Amanda Montenegro sempre viveu em meio a um luxo impressionante. Filha única de Carlos Montenegro, um dos empresários mais influentes e poderosos do país, ela cresceu cercada por riqueza e proteção. A mansão onde morava era como um castelo moderno, imensa, com jardins impecáveis, seguranças a postos em cada esquina e câmeras por toda parte. Qualquer desejo de Amanda era prontamente atendido, e sua vida parecia, aos olhos de todos, perfeita. No entanto, apesar de tudo isso, Amanda sentia uma constante inquietação. Desde pequena, sempre fora protegida do mundo real; seus passeios eram planejados, suas visitas à cidade sempre
acompanhadas de motoristas e seguranças. Ela nunca soubera como era caminhar sozinha pelas ruas, sentir a liberdade de ser apenas mais uma entre tantas pessoas. Era como se, apesar de todo o luxo, algo fundamental estivesse faltando em sua vida. Naquela manhã, Amanda acordou com um desejo diferente. Estava determinada a fazer algo que nunca fizera antes: sair sozinha. A ideia de andar pelas ruas sem ninguém ao seu redor, sem seguranças a vigiando ou motoristas a esperando, parecia emocionante e libertadora. Ela sabia que, se pedisse permissão, o pai jamais permitiria, então decidiu que não diria nada a ninguém.
Vestiu-se de maneira simples, tentando se disfarçar: escolheu uma calça jeans e uma camiseta branca, roupas que não chamariam atenção. Prendeu os longos cabelos em um rabo de cavalo, calçou um par de tênis e olhou no espelho. Gostou do que viu; pela primeira vez, sentia-se como uma garota comum, longe dos vestidos caros e da imagem da filha do milionário que todos conheciam. Antes de sair, pegou o seu celular e colocou no bolso, apenas por precaução, mas queria evitar usá-lo; queria se desconectar do mundo onde tudo era sempre controlado. Desceu pelas escadas de serviço da mansão, saindo
discretamente pelos fundos. Sentia o coração bater mais rápido, como se estivesse prestes a cometer uma pequena rebeldia. A manhã estava ensolarada, o ar fresco, e Amanda respirou fundo, sentindo uma liberdade que nunca havia experimentado antes. Ao chegar na rua, misturou-se às pessoas que passavam apressadas; ninguém a reconheceu, e isso a fez sorrir. Pela primeira vez, sentiu-se invisível, apenas mais uma pessoa comum caminhando pela cidade. Andou pelas ruas próximas, admirando as vitrines das lojas, o movimento dos carros e as conversas animadas das pessoas. Tudo parecia mais vibrante, real, do que no mundo seguro e silencioso que
conhecia. Conforme caminhava, começou a perceber detalhes que nunca tinha notado antes: o cheiro da comida de rua, o barulho das buzinas e as pessoas apressadas nas calçadas. Ela se encantava com tudo, sentindo-se parte de uma cidade que até aquele momento conhecia apenas de forma superficial. Sentia o vento no rosto, o calor do sol em sua pele, e isso a preenchia de uma felicidade que nunca havia experimentado. Entusiasmada com essa nova sensação de liberdade, Amanda começou a se aventurar um pouco mais. Passou por ruas que não conhecia, cruzou praças movimentadas e se afastou das áreas mais
sofisticadas do centro. A cidade ia mudando aos poucos; as lojas de grife foram ficando para trás, substituídas por pequenos comércios e barracas de ambulantes. As pessoas ao redor pareciam mais preocupadas com suas rotinas apressadas e distraídas. Amanda, perdida em seus pensamentos, não percebeu o quanto tinha se distanciado. As ruas começaram a ficar mais vazias, os prédios mais antigos e mal cuidados. Ela continuou andando, intrigada com as mudanças ao seu redor. O céu, que antes estava claro e ensolarado, começava a se nublar, e uma leve sensação de desconforto começou a tomar conta dela. Olhou ao redor
e não reconheceu nada. O entusiasmo inicial foi lentamente dando lugar a uma leve ansiedade. Tentou pegar o celular para ver a localização, mas o sinal estava fraco e o GPS não funcionava corretamente. Tentou lembrar o caminho de volta, mas todas as ruas agora pareciam iguais. Amanda estava oficialmente perdida. O vento começou a ficar mais forte, balançando as folhas das árvores e levantando poeira das ruas. As poucas pessoas que passavam por ela caminhavam rápido, de cabeça baixa, sem prestar atenção à jovem que agora olhava ao redor, procurando desesperadamente por algum ponto familiar. O medo começou a
crescer dentro dela, mas Amanda tentou manter a calma; não podia deixar o pânico tomar conta. Ela continuou andando, tentando encontrar um caminho de volta, mas as ruas ficavam cada vez mais vazias e desconhecidas. O coração começou a bater mais rápido, e o frio na barriga aumentou. Pela primeira vez naquele dia, Amanda se perguntou se havia tomado a decisão certa ao sair sem avisar ninguém. Foi então que, ao virar uma esquina, avistou ao longe a figura de um homem. Ele estava sentado em um banco, vestido com roupas gastas e sujas, e seu rosto estava coberto por
uma barba espessa. Amanda hesitou por um momento, mas não havia mais ninguém por perto. Com o coração acelerado, decidiu se aproximar, sem saber que esse encontro mudaria a sua vida para sempre. Amanda continuou andando pela rua, seus passos agora um pouco mais hesitantes. O sentimento de aventura e liberdade que a tinha impulsionado pela manhã já começava a se dissipar, substituído por uma leve inquietação. Ela olhou para trás, tentando reconhecer o caminho por onde havia passado, mas tudo parecia confuso. As ruas estavam mais estreitas, os prédios mais velhos e desgastados. Os carros que passavam eram mais
raros, e as pessoas, antes tão numerosas e animadas, agora eram poucas e apressadas, como se estivessem fugindo da iminente tempestade. Ela pensou em pedir ajuda, mas as poucas pessoas que passavam por ela pareciam evitar qualquer tipo de contato visual, andavam rápido, de cabeça baixa, com uma expressão de pressa ou cansaço. Amanda se deu conta de que estava em uma parte da cidade que não conhecia. Ela, que sempre foi conduzida por motoristas pelas ruas mais seguras e movimentadas, agora se encontrava em um bairro diferente, sombrio, com uma energia completamente distinta do que conhecia. estava acostumada, enquanto
continuava a andar, seu celular não parava de mostrar o mesmo erro e, sem sinal, tentou diversas vezes abrir o aplicativo de mapas, mas nada funcionava. O nervosismo começou a tomar conta dela, mas Amanda tentava manter a calma, não queria se deixar dominar pelo medo. Afinal, era apenas um bairro desconhecido. Tudo o que precisava fazer era encontrar uma rua principal ou uma loja aberta onde pudesse pedir informações, mas quanto mais caminhava, mais parecia que essas opções se tornavam escassas. A curiosidade que antes a tinha impulsionado a explorar ruas desconhecidas agora começava a parecer uma má ideia.
Ela passou por algumas lojas fechadas e por um pequeno parque abandonado, onde o vento balançava as árvores secas e caídas. As cores vibrantes da cidade deram lugar a tons de cinza e marrom, e o céu, que antes estava claro, agora se tornava cada vez mais nublado. Uma sensação de isolamento a envolvia. Amanda olhou para os lados; não sabia exatamente quanto tempo havia passado desde que começara a sua caminhada, mas agora tudo parecia diferente. A cidade que tanto a fascinava pela manhã parecia, naquele momento, opressiva e estranha. As ruas eram longas e desertas, e os poucos
sinais de vida que via apareciam distantes. Sentia-se cada vez mais deslocada, como se estivesse fora de lugar. Foi então que, ao dobrar outra esquina, Amanda encontrou algo que a fez parar. À sua frente, havia uma praça pequena e mal conservada; no centro, havia um banco de madeira antigo, desgastado pelo tempo, onde um homem estava sentado. Ele tinha uma aparência cansada, usava roupas surradas e uma jaqueta velha demais para o clima que fazia. Seu rosto estava coberto por uma barba espessa, e seu cabelo desgrenhado parecia não ver um pente há dias. Ele parecia alheio ao que
acontecia ao redor, observando o chão com as mãos juntas, em um gesto de quem já havia desistido de lutar contra as adversidades. Amanda sentiu um leve arrepio ao vê-lo. Nunca havia estado tão próxima de alguém em uma situação como aquela. No mundo dela, os mendigos eram figuras distantes, vistas de longe através das janelas do carro, sempre passando rápido demais para serem realmente notadas. Agora, ali estava um, tão perto, e ela não sabia o que fazer. Por um momento, considerou continuar andando e ignorá-lo, mas algo a fez hesitar. Talvez fosse o medo de estar perdida, talvez
fosse a sensação de que ele, por viver ali, soubesse exatamente onde estava, ou talvez fosse a compaixão, algo que Amanda nem sabia que podia sentir de maneira tão forte até aquele instante. De qualquer forma, ela respirou fundo e se aproximou devagar, tomando cuidado para não parecer amedrontada, embora seu coração estivesse acelerado. Quando chegou mais perto, o homem levantou os olhos lentamente. Seus olhos fundos e cansados se fixaram nos dela, e por um momento, nenhum dos dois disse nada. Amanda ficou paralisada, sem saber como começar a falar; sentiu-se infantil, como se sua própria hesitação fosse um
reflexo de sua vida inteira, protegida e distante de realidades como aquela. Mas antes que pudesse se mover ou dizer algo, o homem, com uma voz rouca, quebrou o silêncio. “Você está perdida?” perguntou ele. Sua voz soava surpreendentemente calma, embora grave, marcada pela dureza da vida nas ruas. Amanda hesitou; não queria parecer frágil, mas a verdade era que sim, estava completamente perdida. “Estou”, respondeu ela finalmente, com um fio de voz. “Eu... eu não sei onde estou.” O homem observou-a por um instante, como se tentasse decidir se ela merecia ou não sua ajuda. Depois de alguns segundos
de silêncio, ele balançou a cabeça devagar. “Esse não é um lugar para você”, disse ele, apontando ao redor. “Garotas como você não andam por aqui.” Amanda não soube o que responder. “Garotas como eu?” A frase ecoou em sua mente, e ela soube que ele estava certo; ela não pertencia àquele lugar, e sua presença ali era quase um erro. Mas o que ele quis dizer com isso? Seria tão óbvio que ela era diferente, que pertencia a outro mundo? “Eu só saí para andar um pouco”, explicou, tentando justificar sua presença ali, como se isso pudesse fazer sentido
para ele. “Mas acho que fui longe demais.” O homem a olhou mais uma vez, e algo em sua expressão mudou. Ele se levantou lentamente, revelando ser mais alto do que Amanda imaginava. Havia um ar de dignidade perdida, como se ele tivesse sido alguém importante, alguém que o tempo e as circunstâncias haviam destruído. Ele suspirou, e por um momento, Amanda sentiu uma estranha conexão com aquele homem desconhecido. “Eu posso te ajudar a voltar”, disse ele finalmente, “mas precisa me seguir, e rápido.” Aquelas palavras, ditas com tanta simplicidade e firmeza, surpreenderam Amanda. Ela olhou ao redor para
as ruas desertas e desconhecidas e percebeu que, naquele momento, não tinha escolha; precisava confiar nele, um completo estranho, para conseguir sair dali. E assim, com o coração acelerado e sem saber o que esperar, ela decidiu segui-lo. Amanda seguiu o homem em silêncio, ainda processando quão estranha era a situação em que se encontrava. Jamais imaginou que um dia estaria caminhando pelas ruas desertas de um bairro desconhecido, seguindo um mendigo, alguém que até então nunca teria sequer notado. O medo começava a se insinuar lentamente em sua mente, mas havia também uma confiança inesperada naquele homem. A maneira
como ele havia falado, com calma e certeza, a fez acreditar que, talvez, ele realmente soubesse como tirá-la dali. Eles caminharam em silêncio por várias quadras, e Amanda começou a observar melhor o ambiente ao seu redor. O bairro parecia abandonado; as janelas dos prédios estavam sujas, algumas quebradas, e o cheiro de lixo se misturava ao ar pesado. Havia carros velhos estacionados ao longo da rua, alguns com pneus furados ou vidros estilhaçados. Amanda apertava o passo, sem querer se afastar muito do homem, mesmo que o medo de estar... Ali, como se estivesse crescendo de tempos em tempos,
ele olhava para trás, como que para se certificar de que ela ainda o seguia, mas não dizia nada. Seu caminhar era firme, e ele parecia saber exatamente para onde estava indo. Amanda se perguntava quem ele era, qual era a sua história, como havia acabado naquela situação. Ele não parecia agressivo, mas havia algo nos olhos dele que mostrava que já tinha visto e vivido coisas demais. Finalmente, depois de andarem por mais algumas ruas, o homem parou de repente no que parecia ser uma pequena travessa entre dois prédios altos. Ele olhou para os lados, como se estivesse
se certificando de que o caminho estava seguro. Amanda também olhou ao redor, percebendo que estavam mais isolados do que antes; não havia ninguém por perto, e o silêncio era inquietante. O som de seus próprios passos ecoava entre as paredes dos edifícios. "Vamos por aqui," disse o homem, apontando para a travessa. Amanda hesitou; o beco parecia estreito e escuro, e por mais que ela tivesse confiado nele até aquele momento, algo no fundo de sua mente alertava que aquela não era uma boa ideia. O coração começou a bater mais rápido, e o medo, que até então havia
sido uma sensação distante, agora crescia dentro dela, forte e incontrolável. "Não, e não seria melhor seguirmos pela rua principal?" sugeriu, tentando disfarçar o nervosismo na voz. "Talvez seja mais seguro." O homem a olhou de maneira estranha, como se soubesse exatamente o que ela estava pensando. Seus olhos escuros pareciam ler sua mente, e, por um momento, ele não disse nada. Depois de alguns segundos de silêncio, balançou a cabeça lentamente. "Ouça," ele disse, de um modo tão firme, mas não hostil. "Esta parte da cidade não é segura, especialmente para alguém como você. Se você quiser sair daqui,
precisa me ouvir e confiar em mim. Este beco pode parecer adorável, mas é o caminho mais rápido para um lugar seguro." As palavras dele a fizeram estremecer. Amanda olhou novamente para o beco e depois para ele. Tudo dentro dela dizia para correr, para voltar atrás e tentar encontrar outro caminho, mas, ao mesmo tempo, ela sabia que sozinha não teria chance. Ele estava certo em um ponto: ela não pertencia àquele lugar, e por mais que a ideia de seguir por aquele beco a apavorasse, a perspectiva de continuar perdida em um bairro perigoso era ainda pior. Respirou
fundo e deu um passo à frente, concordando em seguir pelo beco. O homem começou a caminhar à sua frente novamente, e ela o seguiu, tentando controlar o pânico crescente em seu peito. À medida que entravam no beco, as paredes dos prédios pareciam se fechar ao redor deles. O espaço era apertado, o chão coberto de lixo e poças de água suja. Amanda se segurava para não pisar em algo que parecesse perigoso. Atravessaram o beco em silêncio, seus passos ecoando nas paredes de concreto. Amanda podia ouvir o som distante de sirenes e, de vez em quando, algum
grito abafado vindo de uma rua próxima. A tensão em seu corpo só aumentava; cada barulho a fazia pular, e ela olhava ao redor, esperando que algo acontecesse a qualquer momento. Finalmente, após o que pareceram ser os minutos mais longos de sua vida, eles chegaram ao fim do beco. Do outro lado, havia uma rua ligeiramente mais movimentada. Alguns carros passavam, e Amanda pôde ver o que parecia ser uma estação de ônibus ao longe. Um alívio momentâneo tomou conta dela; estavam, ao menos, de volta a uma área com mais movimento. Talvez as coisas melhorassem a partir dali.
