios de conduta de maneira a não aceitar uma estratégia qualquer. Mesmo que esta estratégia seja auspiciosa, alvissareira, portadora de ganhos vantagens, benefícios, metas prazeres, ou seja lá o que for de bom. Em outras palavras, é perfeitamente possível que cada um de nós abra mão, até mesmo do emprego, mas de vantagens de ocasião, em nome do respeito ao certo jeito de agir E em nome da recusa de outros jeitos de agir.
Então, existe aí sim uma soberania, existe aí sim uma autonomia que tem a ver com a nossa consciência e com aquilo que naquele momento nós entendemos como sendo certo, digno, justo e honesto. Você poderá perguntar: mas essas coisas que estão na nossa cabeça, na nossa mente, essas referências que usamos para escolher o melhor jeito de viver, o jeito mais digno e mais honesto, da onde elas vieram? Ora, elas vieram, com certeza, da nossa trajetória.
Elas vieram de todas as instâncias de socialização que um dia frequentamos, elas vieram da educação que tivermos, elas vieram da nossa família, das relações que tivemos com os nossos pais, com os nossos antepassados, com as pessoas que se responsabilizarão por nos fornecer uma certa formação, elas também vieram da escola, dos nossos mestres professores que nos ensinaram a proceder de maneira digna, elas vieram também de sacerdotes, padres, pastores, gente de instituições religiosas que por alguma razão, assumiu as rédeas desse processo educativo e que nos fez entender a importância de respeitar certos princípios em detrimento de outros princípios. O fato é que num determinado momento da vida, na hora de agir, ante milhares de possibilidades, até algumas muito atraentes, a gente opta por alguma, porque é respeitadora de um certo princípio que aprendemos ser dignificante da própria vida. Pois muito bem, perceba neste caso é uma questão de consciência, é uma questão de pensar consigo mesmo, é uma questão de refletir consigo mesmo sobre o melhor caminho a tomar.
E a é isso podemos juntos denominar de "moral". A palavra "moral" que esteve na moda durante séculos até, é uma palavra que reconheçamos caiu em desuso. Você poderia sempre perguntar: por que será que uma palavra cai em desuso?
E uma das respostas mais obvias é que quando uma palavra cai em desuso, é porque aquilo que ela significa também desapareceu ou também tornou-se mais raro. Assim, a moral é a consciência que nos ajuda a tomar decisões em função de princípios de dignidade que aprendemos a respeitar e que evidentemente dispensa qualquer tipo de ameaça que venhamos a receber. Sim, porque a moral nada tem a ver com o olhar externo, a moral nada tem a ver com o jeito outro de nos fiscalizar, de nos controlar.
Por essas e por outras, eu gostaria que você pensasse em todas as situações da sua vida em que a moral foi relevante. [Fundo musical] E agora vamos fazer um pequeno intervalo só para os nossos agradecimentos. O podcast Inédita Pamonha é um oferecimento de Eastman Chemical do Brasil.
De BNP Paribas Asset Management. E, finalmente, de Profuse Aché. Aos amigos patrocinadores um carinhoso abraço!
[Fundo musical] Eu me lembro de um amigo colombiano, Maurício, com quem vive durante anos no mesmo apartamento, na cidade de Pamplona, na Espanha. Éramos os dois doutorandos em comunicação e compartilhávamos esse apartamento, e isso claro propício uma sólida amizade. Pois muito bem, certa feita era um domingo, um domingo ensolarado que fomos tomar um ônibus para o centro da cidade.
Nisso um grupo de terroristas toma conta do ônibus. No começo eu, vindo do brasil e pouco acostumado com ações desse tipo, imaginei tratar-se de teatro amador. Estavam todos encapuzados, poderiam até considerar até um disfarce teatral, eu imaginei que fosse tudo uma brincadeira.
Mas quando vi que passavam querosene no ônibus e estavam dispostos a explodi-lo, entendi que a coisa era séria. Eu tentei então argumentar com os agressores que eu estava diante de um amigo com imensas dificuldades de locomoção. Sim Maurício com deficiências relacionadas a paralisia infantil, relacionadas a problemas que teve durante a vida, deslocava-se com enorme dificuldade e que, como eu entendia que os nossos agressores não nos queriam matar, apenas explodir o ônibus, que eles tivessem condescendência no tempo que demoraríamos para sair daquele veículo.
