Um dos dons mais importantes na vida da Igreja é o do ensino, o do estudo, da leitura, da meditação e da transmissão da Verdade, a fim de instruir e educar o povo de Deus, pois é exatamente isso que nós lemos no Evangelho deste terceiro domingo do Tempo Comum, que inaugura o tempo da leitura do Evangelho de São Lucas. No prólogo deste Evangelho, nós lemos: "Muitas pessoas já tentaram escrever a história dos acontecimentos que se realizaram entre nós, como nos foram transmitidos por aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da Palavra. " Assim sendo, após fazer um estudo cuidadoso de tudo o que aconteceu desde o princípio, também eu decidi escrever de modo ordenado para ti, excelentíssimo Teófilo.
Deste modo, poderás verificar a solidez dos ensinamentos que recebeste. O que São Lucas nos diz aqui é que Ele estudou a vida de Cristo. Ele não o conheceu pessoalmente, mas foi a ele anunciada a vida de Cristo pelos testemunhas oculares, pelos Apóstolos, pelos amigos de Cristo, que realizaram exatamente a tradição.
Tradição significa entregar o que eu recebi. São Paulo fala aos Coríntios: "Aquilo que eu recebi, isso vos transmito. " Então, Lucas foi investigar, de forma minuciosa e cuidadosa, e tentou expor de modo ordenado.
O que ele está dizendo aqui é que a vida de Cristo, retratada no seu Evangelho, não é uma fábula, não é literatura, poesia, não é uma invenção, não é fantasia. Ele foi atrás das fontes fidedignas, oculares, das testemunhas que presenciaram a vida de Cristo. Como diz São João na primeira carta: "Aquilo que vimos, ouvimos, tocamos.
" A carne do Senhor, a voz do Senhor—João recostou a sua cabeça no peito do Senhor. Isso transmitiu e transmitiu para nossa alegria e para nossa salvação. Então, Lucas está exercitando aqui um talento que ele recebeu de Deus, que é o do estudo, e ele usa esse talento para ser objetivo e transmitir o que ele recebeu, o que ele viu dos que conheceram Jesus, e escreveu da forma mais clara e elegante.
O Evangelho de São Lucas é muito bem escrito; alguns consideram o mais bem-acabado dos quatro Evangelhos, do ponto de vista literário, da organização, da estruturação e da sistematização do argumento. Embora eu ache que o mesmo possa ser dito do ponto de vista formal do Evangelho de São Mateus, que tem uma intercalação entre discursos e ações de Cristo que o tornam muito coeso e equilibrado também. E é isso—esse dom de ensino é que nós vemos o próprio Cristo fazendo no Evangelho de São Lucas a partir do capítulo 4.
Eu recomendo a vocês, que estão me acompanhando nestas meditações da Liturgia da Palavra, que sempre abram a Sagrada Escritura e vejam o contexto maior no qual a perícope ou o excerto do dia está inserido, porque a gente pula aqui do capítulo 1, versículo 1 a 4, para o capítulo 4, versículo 14 a 21. Esses versículos do capítulo 1 e os capítulos 2 e 3 foram lidos exatamente no tempo do Natal, que é a anunciação do anjo Gabriel a Nossa Senhora, a visitação, o canto do Magnificat, a circuncisão de Jesus, a apresentação no templo, a profecia de Simeão, o batismo—tudo que nós já vimos está no contexto festivo da Liturgia do Natal. Agora, Jesus começa o seu ministério público e começa fazendo o quê?
Ele começa onde? Começa em Nazaré, na sua cidade de Nazaré. Começa da normalidade da sua vida, começa onde estava, onde mora.
Voltou para Galileia; ele tinha ido à Judeia, ao Jordão, ser batizado, depois foi ao deserto do Jordão pela área da Judeia e volta para Galileia, onde residia, provavelmente em Cafarnaum. E foi para Nazaré, que é a sua cidade natal, onde tinha se criado, diz o evangelista. Ele foi ensinar nas sinagogas.
O mesmo dom que São Lucas exerceu, que foi ensinar por escrito e investigar a história de Jesus Cristo, está fazendo. Ele pega a Sagrada Escritura, a Torá, a escrita dos judeus, e procura um livro, no livro de Isaías, o grande profeta Isaías. Esta passagem: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção.
" Nós vimos isto no batismo; o batismo é a unção de Cristo. Naquele momento, o Espírito Santo desce sobre Ele; Ele é ungido, Ele é designado para cumprir a função. E aqui Ele diz qual é essa função: "Para anunciar a Boa Nova aos pobres, a libertação dos cativos, dar a vista aos cegos e libertar os oprimidos e proclamar um ano da Graça do Senhor.