O homem se virou para ela e fez um gesto indicando que ela deveria seguir em frente. "Ali na frente," disse ele, apontando para a estação de ônibus. "Se você pegar um dos ônibus daqui, pode sair dessa área e chegar em um lugar mais seguro." Amanda olhou para a estação, ainda hesitante. Estava agradecida pela ajuda, mas ainda assim não podia evitar a sensação de que algo estava estranho. Estava prestes a agradecer e seguir em direção à estação quando dois homens apareceram na esquina da rua, caminhando em sua direção. Eles eram grandes, com roupas sujas e uma
expressão de dureza no rosto. Amanda sentiu um frio na espinha e olhou para o homem ao seu lado, esperando que ele dissesse algo. Ele franziu o senho, como se já soubesse o que estava por vir. Os dois homens se aproximaram, e Amanda percebeu que estavam olhando diretamente para ela. O medo voltou com força total, e ela deu um passo para trás, mas o homem assegurou seu braço, não de forma agressiva, mas como se quisesse garantir que ela não fizesse algo impulsivo. "Fique calma," disse ele, com a mesma voz firme de antes. "Eu vou lidar com
isso." Os dois homens se aproximaram, parando bem em frente a Amanda e ao mendigo. Um deles, o mais alto, olhou para o homem que estava ao lado dela com um sorriso irônico. "Quem é essa aí, Jonas? Uma nova amiga?" perguntou o homem, rindo. O outro, mais baixo e corpulento, cruzou os braços e ficou encarando Amanda de cima a baixo, como se a avaliasse. Ela sentiu o sangue gelar nas veias, e o instinto de correr se intensificou. Mais algo na postura de Jonas, o mendigo que agora sabia se chamar assim, a manteve ali parada. "Não se
metam com ela," respondeu Jonas, sério. "Ela está perdida, e eu estou ajudando. Deixem a gente passar." Os homens se entreolharam e riram novamente, mas Jonas não recuou. Ele deu um passo à frente, bloqueando a visão dele sobre Amanda. Ela ficou paralisada, sem saber o que fazer, mas sentindo que estava, de alguma forma, segura ao lado dele. O mais alto balançou a cabeça como se estivesse achando a situação divertida, mas, depois de alguns segundos de tensão, ambos recuaram. "Tudo bem," Jonas disse, o mais alto ainda sorrindo. "Hoje..." A gente vai deixar passar, mas não esquece quem
manda aqui. Eles se afastaram e Amanda soltou um suspiro de alívio; o coração ainda batia forte, mas ela se sentia grata por Jonas ter conseguido afastá-lo sem confronto. Mais uma vez, aquele homem a havia protegido e ela começou a se perguntar quem ele realmente era. Depois que os dois homens finalmente se afastaram, Amanda respirou fundo, sentindo um alívio misturado a uma tensão que ainda não tinha desaparecido completamente. Ela não sabia exatamente o que tinha acabado de acontecer, mas sentia que havia escapado de algo perigoso e isso a fazia ficar ainda mais atenta. Seus olhos se
voltaram para o homem à sua frente, aquele que tinha agido com tanta firmeza e calma diante de uma situação que, para ela, era extremamente assustadora. Jonas, como havia sido chamado pelos homens, deu uma olhada ao redor como se ainda estivesse em alerta. Quando percebeu que a ameaça havia passado, ele relaxou os ombros e voltou a atenção para Amanda. Seus olhos estavam mais suaves agora, mas havia algo de profundo em seu olhar; algo que transmitia uma sabedoria dura, fruto de experiências amargas. Ele começou a caminhar novamente em direção à estação de ônibus, e Amanda, sem outra
opção, seguiu logo atrás. Enquanto caminhavam em silêncio, Amanda não pôde evitar a curiosidade crescente que sentia em relação àquele homem. Quem ele era, afinal? Como conseguia lidar com situações tão perigosas de forma tão natural? A vida de Jonas parecia um mistério completo e Amanda sabia que havia muito mais sobre ele do que aparentava. Depois de alguns minutos caminhando, finalmente chegaram a uma praça um pouco mais movimentada, com algumas pessoas sentadas em bancos e crianças brincando por perto. Amanda sentiu o alívio de estar em um lugar mais familiar, um pouco mais próximo do que ela considerava
seguro. Jonas parou perto de uma das árvores grandes que somavam a praça e se encostou ao tronco, cruzando os braços. Ele olhou por um momento como se estivesse esperando que ela dissesse algo, mas Amanda estava em silêncio, tentando organizar seus pensamentos. Ela olhou ao redor, vendo os ônibus passando e as pessoas andando de um lado para o outro. Poderia facilmente pegar um daqueles ônibus e ir para casa, retornar ao conforto da sua vida luxuosa e deixar essa experiência para trás. Mas algo a impediu de simplesmente seguir adiante; ela queria saber mais sobre aquele homem que
a havia ajudado, mesmo sem nenhuma obrigação de fazê-lo. “Obrigada”, disse ela finalmente, quebrando o silêncio. Sua voz ainda um pouco trêmula: “Eu realmente não sei o que teria acontecido se você não estivesse por perto.” Jonas deu de ombros como se aquilo não fosse nada demais. Havia uma humildade em sua postura, como se ele não esperasse nenhum reconhecimento por sua ajuda. Ele olhou para o chão por um instante, como se estivesse pensando em algo, e então levantou a cabeça, observando Amanda com curiosidade. “Você não devia estar andando sozinha por aqui”, disse ele, sua voz rouca, mas
calma. “Esse não é um lugar seguro para pessoas como você.” Amanda franziu o cenho. Aquela frase, novamente: “pessoas como você”. Ela sabia exatamente o que ele queria dizer, mas não pôde evitar sentir uma pontada de desconforto. “Ele está certo, é claro”, pensou. Sua presença ali era incomum e ela não tinha ideia de como o mundo nas ruas funcionava, mas isso não significava que ela queria ser tratada de forma diferente. “Eu sei que parece que sou de outro mundo”, respondeu ela, tentando encontrar as palavras certas. “Mas isso não significa que eu não possa aprender a viver
fora dele, pelo menos um pouco.” Jonas a olhou por um instante, como se estivesse avaliando a sinceridade de suas palavras. Ele balançou a cabeça devagar. Um meio sorriso se formando em seus lábios. Havia algo de irônico naquilo, como se ele estivesse acostumado a ver pessoas que achavam que poderiam entender sua realidade, mas que, no fim, nunca conseguiam. “O seu mundo e o meu são muito diferentes”, disse ele finalmente, “e não acho que alguém como você realmente queira conhecer o lado em que eu vivo.” Amanda sentiu o peso daquelas palavras. Ele tinha razão; ela viera de
um lugar onde o conforto era garantido, onde os problemas que enfrentava eram resolvidos com facilidade e onde a vida nas ruas não passava de um borrão distante na janela do carro de luxo. Mas agora, após tudo que havia acontecido, ela estava ali, de frente para alguém cuja vida era completamente diferente da sua, e de certa forma isso a fazia querer entender mais. Não por curiosidade vazia, mas por uma necessidade de enxergar além da bolha em que sempre viveu. “Mas como você veio parar aqui?” perguntou Amanda, a curiosidade finalmente transbordando. “Digo, é nas ruas... Você parece
tão...” Então ela parou, sem saber exatamente como completar a frase. Não queria soar desrespeitosa, mas a verdade era que Jonas não parecia ser alguém que sempre havia vivido na miséria. Havia algo nele que sugeria uma história muito mais complexa. Jonas a observou por alguns segundos antes de responder. Ele suspirou profundamente, como se estivesse ponderando se deveria ou não compartilhar algo tão pessoal. Seus olhos, que até então haviam se mantido distantes, agora apareciam mais próximos, como se por um momento ele estivesse disposto a abrir uma parte de sua vida. “Eu nem sempre estive aqui”, começou ele,
com uma voz mais baixa, quase um sussurro. “Tive uma vida diferente, uma vida que talvez você até reconhecesse, mas as coisas mudam rápido, mais rápido do que você pode imaginar.” Amanda ouviu atentamente cada palavra de Jonas, a fascinar-se, mergulhando ainda mais fundo na curiosidade. Ela se perguntou o que ele queria dizer com “uma vida que talvez você reconhecesse”. Seria possível que, em algum momento, ele tivesse uma vida parecida com a dela? “Uma vida como a minha?” perguntou Amanda, cautelosa, tentando entender o. "Que ele queria dizer?" Jonas riu baixinho, mas sem alegria; era uma risada amarga,
como se as lembranças o atingissem de maneira dolorosa. "Não exatamente," disse ele, após um momento de silêncio. "Mas eu também já tive uma casa, uma família, negócios, coisas que pareciam importantes na época. Eu conhecia o outro lado dessa cidade, o lado que você conhece bem, mas um dia tudo isso foi tirado de mim." Aquelas palavras ecoaram na mente de Amanda. Ela tentou imaginar o que poderia ter acontecido com Jonas, como alguém que um dia esteve do outro lado havia acabado nas ruas, invisível aos olhos da sociedade. Sentiu um nó na garganta, uma mistura de empatia
e confusão. "E como isso aconteceu?" arriscou perguntar, sem saber se estava se intrometendo demais. Jonas não respondeu imediatamente. Ele olhou para o céu, que começava a se abrir, deixando o sol espiar entre as nuvens. Por um momento, Amanda pensou que ele não responderia, mas em seguida ele voltou a olhar para ela. "Não importa como," disse ele, com uma firmeza que sugeria que não queria continuar naquela conversa. "O que importa é que estou aqui agora e você não deveria estar. É melhor voltar para o seu mundo antes que ele também seja tirado de você." Aquelas palavras
atingiram Amanda de uma maneira que ela não esperava. Jonas parecia estar tentando protegê-la de algo, como se ele soubesse que ela estava entrando em um território perigoso, tanto fisicamente quanto emocionalmente. A jovem olhou ao redor, para a praça, os ônibus e as pessoas que iam e vinham, e se perguntou o que ele realmente queria dizer com aquilo. Ela estava pronta para responder, para tentar entender mais sobre Jonas e sobre sua própria situação, quando de repente o som de seu celular vibrou em seu bolso. Amanda pegou o aparelho rapidamente; o sinal havia voltado e uma sequência
de mensagens desesperadas de seu pai começou a aparecer na tela. O mundo real a chamava de volta. Amanda olhou para o celular em suas mãos, as mensagens de seu pai surgindo uma após a outra. Cada notificação que aparecia na tela fazia-a lembrar da vida que deixara para trás ao sair naquela manhã em busca de liberdade. Seu pai estava claramente preocupado, algo que raramente acontecia de forma tão explícita em sua casa. O controle era absoluto e as falhas raramente apareciam. E naquele momento, ela era a falha: a filha desaparecida, perdida em uma parte da cidade onde
nunca deveria ter estado. Sentiu uma onda de culpa subir por dentro; não era apenas por ter saído sem avisar, mas por ter subestimado o perigo de estar ali sozinha. Jonas a olhava enquanto ela tentava ler as mensagens, seu rosto sério, mas calmo. Ele parecia entender a situação melhor do que ela mesma, como se tivesse visto aquela história muitas vezes antes. "É a garota privilegiada que entra no mundo errado e não sabe como sair." "Parece que estão te procurando," disse ele, sem rodeios, indicando o celular com um aceno de cabeça. Amanda balançou a cabeça afirmativamente, mas
não respondeu de imediato; não sabia exatamente como se sentia. Havia uma mistura de alívio por saber que, de alguma forma, sua família já estava tentando encontrá-la, mas também uma sensação de fracasso. Sua tentativa de liberdade tinha se tornado um desastre e agora ela dependia não apenas de sua família, mas de um completo estranho para ajudá-la a sair daquela situação. "Eu acho que preciso voltar," murmurou ela, mais para si mesma do que para Jonas. "Não deveria estar aqui." Ele ficou em silêncio por um momento, observando-a com aquela calma que começava a deixá-la intrigada. Havia algo de
enigmático na maneira como ele lidava com as coisas, como se nada do que acontecesse à sua volta fosse uma surpresa. "Eu posso te ajudar a sair daqui," disse ele, finalmente, sem alterar o tom de voz, "mas você precisa confiar em mim. Essas ruas não são como as que você conhece, e mesmo que agora você tenha um jeito de se comunicar com seu pai, isso não significa que você está segura." Amanda sentiu um calafrio ao ouvir aquelas palavras. Sabia que ele estava certo; embora o sinal de celular tivesse voltado, a presença de homens perigosos e a
atmosfera hostil daquele bairro ainda eram muito reais. Não bastava apenas fazer uma ligação e esperar que alguém viesse buscá-la; aquele lugar parecia ter suas próprias regras, e ela definitivamente não as conhecia. "O que você sugere?" perguntou, tentando manter a voz firme, mas com um tom de hesitação. Jonas a encarou por alguns segundos, como se estivesse ponderando qual seria a melhor forma de explicar o que precisavam fazer. Havia uma tensão no ar, mas também uma sensação de que ele tinha um plano. Por mais improvável que parecesse, Amanda sentia que podia confiar nele. Ele já a tinha
tirado de uma situação difícil uma vez e parecia saber o que estava fazendo. "Aqui perto tem um lugar onde posso te deixar segura até que alguém venha te buscar," disse ele com simplicidade. "Não é longe, mas precisamos ser rápidos; não quero correr o risco de encontrar mais conhecidos pelo caminho." Amanda engoliu em seco, lembrando dos dois homens que os tinham abordado antes. Sabia que não poderia passar por aquilo de novo, não sem a ajuda de Jonas. Por mais estranho que fosse depender de um homem que vivia nas ruas, ela sentia que ele era sua melhor
chance de sair dali. "Tudo bem," concordou ela, com mais confiança do que realmente sentia. "Eu confio em você." Jonas não respondeu; apenas assentiu com a cabeça e começou a caminhar na direção oposta à praça, entrando em uma nova série de ruas estreitas e sombrias. Amanda o seguiu, segurando o celular em uma das mãos e mantendo os olhos atentos ao redor, como se a qualquer momento algo pudesse acontecer. O cenário ao seu redor não era encorajador; as fachadas dos prédios estavam decadentes e poucas... Pessoas passavam por ali, todas com expressões fechadas, como se soubessem que não
era o tipo de lugar para se parar e conversar. A cada passo, Amanda sentia que se afastava mais do mundo que conhecia; as ruas largas e arborizadas de seu bairro pareciam pertencer a outro planeta. Aquele bairro tinha uma energia densa, como se o peso da vida de vício das pessoas que ali viviam fosse palpável no ar. Ela se deu conta de como conhecia pouco sobre o mundo além de seu próprio conforto. Ali, as preocupações eram outras, mais urgentes, mais cruas. O luxo e a facilidade de sua vida pareciam uma miragem distante. Jonas continuava a caminhar
à frente, seus passos firmes, mas sem pressa. De vez em quando, ele olhava por cima do ombro para se certificar de que Amanda ainda o seguia. Ela, por sua vez, tentava não pensar demais no que poderia acontecer se ficassem mais tempo do que o necessário naquele lugar. Depois de alguns minutos, que pareceram uma eternidade, chegaram a uma pequena loja de esquina. Era uma mercearia modesta, com vitrines empoeiradas e uma placa meio torta. Jonas parou em frente à porta e olhou para Amanda. “Espere aqui por um momento”, disse ele, com um tom mais sério do que
antes. “Vou ver se é seguro.” Ela assentiu, agradecida pela cautela dele. Jonas entrou na loja, e Amanda ficou sozinha na calçada, olhando ao redor com nervosismo. O coração batia acelerado, e ela tentava não deixar o pânico crescer dentro de si; não sabia o que esperar. Minutos depois, Jonas reapareceu na porta, acenando para que ela entrasse. “Está tudo certo”, disse ele. “O dono é um velho conhecido. Você pode esperar aqui até que alguém venha te buscar.” Amanda entrou na loja, com um suspiro de alívio. O lugar era pequeno e simples, mas acolhedor de uma maneira surpreendente.
O dono da loja, um homem idoso, com cabelo branco e olhar atento, a cumprimentou com um aceno de cabeça, sem fazer perguntas. Ele parecia entender a situação sem precisar de muitas explicações, e isso deixou Amanda mais tranquila. “Pode sentar ali”, disse Jonas, apontando para uma mesa no canto da loja, onde ela poderia se sentar e esperar em segurança. Amanda se sentou, finalmente, sentindo o peso da tensão que carregava desde que percebeu que estava perdida. Enquanto Jonas conversava brevemente com o dono da loja, ela pegou o celular e, com mãos trêmulas, digitou uma mensagem rápida para
seu pai, informando onde estava e pedindo que alguém viesse buscá-la. Agora, era apenas uma questão de esperar. Jonas se aproximou da mesa, parando ao lado dela. Seu olhar era calmo, mas Amanda podia ver a preocupação em seus olhos. Ele sabia que o pior ainda poderia acontecer, mas parecia determinado a garantir que ela estivesse segura até o fim. “Não é sempre que alguém como você aparece por aqui”, comentou ele, com um meio sorriso, mas sem qualquer traço de ironia. “Você teve sorte de me encontrar.” Amanda olhou para ele, sentindo uma gratidão genuína, algo que ela raramente
experimentava com tanta intensidade. Queria dizer mais, expressar o quanto ele havia feito por ela, mas as palavras pareciam não ser suficientes. “Eu não sei como agradecer”, disse ela, finalmente, sua voz baixa, quase um sussurro. “Você me salvou.” Jonas deu de ombros, novamente, como se aquilo não fosse nada. “Só fiz o que precisava ser feito”, respondeu ele. “E você teve sorte de me escutar. Nem todo mundo teria feito isso.” Amanda sabia que ele estava certo; muitas pessoas, no lugar dela, teriam fugido ao ver um homem como Jonas. Talvez ela mesma tivesse feito isso em outras circunstâncias,
mas, de alguma forma, ela sentia que aquele encontro tinha sido mais do que sorte. Havia algo mais profundo acontecendo ali, algo que ela ainda não entendia completamente, mas que sabia ser importante. Enquanto esperava que o carro da família chegasse, Amanda olhou para Jonas mais uma vez, sentindo que aquela não seria a última vez que seus caminhos se cruzariam. O sol já havia desaparecido no horizonte, deixando o céu com um tom de laranja desbotado, que logo seria engolido pela escuridão da noite. Amanda estava sentada no canto da pequena mercearia, sentindo a exaustão finalmente tomar conta de
seu corpo. O calor do lugar era um contraste bem-vindo ao ar frio e cortante do lado de fora. A ansiedade que havia fervido dentro dela durante toda aquela jornada pela cidade agora dava lugar a um cansaço profundo. Ela olhava ao redor, tentando se distrair com os detalhes do ambiente. A loja era simples, com prateleiras de produtos que pareciam estar ali há muito tempo e uma pequena TV no canto passava um noticiário local em volume baixo. O dono da loja, um homem idoso com olhos sábios e cansados, mantinha-se atrás do balcão, observando discretamente. Havia algo reconfortante
na presença dele, como se soubesse que não era hora de fazer perguntas. O silêncio entre os três era respeitoso, quase acolhedor. Jonas permanecia de pé, encostado na parede perto da porta. Desde o momento em que entraram na mercearia, ele tinha se mantido em silêncio, olhando para fora de vez em quando, como se esperasse algo. Amanda se perguntava o que se passava pela mente dele. Ele parecia ser alguém acostumado a lidar com o inesperado, mas, ainda assim, sua postura era de vigilância. A jovem se sentia segura com ele ali, mas também não podia deixar de pensar
no quanto suas vidas eram diferentes. Depois de algum tempo, o celular de Amanda vibrou, tirando-a de seus pensamentos. Seu coração acelerou por um momento ao ver a notificação, esperando que fosse seu pai. Quando ela desbloqueou a tela, encontrou uma mensagem breve e direta: “O motorista está a caminho. Fique onde está.” O alívio foi imediato, mas, ao mesmo tempo, uma estranha sensação de desconforto tomou conta dela. Sabia que voltar para casa significava encarar as consequências de sua decisão impulsiva e não estava. "Pronta para isso? Alguém vem te buscar?" perguntou Jonas, quebrando o silêncio pela primeira vez
em muito tempo. Amanda assentiu, mostrando o celular a ele. "Sim, meu pai mandou o motorista," respondeu ela, com um leve tremor na voz. "Ele deve chegar em breve." Jonas acenou com a cabeça, mas não disse mais nada; ele parecia distante, como se já estivesse preparando-se para desaparecer assim que ela estivesse segura. Amanda sentiu um aperto no peito ao perceber isso. Havia algo nele, algo que a fazia querer saber mais, entender mais sobre sua história. Ele havia ajudado de maneira tão inesperada e ela não queria que ele simplesmente sumisse de sua vida sem que ela soubesse
quem ele realmente era. O silêncio se instalou novamente entre eles, mas dessa vez era diferente. Amanda sentia que se não dissesse algo, perderia a oportunidade de descobrir mais sobre o homem que havia tirado de uma situação tão perigosa. "Jonas..." começou ela, hesitante, ainda sem saber exatamente o que queria perguntar. Ele a olhou, os olhos cheios de uma calma que parecia esconder uma vida inteira de histórias não contadas. "Eu realmente não entendo por que você me ajudou. Quero dizer, você não me conhece. Poderia ter me ignorado ou até se aproveitado da situação. Mas, em vez disso,
você me protegeu." Ele a encarou por um momento, como se ponderasse sua resposta. Aqueles perguntas provavelmente já o haviam atingido muitas vezes antes, mas Amanda percebeu que Jonas não era um homem que falava muito de si. Sua vida parecia ser guardada em silêncio, protegida por uma barreira invisível construída ao longo de anos de experiências difíceis. "Às vezes as pessoas aparecem no nosso caminho por uma razão," respondeu ele finalmente, com um tom que soava mais filosófico do que ela esperava. "Eu vi você. Soube que se eu não te ajudasse, ninguém mais o faria. Já vi esse
tipo de coisa acontecer antes; garotas como você, que não pertencem a esse lugar. Se eu não tivesse ajudado, você não teria saído daqui inteira." Amanda sentiu um calafrio. As palavras de Jonas tinham uma gravidade que ela ainda não havia compreendido totalmente. Ele falava com a autoridade de alguém que conhecia profundamente os perigos que ela ignorava. A jovem não sabia o que dizer e o silêncio que se seguiu foi denso. Depois de alguns segundos, Jonas se afastou da porta e foi até uma das prateleiras da loja. Pegou uma garrafa de água e a colocou na mesa
à frente de Amanda. Era um gesto simples, mas carregado de uma gentileza que a surpreendeu. "Beba," disse ele, sua voz firme, mas sem arrogância. "Você está aqui há um tempo e ainda vai esperar um pouco até o motorista chegar." Amanda pegou a garrafa e bebeu um gole, sentindo a água fresca aliviar a tensão que ainda sentia no corpo. Havia algo reconfortante em pequenos atos de bondade como aquele, e isso a fez refletir sobre o que ela sabia — ou melhor, não sabia — sobre Jonas. "Você sempre viveu assim?" perguntou ela finalmente, reunindo coragem para perguntar
algo que a estava incomodando desde o início. Nas ruas, Jonas parou por um momento, como se a pergunta tivesse atingido uma parte de sua memória que ele mantinha guardada. Ele deu de ombros, um gesto que parecia ao mesmo tempo despreocupado e pesado. "Não," respondeu ele, com um tom de voz que indicava que não queria se aprofundar no assunto, "mas a vida tem suas voltas. Um dia você está no topo, no outro pode estar no fundo, e no meu caso, o fundo é aqui." Amanda ficou em silêncio, processando as palavras dele. Queria saber mais, queria entender
o que tinha acontecido com aquele homem que agora parecia uma figura tão enigmática. Mas, ao mesmo tempo, ela sabia que ele não diria mais do que aquilo, pelo menos não naquele momento. Havia uma barreira invisível entre os dois mundos em que viviam e, por mais que ela quisesse cruzá-la, sabia que isso não seria fácil. Enquanto os minutos se arrastavam, Amanda começou a pensar no que aconteceria a seguir. Logo, o motorista chegaria e ela voltaria para sua vida confortável. O que significaria deixar Jonas para trás? Alguém que ela não conseguia mais enxergar apenas como o mendigo
que a ajudou. Ele havia se tornado, em poucas horas, uma peça central em uma história que ela jamais imaginou viver. E, por mais estranho que fosse, ela sentia que ainda havia muito mais entrelaçado naquela relação. Foi então que, pela janela empoeirada da loja, Amanda viu os faróis de um carro se aproximando. Era o veículo de sua família. Ela reconheceu o modelo de longe: um sedã preto, elegante, que parecia destoar completamente daquele bairro simples e desolado. O coração de Amanda deu um salto; finalmente, a segurança estava ao alcance. No entanto, junto com o alívio, veio uma
sensação de perda. Sua aventura com Jonas estava prestes a terminar. O carro parou na calçada e o motorista saiu para abrir a porta. Amanda se levantou devagar, sentindo as pernas um pouco trêmulas, não pela exaustão física, mas pela mistura de emoções conflitantes que dominavam sua mente. "Acho que é minha hora," disse ela, olhando para Jonas com um leve sorriso de agradecimento. Jonas assentiu, cruzando os braços, e a observou em silêncio. "Cuide-se," disse ele, com um tom de voz mais suave do que antes. "E não volte a esse lado da cidade sozinha." Amanda sorriu, mas sabia
que ele estava certo. Essa experiência havia sido assustadora e ela não queria arriscar de novo. Antes de sair, ela hesitou por um instante, sentindo que devia dizer algo mais, mas as palavras pareciam escapar. Ela apenas balançou a cabeça em um último gesto de agradecimento e saiu da loja. O motorista esperava ansioso. Quando ela entrou no carro, ele fechou a porta rapidamente e se apressou a voltar ao volante. Enquanto o carro começava a se mover, Amanda olhou para trás, vendo... Jonas, parado na porta da loja, observando-a desaparecer no escuro da noite, ao se recostar no assento
macio do carro, sentiu-se como se estivesse voltando para uma vida que já parecia distante. Mesmo que tivesse passado apenas algumas horas fora dela, havia algo em Jonas e no que ele representava que ficaria com ela por muito tempo, algo que não desapareceria tão facilmente quanto as luzes da cidade passando pela janela. E, enquanto o carro acelerava pelas ruas agora familiares, Amanda soube que, de alguma forma, aquele encontro mudaria tudo. Quando Amanda chegou em casa, a atmosfera estava tensa. Assim que entrou pela porta da frente, foi imediatamente rodeada por seguranças e empregados preocupados; eles a guiavam
como se fosse uma criança perdida. E, por um momento, Amanda sentiu-se sufocada por toda a atenção. Seu pai, Carlos Montenegro, estava na sala de estar, parado em pé, com as mãos nos bolsos. Seu rosto, uma mistura de alívio e frustração, mostrava que ele era um homem imponente, com o semblante rígido e os olhos que raramente mostravam fraqueza. Ao vê-la, seus ombros relaxaram por um breve instante, mas logo o olhar severo voltou a se instalar em seu rosto. Ele afetou, por alguns segundos, o silêncio entre eles, mais eloquente do que qualquer discurso. — Onde você estava?