Quando então fui golpeado duramente por um agressor que não gostou da minha argumentação. O meu amigo então me disse: não vamos ficar os dois aqui para cozinhar, fuja, faça como puder para escapar disso e me deixe aqui. Você percebe que neste momento há uma solução de vida que é tentadora, que é auspiciosa, que é livrar própria cara e sobreviver.
Há uma outra solução de vida que é não abandonar o amigo numa situação de iminente perigo. E é claro que nesse momento de tomada de decisão, aonde as primeiras chamas já se sentiam, não seria possível escrever um tratado de filosofia moral. Não seria possível fazer um inventário histórico dos valores existenciais e éticos, para identificar qual a solução mais digna, qual a solução mais adequada, ou qual a solução esperada por mim mesmo para continuar a própria vida.
Foi mesmo que no impulso, de relance, movido por aquilo que a minha consciência me abasteceu naquele momento, eu então virei para ele e segurei nas orelhas e falei "você agarra em mim, porque nós vamos sair daqui juntos ou então não sairemos". E aí então ele também não se fez de rogado, agarrou-se em mim como quem se agarra as últimas esperanças de vida. Eu tentei me levantar eu me levantei e assim pude, já com o ônibus bastante afetado e na iminência de explodir, consegui deixar o ônibus e sair correndo com ele agarrado em mim como se fosse uma mochila, pesada e incomodativa.
Num momento eu ouvi a definitiva a explosão. Uma explosão surda e abafada. Virei-me para trás e me deparei com um cogumelo de fumaça que se erguia em direção ao céu.
E eu então pude sentar ali na sarjeta daquela calçada, e dando risada nervosamente, bastante afetado pela tensão do momento vivido, eu pedi ao meu amigo que agora assim se descolasse de mim, porque tínhamos os dois sobrevivido. Eu naquele momento pude perceber que havia um milhão de possibilidades existenciais, como sempre há. E também pude perceber que nem sempre optamos por aquela que nos é mais imediatamente confortável.
Eu pude perceber que num determinado momento da vida, é um monte de coisas apreendidas ao longo da existência, que vão ali abastecer e dar subsídios para aquela tomada de decisão. E na hora de escolher o melhor caminho, nem sempre o mais prazeroso é o escolhido, por quê? Porque em algum momento é possível que tenhamos aprendido que não se abandona uma pessoa em situação de risco e indefesa.
É possível que tenhamos aprendido em algum momento que a vida sem a presença de um amigo, cujo óbito foi determinado pela própria covardia, é uma vida restante com pouca graça, com pouca cor e pouco visto. Talvez tenhamos um dia aprendido, quem sabe no cinema, no teatro ou numa história lida à noite pela mãe, que um amigo tem um valor inestimável, e que amigos de verdade a gente conta em poucos dedos de uma mão. E aqui.
Aqui certamente, estendendo a minha lembrança a essa amizade de Maurício, que provavelmente nesse momento me ouve de Bogotá, mas a todos aqueles que um dia souberam estender a mão, seja na iminência de uma explosão, mas seja na desgraça de uma doença, seja na hecatombe de uma situação de miséria e pobreza extrema, alguém que soube dar ao outro a importância tal a superar com folga tudo aquilo que é mais confortável e prazeroso para si mesmo. Afinal de contas, não somos animais no cio. Pelo menos não todos nós.
Por essas e por outras, a moral será uma questão de consciência e poderemos sempre recorrer a ela. Talvez tenhamos até que recorrer a ela para poder dar a nossa vida o máximo de dignidade e brilho, quem sabe assim consigamos continuar nos orgulhando da vida que estamos vivendo. Este podcast Inédita Pamonha é um oferecimento da Revista INSPIRE-C.
INSPIRE-C com C no final, de vitamina C, ou de Clóvis, como você preferir. INSPIRE-C. E aí você acessará este podcast Inédita Pamonha pelo site da Revista INSPIRE-C.
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br É por aí mesmo o caminho. E não esqueça de se deliciar com o resto da Revista, que é maravilhoso. Um abraço!
Esse foi Inédita Pamonha. Um beijo em todos e valeu! Você ouviu o Inédita Pamonha, por Clóvis de Barros Filho, trazido até você pela revista INSPIRE-C.
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