" Em seguida, Ele fecha o livro e se senta. O Rabi, na antiguidade judaica, ensinava sentado e todos ficavam em pé, diferente de hoje em dia, em que o pregador ou o professor fica em pé no púlpito e todos ficam sentados ouvindo. E todos tinham os olhos fixos nele, e Ele diz: "Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabaste de ouvir.
" Esta é uma passagem muito importante para a dinâmica de fusão e de reunião do Novo e Antigo Testamento. É o próprio Cristo que diz que Ele realiza a profecia de Isaías. Não é uma interpretação de terceiros que acham; Ele diz: "Eu sou o Messias, eu sou o Ungido, eu sou o responsável por proclamar a Boa Nova.
" E qual é a Boa Nova dada aos pobres? Qual é esse Jubileu, esse ano da Graça do Senhor? Nós estamos vivendo um Jubileu agora, em 2025, proclamado pelo Papa Francisco.
Esse ano da Graça é exatamente a Boa Nova da libertação dos pecados, de recuperar os olhos. É isso que o ensino faz; é isso que o bom uso da inteligência faz: comunicar a verdade, e a verdade é reluzente, é resplandecente, ilumina, aquece o coração, liberta da opressão do pecado. Quando o.
. . O profeta Isaías escreveu isso aqui: o povo estava no exílio da Babilônia.
Nós não estamos mais presos numa nação estrangeira, dominados como os judeus estiveram, dominados por tanto tempo pelos egípcios, depois pelos babilônios, no reino do norte da Samaria, pelos assírios. Depois, dominados, ainda que com certa liberdade, pelos persas, depois pelos gregos na época dos macabeus, e depois pelos romanos na época de Cristo. Nós não estamos dominados politicamente por um império estrangeiro como o americano, chinês ou russo, mas nós estamos oprimidos pelo império de Satanás, pelo império do pecado que nos acedia, nos obsedia e nos agrilhoar.
Nós estamos agrilhoadas; nós estamos acorrentados pelo pecado. E é isso que nosso Senhor vem fazer: nos libertar deste pecado pela boa nova do Evangelho, pela boa nova do amor que nos permite ser dóceis e cooperar com essa graça que nós recebemos a partir do nosso batismo. É extremamente importante porque o profeta Neemias, na verdade — desculpe, o livro de Neemias — fala exatamente do sacerdote Esdras ensinando o povo depois que voltou do exílio da Babilônia.
O sacerdote Esdras é responsável por catequizar, por doutrinar o povo, e a gente lê na primeira leitura que o sacerdote Esdras apresentou a Lei diante da Assembleia de homens, mulheres e de todos os que eram capazes de compreender; todos o escutavam com atenção. Quando ele abriu, estava em um lugar; Esdras, o Escriba, estava de pé sobre um estrado de madeira erguido para esse fim. Muitos consideram esse o início do que nós chamamos de liturgia da Palavra, que é ler a Sagrada Escritura — nesse caso, a Bíblia Hebraica, a Torá antiga.
Era que Deus chamam de Escritura a Bíblia Hebraica, o que nós chamamos de Antigo Testamento. Era dividido em Lei, que era o Pentateuco, os escritos que envolviam os livros que nós chamamos de históricos e os profetas. Por isso que Cristo ressuscitado, no caminho de Emaús, fala, começa a explicar àqueles homens, passando por toda a Lei, profetas e os escritos — ou as Escrituras, que é o que nós chamamos de livros históricos — e também tem os sapienciais nesse meio.
Ora, todo o povo escutava com atenção. De pé, depois inclinaram-se e prostraram-se diante do Senhor com o rosto em terra. Ou seja, depois que a inteligência deles foi iluminada, o seu coração foi inflamado para que eles adorassem o Senhor.
A adoração, a nossa fé, não pode ser intelectualista, não pode ser racionalista, não pode ser só uma fé de estudo, uma fé de leitura e de reflexão; tem que ser uma fé de piedade, de adoração. É isso que o povo faz aqui com o ensinamento de Esdras, o governador Neemias e o sacerdote Esdras. E os levitas, que eram a classe sacerdotal vinda de Arão na época de Moisés, ensinavam, instruíam o povo e disseram a todos: "Este é um dia consagrado ao Senhor.