— Amanda perguntou, ele finalmente, com a voz firme, mais controlada. Não havia necessidade de gritar; o peso de sua pergunta já era o suficiente para fazer Amanda sentir a pressão. Amanda sabia que aquela seria uma conversa difícil; não tinha uma boa explicação para o que havia feito e seu pai não era do tipo que aceitava aventuras irresponsáveis, principalmente as que colocavam em risco a segurança da família. Ela respirou fundo, tentando organizar seus pensamentos. — Eu só queria dar uma volta — respondeu ela, hesitante. — Sair um pouco, andar pela cidade. Eu não queria me meter
em problemas. Carlos a olhou com descrença, como se as palavras dela não fizessem sentido. Ele cruzou os braços, andando de um lado para o outro, sua mente claramente tentando processar o que tinha acabado de ouvir. Ele sabia que Amanda era uma jovem curiosa, mas nunca esperava que ela fosse capaz de se colocar em uma situação tão arriscada. — Você tem ideia do que poderia ter acontecido? — continuou ele, sua voz ficando mais grave. — Essa cidade não é um parque de diversões; não pode simplesmente sair por aí sozinha. Amanda, há pessoas perigosas, lugares que você
nem deveria imaginar passar perto. Amanda sentiu o peso das palavras do pai, mas também uma faísca de revolta se acendendo dentro de si. Ela sabia que ele estava certo em parte, mas também sabia que aquele controle total sobre sua vida era o que havia levado a tomar aquela decisão impulsiva. — Eu sei, pai — respondeu ela, tentando manter a calma. — Eu entendo agora, mas eu precisava ver por mim mesma como o mundo é. Você me protegeu por tanto tempo que eu... eu nem sei como é a vida lá fora. Eu me senti como uma
prisioneira, e foi por isso que eu fui. Carlos parou de andar e olhou para ela com surpresa; ele não esperava uma resposta assim. Amanda sempre fora obediente, sempre aceitando as regras impostas pela família, mas sua filha, falando com tanta convicção, o desarmou. Mas ele não estava pronto para ceder. — E você achou que o melhor jeito de descobrir o mundo era se perder em um bairro perigoso? — perguntou ele, agora com um tom de voz mais controlado, mas ainda sério. — Amanda, se algo tivesse acontecido a você... Ele parou, sem conseguir terminar a frase. A
ideia de perder sua única filha o aterrorizava mais do que qualquer outra coisa, e Amanda percebeu isso. Ela podia ver a preocupação por trás da raiva, mas não sabia como convencê-lo de que sua proteção constante também era sufocante. — Eu sei que errei — disse ela, sua voz mais suave agora —, mas eu tive sorte; encontrei uma pessoa que me ajudou. Carlos a olhou com curiosidade, descançando. Ao mesmo tempo, ele não esperava por isso. — Uma pessoa? — perguntou ele. — Fran? Que pessoa? Amanda hesitou antes de responder; sabia que seu pai jamais entenderia o
que Jonas significava para ela. Para ele, a ideia de sua filha ser ajudada por um homem que vivia nas ruas era algo absurdo, quase ofensivo. Mas ela não podia mentir, não depois de tudo o que tinha acontecido. — Um homem — respondeu ela finalmente. — Ele vive nas ruas, mas ele me ajudou a encontrar um lugar seguro até o motorista chegar. O silêncio que se seguiu foi pesado. Carlos Montenegro não disse nada por alguns instantes, mas sua expressão mudou completamente. A ideia de sua filha ser ajudada por um mendigo parecia algo que ele não conseguia
processar. Amanda pôde ver a tensão aumentar em seu rosto, como se aquilo desafiasse todo o seu entendimento do mundo. — Um mendigo? — disse ele lentamente, como se tentasse confirmar o que acabara de ouvir. — Você foi ajudada por um homem que vive nas ruas? Amanda sentiu, mas sabia que aquilo não seria o suficiente para calmar seu pai. Ele passou as mãos pelos cabelos, claramente incomodado com a ideia. A mente de Carlos era estruturada, focada no controle, no poder. A ideia de que sua filha tivesse se envolvido, mesmo que brevemente, com alguém que ele via
como o oposto de tudo que prezava era algo que o perturbava profundamente. — Não posso acreditar nisso — disse ele finalmente, com uma voz mais baixa, quase um sussurro. — Amanda, você precisa entender o perigo dessas pessoas. Você não sabe o que elas podem querer em troca. Amanda, irritada com o preconceito do pai, ergueu a voz pela primeira vez naquela conversa. — Ele não queria nada em troca, pai! Ele só me ajudou porque eu precisava! Não foi assim como você está pensando! Carlos encarou-a com um olhar sério, mas não disse nada. Amanda sabia que ele
estava lutando para entender, tentando encontrar uma forma. De justificar o que tinha acontecido de acordo com a visão de mundo que ele conhecia. Para ele, o mundo era dividido entre aqueles que tinham poder e aqueles que não tinham; e os que não tinham, na mente de Carlos, sempre queriam algo. Amanda, no entanto, sabia que Jonas não se encaixava nesse estereótipo. Ele a tinha ajudado sem esperar nada em troca, sem tentar tirar vantagem da situação; e isso a fazia pensar em como sua própria visão do mundo estava mudando. "Pai," disse ela, agora mais calma, "Jonas me
salvou. Se não fosse por ele, eu não estaria aqui agora; ele me protegeu quando aqueles homens me abordaram e me levou a um lugar seguro. Você não pode simplesmente achar que todos são perigosos só porque vivem nas ruas. Há pessoas boas em todos os lugares, mesmo nos lugares que você acha que eu não deveria." Carlos ficou em silêncio por um longo momento. Ele respirou fundo, como se estivesse tentando controlar suas emoções. Finalmente, olhou para a filha, e o que viu nos olhos dela o fez perceber que algo havia mudado. Amanda não era mais a menina
obediente que aceitava as regras sem questionar; ela havia visto um lado da vida que ele sempre tentou mantê-la longe, e agora estava começando a fazer perguntas — perguntas que ele não sabia se estava pronto para responder. "Você está cansada," disse ele, finalmente, com a voz mais suave. "Vá descansar; amanhã conversamos melhor sobre isso." Amanda assentiu, sabendo que a conversa estava longe de acabar, mas também ciente de que precisava de tempo para processar tudo o que havia acontecido. Ela se virou e começou a subir as escadas em direção ao seu quarto. Mas antes de sair da
sala, ouviu a voz de seu pai uma última vez: "Amanhã quero saber mais sobre esse Jonas," disse ele, sua voz firme. "Quem ele é, de onde veio e o que ele realmente queria com você." Amanda parou por um momento, mas não se virou. Ela sabia que Jonas não queria nada dela, mas também sabia que seu pai não aceitaria essa explicação tão facilmente. Havia muito mais em jogo, e pela primeira vez, ela sentia que estava entrando em um terreno perigoso, onde segredos de família e o mundo real começavam a colidir de forma inesperada. Ela subiu as
escadas, o peso da noite ainda sobre seus ombros. Amanda acordou na manhã seguinte com uma sensação de peso no peito. O cansaço da noite anterior ainda estava presente, e a conversa com seu pai continuava a ecoar em sua mente. A ideia de contar mais sobre Jonas para Carlos parecia difícil; sabia que o pai não aceitaria facilmente o que tinha acontecido e não conseguiria entender como aquele homem, alguém que vivia nas ruas, havia sido sua única esperança de segurança. Ela ficou deitada por alguns minutos, olhando para o teto de seu quarto luxuoso. O contraste entre a
segurança e o conforto de sua casa e as ruas sombrias onde estivera no dia anterior a incomodava profundamente. Era como se houvesse dois mundos distintos: o que ela conhecia, cheio de privilégios, e o que Jonas habitava, repleto de incertezas e perigos. E agora, Amanda se sentia dividida entre esses dois mundos. Levantou-se devagar e caminhou até a janela. Lá fora, os jardins bem cuidados da mansão dos Montenegro brilhavam sob o sol da manhã; tudo parecia perfeito, imaculado, como se o mundo do lado de fora nunca pudesse alcançar aquele lugar. No entanto, Amanda sabia que a realidade
não era tão simples. Ela havia experimentado algo muito diferente no dia anterior, e essa experiência havia deixado marcas. Vestiu-se rapidamente, sabendo que teria que enfrentar seu pai mais uma vez. O plano era conversar sobre o que havia acontecido, mas Amanda não sabia por onde começar. Sabia que Carlos esperava respostas; esperava saber mais sobre Jonas, mas havia algo mais profundo que a incomodava. Aquele encontro com o mendigo não havia sido apenas um incidente; algo nele tinha despertado perguntas que ela nunca havia se permitido fazer. Quem era Jonas, realmente? E por que ele parecia tão familiar, tão
à vontade em ajudá-la, como se tivesse experiência com aquele tipo de situação? Descendo as escadas, encontrou seu pai no escritório, já envolvido em conversas de negócios, como de costume. Ele estava ao telefone, sua expressão séria e calculada, típica de um homem de negócios acostumado a lidar com grandes decisões. Quando a viu entrando, fez um gesto para que esperasse e terminou a ligação. "Rapidamente, sente-se," disse Carlos, apontando para uma cadeira em frente à sua mesa. Amanda obedeceu, sentindo a tensão no ar. Ela sabia que a conversa de hoje seria longa, mas estava determinada a manter sua
posição. Não podia deixar que o preconceito de seu pai ditasse a maneira como ela via Jonas ou como via o mundo a partir daquele momento. Então começou: "Carlos, sem rodeios, conte-me mais sobre esse homem, Jonas. Você disse que ele ajudou, mas quero saber exatamente o que aconteceu, como ele te encontrou e por que você confiou nele." Amanda respirou fundo, tentando organizar seus pensamentos antes de responder. Ela sabia que precisava ser cuidadosa, mas também queria ser honesta. Jonas havia sido sua salvação, e ela não podia deixar que seu pai o visse apenas como um mendigo. "Eu
estava perdida, pai," começou ela, sua voz firme, mas calma. "Depois de andar sem rumo por algum tempo, percebi que tinha me afastado demais e não sabia como voltar. Eu entrei em um bairro estranho e foi quando vi Jonas pela primeira vez. Ele estava sentado em uma praça. Quando me aproximei, ele percebeu que eu estava assustada e ofereceu ajuda. Eu não sabia o que fazer, então confiei nele." Carlos a ouvia em silêncio, mas seu olhar era impenetrável. Amanda sabia que ele ainda estava processando a história. "E por que você decidiu confiar nele?" perguntou Carlos, com a
mesma firmeza. Como você sabia que ele não estava tentando se aproveitar da situação? Essa era a pergunta que Amanda havia se feito várias vezes desde que voltara para casa, mas a resposta parecia simples e, ao mesmo tempo, complicada. Havia algo em Jonas que a fazia sentir-se segura em meio a todo perigo ao seu redor. - Não sei explicar - respondeu Amanda, depois de um breve silêncio. - Havia algo nos olhos dele, algo que me fez sentir que ele não queria me machucar. Ele conhecia aquelas ruas, sabia que eu estava em perigo e se ofereceu para
me guiar até um lugar seguro. Eu podia sentir que ele não esperava nada em troca, ele apenas queria me ajudar. Carlos franziu o senho; era difícil para ele aceitar que alguém como Jonas, alguém que vivia à margem da sociedade, pudesse agir de forma altruísta. Para ele, o mundo funcionava com interesses e trocas, e ele tinha dificuldade em acreditar que alguém em uma situação tão precária não estivesse buscando algum benefício pessoal. - E o que mais ele te contou? - perguntou Carlos, recostando-se na cadeira e cruzando os braços. - Ele falou algo sobre si mesmo, alguma
história que explique por que ele está nas ruas? Amanda pensou por um momento, lembrando da breve conversa que teve com Jonas na mercearia. Ele havia sido misterioso, guardando grande parte de sua história para si. Mas o que ele havia mencionado deixou Amanda intrigada. - Ele me disse que nem sempre viveu nas ruas - respondeu Amanda, observando a expressão de curiosidade e ceticismo se intensificar no rosto de seu pai. - Disse que um dia teve uma vida diferente, que conhecia o outro lado da cidade, o nosso lado, mas ele não entrou em detalhes, só disse que
as coisas mudam rápido. Carlos ficou em silêncio por um momento, como se aquelas palavras o tivessem atingido de uma forma inesperada. Amanda notou uma leve mudança em sua expressão, um sutil endurecimento no olhar. Ele parecia pensativo, como se estivesse tentando conectar peças de um quebra-cabeça que Amanda não conseguia enxergar completamente. - Ele te disse o nome completo dele? - perguntou Carlos, com a voz repentinamente mais cautelosa. Amanda balançou a cabeça negativamente; ela não sabia muito mais sobre Jonas além de seu primeiro nome, mas podia ver que aquela pergunta tinha um peso maior do que parecia.
Seu pai estava claramente tentando descobrir algo, mas o quê? - Não, ele só disse que se chamava Jonas - respondeu ela. - Mas por que isso importa tanto? Carlos olhou para ela por um longo momento e Amanda percebeu que havia algo mais acontecendo; o pai não estava apenas preocupado com a segurança dela, havia uma tensão adicional, algo que ela não conseguia identificar, mas que o fazia agir de maneira mais cautelosa do que o normal. - Amanda... - começou Carlos, sua voz agora mais controlada, como se estivesse escolhendo cuidadosamente as palavras. - Há muitas pessoas que,
em algum momento, estiveram ligadas ao nosso círculo, mas que, por diferentes razões, perderam tudo: alguns por culpa própria, outros por circunstâncias infelizes. Não é incomum que pessoas como Jonas conheçam mais sobre nós do que deveriam. É por isso que quero que você tenha cuidado. Ele pode estar agindo com boas intenções agora, mas você não sabe o que ele realmente quer. Amanda sentiu um frio na espinha; as palavras de seu pai a faziam questionar tudo que sabia sobre Jonas, mas, ao mesmo tempo, ela não queria acreditar que ele fosse um manipulador ou alguém com segundas intenções.
Algo na maneira como ele havia tratado com gentileza e sem esperar nada em troca a fazia duvidar das suspeitas de Carlos. - Eu entendo sua preocupação, pai - respondeu ela, tentando manter-se tão calma quanto possível - , mas acho que você está vendo coisas onde não existem. Jonas me ajudou porque ele quis, não porque ele esperava algo de mim. Nem todo mundo está atrás de vantagem. Carlos suspirou, claramente não satisfeito com a resposta. Ele se levantou da cadeira e caminhou até a janela, olhando para fora, para os jardins da casa. Ficou ali por alguns instantes
em silêncio, como se estivesse pensando no que deveria dizer a seguir. - Apenas tome cuidado, Amanda - disse ele, finalmente, sem se virar para encará-la. - O mundo lá fora não é tão simples quanto você pensa e, às vezes, as pessoas mais perigosas são aquelas que parecem mais inofensivas. Amanda ficou em silêncio, sentindo a tensão no ar. Ela sabia que seu pai estava preocupado com ela, mas também sabia que ele via o mundo de uma maneira muito diferente. E, pela primeira vez em muito tempo, Amanda começou a perceber que talvez a visão de mundo de
seu pai não fosse a única verdade. Enquanto saía do escritório, uma série de pensamentos passou por sua mente: quem era Jonas, realmente? E por que a ideia de que ele pudesse ter um passado semelhante ao dela incomodava tanto seu pai? Havia mais naquela história do que Amanda poderia imaginar, e, de alguma forma, ela sabia que estava apenas começando a descobrir os segredos que ligavam sua vida à de Jonas. E, com esse pensamento, Amanda decidiu que, de uma forma ou de outra, iria encontrar Jonas novamente. Amanda saiu do escritório do pai com a mente cheia de
perguntas. Sabia que Carlos estava escondendo algo, algo que envolvia Jonas, ou pelo menos o tipo de vida que Jonas havia mencionado. A menção de que ele conhecia o outro lado da cidade parecia ter mexido profundamente com o pai dela. Amanda, no entanto, ainda não sabia exatamente por quê. Subiu as escadas em direção ao seu quarto, mas, em vez de descansar, sentou-se na beira da cama, olhando para a janela. As palavras do pai continuavam a ecoar em sua cabeça: as pessoas mais perigosas podem ser aquelas que parecem mais inofensivas. Ele estava dizendo que Jonas poderia ser
perigoso, que ele poderia estar manipulando Amanda. Mas isso não fazia sentido para ela; se Jonas quisesse algo dela, por que não teria feito nada quando teve a oportunidade? Por que simplesmente a deixou segura na loja e desapareceu? Decidida a descobrir mais, Amanda pegou o celular. O número da loja de esquina onde Jonas havia levado estava registrado nas mensagens trocadas com seu pai. Com o coração batendo forte, ela digitou o número e esperou. Depois de alguns toques, uma voz grave e familiar atendeu: "Mercearia Dceu, Augusto. Quem fala?" Amanda respirou fundo, reconhecendo a voz do dono da
loja. Ela engoliu em seco, tentando não soar nervosa. "Oi, aqui é Amanda, a garota que estava aí ontem com Jonas." Houve um breve silêncio do outro lado da linha e ela podia ouvir o homem respirando fundo antes de responder: "Ah, claro, eu lembro de você. Como posso ajudar, mocinha?" "Eu... eu queria saber sobre Jonas," respondeu Amanda, um pouco hesitante. "Ele ainda está por aí, seu Augusto?" Demorou a responder. Amanda imaginou que ele devia estar pensando no que responder, talvez se perguntando por que uma jovem rica como ela estaria tão interessada em um homem que vivia
nas ruas. "O Jonas é um sujeito reservado," disse o homem finalmente. "Ele não é de ficar por muito tempo em um só lugar, mas ele sempre aparece por aqui de tempos em tempos. Às vezes ajuda com algumas coisas em troca de comida. Ele é um bom homem, se é isso que você está se perguntando." Amanda sentiu um leve alívio ao ouvir aquilo. Ela já sabia, mas ouvir a confirmação de outra pessoa fazia-a sentir-se mais confiante. "Você sabe onde posso encontrá-lo?" perguntou ela, tentando não parecer desesperada. O homem hesitou, como se a pergunta o tivesse pegado
de surpresa. "Mocinha, Jonas é um homem difícil de achar. Ele vai onde precisa, não tem paradeiro certo, mas se você estiver disposta a esperar, ele pode aparecer na loja de novo. Ele sempre vem quando precisa de algo ou quer se esconder do frio." Amanda agradeceu e desligou o telefone, um pouco frustrada. Sabia que encontrar Jonas não seria fácil, mas também sentia que precisava falar com ele. Havia algo na história dele, algo que a conectava de uma maneira que ela não conseguia ignorar. Talvez fosse o fato de que ele também parecia ter conhecido um lado da
vida que ela mal havia começado a entender. Com isso em mente, Amanda tomou uma decisão: iria até a loja no dia seguinte e esperaria por Jonas. Sabia que seu pai não aprovaria, mas isso não importava mais. Precisava descobrir a verdade, e Jonas parecia ser a chave para isso. Na manhã seguinte, Amanda saiu de casa cedo, antes que Carlos pudesse notar sua ausência. Pegou um táxi e foi diretamente para a mercearia de seu Augusto. Quando chegou, o dono da loja cumprimentou-a com um sorriso simpático. "Mais curioso veio atrás do Jonas, não é?" perguntou ele, observando Amanda
com atenção. "Sim," respondeu ela, sem tentar disfarçar. "Eu preciso falar com ele." Seu Augusto assentiu, parecendo compreender. "Ele aparece de vez em quando, não tem um horário certo, mas é mais provável que ele passe por aqui quando o sol começar a baixar. É mais seguro para ele assim." Amanda passou o dia ali, esperando pacientemente. Sentou-se em uma das mesas da loja e observou as pessoas passarem pela rua durante horas. Seu celular tocava com mensagens de amigos e do pai, mas ela os ignorava. Sua mente estava focada em Jonas e na conversa que queria ter com
ele. O tempo passava lentamente e o sol começou a se pôr. Amanda já estava começando a duvidar de sua decisão quando finalmente viu a figura familiar de Jonas entrando na loja. Ele estava um pouco mais abatido do que da última vez que o vira, com a barba mais espessa e as roupas mais gastas. Quando seus olhos encontraram os dela, ele parou por um momento, surpreso. "Amanda?" perguntou ele, com uma mistura de surpresa e cautela. "O que você está fazendo aqui?" Ela se levantou rapidamente e caminhou até ele. "Eu precisava falar com você," respondeu ela, tentando
controlar o nervosismo. "Sobre o que aconteceu e sobre você." Jonas franziu o cenho, visivelmente desconfortável. Ele olhou ao redor, como se não quisesse chamar atenção, e então a sentiu. "Tudo bem, vamos conversar, mas não aqui. Venha comigo." Amanda seguiu Jonas para fora da loja, onde ele a levou para uma praça tranquila, alguns quarteirões dali. Sentaram-se em um banco de madeira velho, afastados do movimento da cidade. O vento frio balançava as árvores e Amanda sentiu um leve arrepio, tanto pela temperatura quanto pela tensão do momento. "O que você quer saber?" perguntou Jonas, com um tom direto.
Amanda hesitou por um momento, não sabendo exatamente por onde começar. "Meu pai... ele ficou desconfiado de você," disse ela finalmente, escolhendo as palavras com cuidado. "Ele acha que você pode ser perigoso ou que pode estar tentando tirar vantagem de mim, mas eu sei que isso não é verdade. Eu só... eu preciso entender mais." "Você disse que conhecia o outro lado da cidade. O que você quis dizer com isso?" Jonas ficou em silêncio, seus olhos perdidos em algum ponto distante. Amanda podia ver que aquilo o afetava de alguma forma, como se estivesse revivendo memórias que ele
preferia manter enterradas. Depois de um longo momento, ele suspirou. "Seu pai tem razão em parte," disse ele, com um tom de amargura. "Não no que ele pensa sobre mim, mas no fato de que eu já estive onde ele está agora. Eu também conheci o mundo de luxo e poder. Tive minha chance, mas a perdi e agora estou aqui." Amanda ficou em silêncio, absorvendo aquelas palavras. Jonas não parecia ressentido, mas havia uma dor profunda em sua voz, como se ele tivesse feito as pazes com sua situação, mas ainda carregasse as cicatrizes. "O que aconteceu?" perguntou ela
suavemente. Jonas a olhou por um momento, como se estivesse avaliando se deveria ou não contar mais, mas então, como se tivesse decidido que ela merecia saber, ele começou. A falar, eu já tive uma empresa, Amanda. Eu era sócio de um homem muito poderoso. Construímos um império juntos, mas as coisas começaram a desmoronar quando a ganância entrou em cena. Fui traído, perdi tudo o que tinha: minha casa, minha família, e, no fim, a única coisa que me restou foram as ruas. Amanda sentiu um nó na garganta. A história de Jonas era mais do que ela esperava,
e agora ela começava a entender por que seu pai havia reagido de forma tão estranha quando ela mencionou Jonas. Havia mais naquela história, algo que envolvia diretamente sua família. Mas, antes que pudesse perguntar mais, Jonas se levantou. — Isso é tudo que você precisa saber — disse ele, com um tom firme. — Não procure mais por mim, Amanda. Eu te ajudei porque era o certo a fazer, mas minha vida não é algo com o qual você deva se envolver. Amanda se levantou também, sentindo a frustração crescer dentro de si. — Mas eu preciso saber a
verdade — disse ela, a voz elevada pela emoção. — Eu sinto que tem algo mais, algo que você não está me contando. Por favor, Jonas, eu preciso entender o que está acontecendo. Jonas olhou com tristeza nos olhos, mas não respondeu. Ele apenas balançou a cabeça, dando um passo para trás. — Às vezes, a verdade é algo que você não quer descobrir. Amanda, confie em mim, volte para sua vida e esqueça que me encontrou. E, antes que Amanda pudesse dizer mais alguma coisa, Jonas se virou e começou a caminhar para longe, deixando-a sozinha na praça. Ela
o observou desaparecer na escuridão, sentindo-se impotente e perdida. Sabia que havia algo mais naquela história, algo que ligava o passado de Jonas ao presente de sua família. E de uma coisa Amanda tinha certeza: ela não iria parar até descobrir o que era. Amanda ficou parada na praça por um longo tempo, depois que Jonas desapareceu na escuridão. O vento frio balançava as árvores, e o som distante dos carros ecoava pela cidade, mas ela mal registrava os ruídos ao seu redor. Sua mente estava fixa em tudo o que acabara de ouvir. A revelação de que Jonas havia
sido traído por um sócio poderoso e perdido tudo abalava ainda mais a imagem de segurança e controle que seu pai sempre projetara. Ela sentia que estava mais próxima da verdade, mas Jonas havia se afastado antes que pudesse descobrir completamente o que ligava sua família a ele. No fundo, Amanda sabia que seu pai estava envolvido de alguma forma, mas ainda não tinha as peças necessárias para montar o quebra-cabeça. Respirando fundo, Amanda decidiu que não podia desistir agora. Jonas havia continuado a ensiná-la que ela não deveria se envolver mais, mas como poderia? Como poderia simplesmente esquecer tudo
o que ele havia contado, quando cada palavra dele parecia estar conectada à sua própria vida de maneiras que ela ainda não entendia? Ela sentia que estava em um ponto sem volta e que a única coisa a fazer era seguir adiante, não importava quão dolorosa fosse a verdade. No dia seguinte, Amanda estava determinada a confrontar seu pai. Ela sabia que ele não diria nada facilmente, mas também sabia que a única maneira de descobrir o que estava escondido era confrontando-o diretamente. Ela acordou cedo, disposta a obter respostas, mesmo que isso significasse abrir uma ferida que há muito
tempo parecia estar enterrada na família. Desceu as escadas e encontrou Carlos Montenegro na sala de jantar, lendo o jornal como de costume. O pai de Amanda sempre começava o dia com o jornal e uma xícara de café forte, preparado do jeito que ele gostava, quase como um ritual. Ele parecia tranquilo, completamente alheio à tormenta que se passava na mente da filha. Amanda parou por um momento, observando em silêncio. Por anos, ele havia sido pilar de sua vida, a figura de poder e segurança inquestionável. Mas agora, depois de tudo que havia descoberto, ela começava a ver
seu pai de uma maneira diferente, não apenas como um homem de negócios bem-sucedido, mas como alguém que possivelmente havia prejudicado outras pessoas para chegar onde estava. — Pai, podemos conversar? — disse Amanda, com a voz firme. Carlos levantou os olhos do jornal, surpreso pela seriedade no tom de sua filha. Ele pousou o jornal sobre a mesa e fez um gesto para que ela se sentasse. — Claro, Amanda. O que houve? — perguntou ele, num tom paternal, mais atento à mudança de atitude dela. Amanda sentou-se na frente dele, respirou fundo e decidiu que não havia mais
tempo para rodeios. — Eu encontrei Jonas novamente — começou ela, observando atentamente a reação do pai. O rosto de Carlos não demonstrou nenhuma emoção imediata, mas Amanda notou um leve endurecimento em seus olhos, um sinal de que ele sabia exatamente de quem ela estava falando. — Jonas? — repetiu Carlos, com um tom frio. — Por que você continuaria procurando por ele? Eu pensei que havíamos resolvido isso. Amanda balançou a cabeça, sentindo a raiva borbulhar dentro de si. — Não, pai, não resolvemos nada. Você me disse que pessoas como ele podem ser perigosas, mas Jonas não
é nada do que você imagina. Ele me contou que já teve uma vida parecida com a nossa. Ele disse que foi traído por um sócio e que perdeu tudo. A atenção na sala aumentou. Carlos se endireitou na cadeira, seus olhos fixos em Amanda. Ele parecia estar se preparando para algo, mas ainda não havia dito nada. Amanda aproveitou o silêncio para continuar. — Ele não me contou os detalhes, mas eu sei que há algo mais e agora eu preciso saber. Você está envolvido nisso, não está? As palavras saíram rápidas e firmes. — Você conhece Jonas? Ou,
pelo menos, sabe o que aconteceu com ele? Eu posso ver isso no seu rosto. Carlos permaneceu por alguns segundos, seus olhos fixos na filha, como se estivesse tentando medir o quanto ela sabia. Então, com um suspiro pesado, ele pousou as mãos sobre a mesa. — Jonas não é o homem que... Você pensa que ele é? — disse Carlos, com a voz controlada. — Ele era meu sócio. Sim, há muitos anos, e sim, ele perdeu tudo, mas a culpa não foi minha. Amanda sentiu um frio na espinha ao ouvir a confirmação de que seu pai e
Jonas tinham, de fato, uma história em comum. — Então, o que aconteceu? — insistiu Amanda. — Jonas disse que foi traído, que perdeu tudo por causa dessa traição. Carlos balançou a cabeça lentamente, como se estivesse revivendo memórias que preferia esquecer. — Jonas era meu sócio em uma empresa pequena, no início de minha carreira — começou Carlos, finalmente cedendo à pressão de Amanda. — Nós trabalhamos juntos por alguns anos, mas ele começou a tomar decisões ruins, a se envolver com pessoas perigosas. Eu tentei avisá-lo, mas ele não quis ouvir. Quando a situação ficou insustentável, eu tive
que tomar uma decisão difícil: afastei-me dos negócios com os quais ele estava envolvendo a empresa, para proteger o que construímos. — Jonas não aceitou isso. — Bem, ele sempre acreditou que a culpa era minha, mas a verdade é que ele estava se destruindo sozinho. Amanda ouviu atentamente, mas havia algo naquela história que não se encaixava. A maneira como Jonas havia falado sobre a traição, o tom amargo e dolorido em sua voz, não parecia ser apenas um mal-entendido ou uma divergência de negócios; parecia algo muito mais pessoal. — Ele falou sobre você de uma maneira diferente
— disse Amanda, com cuidado. — Como se você tivesse tirado tudo dele. Carlos a observou com um olhar cansado, mas não disse nada por um longo tempo. Parecia estar ponderando até onde deveria ir com a conversa. Finalmente, ele suspirou. — Jonas nunca entendeu que o que fiz foi para salvar a empresa — disse Carlos, sua voz mais suave agora. — E sim, ele perdeu muito: perdeu dinheiro, perdeu a casa e, eventualmente, perdeu a família. Mas eu fiz o que precisava ser feito. Se eu não tivesse me afastado, teria perdido tudo também. A diferença é que
eu consegui reconstruir. Jonas não. Amanda sentiu uma mistura de emoções. Parte dela queria acreditar nas palavras do pai, mas outra parte não conseguia ignorar a dor que havia visto nos olhos de Jonas. Algo estava faltando naquela história, mas ela sabia que pressionar mais Carlos agora não a levaria a lugar nenhum. Ela se levantou, ainda tentando processar tudo que havia ouvido. — Pai, eu só quero a verdade — disse ela, com a voz calma, mas firme. — Eu entendo que você fez o que achou certo, mas quero que saiba que não vou ignorar o que Jonas
me contou. Ele me ajudou, e eu sinto que há mais nessa história, e eu vou descobrir. Carlos a observou em silêncio, seus olhos carregando uma mistura de preocupação e frustração. Ele não disse mais nada, mas Amanda podia sentir que essa conversa estava longe de terminar. Ela saiu da sala com o coração pesado; agora sabia que seu pai tinha um papel importante no que havia acontecido com Jonas, mas ainda não conseguia entender completamente o que havia motivado essa traição — se é que realmente havia sido uma traição. Amanda não podia ignorar o sentimento de que ambos
os lados da história estavam incompletos. De volta ao seu quarto, Amanda olhou pela janela, refletindo sobre o que deveria fazer a seguir. Jonas havia tentado afastá-la, mas ela sentia que não podia simplesmente deixar essa história inacabada. Ele havia mencionado decisões ruins, escolhas que o colocaram em um caminho sem volta. Mas e se aquelas decisões tivessem sido forçadas por algo maior, algo que Carlos ainda não estava revelando? Sentindo-se determinada, Amanda pegou o celular e olhou para o número da ia novamente. Ela sabia que, para descobrir a verdade, precisaria encontrar Jonas mais uma vez, e dessa vez
ele não poderia fugir sem dar todas as respostas. Enquanto olhava para o telefone, uma ideia começou a se formar em sua mente. Sabia que seu pai continuaria a esconder as partes mais sombrias da história, mas Jonas ainda poderia contar sua versão completa. E Amanda estava pronta para enfrentar qualquer verdade que viesse, não importava o quão dolorosa fosse. A determinação enchia seu peito; agora era uma questão de coragem, e ela estava disposta a enfrentar tudo, mesmo que o preço fosse descobrir segredos que mudariam para sempre a maneira como via seu pai e o mundo ao seu
redor. No dia seguinte, Amanda acordou com uma nova determinação. A revelação de que seu pai e Jonas tinham sido sócios no passado a perturbava profundamente. Cada pedaço dessa história parecia cheio de meias-verdades e lacunas que só Jonas poderia preencher, e agora, mais do que nunca, ela sabia que precisava encontrar o homem para entender o que realmente aconteceu. Sua relação com o pai, construída sobre confiança e respeito, estava desmoronando lentamente, e isso a assustava. Mas, ao mesmo tempo, a força de sua vontade de descobrir a verdade a impelia a seguir adiante. Amanda vestiu-se rapidamente, determinada a
agir. Já não se importava mais com as consequências de suas ações; tudo o que queria eram respostas. Decidiu que iria diretamente à mercearia novamente, esperar por Jonas, não importava quanto tempo isso levasse. Ela sabia que ele apareceria, cedo ou tarde. Antes de sair, evitou seu pai; não queria encarar mais perguntas ou desculpas, queria apenas a verdade. Ao chegar à mercearia de seu Augusto, foi recebida com um aceno de cabeça, mas também um olhar de leve preocupação. — Voltou? — perguntou ele, limpando o balcão. — Ainda procurando o Jonas? — Amanda assentiu, tentando manter a calma.