Não fiqueis tristes nem chorais", pois todo o povo chorava ao ouvir as palavras da Lei. O povo chorava porque via que era pecador, porque via que não correspondia ao plano de Deus para sua vida, porque via que precisava se consertar, que precisava se adequar a planear o caminho para o Senhor. Mas Esdras diz: "Não choreis; ao contrário, ficais alegres, porque Deus é o Deus do perdão, é o Deus da misericórdia.
A alegria do Senhor será a vossa força. " Essa alegria vem da esperança da redenção e de que é Cristo quem age. Não somos nós que temos a força, temos o poder, a capacidade; é Cristo que age em nós.
E no Salmo, nós lemos: "A Lei do Senhor é perfeita, conforto para a alma. O testemunho do Senhor é fiel, sabedoria dos humildes. " Vejam como a liturgia está toda conectada: a Lei do Senhor conforta a alma não porque ela é rigorosa e rígida, e a sabedoria dos que o seguem é a humildade.
Por isso que Ele prega aos pobres, aos pobres de espírito, que são os primeiros das bem-aventuranças: "Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. " E continua o Salmo: "Os preceitos do Senhor são precisos, alegria ao coração. O mandamento do Senhor é brilhante para os olhos.
" É uma luz. É isso que o dom da instrução faz. Vejam que, dos sete dons do Espírito Santo, nós temos quatro relativos ao conhecimento, que são: o dom da sabedoria, da ciência, do entendimento, do conselho, do poder de discernir a verdade de Deus.
A revelação nos dá segurança, nos dá luminosidade; as coisas são claras para nós que temos fé. Nós não andamos nas trevas; o nosso caminho é luminoso, é pavimentado. A Lei de Deus é clara, explícita.
Nós somos tortos, nós somos fracos, imperfeitos; o nosso intelecto é muito débil, manchado também pelo pecado original. A nossa vontade é fraca, os nossos desejos, concupiscentes, são todos desordenados. Mas a Lei é perfeita, o caminho é claro, e, com a ajuda de Deus, nós podemos segui-lo, nós podemos cumpri-lo.
E, continua o Salmo: "É puro o temor do Senhor, imutável para sempre. Os julgamentos do Senhor são corretos e justos igualmente. " Quero que vos agrade o cantar dos meus lábios e a voz da minha alma; que ela chegue até vós, ó Senhor, meu rochedo e redentor.
Ou seja, cantando as glórias do Senhor, suplicando a sua misericórdia, nós ficamos alegres porque sabemos que somos atendidos. E aí vem a segunda leitura, que trata exatamente do corpo de Cristo, multifacetado, repleto de dons diferenciados e de partes diferenciadas, como o corpo é um. Embora tenha muitos membros, e como todos os membros do corpo, embora sejam muitos, formam um só corpo, assim também acontece com Cristo.
De fato, todos nós, de São Paulo, na continuidade da leitura que nós começamos no domingo passado, judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito para. . .
Formarmos um único corpo e todos nós bebemos de um único espírito. Ou seja, a ênfase que eu quero dar aqui no versículo 28 é que, dessa multiplicidade de dons voltados ao bem comum e à edificação da igreja, o dom e a missão de ensinar, aqui encarnados por São Lucas, pelo próprio Cristo e pelo sacerdote Esdras, também podem ser os nossos. Pois diz o versículo 28: "E na igreja Deus colocou em primeiro lugar os apóstolos, em segundo lugar os profetas, em terceiro lugar os que têm o dom e a missão de ensinar.
" Ou seja, os que têm a missão de ensinar precisam ser fiéis à missão do pregador, à missão do professor, à missão do sacerdote, de quem ensina, seja quem for: do clero, do religioso ou do leigo. É a fidelidade à tradição, à fidelidade à tradição apostólica. Isto é a transmissão dos apóstolos que conheceram nosso Senhor e que transmitiram sucessivamente.
Por isso, a importância de que dois evangelistas, Mateus e João, teriam sido apóstolos, e que João Marcos e Lucas tenham aprendido, respectivamente, de Pedro e de Paulo, o seu evangelho, e Lucas, provavelmente, da própria Maria, que é a Rainha dos Apóstolos. E que Paulo, sendo apóstolo, se diga apóstolo que conheceu Cristo não na sua vida terrena, mas ressuscitado. Então, esse dom de ensinar precisa estar a serviço da comunidade, a serviço do apostolado, e é um dom que precisa ser valorizado e promovido.
Nesse caso, é o dom de articular o novo e o antigo testamento, é mostrar como Jesus Cristo é o messias esperado pelos profetas, como Isaías, que nós temos visto neste período do Natal e na última semana. Muito obrigado e até o próximo vídeo litúrgico.