— Sim, eu preciso falar com ele de novo. Há algo que ele não me contou, e eu acho que é importante. Seu Augusto pareceu hesitar por um momento, como se estivesse ponderando se deveria dizer algo mais. Ele olhou para a rua como se esperasse ver Jonas a qualquer momento. — Ele apareceu aqui ontem à noite — disse ele, finalmente, — mas foi embora rápido. Estava agitado, parecia que queria evitar ser visto por alguém. — Amanda franziu o cenho. — Evitar quem? Seu Augusto deu de ombros. "Não sei, mas ele parecia nervoso," disse que talvez não
voltasse por um tempo. "Pode ser que ele tenha se metido em algo. É complicado." Aquilo preocupou Amanda. Jonas não parecia o tipo de pessoa que buscava problemas, mas as ruas eram imprevisíveis, e ele já havia mencionado que sua vida não era fácil. Talvez ele estivesse fugindo de algo ou de alguém. Enquanto pensava nisso, seu celular vibrou no bolso. Ela pegou rapidamente, achando que poderia ser uma mensagem do pai, mas, para sua surpresa, era uma notificação de um número desconhecido. Era um texto simples: "Se quer saber a verdade sobre Jonas, venha à Delegacia Central." O coração
de Amanda disparou. Quem poderia ter mandado aquela mensagem e o que queriam dizer com a verdade sobre Jonas? Ela mostrou a mensagem a seu Augusto, que olhou com desconfiança. "Delegacia? Isso não soa muito bom, mocinha," disse ele, coçando a cabeça. "Talvez seja melhor você não se meter nisso." Mas Amanda sabia que não podia recuar agora. Ela precisava descobrir o que estava acontecendo. Algo dentro dela lhe dizia que aquela mensagem era importante e que Jonas poderia estar em apuros. "Eu tenho que ir," disse ela, determinada. "Obrigada por tudo, seu Augusto." Ela saiu da loja em direção
à delegacia, sem saber o que esperar. O caminho parecia mais longo do que o normal, o nervosismo crescendo dentro dela a cada passo. A cidade, normalmente vibrante e cheia de vida, parecia, de repente, mais ameaçadora. Amanda sabia que estava se envolvendo em algo muito maior do que esperava, mas não podia voltar atrás. A cada novo passo, sentia-se mais próxima de descobrir segredos que poderiam mudar tudo. Quando chegou à Delegacia Central, o prédio imponente a fez hesitar por um momento. Havia uma sensação de gravidade no ar, como se algo importante estivesse prestes a acontecer. Amanda respirou
fundo e entrou. A sala de espera era fria e austera, com pessoas sentadas em cadeiras duras, algumas esperando ser atendidas, outras claramente nervosas por estarem ali. Amanda se aproximou do balcão de atendimento, onde uma policial de rosto sério estava de plantão. "Eu recebi uma mensagem dizendo que deveria vir aqui," disse Amanda, tentando soar confiante, embora sentisse seu coração bater forte no peito. "É sobre um homem chamado Jonas." A policial levantou os olhos para ela, parecendo surpresa, mas não disse nada de imediato. Em vez disso, digitou algo em seu computador e, depois de alguns segundos, assentiu.
"Sente-se, um detetive virá falar com você em breve." Amanda obedeceu, sentando-se em uma das cadeiras duras. Seu estômago estava embrulhado em ansiedade. Quem havia enviado aquela mensagem e por que a polícia estava envolvida? Passaram-se alguns minutos, mas pareciam horas até que uma porta lateral se abriu e um homem alto, com uma expressão severa e cansada, apareceu. Ele usava um terno simples e tinha o distintivo pendurado no pescoço. "Amanda Monte Negro?" perguntou ele, olhando diretamente para ela. Ela assentiu, se levantando. "Sou o detetive Braga," disse ele, com um aceno de cabeça. "Pode me acompanhar?" Amanda o
seguiu por um corredor estreito, passando por várias salas até chegarem a um pequeno escritório. O detetive indicou para que se sentasse em frente à mesa, enquanto ele pegava um bloco de notas. "Recebemos uma denúncia ontem à noite sobre um homem que coincide com a descrição de Jonas," começou o detetive, sem rodeios. "Ele foi preso em uma briga nas ruas, aparentemente envolvendo algumas pessoas que estavam tentando extorquir." Amanda sentiu o sangue gelar. "Jonas preso? Isso não fazia sentido! Ele sempre pareceu tão cuidadoso, tão ciente dos perigos ao seu redor." "Jonas não é o tipo de pessoa
que se envolve em brigas," disse Amanda, tentando manter a calma. "Ele me ajudou quando eu estava perdida. Por que ele estaria envolvido com extorsão?" O detetive Braga observou por um momento antes de responder. "Aparentemente, Jonas devia dinheiro a algumas pessoas das ruas. Ele tentou escapar, mas acabou sendo pego em uma confusão e agora está detido. Mas é curioso..." Ele fez uma pausa, como se estivesse escolhendo cuidadosamente as próximas palavras. "Quando revistamos Jonas, encontramos algo interessante com ele, algo que talvez tenha a ver com a sua família." Amanda franziu o cenho, confusa e preocupada. "Com a
minha família?" perguntou, incrédula. "O que poderia ter a ver comigo?" O detetive Braga puxou uma pequena pasta de dentro da gaveta e a abriu. De dentro, ele tirou um envelope amarelado e o colocou sobre a mesa, deslizando na direção de Amanda. "Encontramos isso no casaco de Jonas," disse ele, apontando para o envelope. "É uma carta endereçada ao seu pai, Carlos Montenegro." O coração de Amanda disparou. Seus olhos se fixaram no envelope antigo e gasto, como se aquele simples pedaço de papel carregasse todo o peso de segredos guardados há anos. Ela pegou o envelope com mãos
trêmulas e olhou para o detetive, buscando algum tipo de explicação. "Jonas disse alguma coisa?" perguntou ela, sentindo a garganta seca. O detetive balançou a cabeça lentamente. "Ele se recusou a falar sobre o conteúdo da carta," disse apenas que não era o momento certo. "Mas me parece que há muito mais nessa história do que apenas uma briga de rua." Amanda sentiu como se o mundo estivesse girando ao seu redor. "Carta? O que Jonas estava tentando dizer com isso? O que seu pai tinha a ver com tudo aquilo? E por que Jonas carregava uma carta endereçada a
Carlos Montenegro?" Ela sabia que precisava ler aquela carta, mas, ao mesmo tempo, o medo de descobrir o que estava escrito a paralisava. Tudo em sua vida estava começando a se desintegrar, e no fundo, Amanda sabia que, uma vez que abrisse aquele envelope, não haveria volta. "Eu posso vê-lo?" perguntou ela, finalmente. "Eu preciso falar com Jonas." O detetive Braga assentiu, fechando a pasta. "Ele está em custódia agora. Não podemos liberar a visita por enquanto, mas eu posso arranjar para que..." Você o vê amanhã? Amanda saiu da delegacia com a carta nas mãos, o coração pesado de
perguntas. Ela sabia que a carta poderia ter as respostas que tanto buscava, mas ainda hesitava em abrir. Jonas estava detido e ela não sabia o que aconteceria com ele. Enquanto caminhava de volta para casa, segurando o envelope com força, Amanda sabia que estava cada vez mais perto da verdade, mas também mais perto de descobrir segredos que poderiam mudar sua vida para sempre. E, naquele momento, em uma rua vazia e silenciosa, Amanda decidiu que não importava o que estivesse escrito naquela carta; ela abriria o envelope assim que estivesse em casa. Ao sair da delegacia, Amanda caminhava
com passos pesados, o envelope ainda apertado em suas mãos. Ela mal sentia o vento frio que passava por suas bochechas, pois sua mente estava completamente focada na carta. Aquele pedaço de papel carregava uma verdade que poderia desmontar tudo o que ela acreditava saber sobre seu pai, sobre Jonas, e talvez até sobre si mesma. Mas a dúvida continuava a corroê-la: deveria esperar até estar em casa, em um lugar seguro e longe dos olhares curiosos da rua? Sem perceber, seus passos a levaram para um pequeno parque no meio do caminho para sua casa. As árvores altas lançavam
sombras ao longo do chão, e o som distante de crianças brincando e pássaros cantando oferecia um contraste estranho à tormenta emocional que Amanda vivia. Ela se sentou em um banco de madeira, respirando fundo, enquanto olhava para o envelope amarelado. O nome de seu pai, Carlos Montenegro, estava escrito com uma caligrafia antiga, quase tremida. A curiosidade a consumia. Amanda hesitou por alguns segundos, suas mãos tremendo levemente. E se o conteúdo daquela carta fosse mais do que ela esperava? Talvez houvesse algo que justificasse as ações de Jonas, algo que explicasse por que ele ajudou quando poderia ter
se afastado. Ou, pior, algo que revelasse um lado de seu pai que ela não estava pronta para ver. Mas Amanda sabia que não poderia fugir da verdade por mais tempo. Respirando fundo, ela decidiu que não podia mais adiar. Pegou o envelope com cuidado, abrindo-o lentamente como se estivesse prestes a descobrir um segredo enterrado há anos. Dentro, havia uma única folha de papel dobrada várias vezes. Quando ela desdobrou o papel, percebeu que era uma carta curta. Seu coração ia tão rápido que parecia ecoar em seus ouvidos. A carta começava com palavras simples, mas carregadas de uma
tristeza profunda: "Under a Carlos underline underline, se você está lendo isso é porque eu decidi que já era hora de te confrontar com a verdade. Durante anos, carreguei esse peso nas costas, e talvez tenha chegado o momento de você sentir o mesmo. Underline underline, você tirou tudo de mim. Eu confiava em você. Éramos amigos, parceiros e eu estava disposto a compartilhar o sucesso. Mas você, com sua ganância, com seu desejo incessante de poder, fez algo que nunca poderei perdoar. Under não foi apenas a empresa que você tomou de mim, Carlos; foi a minha dignidade, minha
família, minha vida inteira. Eu perdi tudo por causa das suas decisões, da sua traição, e agora você vive como um rei enquanto eu estou nas ruas, invisível para todos. Mas a verdade sempre encontra uma maneira de emergir, não importa quanto tempo passe. Underline underline, esta carta não é para pedir desculpas ou reconciliação; é para que você saiba que um dia o que você fez comigo voltará para te assombrar. Talvez não hoje, talvez não amanhã, mas a verdade sempre vem à tona e, quando ela vier, você terá que enfrentar as consequências. Under under, Jonas a." Amanda
terminou de ler a carta e, por um longo momento, não conseguia respirar. Suas mãos tremiam, e seu coração batia descompassado. As palavras de Jonas eram duras e amargas, mas também eram verdadeiras, ao menos do ponto de vista dele. Jonas acreditava com toda a certeza que Carlos o havia traído de uma maneira devastadora, destruindo não apenas seus negócios, mas sua vida pessoal. Ela tentou imaginar o que poderia ter acontecido naquela época, os detalhes obscuros que seu pai nunca contou; como ele poderia ter feito algo tão terrível a alguém que aparentemente foi seu amigo e parceiro? E
por que havia escondido tudo isso de sua própria filha? Amanda sentia uma mistura de raiva, confusão e tristeza. Era como se, de repente, toda a imagem que ela tinha de seu pai estivesse se despedaçando diante de seus olhos. Ela olhou para o céu, que agora estava ficando mais nublado, como se o tempo refletisse a turbulência em seu coração. "Eu confiei em você!" ecoavam as palavras de Jonas em sua mente. Aquela confiança traída parecia ecoar em Amanda também. Ela confiava no pai; sempre acreditou em suas boas intenções. Mas agora, a verdade que estava surgindo era muito
mais complexa e dolorosa do que ela jamais poderia ter imaginado. Amanda sabia que não poderia ignorar aquela carta. Não podia simplesmente voltar para casa e fingir que não havia lido aquelas palavras. Tinha que confrontar seu pai, tinha que entender o que realmente aconteceu entre ele e Jonas. Levantou-se do banco do parque, determinada a ir até o fundo daquela história, não importava quão dolorosa fosse a verdade. Ao chegar em casa, a atmosfera estava mais densa, como se o peso dos segredos começasse a esmagar o ambiente ao seu redor. Amanda passou rapidamente pelo saguão, evitando os empregados,
até chegar à sala onde seu pai costumava passar as tardes lendo ou resolvendo negócios. Carlos estava lá, sentado em sua poltrona de couro, com um semblante calmo, alheio à tempestade que se aproximava. Amanda entrou na sala sem pedir permissão, e Carlos ergueu os olhos do jornal ao notar a presença da filha. Imediatamente, ele percebeu que algo estava errado. "Amanda, o que houve?" perguntou ele, com uma pitada de preocupação. Preocupação na voz, ela não disse nada por um momento. Apenas se aproximou e estendeu o envelope que encontrara com Jonas. Carlos olhou para o envelope e sua
expressão mudou instantaneamente. Um de surpresa e tensão cruzou seu rosto; ele reconheceu o envelope antes mesmo de abri-lo. — O que é isso? — perguntou ele, embora sua voz traísse o fato de que ele já sabia a resposta. — É uma carta de Jonas — respondeu Amanda, com a voz firme. — Eu o encontrei na delegacia. Ele está preso e estava com essa carta endereçada a você. Carlos ficou em silêncio por um longo momento, apenas olhando para o envelope. Então, com um movimento lento, ele o pegou das mãos de Amanda e o abriu. Seus olhos
correram pelas palavras da carta, e Amanda pôde ver a tensão aumentando em seu corpo. O rosto de Carlos ficou sombrio e ele apertou os lábios enquanto lia as acusações de Jonas. Quando terminou, ele soltou o papel em seu colo e respirou fundo, como se estivesse tentando controlar suas emoções. — Ele sempre acreditou que trai... — disse Carlos, finalmente, com a voz baixa. — Mas ele não entende o que realmente aconteceu. — Então me explique — insistiu Amanda, cruzando os braços. — O que você fez, pai? Por que Jonas sente que você destruiu a vida dele?
Carlos passou a mão pelo rosto, claramente exausto e relutante, mas sabia que não podia mais evitar a verdade. — Jonas e eu éramos sócios, sim. E sim, em um ponto, nós estávamos crescendo, construindo algo grande. Mas Jonas... ele começou a fazer negócios arriscados. Ele fez investimentos perigosos, envolveu pessoas que não deviam estar envolvidas. Eu tentei avisá-lo, tentei trazê-lo de volta, mas ele não me ouviu. — Então você o abandonou! — interrompeu Amanda, com um tom de indignação. — Simplesmente se afastou quando ele mais precisava de você! Carlos a olhou com um misto de dor e
frustração. — Não foi tão simples assim! Eu não tive escolha; ele estava arriscando tudo que construímos! E se eu não tivesse me afastado, nós dois teríamos perdido tudo. Eu precisei salvar o que pude, mesmo que isso significasse me distanciar dele. Amanda balançou a cabeça, incrédula. Aquilo ainda parecia uma desculpa fraca para as consequências devastadoras que Jonas havia sofrido. — Mas e quanto à família dele? — perguntou ela, com a voz embargada. — Você sabia que ele perdeu tudo, não sabia? Sabia que ele acabou nas ruas por causa disso? Carlos ficou em silêncio por alguns segundos,
seu olhar distante, como se estivesse revivendo memórias dolorosas. — Eu soube, sim — admitiu ele, finalmente. — Soube que ele não conseguiu se recuperar, que sua esposa o deixou, que ele perdeu a casa. Mas, Amanda, você precisa entender: eu não queria que isso acontecesse! Eu só fiz o que precisava fazer para proteger o que tínhamos. Amanda sentiu um nó se formar em sua garganta. Era difícil ouvir aquilo, difícil aceitar que seu pai poderia ter feito algo que, mesmo para salvar o próprio futuro, resultou em tanta dor e destruição para alguém que confiava nele. — E
você acha que isso justifica o que ele passou? — perguntou ela, a voz baixa, quase um sussurro. — Acha que é suficiente dizer que foi para proteger o que vocês tinham? Carlos não respondeu de imediato. Ele olhou para a filha com uma expressão cansada, como se estivesse carregando o peso de suas escolhas há muitos anos. — Não sei — Amanda disse, ele finalmente. — Às vezes me pergunto se fiz a coisa certa, mas naquela época eu não via outra saída. Amanda ficou em silêncio por um longo momento, absorvendo as palavras do pai. A dor de
Jonas agora parecia mais real do que nunca, e o conflito dentro dela apenas se intensificava. Ela amava o pai, mas não podia ignorar o fato de que suas escolhas haviam causado consequências devastadoras. E agora, essa escolha estava voltando para assombrá-lo e, por extensão, para assombrá-la também. — Eu vou falar com Jonas de novo — disse ela, com firmeza — e desta vez vou descobrir a verdade completa, não importa o que você ache, pai. Isso não vai desaparecer. Carlos assentiu lentamente, seu olhar abatido. Ele sabia que Amanda não iria desistir. — Faça o que precisar fazer
— disse com resignação —, mas esteja preparada para o que vai encontrar. Na manhã seguinte, Amanda acordou cedo, com o coração pesado. Sua mente estava um turbilhão de pensamentos após a conversa com seu pai, Carlos Montenegro. As palavras dele ainda ecoavam em sua cabeça, mas, por mais que ele tivesse tentado justificar suas ações, Amanda não conseguia tirar a imagem de Jonas da mente: o homem que havia perdido tudo, deixado para trás por quem deveria ser seu parceiro, seu amigo. Amanda sabia que, para entender completamente o que havia acontecido, precisaria confrontar Jonas mais uma vez. Havia
partes da história que ela ainda não conhecia e, de alguma forma, sentia que Jonas era a chave para completar esse quebra-cabeça doloroso. Com isso em mente, ela decidiu que iria vê-lo na delegacia, como o detetive Braga havia prometido. Mas agora sua missão não era apenas ouvir; era entender. Amanda se preparou rapidamente e pegou um táxi em direção à Delegacia Central. Enquanto o carro serpenteava pelas ruas da cidade, ela olhava pela janela, observando as pessoas caminhando com suas rotinas diárias, totalmente alheias ao caos emocional que ela estava vivendo. A vida lá fora parecia tão simples, tão
desconectada das complexidades e das traições que moldavam o mundo em que ela agora se via mergulhada. Ao chegar à delegacia, foi recebida por um policial que a levou diretamente à sala onde Jonas estava detido. O detetive Braga estava esperando do lado de fora da sala de interrogatório, com uma expressão séria, mas ao mesmo tempo compreensiva. — Ele está lá dentro — disse o detetive, apontando para a porta. — Está calmo, mas não muito falante. Acho que ele sabe que você vai aparecer. Amanda respirou fundo, sentindo o peso do momento. Ela sabia que essa conversa seria
difícil, mas estava determinada a ir até o fim. "O fim." “Obrigada, detetive,” disse ela com um leve aceno antes de entrar na sala. Ao abrir a porta, Amanda encontrou Jonas sentado à mesa. Ele estava com a mesma aparência cansada de sempre: a barba por fazer, as roupas gastas, mas seus olhos estavam mais sombrios, como se carregassem ainda mais peso desde a última vez que se viram. Quando ele a viu, não demonstrou surpresa; na verdade, parecia que ele já estava esperando por ela. “Eu sabia que você viria,” disse ele com a voz rouca. “Você não ia
desistir, não é?” Amanda fechou a porta atrás de si e se sentou de frente para ele. Ela não queria perder tempo com rodeios; havia tantas perguntas rodando em sua mente, mas ela sabia que precisava ser direta. “Por que você não me contou a verdade desde o começo?” perguntou ela, com um tom mais firme do que esperava. “Por que você escondeu o que aconteceu entre você e meu pai?” Jonas a olhou por um momento, e seus olhos, tão cansados quanto sua aparência, revelavam uma mistura de dor e arrependimento. Ele não desviou o olhar, mas também não
respondeu de imediato; parecia estar medindo suas palavras, ponderando até onde deveria ir. “Porque eu sabia que seria difícil para você aceitar,” disse ele finalmente. “Você cresceu acreditando em uma versão de seu pai que não corresponde à realidade. Eu achei que, se eu contasse tudo de uma vez, você não me ouviria; talvez até me visse como o vilão.” Amanda sentiu um aperto no peito ao ouvir aquilo. Era a verdade: a versão de seu pai que ela sempre conheceu era de um homem justo, bem-sucedido e implacável nos negócios, mas sempre um pai protetor. Agora, essa imagem estava
se despedaçando. “Eu li a carta,” disse Amanda, tirando o envelope do bolso e colocando-o sobre a mesa. “As palavras que você escreveu eram duras, mas parece que há mais nessa história, algo que você ainda não me contou.” Jonas olhou para o envelope, depois para Amanda, suspirando profundamente. Ele sabia que não poderia mais evitar a verdade; era hora de contar tudo, por mais doloroso que fosse. “Carlos e eu éramos parceiros, sim,” começou ele com a voz baixa, “mas o que você precisa entender é que nós éramos mais do que apenas sócios. Nós éramos amigos; confiávamos um
no outro. Eu acreditava que, juntos, poderíamos construir algo grande, algo que pudesse nos sustentar e sustentar nossas famílias por gerações.” Amanda ouvia atentamente, sem interrompê-lo. Pela primeira vez, ela via Jonas como alguém vulnerável, alguém que tinha sido machucado profundamente. “No começo, as coisas eram boas. A empresa crescia, os negócios prosperavam, mas com o tempo Carlos começou a mudar. Ele começou a buscar mais, querer mais; não era mais apenas sobre o sucesso que havíamos planejado; era sobre poder. Ele queria controle total, e eu comecei a me tornar um obstáculo para os planos dele.” Amanda franziu o
cenho, tentando entender; aquilo não parecia ser a versão de seu pai que ela conhecia. Ele sempre parecia equilibrado, focado no que era certo. “Mas eu cometi erros, sim,” admitiu Jonas com uma tristeza evidente. “Tomei decisões arriscadas, fiz investimentos que não deram certo. Mas, em vez de me apoiar, de tentar resolver as coisas juntos, Carlos me deixou para trás. Ele se distanciou, tomou a empresa para si e fez de tudo para garantir que eu não tivesse como me reerguer. Ele me tirou tudo, Amanda: meu emprego, minha casa, minha família. Eu perdi tudo por causa da ganância
dele.” Amanda sentiu o coração apertar; as palavras dele eram cheias de mágoa, mas também de verdade. Ela podia ver que ele acreditava profundamente no que estava dizendo, mas ao mesmo tempo sabia que as versões dessa história podiam ser diferentes. “Meu pai disse que ele precisou fazer isso para proteger a empresa,” disse Amanda, tentando equilibrar o que ouvia. “Que se ele não tivesse se afastado de você, ambos teriam perdido tudo.” Jonas riu, um riso amargo, quase cínico. “Proteger a empresa,” repetiu ele, balançando a cabeça. “Claro, ele protegeu a empresa, mas ele não me protegeu; não protegeu
a amizade que tínhamos. Ele escolheu o poder em vez da lealdade. Eu me afundei e ele prosperou às minhas custas. E agora você está aqui tentando entender como as peças se encaixam.” Amanda sentiu as lágrimas começarem a arder em seus olhos, mas não deixou que caíssem. Era uma dor difícil de processar. Ela amava seu pai, mas agora via quão complexo e obscuro era o passado dele. Jonas era prova viva de que as decisões de Carlos haviam arruinado vidas. “E a carta?” perguntou Amanda, tentando manter a voz firme. “Por que você escreveu essa carta agora, depois
de tanto tempo?” Jonas olhou para baixo por um momento antes de responder: “Por eu queria que Carlos soubesse que eu nunca esqueci,” disse ele com a voz suave. “Queria que ele soubesse que, mesmo depois de todos esses anos, a verdade ainda o perseguiria. Eu sabia que não poderia voltar atrás, que o que foi perdido nunca seria recuperado, mas pelo menos ele teria que carregar o peso da culpa.” Amanda ficou em silêncio, processando tudo. Ela olhou para Jonas, vendo o homem quebrado que ele havia se tornado. Ele não era apenas um mendigo, não era apenas alguém
sem teto; ele era uma vítima, alguém que havia sido traído e abandonado. E, de alguma forma, seu pai fazia parte dessa destruição. “Você me ajudou quando eu estava perdida,” disse Amanda, quebrando o silêncio. “Mesmo com tudo o que aconteceu, você ainda me ajudou.” Jonas a olhou diretamente nos olhos e, pela primeira vez, Amanda viu uma pequena centelha de algo que parecia ser compaixão, talvez até esperança. “Eu ajudei você porque você não tem culpa pelo que aconteceu entre mim e seu pai,” disse ele com sinceridade. “Você não deveria pagar pelos erros dele. Eu vi você perdida
e eu não...” podia deixar que você se machucasse por causa de algo que você nem sabia que existia. Amanda sentiu um nó na garganta. O homem diante dela, por mais ferido e destruído que estivesse, ainda mantinha um senso de moralidade e empatia. Isso abalava profundamente. "E agora?" perguntou ela, com a voz embargada. "O que acontece agora?" Jonas suspirou, olhando para as paredes frias da sala de interrogatório. "Agora," repetiu ele, com um tom amargo, "agora eu continuo como sempre estive. Minha vida não vai mudar, mas você... você tem uma escolha. Você pode continuar vivendo a vida
que seu pai construiu ou pode decidir o que fazer com a verdade que descobriu." Amanda ficou em silêncio por um longo tempo, sentindo o peso dessas palavras. Sabia que o que faria a seguir mudaria a sua vida para sempre. Estava em uma encruzilhada, e a decisão que tomaria poderia tanto destruir quanto reconstruir os laços com seu pai. "Eu vou pensar sobre isso," disse ela, finalmente, sua voz baixa, mas firme. Ela se levantou, sabendo que aquela conversa havia chegado ao fim. Enquanto saía da sala, olhou para Jonas mais uma vez, e ele lhe deu um leve
aceno de cabeça, como se soubesse que ela estava prestes a tomar a decisão mais importante de sua vida. Agora, Amanda precisava decidir: confrontar seu pai e trazer toda a verdade à tona ou tentar encontrar um meio-termo entre o passado sombrio de Carlos e o presente que ela queria reconstruir. Mas uma coisa era certa: nada seria como antes. Amanda saiu da delegacia, sentindo o peso da verdade sobre os ombros, como se cada passo fosse mais difícil de dar do que o anterior. Tudo o que ouvira de Jonas confirmou suas suspeitas. Seu pai, Carlos Montenegro, não era
apenas o homem de negócios astuto que ela sempre conhecera; ele tinha um passado marcado por traições e escolhas que destruíram a vida de outras pessoas. A imagem de poder e sucesso que ele tanto cultivara escondia sombras que Amanda jamais imaginou existir. Ela caminhou pela rua, perdida em pensamentos. O que faria agora? Sua relação com o pai estava abalada, mas ainda havia um laço entre eles que não podia ser facilmente rompido. No entanto, ela não podia ignorar o sofrimento de Jonas, um homem que havia perdido tudo por causa das decisões egoístas de Carlos. Ao chegar em
casa, Amanda encontrou Carlos sentado no escritório, como se ele estivesse esperando por ela. Ao vê-la entrar, ele levantou os olhos, e o silêncio que se seguiu foi tão pesado quanto as palavras que estavam prestes a ser ditas. Amanda sabia que era hora de confrontá-lo de uma vez por todas. "Eu fui falar com Jonas novamente," disse ela, sem rodeios. Carlos não demonstrou surpresa, mas Amanda pôde perceber que ele estava se preparando para o que viria a seguir. "Imagino que tenha descoberto mais coisas," respondeu ele, calmamente, fechando o livro que tinha nas mãos e colocando-o sobre a
mesa. "O que ele disse?" Amanda cruzou os braços, como se estivesse tentando proteger a si mesma da verdade que estava prestes a jogar sobre o pai. "Ele me contou tudo," disse ela, sua voz firme, mas carregada de emoção, "sobre como vocês eram amigos, sócios, e sobre como ele perdeu tudo por sua causa. Ele me contou como você o abandonou, como você escolheu o poder em vez da amizade, e ele estava com uma carta, uma carta que dizia que um dia você teria que enfrentar as consequências da sua traição." Carlos suspirou profundamente, como se o peso
da culpa estivesse finalmente se instalando nele. Seus olhos estavam fixos em Amanda, mas havia algo mais em seu olhar: um cansaço que ele raramente deixava transparecer. Amanda percebeu, então, que ele sabia que aquele momento inevitavelmente chegaria. "Eu não negarei o que aconteceu," começou Carlos lentamente. "Jonas e eu tínhamos uma parceria e, sim, tomei decisões que, aos olhos dele, foram uma traição. Mas o que ele não entende, Amanda, é que eu fiz isso para nos salvar. Se eu não tivesse me afastado dos erros que ele estava cometendo, nós dois teríamos perdido tudo." Amanda sentiu uma pontada
de raiva ao ouvir aquelas palavras. Parecia que seu pai estava mais preocupado em justificar suas ações do que em assumir a responsabilidade pelos danos que havia causado. "Ele perdeu tudo, pai!" gritou Amanda, incapaz de conter a frustração. "Você prosperou, construiu um império, enquanto ele acabou nas ruas. Ele perdeu a família, a casa e vive como se fosse invisível para o mundo! Como você pode dizer que fez o que era necessário quando alguém que confiava em você foi destruído?" Carlos ficou em silêncio por um momento, absorvendo as palavras da filha. Ele se levantou lentamente, caminhando até
a janela de seu escritório, onde olhou para os jardins bem cuidados lá fora, como se estivesse tentando encontrar uma explicação que fizesse sentido. "Você está certa," disse ele, finalmente, com a voz baixa. "Eu o deixei para trás. Quando vi que os erros de Jonas estavam arriscando tudo que havíamos construído, tomei uma decisão fria. Não estou orgulhoso disso, mas Amanda, você precisa entender: às vezes, nos negócios, somos obrigados a fazer escolhas que afetam outras pessoas de maneira que nunca imaginamos. Eu não sabia que ele perderia tudo. Achei que ele conseguiria se reerguer." "Mas ele não conseguiu,"
retrucou Amanda, cruzando os braços e sentindo o peso das palavras do pai. "E agora você está aqui com todo o sucesso e poder que conquistou, enquanto Jonas vive como um mendigo e você nem sequer tentou ajudá-lo depois de tudo isso." Carlos se virou para a filha, seus olhos finalmente revelando a culpa que ele tentara esconder por tanto tempo. "Eu tentei, Amanda," disse ele com sinceridade. "Mas ele se recusou a aceitar qualquer ajuda. Quando Jonas perdeu a empresa, a casa e a família, eu procurei por ele. Ofereci apoio financeiro, tentei trazê-lo de volta, mas ele me
rejeitou. Ele disse que..." Não queria nada de mim que preferia morrer nas ruas a aceitar algo de alguém que ele via como um traidor. Amanda ficou em silêncio, absorvendo aquilo. A ideia de que seu pai havia tentado ajudar mais que o orgulho ferido de Jonas o impediu de aceitar complicava ainda mais sua visão da situação. Agora parecia que as duas partes da história estavam se entrelaçando de maneira ainda mais complexa. — Por que você nunca me contou? — perguntou ela, a voz suave agora, mas carregada de dor. — Por que escondeu isso de mim por
tanto tempo? Carlos respirou fundo, passando a mão pelo cabelo, um gesto que revelava o quanto aquela conversa estava desgastando. — Eu não queria que você visse esse lado do mundo em que vivemos, Amanda — disse ele finalmente, com um tom mais suave. — O mundo dos negócios é sujo. Há traições, erros, perdas que deixam marcas profundas. Eu queria te proteger disso, queria que você visse apenas o lado bom, o sucesso. Eu nunca quis que você carregasse o peso dos meus erros. Amanda sentiu uma mistura de raiva e tristeza ao ouvir aquilo. Por mais que entendesse
o desejo de proteção do pai, ela não podia aceitar que isso justificasse manter segredos tão devastadores. — Eu não sou uma criança, pai — respondeu ela, firme. — Eu precisava saber a verdade para poder entender quem você realmente é. Não o homem de negócios que aparece nas revistas, mas o homem que fez escolhas difíceis, escolhas que machucaram pessoas. Você pode ter me ido de uma verdade feia, mas isso não muda o fato de que agora ela está aqui, diante de nós. Carlos baixou os olhos, claramente abalado pelas palavras da filha. Ele sabia que aquele era
o momento em que tudo estava desmoronando: a imagem que ele construiu ao longo dos anos, sua relação com Amanda e o que restava de seu orgulho. — E agora? — perguntou ele finalmente. — O que você vai fazer? Amanda olhou diretamente nos olhos dele, sentindo que o poder da decisão estava em suas mãos. Ela sabia que poderia confrontar o pai de maneira ainda mais direta, que poderia deixar tudo isso destruir a relação entre eles para sempre, mas também sabia que havia algo mais importante em jogo. O que ela faria com o legado de Jonas e
de Carlos? — Eu vou falar com Jonas de novo — disse ela calmamente. — Mas desta vez, vou dizer a ele que você tentou ajudá-lo, que apesar de tudo, você não o abandonou completamente. Ele merece saber disso, mesmo que não mude a maneira como ele se sente. Carlos sentiu lentamente como se aceitasse que essa era a única solução possível. Ele sabia que ao contar sua versão, poderia não mudar o passado, mas ao menos poderia aliviar parte do peso que Amanda carregava. — Obrigado — disse ele com a voz baixa, quase um sussurro. Amanda, no entanto,
sabia que aquilo não seria o fim da história. Havia algo mais que ela precisava fazer, algo que poderia, de alguma forma, trazer justiça à vida de Jonas. Ela se levantou, olhando para o pai uma última vez antes de sair da sala. — Eu só espero que um dia você entenda o quanto isso me mudou — disse ela, com a voz carregada de emoção — e o quanto essa verdade também pode te mudar. Carlos ficou em silêncio enquanto ela saía, o peso de suas palavras pairando sobre ele. Ao fechar a porta atrás de si, Amanda sentiu
uma nova determinação. Ela precisava fazer o que era certo, e isso começava a comar a Jonas, a verdade que ele merecia ouvir. Sabia que isso não traria de volta o que ele havia perdido, mas ao menos poderia dar-lhe um fechamento e para ela mesma, talvez um novo começo, onde a verdade não fosse mais escondida sob o brilho do sucesso. Amanda sabia que a jornada ainda estava longe de terminar. Amanda Montenegro sempre viveu em meio a um luxo impressionante, filha única de Carlos Montenegro, um dos empresários mais influentes e poderosos do país. Ela cresceu cercada por
riqueza e proteção. A mansão onde morava era como um castelo moderno, imensa, com jardins impecáveis, seguranças a postos em cada esquina e câmeras por toda parte. Qualquer desejo de Amanda era prontamente atendido, e sua vida parecia, aos olhos de todos, perfeita. No entanto, apesar de tudo isso, Amanda sentia uma constante inquietação. Desde pequena, sempre fora protegida do mundo real. Seus passeios eram planejados, suas visitas à cidade sempre acompanhadas de motoristas e seguranças. Ela nunca soubera como era caminhar sozinha pelas ruas, sentir a liberdade de ser apenas mais uma entre tantas pessoas. Era como se, apesar
de todo o luxo, algo fundamental estivesse faltando em sua vida. Naquela manhã, Amanda acordou com um desejo diferente. Estava determinada a fazer algo que nunca fizera antes: sair sozinha. A ideia de andar pelas ruas, sem ninguém ao seu redor, sem seguranças a vigiando ou motoristas a esperando, parecia emocionante e libertadora. Ela sabia que se pedisse permissão, o pai jamais permitiria, então decidiu que não diria nada a ninguém. Vestiu-se de maneira simples, tentando se disfarçar; escolheu uma calça jeans e uma camiseta branca, roupas que não chamariam atenção. Prendeu os longos cabelos em um rabo de cavalo,
calçou um par de tênis e olhou no espelho. Gostou do que viu pela primeira vez; sentia-se como uma garota comum, longe dos vestidos caros e da imagem da filha do milionário que todos conheciam. Antes de sair, pegou o seu celular e colocou no bolso, apenas por precaução, mas queria evitar usá-lo. Queria se desconectar do mundo onde tudo era sempre controlado. Desceu pelas escadas de serviço da mansão, saindo discretamente pelos fundos, sentindo o coração bater mais rápido, como se estivesse prestes a cometer uma pequena rebeldia. A manhã estava ensolarada, o ar fresco, e Amanda respirou fundo,
sentindo uma liberdade que nunca havia experimentado antes. Ao chegar na rua, misturou-se às pessoas que passavam apressadas. Ninguém. A reconheceu, e isso a fez sorrir. Pela primeira vez, sentiu-se invisível, apenas mais uma pessoa comum caminhando pela cidade. Andou pelas ruas próximas, admirando as vitrines das lojas, o movimento dos carros e as conversas animadas das pessoas. Tudo parecia mais vibrante e real do que no mundo seguro e silencioso que conhecia. Conforme caminhava, começou a perceber detalhes que nunca tinha notado antes: o cheiro da comida de rua, o barulho das buzinas e as pessoas apressadas nas calçadas.
Ela se encantava com tudo, sentindo-se parte de uma cidade que, até aquele momento, conhecia apenas de forma superficial. Sentia o vento no rosto, o calor do sol em sua pele, e isso a preenchia de uma felicidade que nunca havia experimentado. Entusiasmada com essa nova sensação de liberdade, Amanda começou a se aventurar um pouco mais. Passou por ruas que não conhecia, cruzou praças movimentadas e se afastou das áreas mais sofisticadas do Centro. A cidade ia mudando aos poucos. As lojas de grife foram ficando para trás, substituídas por pequenos comércios e barracas de ambulantes. As pessoas ao
redor pareciam mais preocupadas com suas rotinas apressadas e distraídas. Amanda, perdida em seus pensamentos, não percebeu o quanto tinha se distanciado. As ruas começaram a ficar mais vazias, os prédios mais antigos e mal cuidados. Ela continuou andando, intrigada com as mudanças ao seu redor. O céu, que antes estava claro e ensolarado, começava a se nublar, e uma leve sensação de desconforto começou a tomar conta dela. Olhou ao redor e não reconheceu nada. O entusiasmo inicial foi lentamente dando lugar a uma leve ansiedade.Tentou pegar o celular para ver a localização, mas o sinal estava fraco e
o GPS não funcionava corretamente. Tentou lembrar o caminho de volta, mas todas as ruas agora pareciam iguais. Amanda estava oficialmente perdida. O vento começou a ficar mais forte, balançando as folhas das árvores e levantando poeira das ruas. Poucas pessoas que passavam por ela caminhavam rápido, de cabeça baixa, sem prestar atenção à jovem que agora olhava ao redor, procurando desesperadamente por algum ponto familiar. O medo começou a crescer dentro dela, mas Amanda tentou manter a calma; não podia deixar o pânico tomar conta. Ela continuou andando, tentando encontrar um caminho de volta, mas as ruas ficavam cada
vez mais vazias e desconhecidas. O coração começou a bater mais rápido, e o nó na barriga aumentou. Pela primeira vez naquele dia, Amanda se perguntou se havia tomado a decisão certa ao sair sem avisar ninguém. Foi então que, ao virar uma esquina, avistou ao longe a figura de um homem. Ele estava sentado em um banco, vestido com roupas gastas e sujas, e seu rosto estava coberto por uma barba espessa. Amanda hesitou por um momento, mas não havia mais ninguém por perto. Com o coração acelerado, decidiu se aproximar, sem saber que esse encontro mudaria sua vida
para sempre. Amanda sentia seu coração pesado enquanto caminhava em direção à delegacia novamente. Dessa vez, porém, sua mente estava mais clara. Sabia que precisava contar a Jonas o que seu pai havia revelado. O ressentimento que ele carregava por anos era justificado, mas agora havia uma nova camada na história. Jonas merecia saber que Carlos, de algum modo, havia tentado ajudá-lo, mesmo que a ajuda tenha vindo tarde demais e não tenha sido aceita. Ao entrar na delegacia, Amanda foi conduzida até a mesma sala de visitação onde havia encontrado Jonas pela última vez. Ela esperou por alguns minutos,
nervosa, com o som de seus próprios pensamentos ecoando em sua mente. Quando Jonas finalmente entrou, sua presença parecia ainda mais pesada do que da última vez. Ele olhou para Amanda com os mesmos olhos cansados, como se soubesse que ela estava ali para trazer algo importante, mas talvez doloroso. "Você voltou," disse ele, sentando-se lentamente à mesa. "Eu sabia que você teria mais perguntas." Amanda engoliu em seco, sentindo a dificuldade do que estava prestes a dizer. Ela olhou para Jonas, o homem que havia perdido tudo e se tornado uma sombra de si mesmo por causa de uma
traição que nunca superou. Agora, ela teria que contar a ele algo que, talvez, mudasse a maneira como ele via a sua própria história. Ou não. "Jonas," começou ela, escolhendo cuidadosamente as palavras. "Eu falei com meu pai novamente. Conte a ele sobre a carta e sobre o que você me disse. E ele me contou algo que eu acho que você precisa saber." Jonas não disse nada de imediato, apenas cruzou os braços, inclinando-se levemente para a frente, como se estivesse se preparando para ouvir algo que poderia balançar o equilíbrio frágil que ele mantinha. "Ele me disse que,
depois que você perdeu tudo, ele tentou te ajudar," continuou Amanda, mantendo o olhar fixo em Jonas. "Disse que procurou por você, ofereceu apoio financeiro, tentou te tirar das ruas, mas você… você não quis aceitar." Por um momento, o silêncio na sala foi sufocante. Jonas permaneceu imóvel, seus olhos estreitos observando Amanda, como se estivesse tentando processar o que ela havia acabado de dizer. Seu rosto, que já estava marcado pelo tempo e pelo sofrimento, ficou ainda mais tenso, como se aquelas palavras reabrisse uma ferida que ele tentava cicatrizar há anos. "Ele te disse isso?" perguntou Jonas, com
a voz baixa, quase um sussurro. "Que tentou me ajudar?" Amanda sentiu o peso das emoções de Jonas. "Sim," ela disse. "Ele disse que, quando soube que você havia perdido tudo, ele tentou te ajudar, mas você não aceitou. Ele disse que você o rejeitou, que não queria nada dele." Jonas riu baixinho, mas não foi uma risada de alegria; era um som amargo, cheio de dor e ressentimento, como se ele estivesse revivendo um passado que tentara enterrar. Seus olhos se fixaram em um ponto distante, como se estivesse revisitando as lembranças. "Claro que eu o rejeitei," disse ele,
com um tom de voz mais áspero. "Para mim, aceitar qualquer coisa de Carlos Montenegro seria..." Admitir que eu estava derrotado, que ele tinha ganhado, depois de tudo que ele fez. Eu não podia simplesmente aceitar ajuda e continuar como se nada tivesse acontecido. Para ele era fácil, ele estava no topo, tinha tudo, mas eu, eu estava no fundo do poço, e ele achava que um cheque resolveria isso. Amanda entendeu a profundidade da dor de Jonas: não era apenas uma questão de dinheiro ou apoio, era o orgulho ferido, a dignidade destruída. Para Jonas, aceitar a ajuda de
Carlos teria sido equivalente a aceitar sua própria derrota, a validar a traição que ele acreditava ter sofrido. "Ele não queria que fosse assim", disse Amanda com cuidado, sentindo que precisava defender de algum modo a tentativa de Carlos, mesmo sabendo que aquilo não consertaria tudo. "Ele me disse que fez o que achou que era necessário, mas que não queria te ver afundar dessa maneira. Ele se sente culpado, Jonas. Ele pode não ter mostrado isso, mas carrega o peso das escolhas que fez." Jonas olhou para ela, e pela primeira vez Amanda viu algo diferente em seus olhos:
não era mais a raiva intensa que ele costumava exibir quando falava de Carlos. Havia tristeza, uma tristeza profunda, como se ele estivesse finalmente confrontando uma parte de si que tentara suprimir por muito tempo. "Culpa?" perguntou Jonas, sua voz baixa, quase inaudível. "Talvez ele sinta. Talvez, depois de todos esses anos, ele finalmente tenha percebido o que fez. Mas isso não muda nada, Amanda. Eu perdi tudo por causa das decisões dele: minha vida, minha família. Você entende isso? Ele destruiu a minha vida, e eu tive que viver com isso enquanto ele continuava a prosperar." Amanda sentiu as
lágrimas se formando em seus olhos, mas tentou se manter firme. A dor de Jonas era esmagadora, e ela sabia que não havia palavras que pudessem realmente apagar o que havia acontecido. "Eu sei que isso não muda o passado", disse ela com a voz embargada. "Mas eu precisava que você soubesse, que soubesse que ele tentou. Não era apenas desprezo. Ele sabia que errou, Jonas, e de alguma forma ele tentou consertar isso, mesmo que tenha falhado." Jonas fechou os olhos por um momento, como se estivesse tentando absorver o que acabara de ouvir. Ele respirou fundo, mas seu
corpo ainda estava tenso. Quando abriu os olhos novamente, a intensidade de sua raiva havia diminuído, mas o vazio em seu olhar permanecia. "Eu sempre me perguntei o que poderia ter sido diferente", disse ele com a voz rouca, quase como se estivesse falando consigo mesmo. "Se eu tivesse aceitado a ajuda dele, se de alguma forma eu tivesse deixado o orgulho de lado e permitido que ele me tirasse daquele buraco. Mas naquela época, Amanda, tudo o que eu via era traição. Tudo o que eu sentia era raiva, e no fundo eu queria que ele visse o que
fez comigo, queria que ele visse o estrago." Amanda sentiu, compreendendo o sentimento de Jonas; ela não podia culpá-lo. No lugar dele, talvez tivesse feito a mesma coisa. O orgulho, a mágoa, a sensação de ser traído... tudo isso poderia cegar. A culpa e o arrependimento que seu pai carregava eram reais. "E agora?", perguntou Amanda suavemente. "O que você quer fazer agora? Você quer continuar carregando esse peso, essa raiva? Ou será que existe uma maneira de seguir em frente?" Jonas a olhou com intensidade, e Amanda viu a luta interna que ele travava. Era como se, depois de
todos esses anos, ele estivesse finalmente se perguntando se valia a pena continuar carregando tanto ódio. "Eu não sei", admitiu ele finalmente. "Passei tanto tempo me alimentando dessa raiva, dessa sensação de injustiça. Agora eu não sei quem sou sem isso. Talvez seja tarde demais para consertar qualquer coisa." Amanda sentiu o coração apertado ao ouvir aquilo. Queria tanto ajudar Jonas, mas sabia que o caminho para a redenção e o perdão era algo que ele teria que percorrer sozinho. "Nunca é tarde demais", disse ela com delicadeza. "Eu sei que não posso mudar o que aconteceu, e talvez meu
pai nunca seja capaz de reparar completamente o que fez. Mas você ainda está aqui, Jonas, e ainda tem a chance de reconstruir algo. Mesmo que seja pequeno, mesmo que comece com você se perdoando." Jonas permaneceu em silêncio, pensativo. Amanda sabia que ele estava processando tudo e não esperava uma resposta imediata. Depois de tantos anos de sofrimento, mudar o curso da vida de alguém não era algo que acontecia de um dia para outro. "Vou pensar nisso", disse ele finalmente, com um leve aceno de cabeça. "Talvez você esteja certa. Talvez seja hora de parar de lutar contra
fantasmas." Amanda sorriu suavemente, sentindo que, mesmo que fosse apenas um pequeno passo, aquilo era um começo. "Estarei aqui se você precisar", disse ela. "Sinceramente, não importa o que você decida, Jonas; eu vou te apoiar. Você merece mais do que essa vida que está levando agora." Jonas olhou, e pela primeira vez desde que se conheceram, Amanda viu uma leve sombra de esperança em seus olhos. "Obrigado, Amanda", disse ele com a voz rouca, mais genuína. "Acho que ninguém nunca me disse isso antes." Eles se levantaram, e Amanda sabia que aquela não era a última vez que veria
Jonas. Algo havia mudado naquele homem, algo que talvez o levasse a um novo caminho. Quando Amanda saiu da sala, sentiu que, pela primeira vez, havia uma possibilidade real de cura, não apenas para Jonas, mas também para si mesma, e quem sabe até para seu pai. As cicatrizes do passado não desapareceriam de imediato, mas talvez, apenas talvez, elas pudessem se transformar em algo novo. E Amanda estava disposta a trilhar esse caminho, não importa o quanto fosse difícil. Agora, ela sabia que o mais importante não era apenas descobrir a verdade, mas também aprender a lidar com ela.
Amanda saiu da delegacia com o coração leve, mas ainda havia um peso no. fundo de sua mente, ela sabia que aquela conversa com Jonas havia sido importante para a cura dele e para a compreensão de seu próprio papel nessa história, mas também sabia que o caminho à frente seria longo e cheio de desafios. Jonas havia começado a vislumbrar uma saída de sua prisão emocional, mas a jornada para a redenção não seria fácil; de certa forma, Amanda também estava iniciando sua própria jornada, uma jornada de entendimento, de perdão e de aceitação. Enquanto caminhava pelas ruas, Amanda
sentiu o sol quente no rosto, um contraste com o peso que carregava nos últimos dias. Ela refletia sobre tudo o que havia acontecido desde que decidiu sair sozinha naquela manhã fatídica. A sensação de liberdade que procurava no início havia se transformado em um confronto doloroso com a verdade sobre seu pai e sobre o mundo em que vivia. Ao chegar em casa, Amanda foi recebida por um silêncio que parecia mais profundo do que nunca. Seu pai estava no escritório, como de costume, mas ela percebeu que a tensão entre eles ainda não havia se dissipado. As revelações
recentes haviam criado uma distância entre eles, mas, ao mesmo tempo, Amanda sabia que era hora de enfrentar isso de frente. Ela subiu as escadas até o escritório e bateu levemente na porta antes de entrar. Carlos Montenegro estava sentado à sua mesa, revisando alguns papéis, mas ao ver a filha, ele largou os documentos e olhou com uma expressão que misturava expectativa e apreensão. Ele sabia que aquela conversa seria difícil, mas também parecia pronto para encará-la. "Como foi?" perguntou Carlos, quebrando o silêncio, sua voz mais suave do que o habitual. "Você conseguiu falar com Jonas?" Amanda assentiu
e se sentou em frente ao pai, sentindo que este era o momento de acertar as contas entre eles. "Sim, eu falei com ele," respondeu ela calmamente. "Ele me contou mais sobre o que aconteceu, sobre como ele se sentiu traído e também sobre como ele rejeitou sua ajuda." Carlos suspirou e passou a mão pelo rosto, claramente desgastado com o desenrolar dessa história. Ele sabia que não havia como fugir. "Mais eu tentei," Amanda disse, com a voz baixa, quase um sussurro. "Eu tentei ajudá-lo, mas o orgulho de Jonas o impediu de aceitar qualquer coisa. Ele estava tão
consumido pela raiva que não conseguia enxergar além da dor, e eu, por outro lado, não soube como chegar até ele." Amanda observou o pai por um momento; pela primeira vez, viu uma vulnerabilidade que ele raramente demonstrava. Carlos Montenegro sempre foi o homem forte, implacável, o líder imperturbável, mas agora, diante de tudo que havia vindo à tona, ele parecia mais humano, mais acessível. "Eu sei que ele estava com raiva," disse Amanda, sua voz mais suave agora, "mas acho que ele não esperava que você tentasse. O que ele viu foi a traição. Ele viu você prosperar enquanto
ele afundava, e para ele, era impossível aceitar a ajuda de alguém que ele considerava responsável por tudo o que aconteceu." Carlos assentiu, compreendendo as palavras da filha. "E você?" perguntou ele, olhando diretamente para Amanda. "O que você pensa sobre tudo isso?" Essa era a pergunta que Amanda vinha tentando responder para si mesma. Ela havia lutado com os sentimentos de decepção em relação ao pai, com a dor de descobrir que ele não era o homem perfeito que ela sempre imaginou, mas, ao mesmo tempo, sabia que o mundo real era cheio de decisões difíceis e que seu
pai havia feito o que acreditava ser o certo na época, mesmo que isso tivesse resultado em uma tragédia para Jonas. "Eu... eu acho," começou ela, escolhendo cuidadosamente as palavras. "Eu acho que você cometeu erros, pai, grandes erros, mas também acredito que você não fez isso por mal. Sei que você se sente culpado e, no fundo, eu sei que você tentou consertar o que podia. O problema é que, às vezes, o dano já está feito e não há como voltar atrás." Carlos baixou a cabeça por um momento, como se estivesse absorvendo o impacto das palavras de
Amanda. Quando levantou os olhos novamente, havia uma mistura de tristeza e aceitação. "Você está certa," disse ele com sinceridade. "Não há como voltar atrás no que eu fiz; foi o que achei necessário. Mas eu carrego o peso dessas decisões até hoje e agora vejo o quanto isso te afetou também. Isso é algo que eu nunca quis." Amanda respirou fundo. Não havia mais raiva em seu coração, mas também não havia uma solução fácil. As coisas eram como eram, e a única coisa que poderiam fazer agora era seguir em frente com o que restava. "Eu não posso
mudar o que aconteceu entre você e Jonas," disse ela com firmeza. "Mas o que eu posso fazer é tentar ajudar daqui para frente. Eu acho que ele pode, de alguma forma, começar a reconstruir a vida dele e acho que você, de alguma forma, pode contribuir para isso, se ele estiver disposto a aceitar." Carlos olhou para Amanda surpreso. "Você acha que ele aceitaria?" perguntou ele, incrédulo, "depois de tudo?" Amanda sorriu levemente. "Eu acho que ele está começando a perceber que o ódio não o levará a lugar nenhum. Mas vai ser um processo. Talvez você não possa
consertar tudo, mas pode tentar, e isso já é um começo." Carlos ficou em silêncio por um momento, ponderando. Ele sabia que havia sido dado uma nova chance, uma oportunidade de talvez corrigir parte do passado, mas também sabia que isso não seria fácil nem garantido. "Eu faria isso," disse ele finalmente, "se ele estiver disposto a me ouvir. Se houver uma mínima chance de reconstruir alguma coisa, estou disposto a tentar." Amanda sentiu um alívio ao ouvir aquelas palavras. Era tudo que ela queria: não uma reparação completa, porque sabia que isso era impossível, mas um passo em direção
à reconciliação. "Eu vou falar com..." "Ele, de novo," disse ela. "Vou ver se ele está disposto a conversar. Pode ser que demore, mas eu acho que, no fundo, Jonas quer fechar esse capítulo da vida dele. Talvez isso seja parte do caminho para isso." Carlos assentiu e, pela primeira vez, Amanda viu uma centelha de esperança nos olhos do pai. Ele sabia que o caminho seria árduo, mas estava disposto a tentar. "Obrigado," Amanda disse, ele com um tom de gratidão que ela raramente ouvia. "Por me dar uma chance de fazer isso direito." Amanda sorriu levemente, sentindo que,
de alguma forma, o ciclo de dor e ressentimento estava começando a se quebrar. "Você ainda é meu pai," respondeu ela com suavidade, "e eu acredito que as pessoas podem mudar, mesmo que isso leve tempo." Carlos sorriu, um sorriso leve e cansado, mas genuíno. Ele sabia que aquele era um novo começo, tanto para ele quanto para Amanda. Enquanto se levantava para sair do escritório, Amanda sentiu que havia algo diferente em sua relação com o pai. Havia uma nova camada de compreensão, uma aceitação da feição que ambos compartilhavam. Eles não precisavam ser perfeitos, mas podiam trabalhar juntos
para superar o passado e construir algo novo. E assim, enquanto ela fechava a porta atrás de si, Amanda sabia que o futuro ainda traria desafios, mas também sabia que, dessa vez, estava pronta para enfrentá-los com a verdade ao seu lado. Amanda estava em um momento de reflexão após a conversa sincera com seu pai. Ela sentia que havia dado um grande passo para curar as feridas que a verdade havia causado, mas, mesmo assim, a sensação de que havia muito mais para resolver ainda pairava sobre sua mente. Jonas estava se abrindo para a possibilidade de perdão e
recomeço, e seu pai finalmente estava pronto para tentar corrigir parte de seus erros. Mas Amanda sabia que aquele processo não seria imediato; era como uma ferida que começava a cicatrizar, mas que exigia tempo e paciência. Ela passou o dia pensando em como poderia aproximar Jonas e Carlos de uma forma que fosse respeitosa para ambos. Sabia que não podia forçar uma reconciliação, pois as mágoas entre eles eram profundas demais para isso, mas também sabia que, se ficasse à margem, nada mudaria. Ela seria o elo entre os dois, a pessoa que teria que encontrar uma maneira de
construir uma ponte, mesmo que frágil, entre eles. Depois de um longo dia de pensamentos e introspecção, Amanda decidiu visitar Jonas novamente. Ela sabia que ele ainda estava na delegacia e que talvez fosse o momento de compartilhar o que havia conversado com seu pai. Talvez Jonas estivesse disposto a ouvir. Afinal, pela primeira vez, Amanda via a possibilidade de algum tipo de entendimento entre os dois homens. No dia seguinte, ela voltou à delegacia. Ao chegar, o detetive Braga a reconheceu e não hesitou em permitir sua entrada. Ele sabia que Amanda estava em busca de algo mais profundo
do que uma simples visita. "Está pronta para falar com ele de novo?" perguntou o detetive enquanto a acompanhava até a sala de visitas. "Amanda assentiu. Sim, acho que ele precisa ouvir o que eu tenho a dizer." Braga abriu a porta e a deixou entrar. Jonas já estava sentado à mesa como antes, mas desta vez havia uma mudança sutil em sua postura. Ele parecia mais tranquilo, menos consumido pela raiva que tantas vezes moldava sua expressão. Quando Amanda entrou, ele a observou com curiosidade, como se já soubesse que algo importante estava por vir. "Voltou," disse ele com
uma leve surpresa na voz, embora estivesse claro que esperava por ela. "O que aconteceu agora?" Amanda se sentou, inclinando-se levemente para a frente, sua expressão séria, mais calma. "Eu falei com meu pai de novo," começou ela com um tom de voz cuidadoso. "Contei a ele tudo o que você me disse sobre como se sentiu traído, como perdeu tudo e sobre a mágoa que ainda carrega. Ele admitiu que cometeu erros." "Jonas?" e mais do que isso, "ele está disposto a tentar fazer as pazes com você, se você estiver disposto a escutá-lo." O rosto de Jonas endureceu
por um momento, como se aquela oferta fosse algo que ele não estivesse pronto para ouvir. Ele ficou em silêncio, olhando para Amanda como se estivesse ponderando cada palavra que ela havia dito. "E o que ele quer?" perguntou Jonas com um tom de ceticismo. "Pedir desculpas e continuar vivendo sua vida luxuosa enquanto eu continuo nas ruas? Acha que uma conversa pode consertar o que ele fez?" Amanda respirou fundo, sabia que essa seria a reação inicial de Jonas. Ele havia passado tanto tempo alimentando o ressentimento que a ideia de reconciliação parecia distante, quase impossível. Mas ela também
sabia que, se não tentassem agora, o ódio continuaria a consumir Jonas, e isso não ajudaria a ninguém. "Não acho que uma conversa vai resolver tudo de uma vez," disse Amanda com firmeza, "mas é um começo. Ele sabe que não pode consertar o passado e também sabe que o que aconteceu te marcou para sempre. Mas ele está disposto a assumir a responsabilidade pelos erros que cometeu. Ele está disposto a te ouvir e, talvez, a encontrar uma forma de te ajudar a recomeçar. Ele quer ser parte da solução, não do problema." Jonas riu, mas não era uma
risada de alegria; era amarga, carregada de dor. "Recomeçar?" perguntou ele com sarcasmo. "Acha que existe um recomeço para mim, Amanda? Acha que, depois de tudo que perdi, posso simplesmente voltar atrás e reconstruir uma vida que já foi destruída? O que ele pode me dar agora que me faria querer tentar de novo?" Amanda não recuou diante da dor de Jonas. Ela sabia que ele estava machucado, mas também sabia que, por baixo de toda aquela raiva, havia uma parte dele que ainda queria desesperadamente encontrar algum tipo de paz. "Talvez ele não possa te devolver tudo o que
você perdeu." admitiu Amanda com sinceridade. "Mas ele pode te dar a chance de seguir em frente sem carregar esse peso." "Jonas, eu vejo como essa mágoa te consome e sei que, no fundo, você quer mais do que isso. Você merece mais do que isso." Jonas ficou em silêncio, sua expressão vacilando entre a raiva e a tristeza. Ele sabia que Amanda estava certa; parte dele queria seguir em frente, queria se livrar da carga emocional que o mantinha preso ao passado, mas outra parte de si ainda estava aterrorizada com a ideia de abrir mão do ódio que
havia sustentado sua identidade por tantos anos. "E se eu não conseguir?" perguntou ele, sua voz mais baixa agora, quase um sussurro. "E se eu não souber viver sem essa raiva? É tudo que eu conheci." Portanto, tempo. Amanda se inclinou mais para a frente, segurando as mãos de Jonas, um gesto de empatia e apoio. "Você não está sozinho," disse ela com a voz suave, mas firme. "Eu estou aqui e meu pai também está disposto a fazer parte desse processo. Vocês dois foram destruídos por decisões ruins, mas não precisam continuar assim. Talvez demore, talvez não seja fácil,
mas eu acredito que você pode encontrar um novo caminho. E se der o primeiro passo, nós estaremos com você." Jonas olhou para as mãos de Amanda segurando as suas. Por um momento, parecia que o mundo havia parado. Ele respirou fundo, fechando os olhos brevemente, como se estivesse tentando tomar uma decisão que o assombrava há muito tempo. Quando abriu os olhos novamente, havia algo diferente neles: uma hesitação, mas também um vislumbre de esperança. "Por que fosse eu? Eu não sei se estou pronto para isso," disse ele com a voz embargada. "Mas talvez você esteja certa. Talvez
seja a hora de tentar." Amanda sorriu suavemente, sentindo que aquele momento era um avanço. Não era uma vitória completa, mas era um começo, e era tudo que ela podia pedir. "Isso é tudo que eu peço," Jonas, disse ela com ternura. "Apenas tente. Deixe essa porta entreaberta e o resto virá com o tempo." Jonas a sentiu lentamente, ainda incerto, mas com uma pequena chama de esperança acesa dentro de si. "Tudo bem," disse ele. "Finalmente, eu vou ouvir o que seu pai tem a dizer, mas não prometo nada além disso." Amanda sorriu, sabendo que aquele simples "tudo
bem" era o maior passo que Jonas havia dado em anos. "Isso já é o suficiente," agora respondeu ela, levantando-se da cadeira. "E eu vou estar lá com você em cada passo desse processo." Jonas assentiu, observando Amanda enquanto ela se preparava para sair. Ela sabia que o caminho à frente seria difícil, mas naquele momento havia uma sensação de que algo bom poderia finalmente surgir daquela dor. E, pela primeira vez em muito tempo, Amanda sentiu que a escuridão que envolvia Jonas e seu pai estava começando a se dissipar, mesmo que apenas um pouco. Enquanto Amanda deixava a
sala, ela olhou para trás uma última vez e viu Jonas sentado ali, mais calmo, mais introspectivo. Ela sabia que a jornada ainda estava apenas começando, mas agora havia algo mais poderoso guiando aquele processo: a esperança. E, com isso, Amanda sentiu que estava pronta para enfrentar o futuro, não importando o quão difícil fosse. Nos dias que se seguiram à conversa com Jonas, Amanda sentiu a ação crescer em seu peito. O primeiro passo havia sido dado: Jonas estava disposto a ouvir o que Carlos tinha a dizer, algo que parecia impossível há pouco tempo. Contudo, a ideia de
reunir os dois homens cujas vidas haviam sido entrelaçadas e destruídas por escolhas amargas deixava Amanda nervosa. Ela sabia que aquele encontro carregava um peso enorme, tanto para Jonas quanto para seu pai, e para ela era a chance de finalmente tentar trazer algum tipo de paz para todos. Depois de discutir com Jonas sobre onde seria o melhor local para o encontro, Amanda sugeriu um lugar neutro: um pequeno parque que ficava distante da agitação da cidade. Era um lugar tranquilo, rodeado por árvores, onde a conversa poderia fluir sem interrupções. Ela sabia que nem Jonas nem seu pai
se sentiriam à vontade em ambientes carregados de lembranças ou de poder. Carlos estava relutante a princípio; não era fácil para ele encarar o passado, especialmente quando sabia que suas decisões haviam impactado tão profundamente a vida de Jonas. Mas Amanda insistiu e, no fundo, Carlos sabia que precisava enfrentar as consequências de suas escolhas. Ele também sabia que aquela poderia ser sua única chance de fazer as pazes com um homem que, por tantos anos, o culpou por sua ruína. Na manhã do encontro, Amanda chegou ao parque cedo. O ar estava fresco e o som dos pássaros misturava-se
ao sussurro suave das árvores. Ela caminhou nervosamente, checando o celular de tempos em tempos, aguardando a chegada de Jonas e de seu pai. Cada minuto que passava fazia seu coração bater mais forte, como se ela estivesse à beira de algo muito maior do que imaginava. Pouco tempo depois, Carlos apareceu. Ele usava um terno casual, algo bem diferente da formalidade que costumava exibir em seus encontros de negócios. Parecia desconfortável, o que era compreensível, dada a situação que estava por vir. Amanda notou o olhar tenso em seu rosto, mas também percebeu algo mais: uma determinação silenciosa de
fazer as coisas de maneira correta, pelo menos desta vez. "Ele já chegou?" perguntou Carlos, tentando esconder a apreensão na voz. "Também não," respondeu Amanda com um leve sorriso, tentando confortá-lo. "Mas ele virá. Eu conversei com ele e ele disse que está disposto a te ouvir." Carlos assentiu, sem dizer mais nada, olhando para o horizonte como se estivesse se preparando para uma batalha interna. Poucos minutos depois, Amanda avistou Jonas caminhando em direção ao parque. Ele parecia mais abatido do que o normal; suas roupas desgastadas e seu rosto marcado pelo tempo e pelas dificuldades, mas havia algo
em sua postura que... indicava que ele também estava pronto para enfrentar o passado. Quando seus olhos encontraram os de Amanda, ele deu um leve aceno, e ela soube que ele estava ali não por obrigação, mas porque, de alguma forma, queria resolver as coisas, mesmo que ainda houvesse dor. — Jonas, disse Amanda, caminhando até ele. — Obrigada por ter vindo. — Eu disse que tentaria, respondeu ele, sem emoção, seus olhos evitando Carlos, que esperava alguns metros de distância. — Vamos ver o que ele tem a dizer. Amanda sentiu o peso das palavras de Jonas, mas sabia
que já era um grande avanço o simples fato de ele estar ali. Ela o guiou até onde Carlos estava, e os dois homens se encararam pela primeira vez em anos. O silêncio que se seguiu foi espesso, quase palpável. Ambos se estudaram por alguns segundos, como se estivessem tentando se reconectar com a memória do passado, com quem foram. — Carlos foi o primeiro a falar, quebrando o gelo que parecia congelar o ar ao redor deles. — Jonas, disse ele, com a voz firme, mas carregada de sinceridade. — Sei que demorei muito para dizer isso e sei
que talvez já seja tarde demais, mas é… sinto muito pelo que aconteceu entre nós. Não estou aqui para tentar justificar as minhas decisões, mas para reconhecer que elas te machucaram de uma forma que eu nunca quis. Eu errei. As palavras de Carlos pairaram no ar por alguns segundos. Amanda observava a reação de Jonas, sem saber o que esperar. Ela sabia o quanto aquelas palavras poderiam significar para ele, mas também sabia que perdoar não era algo que Jonas conseguiria fazer com facilidade. Jonas finalmente ergueu os olhos para Carlos. Havia uma mistura de emoções em seu rosto:
raiva, dor e uma sombra de alívio. Ele respirou fundo antes de responder: — Você errou, disse Jonas, com a voz firme, mas sem o tom agressivo que Amanda temia. — Você me deixou para trás quando mais precisava de você. Eu confiava em você, Carlos. Nós éramos parceiros. Eu construí aquela empresa ao seu lado e, no momento em que as coisas começaram a desmoronar, você me abandonou. Não foi só o negócio que eu perdi, eu perdi tudo. Carlos assentiu, aceitando as palavras de Jonas com a expressão pesada de quem sabia que tudo aquilo era verdade. —
Eu sei, disse Carlos, sua voz mais suave agora. — Eu sei que te deixei sozinho no momento em que você mais precisava, e lamento por isso todos os dias. Na época, achei que estava fazendo o que era certo para salvar o que restava. Mas, ao fazer isso, destrui não só a nossa parceria, mas a sua vida, e isso é algo que eu carrego comigo. O silêncio voltou a pairar entre eles. Amanda observava atentamente, sentindo a tensão nas palavras. Jonas parecia estar lutando consigo mesmo, sua raiva se chocando com o cansaço emocional de carregar tanto rancor
por tanto tempo. — Eu não sei se posso te perdoar, disse Jonas, finalmente, sua voz mais suave agora, quase um sussurro. — Mas o que eu sei é que carregar esse ódio por tanto tempo não me levou a lugar nenhum. Eu perdi tudo, Carlos, e, por muitos anos, achei que a única coisa que me restava era raiva. Mas vendo você aqui agora, eu percebo que talvez seja a hora de deixar isso para trás. Amanda sentiu uma onda de alívio ao ouvir aquelas palavras. Ela sabia que o caminho para o perdão completo ainda era longo, mas
aquela admissão de Jonas era um primeiro passo. — Não estou te pedindo para me perdoar, disse Carlos, sua voz firme, mas humilde. — Estou te pedindo apenas uma chance de, de alguma forma, tentar corrigir o que fiz. Sei que não posso te devolver o que perdeu, mas posso pelo menos estar aqui agora, disposto a ouvir e a tentar ajudar no que você precisar. Jonas ficou em silêncio, seus olhos fixos no chão, como se estivesse refletindo profundamente sobre aquelas palavras. Amanda podia ver a batalha interna que ele, um homem que havia sido destruído pelo orgulho, agora
confrontado com a oportunidade de reconstruir algo, mesmo que pequeno. — Eu aceito isso, disse Jonas, depois de um longo momento, sua voz baixa. — Eu aceito que talvez seja hora de deixar esse passado para trás, mas não será fácil, Carlos. E eu não sei se algum dia conseguirei realmente perdoar você, mas estou disposto a tentar. Carlos sentiu, respeitando a honestidade de Jonas. — Isso é tudo o que eu poderia pedir, disse ele, com um leve sorriso. — E eu estarei aqui, Jonas, sempre que você estiver pronto. Amanda sentiu o peso finalmente começar a se dissipar.
Ela sabia que o perdão total levaria tempo, talvez anos, mas naquele momento, algo havia mudado. Jonas e Carlos, dois homens destruídos por decisões do passado, agora estavam dispostos, pelo menos, a tentar. Ela deu um passo para trás, observando os dois homens em silêncio. Por mais que ainda houvesse dor entre eles, agora havia uma porta entreaberta, uma chance de redenção para ambos. E enquanto o vento soprava levemente pelas árvores ao redor, Amanda soube que aquele era o começo de uma nova jornada, não apenas para Jonas e Carlos, mas também para ela, uma jornada em que a
verdade, o perdão e o recomeço seriam os pilares para a construção de algo novo, algo mais forte. Agora, eles tinham a chance de deixar o passado para trás e, com o tempo, talvez a paz finalmente os encontrasse. Algumas semanas se passaram desde o encontro no parque. Amanda observava com atenção e cautela o lento progresso entre seu pai e Jonas. Não era algo fácil, e ela sabia que não seria. Cada passo em direção a uma possível reconciliação era meticuloso, quase frágil, como se qualquer movimento brusco pudesse derrubar a pequena ponte que eles estavam tentando construir. Mas
havia esperança; esperança de que, com o tempo, as feridas profundas pudessem se não ser curadas completamente, pelo menos... Serem suavizadas durante esse período, Carlos havia começado a frequentar um projeto social na periferia da cidade, onde Jonas, com a ajuda de Amanda, encontrou uma pequena comunidade de apoio para moradores de rua e pessoas em situações vulneráveis. Para Amanda, aquela era uma oportunidade de ambos reconstruírem suas vidas de maneiras diferentes. Carlos, por um lado, estava redescobrindo uma forma de contribuir para a sociedade que ia além dos negócios e do dinheiro. Jonas, por outro, estava aprendendo a se
reerguer, aos poucos, com a ajuda de pessoas que o entendiam. Amanda sentia que, mesmo com os desafios, estava finalmente caminhando em direção à paz que tanto desejava. Naquele dia, ela decidiu visitar o projeto social e ver como seu pai e Jonas estavam lidando com a nova dinâmica. Quando chegou ao centro comunitário, o sol estava se pondo, lançando um brilho dourado sobre o prédio simples, mas acolhedor. Amanda atravessou a pequena entrada, onde várias pessoas estavam reunidas, conversando e trocando histórias. Era um ambiente de apoio mútuo, algo que Jonas, por tanto tempo isolado em seu próprio sofrimento,
havia começado a experimentar de maneira nova. Carlos estava ali, sentado em um banco de madeira, observando um grupo de homens e mulheres que participavam de uma oficina. Era um quadro que Amanda nunca imaginou ver: seu pai, sempre o homem do terno e da postura rígida, agora parecia mais relaxado, mais em paz. Havia uma suavidade em sua expressão, como se ele estivesse aprendendo algo profundo sobre si mesmo e sobre o mundo ao seu redor. “Pai!” chamou Amanda, ao se aproximar. Carlos se levantou, um sorriso leve aparecendo em seu rosto ao ver a filha. “Amanda!” disse ele,
com uma expressão de genuíno contentamento. “Que bom que veio! Eu estava esperando você. Como as coisas estão indo?” perguntou ela, sentando-se ao lado dele. Carlos olhou para o grupo à frente e suspirou, mas dessa vez não havia peso em seu suspiro; era um suspiro de aceitação. “Está sendo desafiador, mas no bom sentido,” admitiu ele. “Nunca pensei que estaria aqui, neste tipo de lugar, fazendo esse tipo de coisa. Mas, honestamente, acho que nunca me senti tão conectado a algo maior do que eu. Ver essas pessoas, suas histórias, e saber que, de alguma forma, posso ajudar... isso
me mudou.” Amanda sorriu, sentindo o coração aquecer. A jornada de seu pai para se reconectar com o que realmente importava estava longe de terminar, mas ele havia feito um progresso que ela nunca imaginou possível. Aquilo não apagava o que havia acontecido no passado; dava um novo significado à vida que ele havia escolhido levar a partir daquele momento. “Fico feliz por você, pai,” disse Amanda, com sinceridade. “Isso é o que você precisa: uma maneira de encontrar redenção, de fazer as coisas de maneira diferente.” Carlos assentiu, mas antes que pudesse responder, Jonas apareceu à distância, caminhando em
direção a eles. Amanda sentiu um leve frio na barriga; ainda que a relação entre Jonas e Carlos estivesse melhorando lentamente, cada interação entre eles era um pequeno teste. Jonas parecia mais forte do que nas semanas anteriores; estava mais limpo, com roupas que o centro comunitário havia fornecido, e sua postura não era mais a de um homem quebrado, mas de alguém que estava reaprendendo a andar com as próprias pernas. “Amanda,” disse Jonas, quando se aproximou. “Bom te ver.” “Bom te ver também,” respondeu ela, com um sorriso caloroso. Jonas olhou para Carlos e houve um breve silêncio.
Não era um silêncio desconfortável, mas sim um momento de entendimento entre os dois homens. Eles já haviam trocado algumas palavras durante os encontros no centro comunitário, e cada conversa parecia suavizar as tensões que ainda restavam entre eles. “Estava conversando com o coordenador do projeto,” disse Jonas, quebrando o silêncio. “E acho que vou tentar algo novo. Eles têm um programa para ajudar pessoas a encontrar empregos estáveis, a começar de novo, e acho que estou pronto para isso.” Amanda sentiu um sorriso se espalhar por seu peito ao ouvir aquelas palavras; era o tipo de progresso que ela
sonhava em ver, mas não esperava tão cedo. “Isso é incrível!” exclamou ela, com genuína empolgação. “Você merece essa oportunidade.” Carlos assentiu, claramente impressionado com a mudança em Jonas. “Fico muito feliz por você,” Jonas disse ele, com um tom de voz sincero. “Eu sei que o caminho foi longo e difícil, mas ver você aqui, pronto para dar esse passo, me dá esperança. Se precisar de qualquer coisa, qualquer tipo de ajuda, estarei por aqui.” Jonas olhou para Carlos e, por um momento, Amanda achou que ele ficaria em silêncio. Mas então, para sua surpresa, Jonas deu um leve
aceno de cabeça. “Agradeço,” Carlos disse ele, calmamente. “Eu acho que, depois de tudo, estou começando a perceber que o ódio não vai me levar a lugar nenhum. Passei tanto tempo culpando você, a mim mesmo, o mundo. Agora vejo que, se eu quiser mudar, eu preciso deixar isso para trás. Não vai ser fácil, e eu não sei se algum dia vou te perdoar completamente, mas estou disposto a seguir em frente.” Amanda sentiu as lágrimas começarem a se formar em seus olhos. Era um momento que ela esperou durante tanto tempo. O perdão completo talvez nunca viesse, mas
Jonas estava disposto a deixar o passado para trás. Ele não estava mais preso à raiva que o consumia, e, para Carlos, aquilo era tudo que ele poderia pedir: uma chance de se redimir, mesmo que o perdão completo nunca fosse alcançado. “Acho que estamos todos prontos para seguir em frente,” disse Amanda, com a voz suave, enquanto olhava para os dois homens à sua frente. “O passado foi doloroso, mas agora temos uma nova chance, uma chance de fazer diferente.” Carlos e Jonas a sentiram, e Amanda sentiu que aquele momento, embora simples, era um marco importante na vida
deles. Não era o fim da jornada, mas era o começo. De algo novo, algo melhor. Os três permaneceram sentados, observando o sol se pôr no horizonte, iluminando o céu com tons dourados e laranjas. Era um do sol diferente, um que Amanda sabia que marcava o fim de um capítulo sombrio e o início de algo mais brilhante. Ali, no silêncio confortável que os envolvia, Amanda finalmente sentiu a paz que tanto procurava. Havia ainda muitas estradas a serem percorridas, mas pela primeira vez em muito tempo, ela sabia que todos estavam caminhando na direção certa. A verdade havia
sido revelada, as mágoas enfrentadas, e agora, com o tempo, a cura, porque no final era isso que todos eles estavam procurando: uma nova chance de encontrar a luz no fim do túnel.